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Movimentos perigosos na Petrobras e no BNDES

Cuidado com golpes em preparação na Petrobras e no BNDES, por Luis Nassif

“Os últimos dias de Pompéia, do governo Bolsonaro, estão provocando movimentos perigosos de boicote. Seria bom que os responsáveis avaliassem melhor as consequências sobre eles próprios.

O caso mais escandaloso é o da Petrobras, com a diretoria e o conselho decidindo antecipar dividendos sobre lucros futuros. Não vai terminar bem. Seria bom esse pessoal pesar bem as consequências, porque poderá resultar em desdobramentos criminais.

O segundo caso é o do BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social) pretendendo antecipar recursos para o Tesouro Nacional. Se a economia está em crise e o presidente eleito declarou a relevância do BNDES para ajudar na recuperação, a decisão de antecipar o pagamento – e esvaziar o banco – configura-se claramente um boicote e uma usurpação das funções de um governo que acabou de ser eleito e que, a partir de 1o de janeiro, assumirá o controle da economia.

Seria relevante que o Ministério Público Federal e o próprio Tribunal de Contas da União analisassem esses dois movimentos. No caso da Petrobrás, configura-se claramente uma apropriação indébita, com amplo prejuízo para a empresa. No caso do BNDES, houve um boicote.

O tal do mercado
É impressionante como a mídia é canal de transmissão passivo do tal do mercado.

Há duas formas de obter o equilíbrio fiscal: através do aumento das receitas ou corte nas despesas.

Quando a economia está enfraquecida, corte nas despesas significa tirar recursos da economia, acentuando a queda da atividade e, consequentemente, da receita fiscal.

Gastos de governo significam receita da atividade privada e, como consequência, aumento da receita fiscal.

Se o nível de despesa é maior do que o nível futuro da receita, amplia-se a dívida. Se consegue alavancar a economia e colocá-la para funcionar, consegue-se crescimento com redução da dívida.

Nesses momentos de indefinição, no entanto, o mercado usa qualquer argumento para especular. Ontem, além das declarações de Lula, utilizaram até a indicação de Guido Mantega para o grupo de transição do Planejamento para especular. E a mídia cai em todas.

Por aqui, a mídia trata como mercado o grupo de operadores de mesa, interessados apenas nos resultados imediatos. Os pesos-pesados, gestores de grandes fundos internacionais, incluindo a parte racional brasileira, têm outra visão. O fator mais preocupante, hoje em dia, é a questão do aquecimento ambiental. E a pauta-chave é a preservação da Amazônia.

Nesse quadro, Lula torna-se uma liderança avalizada globalmente por dois fatores: a defesa do meio ambiente e a liderança contra a ultradireita mundial.

Sem Lula, ambas as batalhas globais perdem muito. Daí o fato de que haverá enorme apoio ao governo Lula, e financiamento abundante para a transição energética do país. Quando as vozes maiores se fizerem ouvir, os bravos setoristas de mercado deixarão de tratar meros operadores como se fossem os deuses ex-machina da economia.”

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Moro e Dallagnol: política e podridão

Por Antônio Sérgio Valente

Os lavajatistas questionaram as palestras do Lula, não teriam existido, seriam mera lavagem de dinheiro.

Lula provou uma por uma, com folders, videos, contratantes, notas fiscais. Tudo certinho.
Calaram a boca.

Vasculharam o apartamento do Lula, o outro apartamento que Lula alugava, diziam que era dele mas travestido de locação, outra lavagem de dinheiro.
Provou-se que era de fato locação, que os aluguéis eram pagos regularmente por Lula. Ainda sobre os endereços de Lula: nada de irregular encontraram nos forros de gesso, nos colchões, nos computadores, nos armários, e olhem que examinaram com lupa de Sherlock Holmes e ultrassom até o tablete do netinho Arthur (na minha opinião este foi o CRIME mais grave e desumano cometido pela LJ), que ficaria muito abatido com aquela violência judiciária, ao cabo inútil : não acharam um centavo sequer irregular em nome de Lula, de seus familiares e amigos, no Brasil ou no exterior, em conta PJ nativa ou offshore. Nada vezes nada. Zero.
Calaram a boca.

Disseram que o sítio da família Bittar havia anos, grandes amigos de Lula de outros carnavais — alegravam-se juntos em fins de semana ali, fizeram a cortesia de permitir ao hóspede ilustre e sua família o uso de uma suíte num anexo que acomodava também os seguranças que a União oferece a ex-presidentes —, disseram que o sítio era do Lula, outra lavagem de dinheiro camuflada.
Pois bem: provou-se fartamente, por documentos e testemunhas, que o imóvel era de fato da família Bittar e os Lula da Silva eram hóspedes e ilustravam com sua presença o imóvel dos anfitriões amigos.
Calaram a boca, não sem antes acusar e difamar.

Então inventaram a delação de um triplex por diretor preso de uma construtora, louco para se livrar do cárcere: o triplex seria do Lula, propina por vantagem indeterminada, e não estava no nome dele porque se tratava de lavagem de dinheiro. Ou seja, fizeram da falta de prova uma prova de crime qualificado, para arrepio do mundo jurídico.
Provou-se documentalmente que o triplex jamais foi de Lula, que apenas lhe fora oferecido em troca de outro apartamento que a esposa de Lula tinha no empreendimento original vendido na planta pela Bancoop; depois da quebra desta, o projeto inteiro foi alterado e assumido pela OAS. Lula não aceitou a permuta quando de sua única visita ao empreendimento inacabado, alegando problemas nas articulações da esposa, muitas escadas no triplex, planta com distribuição inadequada para as necessidades de um ex-presidente (sem condições de alojar seguranças). O tal diretor preso da OAS insistiu na tentativa de venda, colocaria elevador interno, Lula previu que continuaria inadequado, ainda assim o diretor sabia que não seria fácil vender um apartamento como aquele, faria a alteração que tinha em mente, sem compromisso, a esposa e o filho de Lula decidissem se interessaria para alguém da família. Novamente, em segunda vistoria por Marisa e Fábio, adequações internas em curso adiantado, não houve interesse, a torre do elevador apequenou ainda mais uma sala num piso e uma saleta no de cima. Enfim, ponto final na tentativa frustrada de negócio. Fim, recusa dos “potenciais compradores”, dos “clientes em potencial”, não palavras da arquiteta e do empreiteiro contratados pela própria OAS, que no mesmo dia interromperam as alterações internas.
Tudo isso consta nos autos, há inclusive videos dos depoimentos.
MESMO assim, por falta de melhor acusação, condenaram LULA injustamente, na base do “cai na área que eu apito pênalti”, e assim o mantiveram encarcerado por 580 dias, em prisão CRIMINOSA, portanto, até que os recursos ao STF ANULASSEM a condenação por lawfare explícito, público e notório.
Teriam de calar as bocas podres de calúnia, injúria, difamação, violência processual, lawfare, perseguição ideológica, apreensão indevida de um tablete de uma criança…
Os lavajateiros ainda não pagaram por seus crimes, sequer foram acusados formalmente e julgados como o seriam em qualquer país minimamente civilizado. Continuam por aí, agora mostrando que de fato sempre tiveram lado, sempre enfiaram sua ideologia de direita nos processos que envolviam Lula.

O pior é que ainda hoje as penas dos travesseiros espalhadas aos quatro ventos por esses criminosos operadores do Direito continuam voando por aí, em mentes e línguas de hombridade duvidosa ou apenas midiotizadas.

Essa é uma breve amostra do mal que se fez.
Mas houve muito mais: falaram numa suposta “maior fazenda do Brasil” que pertenceria a um filho do Lula. Mentira descarada: nem fazenda, nem maior, nem coisa nenhuma, pura invenção.

Foi assim que se construiu a narrativa PANfleteira de midiotizadores, muitos dos quais — eles sim!!! — se locupletam com anúncios e até com concessões de rádio e TV. Rataiada que aprecia um bom queijo massa… grátis… claro.

Podridão.

Oxalá venha a mudança e as coisas sejam recolocadas em seus lugares. O mal já foi feito e estamos pagando por ele.

E ponho aqui o ponto final, com escusas ao leitor pelo bifão. É que continuo vendo as tais penas das calúnias voando por aí e isso me incomoda.

Observação: eu escolhi o título do artigo

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Que o Brasil supere, de vez, a passagem pelo inferno

MIA COUTO

Aconteceu a mim o oposto do que sucedeu com Pedro Alvares Cabral: encontrei você, Brasil, pensando que era a minha própria terra. Não tive nem barco, nem mar. Quem viajou foram vozes brasileiras que entraram na minha casa como se não houvesse porta. Essas vozes falavam de uma nação distante que guardava África nas suas raízes e misturava África nas suas sementes.

Na minha varanda, desembarcou o mar de Dorival Caymmi, desembarcaram os versos de João Cabral, de Bandeira, desembarcou a prosa de Drummond, Amado, Machado, Rosa e Graciliano. Havia um idioma que era o de Moçambique, mas que já era um outro. E havia um lugar que me abraçava com os meus próprios braços. Esse parentesco era motivo de orgulho dos moçambicanos que, enchendo o peito, avisavam o mundo: olha que temos um irmão que se chama Brasil!

Em 1975, já Moçambique livre e independente, chegaram dezenas de brasileiros que fugiam do regime militar que se tinha instalado à força em Brasília. Esse país que eu idealizara como um lugar de afeto e harmonia era, desde 1964, governado pelo ódio, pelo medo e pela violência. Os brasileiros que buscavam refúgio político em Moçambique eram pessoas tão generosas, solidárias e afáveis e era difícil aceitar que a maior parte deles tivessem sido perseguidos, presos e torturados.

Finalmente, em 1987, viajei para o Brasil, dois anos depois da democracia ter sido reinstalada. Foi como encontrar finalmente um pretendente com quem, durante anos, namorou por carta. Neste caso, não houve desilusão. Pelo contrário, a paixão pela gente e pela terra brasileira não me deixou ver a ruga e a mácula. Encontrei um Brasil que eu tinha romantizado.

Sob essa capa de doçura e afabilidade havia uma outra dimensão de violência que era filha e neta da brutalidade colonial. Eu tinha visitado você, Brasil, como aqueles sujeitos que clamam serem cegos para raças e, desse modo, não são capazes de ver o racismo.

Essa cegueira seletiva fez com que, décadas depois, me surpreendesse o fato de os brasileiros terem elegido para presidente um homem que declara sentir saudades da ditadura e que celebra como referência moral um torturador no regime militar. Um presidente que substitui o diálogo pela ameaça das armas e que manifesta a maior indiferença perante a morte e o sofrimento dos seus compatriotas. Houve, admito, um Brasil que foi mais sonho do que realidade. Mas este você de hoje é um pesadelo bem real.

O meu maior desejo é que os brasileiros superem de vez e para sempre esta sua passagem pelo inferno. O Brasil que ganhou o respeito do mundo não pode ser representado senão por alguém que celebra a vida e que defende o tesouro maior da nação brasileira: a infinita diversidade do seu passado e pluralidade do seu futuro.

Não é apenas um desejo pessoal. E uma certeza: você vai se levantar, vai sacudir a poeira e vai dar a volta por cima.

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Como fabricar idiotas úteis

Do filósofo alemão Günther Anders, 1956.
′′Para sufocar antecipadamente qualquer revolta, não deve ser feito de forma violenta. Métodos arcaicos como os de Hitler estão claramente ultrapassados. Basta criar um condicionamento coletivo tão poderoso que a própria ideia de revolta já nem virá à mente dos homens. O ideal seria formatar os indivíduos desde o nascimento limitando suas habilidades biológicas inatas…
Em seguida, o acondicionamento continuará reduzindo drasticamente o nível e a qualidade da educação, reduzindo-a para uma forma de inserção profissional. Um indivíduo inculto tem apenas um horizonte de pensamento limitado e quanto mais seu pensamento está limitado a preocupações materiais, medíocres, menos ele pode se revoltar. É necessário que o acesso ao conhecimento se torne cada vez mais difícil e elitista… que o fosso se cave entre o povo e a ciência, que a informação dirigida ao público em geral seja anestesiada de conteúdo subversivo.
Especialmente sem filosofia. Mais uma vez, há que usar persuasão e não violência direta: transmitir-se-á maciçamente, através da televisão, entretenimento imbecil, bajulando sempre o emocional, o instintivo. Vamos ocupar as mentes com o que é fútil e lúdico. É bom com conversa fiada e música incessante, evitar que a mente se interrogue, pense, reflita.
Vamos colocar a sexualidade na primeira fila dos interesses humanos. Como anestesia social, não há nada melhor. Geralmente, vamos banir a seriedade da existência, virar escárnio tudo o que tem um valor elevado, manter uma constante apologia à leveza; de modo que a euforia da publicidade, do consumo se tornem o padrão da felicidade humana e o modelo da liberdade.
Assim, o condicionamento produzirá tal integração, que o único medo (que será necessário manter) será o de ser excluído do sistema e, portanto, de não poder mais acessar as condições materiais necessárias para a felicidade. O homem em massa, assim produzido, deve ser tratado como o que é: um produto, um bezerro, e deve ser vigiado como deve ser um rebanho. Tudo o que permite adormecer sua lucidez, sua mente crítica é socialmente boa, o que arriscaria despertá-la deve ser combatido, ridicularizado, sufocado…
Qualquer doutrina que ponha em causa o sistema deve ser designada como subversiva e terrorista e, em seguida, aqueles que a apoiam devem ser tratados como tal.′′

  • Günther Anders, “A obsolescência do homem′′, 1956
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Atacar Sérgio Moro é uma boa estratégia?

Carol Proner

As últimas pesquisas mostram que Sérgio Moro não convence. Mesmo com padrinhos influentes na mídia, que o sustentam há anos, como se vê agora na sua enésima capa da Veja, o ex-juiz não decola e frustra os planos da terceira via. Como tal, opinam alguns, mereceria ser ignorado. No campo jurídico esse impasse do cômputo político também aparece, de que críticas podem evidenciá-lo e, ao fim, beneficiá-lo de forma inversa.
O dilema se instalou no meio jurídico após Moro, via twitter, recusar um convite do grupo Prerrogativas para um debate a respeito da Lava Jato. A recusa reavivou uma enxurrada de mensagens e artigos do grupo lembrando da conduta do ex-juiz na chefia da operação farsesca que abalou o curso natural da democracia brasileira.
É difícil esperar que juristas moderem suas críticas porque levamos anos dizendo a mesma coisa e é exasperante que o ex-juiz que feriu gravemente os interesses brasileiros tenha o descaramento de se candidatar. Aliás, essas mesmas críticas foram as que, muito antes da Vaza Jato, sempre identificaram no juiz a intencionalidade de condenar Lula sem provas e de capitanear um novo processo penal no Brasil, imediatamente compreendido pelos especialistas como um processo penal de exceção.
Faço um testemunho do dia em que a sentença condenatória do Triplex do Guarujá foi publicada, um dia trágico para o direito brasileiro. Era uma quarta-feira, 12 de julho de 2017, quando o professor Juarez Tavares me telefonou dizendo que deveríamos nos reunir imediatamente para avaliar a longa sentença, pois à primeira vista lhe parecia grave. Fomos para o escritório e ali, acompanhados dos professores Gisele Cittadino, Gisele Ricobom e João Ricardo Dornelles, decidimos organizar um livro-denúncia contra as aberrações jurídicas prolatadas por Sérgio Moro numa decisão de 217 páginas que é um documento ímpar do arbítrio judicial no Brasil.
Após extenuante trabalho de revisão e diagramação, o livro foi publicado menos de um mês depois da sentença e o resultado foi inesperado. Recebemos 103 artigos de 122 juristas que esmiuçaram o procedimento esclarecendo as regras efetivamente em vigor e concluindo, em uníssono, que se tratava de uma decisão injusta e ilegal.
Portanto, um mês após a decisão, já havia um livro com farto matéria técnico e acadêmico de uma centena de articulistas que fundamentavam a intencionalidade condenatória de Moro contra Lula.
Importante notar que muitos dos autores jamais votariam em Lula ou teriam qualquer relação com a esquerda partidária. O que convocou a todos foi a percepção de perigo iminente, de que poderia ser firmado grave precedente de atribuir a um réu a condenação por crimes de corrupção e lavagem de dinheiro a partir de fatos indeterminados com a justificativa de que era necessário combater a corrupção a qualquer preço. Em síntese, era o power point do Dallagnol tornado sentença.
Logo na apresentação da coletânea, o jurista Geraldo Prado destacou que o juiz recorreu a critérios de avaliação que convertem o ordinário em exceção: “O raciocínio condenatório que se apoia na exceção, recorre retoricamente a modelos jurídicos estrangeiros e traduz indevidamente conceitos penais – como salta aos olhos na condenação do ex-presidente por corrupção – fazendo letra morta da advertência da impossibilidade de transplantes do gênero, haveria de provocar vívida reação entre estudiosos do direito”.
O livro foi traduzido ao inglês e ao espanhol e motivou lançamentos em mais de 40 cidades no Brasil e no exterior, eventos levados pela Frente Brasil de Juristas pela Democracia, que depois viria a se institucionalizar na forma de Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD). Ali também se consolidava o papel do grupo Prerrogativas que, naquele momento, ainda confiava que os tribunais fariam justiça revertendo a aberrante decisão.
Poucos meses depois, e mesmo com todos os apelos e recursos impetrados pela ciosa defesa técnica, o acórdão do TRF4 confirmou a sentença contra Lula e deu razão às insinuações de que a Lava Jato fazia parte de uma estratégia maior de desestabilização política em curso no Brasil.
As escutas de Walter Delgatti ainda nem eram conhecidas quando lançamos, em maio de 2018, outro livro-denúncia, “Comentários a um acórdão anunciado”, organizado pelo mesmo grupo. Lembro-me que, às vésperas da decisão que possibilitaria a aplicação da pena antecipada de prisão a Lula, vivemos, Gisele Cittadino e eu, uma experiência incomum para professores de direito. A palestra que deveríamos proferir em Porto Alegre tinha como palco o carro de som da CUT estacionado em frente ao TRF4 e lá fomos nós, bastante surpreendidas e tímidas a princípio, mas logo entendendo que a luta pela presunção de inocência não estava nas academias de direito, mas nas ruas, e então soltamos a voz no megafone em direção às paredes moucas do Tribunal.
Essas são apenas algumas memórias entre tantas que vivemos, entre outros livros que lançamos depois e que fazem recordar a necessidade de denunciar a farsa jurídica que estava em curso e que prosperou graças à conivência dos tribunais superiores e da imprensa que hoje apoia o candidato Moro.
Cada um de nós do campo jurídico é capaz de lembrar onde estava no momento em que o habeas corpus a favor de Lula foi negado, abrindo alas para a espetaculosa prisão efetivada no Sindicado dos Metalúrgicos em São Bernardo do Campo. Ali, assim como nas decisões anteriores, nós fomos abatidos como juristas na defesa da Constituição e da democracia.
Com as revelações da Vaza Jato, os detalhes sórdidos da farsa jurídica tornaram-se finalmente conhecidos, embora só tardiamente reconhecidos pelo STF. Descobrimos que o MPF de Curitiba, liderado por Dallagnol, operava uma espécie de organização criminosa em conluio com Moro e integrantes da Polícia Federal, praticando ilegalidades no esquema de cooperação internacional com autoridades americanas. Com o passar do tempo e as revelações divulgadas, também percebemos que os integrantes do conluio tinham pretensões políticas, de formar o partido da Lava Jato, o que agora se confirma com a pré-candidatura de Moro. A mera candidatura de Moro, acompanhada por um livro autobiográfico que é pleno de cinismos e mentiras, é a demonstração de que a farsa ainda não acabou.
Os meandros da operação não são totalmente conhecidos e as consequências da Lava Jato ainda precisam ser mensuradas, mas o que está cada vez mais evidente é que a intencionalidade do ex-juiz que condenou Lula e o tirou da corrida eleitoral de 2018 vai além da saga contra o Partido dos Trabalhadores. Seja estagiando como Ministro de Jair Bolsonaro ou atuando como advogado em firma estadunidense, as conexões de Sérgio Moro com órgãos de inteligência daquele país sempre foram prioridade.
Nesse sentido, nem que seja por estratégia pedagógica, acredito que os integrantes do grupo Prerrogativas, do qual faço parte, e também da ABJD, do MP Transforma, da AJD e de tantas outras entidades que reúnem defensores das garantias jurídicas, devem sim seguir denunciando as atitudes perversas de um ex-servidor público que tem como traço de personalidade a perfídia.
Sérgio Moro desmereceu a toga para perseguir adversários políticos beneficiando interesses próprios quando não obscuros. Como Ministro, defendeu o excludente de ilicitude e outras teses punitivistas. Como advogado, traiu a profissão atuando, num evidente conflito de interesses, em processo de recuperação judicial no qual foi o juiz.
Acertam também os que o criticam em nome da memória histórica e do direito à reparação. Se é verdade que fomos vítimas de um golpe de novo tipo, menos ostensivo, híbrido, também é verdade que precisamos de algum tipo de justiça de transição para seguir adiante, pois são inúmeras suas vítimas diretas e indiretas.
E se Moro pretende se candidatar à Presidência depois de tudo o que fez, deve ser exposto por inteiro à luz dos holofotes.”

(Carol Proner é advogada, doutora em direito, membro do Grupo Prerrogativas e da ABJD)

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Brasil: seguindo a matriz

Não tem a mínima chance de dar certo com Guedes e Bolsonaro, se o certo for um futuro para as pessoas no Brasil com acesso à Saúde, Educação, emprego digno, paz social, equilíbrio econômico e meio ambiente limpo, ou seja, vida digna para todos, sem distinção de cor, sexo e classe social.

Eles estão implementando uma política econômica contracionista, austericida, que desvia recursos da maioria da população e os transfere para o Estado e para um grupo pequeno de empresários oligopolistas.

Na ditadura, que começou em 1964 e desabou podre em 1985, cheia de cupins, gafanhotos, tortura, assassinatos e corrupção, um daqueles generais que eram nomeados presidentes pelos seus amigos de farda declarou, perplexo, que: “a Economia vai bem, mas o povo vai mal”.

Esse general nunca aprendeu uma regra básica, simples: se o povo vai mal, o Estado e o mercado (que é o que eles chamam de Economia) não podem ir bem. Guedes e Bolsonaro repetem exatamente o mesmo erro dos generais da ditadura: estão alheios à realidade que os cerca. Fingem não ouvir os apelos e insistem em ideias ultrapassadas que levaram outros países ao caos social e econômico.

Alguns generais ainda hoje, em pleno ano de 2020, demonstram um descolamento da realidade e dos fatos que assustam qualquer cidadão minimamente preocupado com o futuro do Brasil. Um desconhecia o que era o SUS, mesmo tendo sido nomeado ministro da Saúde e outro, que exerce a função de vice-presidente, elogiou o mais produtivo e sanguinário dos torturadores da ditadura de 1964 no Brasil.

Vai demorar um pouco para as pessoas sentirem na pele que suas vidas prioraram.

Quando acordarem, corremos o risco de parte desse povo, contaminada pelas notícias falsas e tomada pelo ódio, se torne ainda mais radical e comece a assassinar, à luz do dia, aqueles que ela considera seus inimigos, pois está armada e organizada em falanges e milícias.

Nos Estados Unidos foram descobertos pelo FBI, e presos, treze integrantes de uma milícia paramilitar neonazista que planejava sequestrar a governadora democrata de Michigan Gretchen Whitmer e outras autoridades do estado antes das eleições presidenciais de novembro próximo. O plano envolvia, ainda, um “julgamento por traição” contra a governadora democrata, nos moldes do grupo Estado Islâmico.

Eles não estão brincando. Nós não podemos fingir não ver.

Fontes da notícia: G1, nbcnews, CNN, BBC.

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O SÉCULO XXI PEDE PASSAGEM

O SÉCULO XXI PEDE PASSAGEM
Adhemar Bahadian
Informo o passamento do século XX, os cem anos mais amargos da modernidade. Como ainda está estrebuchando, seria mais certo dizer cento e vinte anos, porque até hoje chegam as pragas que periodicamente o infestaram.
Em 1914, nossos avós viveram a primeira guerra mundial. Em 1944, nossos pais morreram nas terras da Europa. Em 1964, sobrevivemos a uma ditadura militar. A partir dos anos 70, nos intoxicamos com o alucinógeno do neoliberalismo e em 1991 nos embebedamos em homenagem ao fim da história pela fantasia de uma globalidade dividida por profunda desigualdade social.
Agora, quando a história parece repetir-se e desaba sobre nós uma variante ainda mais malévola que a gripe espanhola, carro fúnebre do morticínio da primeira guerra, teremos a oportunidade de nos recriarmos? A história não se repete, os erros humanos é que se multiplicam, quase sempre em torno de nossa incapacidade de construirmos um mundo melhor.
Este coronavirus, queiramos ou não, nos transformará. Não há economia que dele sairá imune. Não há ideologia política que depois dele nos fará reconstruir um mundo carcomido por falácias e desfigurado por uma profunda injustiça entre países e, dentro deles, entre irmãos de sangue. Só o mais obtuso dos seres deixará de perceber que esta virulência do coronavirus nada mais é do que a metáfora de nossa vida dita humana, em que nos entre-devoramos tangidos pelas piores pulsões de nossos instintos e que, por isto mesmo, chamamos pulsão de morte.
Se hoje nos assusta o ataque sub-reptício de um vírus, nos deveriam apavorar as barbaridades dos poderosos deste mundo e suas máquinas de guerra ou de empobrecimento.
Tanto na primeira guerra quanto na segunda tivemos estadistas que nos propuseram mundo mais solidário. Mas tanto as ideias de Wilson e a Liga das Nações quanto o projeto de Roosevelt e as Nações Unidas já nasceram, a primeira, debaixo da insensatez da Paz de Versailles- berço sangrento de Hitler- e a segunda no rastro de fogo e horror de Nagasaqui e Hiroshima.
Terminada a guerra e desmantelados os sistemas coloniais, iniciamos uma corrida armamentista que abarrotou de ouro cofres públicos e privados e o imperialismo econômico substituiu com honras o pacto colonial.
Tivemos o desplante de culpar os escravos por sua condição abjeta. Fomos intolerantes a cor de pele, a religiões que não adoravam os nossos deuses e bestialmente erigimos altares em que se exibem os ricos e se ajoelham os pobres. Criamos a sociedade da intolerância e demos a ela o simpático disfarce de sociedade da abundância. Inscrevemos em moeda falsária, a sacrílega admoestação de que “in God we trust”.
A partir dos anos 60, abatemos a tiros líderes e mergulhamos em guerras que muito antes de nos vencerem talharam em nossos cânticos “de um mundo livre” a marca de ferro em brasa da hipocrisia.
E em 2008 desnudamos nossas mais deslavadas mentiras e apropriamos hipotecas de gente honrada em nome da cobiça e do canibalismo financeiro. Enterramos poupanças em areia movediça e transformamos sonhos em ilusões amargas antes de perdidas. E de tudo fizemos um caldo de cultura cozinhado no ódio e na mais absoluta indiferença à sorte de milhões de irmãos espalhados pelos quatro continentes e, pelos quatro, rejeitados ou expulsos. Jogamos literalmente milhares de irmãos aos ventos e às marés.
Fizemos da cena política um picadeiro. Elegemos, por ignorância ou míseras ideologias, estadistas de papelão, mágicos de oz das terras do faz de conta e nos alegramos com os coliseus modernos em que a violência se confunde com o entretenimento e desta espúria combinação surgem os grandes líderes que nos apontam os caminhos das guerras, da cobiça e do desrespeito.
Nossas cidades se tornaram armadilhas ardilosas e imensos covis. Andamos por elas como se atravessássemos zonas desmilitarizadas ou campos minados em que a cada movimento suspeito pode surgir o aço da lâmina ou o fogo da bala. Perdida ou não.
Voltamos às cavernas e nos olhamos uns aos outros com o olhar da suspeita e da desconfiança. Passiva e bovinamente acatamos os conselhos desavisados de nossos líderes a nos sugerirem comprar armas de grosso calibre e andarmos armados de destemida arrogância.
Somos vítimas de uma combinação canhestra em que a ignorância se associa à ideologia e aprofunda a pobreza e o desnível social, sempre a nos enganar com um canto de sereia marcial.
Nesta hora em que nosso eleito desrespeita cotidianamente a vida e o futuro de nosso povo, agarrado como craca nos cascos de um navio a pique, mais do que revolta, surge nos homens de bem uma profunda vergonha de termos compactuado com a mentira e a ideologia.
Hoje, parte da sociedade brasileira é vítima de sua própria cegueira. De mãos dadas com seu carrasco-redentor caminha impotente para sua hora final. Docilmente, apesar de alertada pelo próprio carrasco de que sua salvação depende apenas de sua determinação em salvar-se.
Talvez nossa efetiva sobrevivência comece no dia em que levarmos a sério esta frase que lhe escapou das pequenas e ainda não cerradas frestas de sanidade.
Tomemos o destino em nossas mãos. E enfrentemos o século XXI com a humildade que ele nos impõe e com a coragem que a vida nos exige.

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A essência do neoliberalismo, por Pierre Bourdieu

A essência do neoliberalismo, por Pierre Bourdieu.
12/03/202
Os economistas têm suficientes interesses específicos para contribuir decisivamente para a produção e reprodução da crença na utopia neoliberal. Apartados do mundo econômico e social efetivo, participam e colaboram para o desmantelamento das instituições e dos coletivos, mesmo se algumas de suas consequências lhes causem horror

Por Pierre Bourdieu*

Seria o mundo econômico, verdadeiramente, tal como insiste o discurso dominante, uma ordem pura e perfeita, dispondo implacavelmente a lógica de suas consequências previsíveis e prestes a reprimir todos os seus desvios com sanções que inflige, seja de maneira automática, seja – com maior exceção – pelo intermédio de seus braços armados, o FMI ou a OCDE, e das políticas que eles impõem: diminuição do custo da força de trabalho, redução das despesas públicas e flexibilização do trabalho? E se, na verdade, não se tratasse apenas da colocação em prática de uma utopia, o neoliberalismo, assim convertido em “programa político”, mas uma utopia que, com a ajuda de sua teoria econômica, passa a pensar a si mesma como a descrição científica do real?

Esta teoria tutelar é uma obra de pura ficção matemática, fundada, desde o princípio, numa formidável abstração: essa que, em nome de uma concepção tão estreita como estrita da racionalidade identificada à racionalidade individual, consiste em pôr entre parêntesis as condições econômicas e sociais das disposições racionais e das estruturas econômicas e sociais que são a condição de seu exercício.

Para compreender o tamanho desta omissão, basta pensar no sistema de ensino, que nunca é considerado enquanto tal num momento em que possui um papel determinante na produção de bens e serviços, assim como na produção dos produtores. Deste pecado original, inscrito no mito walrasiano[i] da “teoria pura”, brotam todas as falhas e deficiências da disciplina econômica, e a fatal obstinação com a qual ela se apega à oposição arbitrária, que ela mesma faz existir, por sua própria existência, entre a lógica propriamente econômica, fundada na concorrência e portadora da eficiência, e a lógica social, submetida à regra da igualdade.

Dito isso, essa “teoria” originalmente dessocializada e deshistoricizada tem, hoje mais do que nunca, os meios de se fazer verdadeira, empiricamente verificável. Na verdade, o discurso neoliberal não é um discurso como os outros. À maneira do discurso psiquiátrico nos asilos, segundo Erving Goffman[ii], trata-se de um “discurso forte”, que só é tão forte e difícil de combater justamente porque tem a seu favor todas as forças de um mundo de relações de força que ele mesmo contribui para produzir enquanto tal, especialmente ao orientar as decisões econômicas daqueles que dominam as relações econômicas e, assim, somar sua força própria, propriamente simbólica, a estas relações de força. Em nome deste programa científico de conhecimento, convertido em programa político de ação, produz-se um imenso “trabalho político”(denegado, posto que, em aparência, é puramente negativo) que visa a criar as condições de realização e de funcionamento da “teoria”; um programa de destruição metódica dos coletivos.

O movimento, possibilitado pela política de desregulamentação financeira, em direção à utopia neoliberal de um mercado puro e perfeito, realiza-se através da ação transformadora e, é preciso dizer, destrutiva de todas as medidas políticas (das quais a mais recente é o Acordo Multilateral sobre o Investimento, destinado a proteger as empresas estrangeiras e seus investidores contra os Estados Nacionais), visando pôr em questão todas as estruturas coletivas capazes de se antepor à lógica do puro mercado: nação, cuja margem de manobra não para de diminuir; grupos de trabalho, por exemplo, pela individualização dos assalariados e das carreiras em função das competências individuais e a atomização dos trabalhadores que resulta disso, sindicatos, associações, cooperativas; até mesmo a família, que, através da constituição dos mercados por agrupamentos etários, perde uma parcela de seu controle sobre o consumo.

O programa neoliberal, que obtém sua força social da força político-econômica daqueles cujos interesses exprime – acionistas, operadores financeiros, industriais, homens políticos conservadores ou socialdemocratas convertidos às reconfortantes renúncias do laisser-faire, altos funcionários das finanças (ainda mais árduos na imposição de uma política preconizando seu próprio declínio pois, diferentemente dos grandes empresários, não correm qualquer risco de ter de pagar pelas consequências) –, tende globalmente a favorecer a cisão entre a economia e as realidades sociais, e assim a construir, na realidade, um sistema econômico conformado à descrição teórica, isto é, uma espécie de máquina lógica que se apresenta como uma cadeia de restrições conduzindo os agentes econômicos.

A globalização dos mercados financeiros, acompanhada pelo progresso das técnicas de informação, garante uma mobilidade de capital sem precedentes e oferece aos investidores, preocupados com a rentabilidade de curto prazo de seus investimentos, a possibilidade de comparar de maneira permanente a rentabilidade das maiores empresas e de punir, por consequência, os fracassos relativos. As próprias empresas, colocadas sob tal ameaça permanente, devem se ajustar de maneira cada vez mais rápida às exigências dos mercados; isso sob a pena, como se costuma dizer, de “perder a confiança dos mercados”, e, de uma vez só, o apoio dos acionistas que, preocupados com obter uma rentabilidade de curto prazo, são cada vez mais capazes de impor sua vontade aos managers, de lhes fixar normas, por meio de diretrizes financeiras, e de orientar suas políticas em matéria de contratação, de emprego e de salário.

Assim se instauram o reino absoluto da flexibilidade, com os recrutamentos sob contratos de duração determinada ou os trabalhos temporários e os “planos sociais” reiterados, e, no interior mesmo da empresa, a concorrência entre filiais autônomas, entre equipes coagidas à polivalência e, enfim, entre indivíduos, por meio da “individualização” da relação salarial: fixação de objetivos individuais; entrevistas individuais de avaliação, avaliação permanente; altas individualizadas de salários ou concessão de bônus em função da competência e do mérito individuais; carreiras individualizadas; estratégias de “responsabilização” tendendo a assegurar a autoexploração de certos empresários que, simples assalariados sob forte dependência hierárquica, são ao mesmo tempo tidos como responsáveis por suas vendas, seus produtos, sua agência, sua loja, etc., sob a forma de “independentes”; exigência de “autocontrole” que estende a “implicação” dos assalariados, segundo as técnicas do “gerenciamento participativo”, para bem além do trabalho dos executivos. Estas são algumas das técnicas de assujeitamento racional que, ao impor o sobreinvestimento no trabalho, e não apenas naquele dos cargos de responsabilidade, e o trabalho na urgência, acabam por enfraquecer ou abolir as referências e as solidariedades coletivas[iii].

A instituição prática de um mundo darwiniano da luta de todos contra todos, em todos os níveis da hierarquia, que encontra a adesão ao trabalho e à empresa na insegurança, no sofrimento e no estresse, não poderia, sem dúvidas, ser completamente bem-sucedida se ela não encontrasse a cumplicidade das disposições precarizadas produzidas pela insegurança e pela existência, em todos os níveis da hierarquia, e mesmo nos níveis mais elevados, entre os empresários principalmente, de um exército de reserva de mão de obra docilizada pela precarização e pela ameaça permanente do desemprego. O fundamento último de toda esta ordem econômica posta sob o signo da liberdade é, com efeito, a violência estrutural do desemprego, da precaridade e da ameaça de demissão que ela implica: a condição do funcionamento “harmonioso” do modelo microeconômico individualista é um fenômeno de massa, a existência do exército de reserva de desempregados.

Esta violência estrutural influi também no que chamamos de contrato de trabalho (reconhecidamente racionalizado e desrealizado na “teoria dos contratos”). O discurso empresarial nunca falou tanto de confiança, de cooperação, de lealdade e de cultura empresarial quanto em uma época em que se obtém a adesão a cada instante fazendo desaparecer todas as garantias temporais (três quartos dos contratos são de duração determinada, a parcela dos empregos precários não para de crescer, o licenciamento individual tende a não ser mais submetido a qualquer restrição).

Vemos, assim, como a utopia neoliberal tende a se incarnar na realidade de uma espécie de máquina infernal, cuja necessidade se impõe até mesmo aos dominantes. Como o marxismo de outros tempos, com o qual, neste sentido, ela tem vários pontos comuns, essa utopia suscita uma crença formidável, a free trade faith (a fé no livre comércio), não apenas naqueles que dela tiram suas justificações de existência, como os altos funcionários e os políticos, que sacralizam o poder dos mercados em nome da eficiência econômica, que exigem o levante das barreiras administrativas ou políticas capazes de incomodar os detentores de capital na procura puramente individual pela maximização do lucro individual, instituída em um modelo de racionalidade, que querem os bancos centrais independentes, que pregam a subordinação dos Estados nacionais às exigências da liberdade econômica pelos mestres da economia, com a supressão de todas as regulamentações em todos os mercados, a começar pelo mercado de trabalho, a interdição de déficits e de inflação, a privatização generalizada dos serviços públicos, a redução das despesas públicas e sociais.

Sem necessariamente compartilhar os interesses econômicos e sociais dos verdadeiros crentes, os economistas têm suficientes interesses específicos no campo da ciência econômica para contribuir decisivamente, quaisquer que sejam seus estados de espírito a propósito dos efeitos econômicos e sociais da utopia que vestem de razão matemática, para a produção e reprodução da crença na utopia neoliberal. Separados por toda sua existência e, sobretudo, por toda sua formação intelectual, na maioria das vezes puramente abstrata, livresca e teoricista, do mundo econômico e social tal como ele é, eles são particularmente propensos a confundir as coisas da lógica com a lógica das coisas.

Confiantes nos modelos que não têm quase nunca a chance de submeter à prova da verificação experimental, tidos a olhar por cima as conquistas das outras ciências históricas, nas quais eles não reconhecem a pureza e a transparência cristalina dos seus jogos matemáticos, e das quais eles são frequentemente incapazes de compreender a verdadeira necessidade e a profunda complexidade, eles participam e colaboram para uma formidável mudança econômica e social que, mesmo se algumas de suas consequências lhes causem horror (eles podem contribuir com o Partido socialista e dar sábios conselhos aos seus representantes nas instâncias de poder), não pode desagradá-los pois, sob o risco de algumas falhas, imputáveis particularmente ao que eles às vezes chamam de “bolhas especulativas”, ela tende a dar realidade à utopia ultraconsequente (como certas formas de loucura) à qual eles consagram suas vidas.

O mundo está aí, porém, com os efeitos imediatamente visíveis da colocação em prática da grande utopia neoliberal: não apenas a miséria de uma fração cada vez maior das sociedades mais avançadas economicamente, o crescimento extraordinário das diferenças entre os rendimentos, a desaparição progressiva dos universos autônomos de produção cultural, cinema, edição etc., pela imposição intrusiva de valores comerciais, mas também e sobretudo a destruição de todas as instâncias coletivas capazes de se opor aos efeitos da máquina infernal, das quais em primeiro lugar está o Estado, depositário de todos os valores universais associados à ideia de público, e a imposição, por toda parte, nas altas esferas da economia e do Estado, ou no seio das empresas, desta sorte de darwinismo moral que, com a cultura do winner, feita para os matemáticos superiores e para o salto a elástico, instaura como norma de todas as práticas a luta de todos contra todos e o cinismo.

Podemos esperar que a massa extraordinária de sofrimento que um tal regime político-econômico produz esteja, um dia, na base de um movimento capaz de interromper esta corrida em direção ao abismo? Na verdade, estamos aqui face a um extraordinário paradoxo: enquanto os obstáculos encontrados no caminho da realização da “nova ordem” – esta do indivíduo solitário, mas livre – são hoje tidos como imputáveis à rigidez e arcaísmos, e toda intervenção direta e consciente, ao menos desde que vinda do Estado, e por qualquer parcialidade que o seja, é de cara descreditada, portanto intimada a desaparecer em prol de um mecanismo puro e autônomo, o mercado (sobre o qual esquecemos que é também o lugar de exercício dos interesses); na realidade, é a permanência ou a sobrevivência das instituições e dos agentes da antiga ordem em vias de desmantelamento, e todo o trabalho de todas as categorias de trabalhadores sociais, e também todas as solidariedades sociais, familiares ou outras, que fazem com que a ordem social não se afunde no caos, apesar do volume crescente de população precarizada.

A passagem ao “liberalismo” se dá de maneira insensível, logo imperceptível, como a deriva dos continentes, escondendo assim seus efeitos, os mais terríveis no longo prazo. Efeitos que se encontram também dissimulados, paradoxalmente, pelas resistências que ela suscita, desde já, da parte daqueles que defendem a antiga ordem extraindo dos recursos que ela encobria, nas solidariedades antigas, nas reservas de capital social que protegem toda uma parte da ordem social presente da queda na anomia (capital que, se não é renovado, reproduz, é destinado ao enfraquecimento, mas cujo esgotamento não será para amanhã).

Mas estas mesmas forças de “conservação”, que são facilmente tratadas como forças conservadoras, são também, em outra relação, forças de resistência à instauração da nova ordem, que podem tornar-se forças subversivas. E se podemos, então, conservar qualquer esperança razoável, o que ainda existe, nas instituições estatais e também nas disposições dos agentes (especialmente os mais ligados a estas instituições, como a pequena nobreza de Estado), de tais forças que, sob a aparência de simplesmente defender, como criticaremos logo em seguida, uma ordem desaparecida e os “privilégios” correspondentes, devem, de fato, para resistir à prova, trabalhar na invenção e na construção de uma ordem social que não teria como lei única a procura do interesse egoísta e a paixão individual pelo lucro, e que daria lugar a coletividades orientadas à busca racional pelos fins coletivamente elaborados e aprovados.

Dentre os coletivos, associações, sindicatos, partidos, como não dar um lugar especial ao Estado, Estado nacional ou, melhor ainda, supranacional, isto é, europeu (etapa na direção de um Estado mundial), capaz de controlar e de impor eficazmente os lucros realizados nos mercados financeiros e, sobretudo, de combater a ação destrutiva que estes últimos exercem sobre o mercado de trabalho, organizando, com a ajuda dos sindicatos, a elaboração e a defesa do interesse público que, queira-se ou não, jamais sairá, mesmo ao custo de algum erro de escrita matemática, da visão de contador (em outro temos, diríamos de lojista) que a nova crença apresenta como a forma suprema da realização humana.

*Pierre Bourdieu (1930-2002), filósofo e sociólogo, foi professor na École de Sociologie du Collège de France

Tradução: Daniel Souza Pavan

Notas

[i] NDLR: em referência a Auguste Walras (1800-1866), economista francês, autor de De la nature de la richesse et de l’origine de la valeur (1848); ele foi um dos primeiros a tentar aplicar a matemática ao estudo econômico

[ii] Erving Goffman, Asiles. Etudes sur la condition sociale des malades mentaux, Editions de Minuit, Paris, 1968.

[iii] Podemos nos remeter, sobre tudo isso, aos dois números da Actes de la recherche em sciences sociales consagrados às “Nouvelles formes de domination dans le travail” (1 e 2), nº114, setembro de 1996 e nº115, dezembro de 1996, e, especialmente à introdução de Gabrielle Balazas e Michel Pialoux, “Crise du travail et crise du politique”, nº114, p.3-4.

TANTERIOR
Fellini, 100 anos

Morte, de Cândido Portinari

Destaque

Na ditadura iniciada com o golpe de 1964 o jornal O Pasquim esteve durante um longo período submetido a censura prévia. O objetivo era amordaçá-lo. Ao final do regime ditatorial, foi retirado da censura prévia. A expectativa dos órgãos de repressão era que o jornal fizesse uma espécie de auto-censura. O Pasquim passou a trazer um selo informando que o jornal estava, naquele momento, sem censura prévia. Servia como um sinal de que, se o selo desaparecesse, seria porque o jornal voltou a ser previamente censurado.

Estou criando, hoje, um post para indicar que a democracia no Brasil morreu em 31/08/2016, quando o Senado Federal resolveu golpeá-la colocando um presidente ilegítimo no lugar da presidente eleita. Trata-se do quadro Morte, de Cândido Portinari, grande artista nacional. Pretendo deixar este post fixado na página principal deste blog, até que tenhamos eleições diretas legítimas e seus resultados sejam respeitados.

Obrigado, Fernando Almeida, pela foto e pela ideia original.

Paulo Martins

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Encontro de corvos – Pablo Neruda

Destaque

Vendo essa foto e conhecendo os “currículos” dos três, me lembrei desse poema de Pablo Neruda. Um dia após a derrota de Bolsonaro, esses demônios se separam, cada um com seu punhal.

“Cada um escondia o punhal para as costas do associado” …

Encontro de corvos – Pablo Neruda

No Panamá uniram-se os demônios. Foi aí o pacto dos furões.

Uma vela apenas iluminava quando os três chegaram por um.

Primeiro chegou Almagro antigo e torto, Pizarro, o velho porcino e o frade Luque, cônego entendido em trevas.

Cada um escondia o punhal para as costas do associado, cada um com ensebado olhar nas escuras paredes adivinhava sangue, e o ouro do longínquo império os atraía como a lua às pedras malditas.

Quando pactuaram, Luque ergueu a hóstia na eucaristia, os três ladrões amassaram a obréia com torvo sorriso. “Deus foi dividido, irmãos, entre nós”, garantiu o cônego, e os carniceiros de dentes roxos disseram “Amém”.

Bateram na mesa cuspindo.

Como não sabiam de letras encheram de cruzes a mesa, o papel, os bancos, os muros.

O Peru, escuro, submerso, estava marcado de cruzes, pequenas, negras, negras cruzes pelo sul saíram navegando: cruzes para as agonias, cruzes peludas e afiadas,  cruzes com ganchos de réptil, cruzes salpicadas de pústulas, cruzes como pernas de aranha, sombrias cruzes caçadoras.

Globo demite Mais um grupo de conhecidos jornalistas

Globo manda embora o repórter que nos levou aos que sentem fome

Por Moisés Mendes  5 abr, 2023 Envie Um Comentário

Meu amigo Marcelo Canellas está entre os jornalistas demitidos hoje pela Globo. Canellas é reconhecido como o melhor texto da TV brasileira e o cara das grandes reportagens com abordagens humanistas.

Foi o repórter que apresentou ao Brasil, em 2001, sem firulas e sem pieguices, a fome que Lula iria combater a partir de 2003. Lucio Alves foi o cinegrafista da série.

Repórteres batem com a cara na porta de chefes nem sempre dispostos a ouvir, porque se incomodam com ideias alheias.

Sei da luta de anos de Marcelo para emplacar essa pauta, durante o governo Fernando Henrique, para realizar uma das grandes reportagens da TV brasileira.

O site Memória Globo conta:

“Ainda na primeira matéria, a equipe entrevistou a lavadeira Maria Rita Costa, de 51 anos, que sofria de desnutrição. A situação de saúde dela era tão ruim que a equipe da Globo teve que providenciar uma ambulância para levá-la ao hospital.

No dia seguinte à exibição dessa primeira reportagem da série, Fátima Bernardes leu uma nota dizendo que os moradores de Araçuaí, onde vivia Maria Rita, avisaram à emissora que, duas semanas depois de dar a entrevista à equipe da Globo, a lavadeira falecera. Maria Rita fora vítima de pneumonia e desnutrição aguda”.

Lula e Dilma derrotaram a fome, que Bolsonaro e os militares trouxeram de volta e aprofundaram com mais miséria e a disseminação de ódios e crueldades. 

Redações perdem grandes jornalistas como qualquer outra área. Mas é triste saber que Canellas, o repórter que nos conduzia pela mão por onde entrasse, perde seu espaço na Globo no momento em que Lula volta e se dedica de novo a salvar as Marias Ritas e seus filhos.

Canellas não trouxe os famintos e miseráveis até nós em 2001. Ele nos levou até as casas deles.

Também foram demitidos pela Globo Eduardo Tchao, Flávia Jannuzzi, Luciana Osório, Mônica Sanches e o diretor do Fantástico Jorge Espírito Santo.

Vai se desfazendo, em meio à crise das organizações do setor, o que talvez seja a última geração da transição do jornalismo analógico para os espaços virtuais, sem que exista (e isso não é saudosismo, é realidade e já é história e memória) a chance de repetição do que eles fizeram.

Um modelo se despede. O jornalismo vai resistindo, com outras feições, mas não se enganem. As corporações de mídia não têm mais espaço nem paciência para lidar com esse tipo de gente. O jornalismo sobrevive, mas vai virar outra coisa.

(Abaixo, o link de trecho da entrevista a Pedro Bial em que Canellas conta como encontrou Maria Rita e como soube da sua morte.)

https://globoplay.globo.com/v/6837056

A carta mais linda

“A carta mais linda do mundo, escrita por José Saramago para a sua avó e publicada no jornal A Capital, em 1968 com o titulo:

Carta a Josefa, minha avó :

“Tens noventa anos. És velha, dolorida. Dizes-me que foste a mais bela rapariga do teu tempo — e eu acredito. Não sabes ler. Tens as mãos grossas e deformadas, os pés encortiçados. Carregaste à cabeça toneladas de restolho e lenha, albufeiras de água.

Viste nascer o sol todos os dias. De todo o pão que amassaste se faria um banquete universal. Criaste pessoas e gado, meteste os bácoros na tua própria cama quando o frio ameaçava gelá-los. Contaste-me histórias de aparições e lobisomens, velhas questões de família, um crime de morte. Trave da tua casa, lume da tua lareira — sete vezes engravidaste, sete vezes deste à luz.

Não sabes nada do mundo. Não entendes de política, nem de economia, nem de literatura, nem de filosofia, nem de religião. Herdaste umas centenas de palavras práticas, um vocabulário elementar. Com isto viveste e vais vivendo. És sensível às catástrofes e também aos casos de rua, aos casamentos de princesas e ao roubo dos coelhos da vizinha. Tens grandes ódios por motivos de que já perdeste lembrança, grandes dedicações que assentam em coisa nenhuma. Vives. Para ti, a palavra Vietname é apenas um som bárbaro que não condiz com o teu círculo de légua e meia de raio. Da fome sabes alguma coisa: já viste uma bandeira negra içada na torre da igreja.(Contaste-mo tu, ou terei sonhado que o contavas?)

Transportas contigo o teu pequeno casulo de interesses. E, no entanto, tens os olhos claros e és alegre. O teu riso é como um foguete de cores. Como tu, não vi rir ninguém. Estou diante de ti, e não entendo. Sou da tua carne e do teu sangue, mas não entendo. Vieste a este mundo e não curaste de saber o que é o mundo. Chegas ao fim da vida, e o mundo ainda é, para ti, o que era quando nasceste: uma interrogação, um mistério inacessível, uma coisa que não faz parte da tua herança: quinhentas palavras, um quintal a que em cinco minutos se dá a volta, uma casa de telha-vã e chão de barro. Aperto a tua mão calosa, passo a minha mão pela tua face enrugada e pelos teus cabelos brancos, partidos pelo peso dos carregos — e continuo a não entender. Foste bela, dizes, e bem vejo que és inteligente. Por que foi então que te roubaram o mundo? Quem to roubou? Mas disto talvez entenda eu, e dir-te-ia o como, o porquê e o quando se soubesse escolher das minhas inumeráveis palavras as que tu pudesses compreender. Já não vale a pena. O mundo continuará sem ti — e sem mim. Não teremos dito um ao outro o que mais importava. Não teremos, realmente? Eu não te terei dado, porque as minhas palavras não são as tuas, o mundo que te era devido. Fico com esta culpa de que me não acusas — e isso ainda é pior. Mas porquê, avó, por que te sentas tu na soleira da tua porta, aberta para a noite estrelada e imensa, para o céu de que nada sabes e por onde nunca viajarás, para o silêncio dos campos e das árvores assombradas, e dizes, com a tranquila serenidade dos teus noventa anos e o fogo da tua adolescência nunca perdida: «O mundo é tão bonito, e eu tenho tanta pena de morrer!»

É isto que eu não entendo – mas a culpa não é tua.’

Máquina de moer gente

Máquina de moer gente

Antônio Prata

Eu tinha 16 anos, era inocente, puro e besta —como dizíamos quando eu tinha 16 anos e era inocente, puro e besta— ao desembarcar de um ônibus São Geraldo, após 23 horas de viagem, na praça central de Itaúnas.

Em 1994, a vila de pescadores na fronteira do Espírito Santo com a Bahia tinha só uma pousada e o restaurante da Dona Tereza. (Tereza servia um PF de peixe frito tão demorado que até hoje não sei se era mesmo o manjar dos deuses que me parecia ou se o gozo sobrenatural ao comê-lo vinha das horas de espera).

Em frente à Dona Tereza, toda noite, sob um galpão com piso de cimento queimado, rolava o forró até de manhãzinha. O rei do forró era o Tatu, um caiçara da minha idade, pele dourada e enorme de forte.

Tatu tinha uma canoa construída por ele mesmo e era nela que levava para passeios rio adentro as belas paulistas que os inocentes, puros e bestas como eu cobiçavam –embalde.

Se eu fosse uma bela paulista, também preferiria o Tatu a mim. Ele não era só bonito, forte e fazia canoa: cerzia rede, entendia de marés, caçava polvo no arpão, saía para pescar por dias no alto-mar feito um personagem numa música do Caymmi. Todos os garotos e homens por ali eram assim.

Construíam as próprias casas, os próprios barcos, garantiam a própria comida, tinham suas próprias crenças, festas, mitos e ritos. Uns Leonardos da Vinci, “uomini universali” autossuficientes da vida praiana.

Nascido e criado em São Paulo, eu nunca tinha visto pobreza econômica aliada a tamanha riqueza cultural. Minha experiência litorânea resumia-se basicamente a Ubatuba e São Sebastião. A rodovia Rio-Santos, com pouco mais de vinte anos, já tinha conseguido transformar quase todas as comunidades caiçaras de São Paulo em startups de aculturação, em incubadoras de caseiros, garçons e piscineiros para os ricos paulistas.

Nas praias que eu frequentava, os caras da geração do Tatu já estavam todos do jeito que o rico de São Paulo gosta, de uniforme e cabeça baixa, sem saber fazer canoa ou navegar, falando “sim, senhor, não, senhor, desculpa qualquer coisa, senhor”. (Essa castração existencial a que chamamos, orgulhosos, de “qualidade nos serviços” —o contrário do Rio, com aqueles pobres tão mal adestrados.)

É impressionante a imutabilidade da história brasileira. A nossa elite é incapaz de viver sem a dependência permanente de uma senzala. (Aliás, não bastaram os caiçaras, ainda foi necessário trazer milhares de migrantes nordestinos para abrir os guarda-sóis dos veranistas).

Eu penso muito antes de escrever coisas como “o rico de São Paulo” ou “a nossa elite” ou “senzala”. Parece discurso fácil em centro acadêmico, mas o que posso fazer se a realidade brasileira é um clichê, do Borba Gato à Barra do Sahy?

Não houve falha das instituições na hecatombe da semana passada. É o contrário. As nossas instituições existem há 523 anos justamente para manter rico em conforto e segurança de um lado e pobre do outro, amontoado do jeito que der. Parte da culpa pela desgraça pode ser atribuída ao aquecimento global.

A outra parte é fruto do que o Darcy Ribeiro chamava da nossa “máquina de moer gente”. Um sistema muitíssimo eficiente que em poucos anos faz vigorosos argonautas naufragarem em terra firme (sic).

Por esses dias tenho pensado muito em Itaúnas e no Tatu. Que rumo terão tomado? Será que os filhos do Tatu sabem construir canoa, aguentam caçar polvo no pulmão, navegam por alto-mar? Ou será que o turismo (do qual eu fiz –faço— parte) já se encarregou de agarrá-los pelas bolas e arrastá-los à parte que lhes cabe destes latifúndios?”

FSP, 25fev23

A volta de Janaína Paschoal e o drama dos estudantes da USP

Eu entendo a situação dos estudantes da USP. Certamente não será fácil aturar uma professora desse quilate. Os prejuízos para a formação intelectual e profissional dos alunos será irreparável.

Já estive em situação similar na universidade.

Corria o ano de 1972 ou 1973, ditadura sufocante pós-AI5. Éramos alunos do curso de Ciências Econômicas da Universidade Federal Fluminense.

Disciplina: Moedas e Bancos

Professor: Polenguinho

  • Polenguinho?
  • Sim, Polenguinho.

Explico:

Bem, não é fácil explicar um apelido preconceituoso. Se o apelido fosse “múmia”, seria ofensivo, mas mais fácil de explicar. Seria sobre sua incompetência e não sobre a sua aparência . O professor era um senhor baixinho, gordo e pastoso. Muito branco, faces coradas, parecia um americano. Sempre vestido de terno e gravata, mesmo no verão mais inclemente. Não consigo lembrar o seu nome. Ficou marcado como Polenguinho.

Ortodoxo nos hábitos e na doutrina econômica que professava, como convém a um membro do vetusto Conselho Monetário Nacional, na ditadura militar de 64.

As aulas eram horríveis. Sonolentas, cheias de mofo acadêmico e teorias ultrapassadas, com conteúdo ralo.

Não ficamos parados. Solicitamos à Reitoria a sua substituição por um professor melhor preparado para ministrar matéria tão importante para o curso de Economia. Nenhum resultado.

Fomos à luta. Primeira providência: fazer uma vaquinha para comprar um caixão de madeira e uma coroa de flores com os dizeres: Aqui jaz Polenguinho. Fizemos um enterro simbólico do professor. O cortejo fúnebre circulou pelos andares e pelo pátio da Faculdade de Ciências Econômicas e Administração da Universidade Federal Fluminense. Isso nem abalou o professor.
Ele continuou tentando ministrar suas aulas.

Na primeira prova, ele apresentou as questões, muito fáceis, e retirou-se da sala de aula. Depois de um tempo retornou para a sala de aula, mas teve o cuidado de arrastar os pés e sacudir as chaves antes de entrar na sala. Ridículo. A prova era tão fácil que seria humilhante para qualquer aluno sério tentar colar.

Segunda providência: alunos arrancaram umas quatro ou cinco soqueiras de capim e colocaram, com a terra preta presa nas raízes e tudo, em cima da mesa do professor antes dele chegar para a aula. Ficamos sem saber quem providenciou o presente. O Sr. Polenguinho chegou e, enquanto afastava as soqueiras de capim, jogando-as ao chão, murmurava: “Esses alunos”. E deu aula normalmente, como se nada tivesse acontecido.

Terceira providência: chegamos cedo e colocamos todas as carteiras da sala de aula de costas para a mesa do professor e para o quadro-negro. O professor Polenguinho chegou, olhou aquela situação – todos os alunos de costas -, avaliou que seria ridículo dar aula e se retirou. Um certo tempo depois, apareceu Moacir – o saudoso Môa – gestor administrativo da faculdade para informar que o professor não daria aula e que ia solicitar à Reitoria a sua substituição por outro professor.

É assim que me recordo. Posso ter me enganado em pequenos detalhes pois, afinal, lá se vão cinquenta anos. Mas as linhas gerais são essas.

Sejam criativos alunos da USP.


PauloM

Tomando posse

O espírito que devemos encarnar em 2023 está aqui traduzido, por Miguel Paiva

Tomando Posse

Por Miguel Paiva

Aproveito aqui a posse do Presidente Lula, dos ministros e governadores para tomar posse também de coisas que havia perdido ou estavam proibidas e esquecidas.
Tomo posse do ar mais tranquilo, da democracia, do clima mais feliz e ameno, da alegria e da risada.
Tomo posse do meu direito de ser como eu quiser, de amar quem eu quiser e me vestir como eu quiser.
Tomo posse do direito de acreditar no deus que eu escolhi, na religião que eu sigo ou mesmo de não acreditar em nada ou ninguém.
Tomo posse do direito de ser gordo, magro, negro, branco, amarelo indígena ou europeu. É meu direito também pensar como eu quero, ajudar o próximo, fazer da educação meu objetivo maior, ler o que eu quiser, ouvir a música que mais eu curto naquele momento. No momento seguinte posso mudar.
Tomo posse também de todas as comidas e bebidas que existem nesse país e que estejam ao meu alcance.
Tomo posse do direito de matar a fome de todos, de restabelecer o amor entre as pessoas, de conviver com as diferenças, de ouvir as conversas, dar risadas, respeitar o entendimento e o trabalho coletivo.
Tomo posse da terra, da casa, do meu lugar preferido. A posse das ruas, das praças, das praias, das planícies e das montanhas, dos rios, mares, lagos e praias.
Posse das riquezas que temos, do petróleo, da pecuária, das florestas, das plantas medicinais, do conhecimento dos povos originários, da tradição passada de boca em boca, dos ensinamentos, dos truques e da sabedoria.
Falando em sabedoria temos que tomar posse novamente da ciência, das vacinas, da medicina, do SUS, dos médicos, enfermeiros, técnicos em enfermagem, de todos aqueles que nos ajudaram a combater a Covid.
Tomamos também posse da nossa relação de gratidão com os professores, alunos, funcionários, escritores, artistas, atores, músicos, comediantes, cartunistas, jornalistas, pesquisadores e doutores que nos ajudaram a manter de pé não só o país mas todos aqueles que resistiram ao fascismo que ameaçou a nossa identidade e a nossa cultura estes anos todos.
Tomamos posse também do país, do Brasil, dos seus símbolos, das suas características da sua bandeira, suas cores e sua paisagem.
Tomamos posse da Amazônia para que não seja mais desmatada nem queimada. Tomamos posse das riquezas deste solo- mãe gentil que nos fornece o suficiente para sermos felizes.
Vamos tomar posse novamente do orgulho de ser brasileiro, da alegria de dividir o pão, de compartilhar o trabalho e olhar no rosto do outro o sorriso que gostamos de dar e ver.
Este é o Brasil que eu quero novamente e se faltou alguma coisa para tomar posse é só juntar nessa lista.
Temos o direito e o dever de tomar não só posse como tomar conta deste país para que não aconteça novamente de o perdermos de vista.
Viva a democracia, as eleições e o presidente Lula. E possuído deste sentimento de Brasil termino por aqui para que todos nós possamos tomar posse da cidadania que tanto nos faltou.

“Tem gente com fome”, Solano Trindade

Em 1944, Solano Trindade, este da 1ª foto, operário, pintor, cineasta e poeta pernambucano era preso por denunciar a fome. Por denunciar a fome no Brasil em um poema. Preso!
Nem vou citar Josué de Castro ou Celso Furtado. Não vou.
Em 2022 diante de um Brasil com 33 milhões de famintos, jogadores brasileiros, a maioria pretos, como Solano, foram a um restaurante onde pagaram R$9 mil Reais em um pedaço de carne, supostamente embrulhado em folhas de ouro. Uma ostentação nojenta e desnecessária.
Eis o poema que levou Solano à prisão para quem não o conhece (Preâmbulo da Gilvania Dias ):

“Tem gente com fome

Trem sujo da Leopoldina
correndo correndo
pra dizer
tem gente com fome
tem gente com fome
tem gente com fome

Piiiii

estação de Caxias
de novo a dizer
de novo a correr
tem gente com fome
tem gente com fome
tem gente com fome
Vigário Geral
Lucas
Cordovil
Brás de Pina
Penha Circular
Estação da Penha
Olaria
Ramos
Bom Sucesso
Carlos Chagas
Triagem, Mauá
trem sujo da Leopoldina
correndo correndo
parece dizer
tem gente com fome
tem gente com fome
tem gente com fome
Tantas caras tristes
querendo chegar
em algum destino
em algum lugar

Trem sujo da Leopoldina
correndo correndo
parece dizer
tem gente com fome
tem gente com fome
tem gente com fome

Só nas estações
quando vai parando
lentamente começa a dizer
se tem gente com fome
dá de comer
se tem gente com fome
dá de comer
se tem gente com fome
dá de comer
Mas o freio do ar
todo autoritário
manda o trem calar
Psiuuuuuuuuuu”.

copiado do Facebook de João Lopes

Notas sobre o absurdo

Notas sobre o absurdo

Por Marcia Tiburi

27 de novembro de 2022

Um garoto de 16 anos não nasce assassino.

Um adolescente de 16 anos não cresce desejando se tornar um assassino em série.

Um menino do interior do Espírito Santo não acorda um dia pela manhã e decide se tornar um fascista.

O filho de um policial – ou de um não policial – não nasce nazifascista.

O neto, sobrinho ou primo de qualquer um não cresce sabendo manipular armas.

Um menino que vai à escola não nasce sabendo atirar.

Um menino que joga bola não nasce cheio de ódio.

Um garoto que tem problemas psicológicos – como tanta gente tem nesse mundo tão difícil de sobreviver emocionalmente – não planeja matar colegas e professores.

Um menino que nem descobriu a si mesmo não conhece uma suástica sozinho.

Ele não nasce camuflado.

Ele não nasce vazio de reflexão.

Ele não nasce vazio de emoção.

Um garoto de 16 anos só pode se tornar um assassino em meio a uma cultura de ódio. A cultura na qual o ódio é um valor.

A cultura em que as armas, como poderosos instrumentos de ódio prático, são tratadas como banais, como brinquedos.

A lógica do assassinato – que parece não ter lógica nenhuma – é a racionalidade do fascismo do qual o nazismo é a expressão mais cruenta.

A apologia da morte que fez história no fascismo europeu segue no Brasil onde pululam células e grupos fascistas e nazifascistas. Jovens estão sendo aliciados por agentes do ódio que encontram solo fértil para avançar com seu projeto de matança em massa.

O garoto que destruiu a vida de pessoas por ele assassinadas e destruiu a vida das famílias dessas pessoas, destruiu a sua própria vida e a vida de sua família.

Não há palavras que possam consolar familiares e amigos das vítimas que seguirão traumatizados.

O Brasil está de luto porque o império da morte avança com a irresponsabilidade de instituições que devem coibir e punir os aliciadores de menores. Os agitadores fascistas e todos os que incitam a violência são responsáveis.

A cultura do ódio se beneficia da cultura da irresponsabilidade.

Só um projeto envolvendo educação, cultura e meios de comunicação para a paz e a não violência podem construir um futuro em que a catástrofe que a cidade de Aracruz acaba de viver não se repita.”

Márcia Tiburi

Isabel. Sempre presente.

“Meu nome é Isabel, joguei vôlei na seleção brasileira, representei o Brasil por muitos anos. Resolvi escrever essa carta aberta, não para falar de esporte, mas para falar da cultura, porque acredito que só pude ser a jogadora que fui e a pessoa que sou graças aos filmes que vi, aos livros que li, às músicas que ouvi, às histórias que minha avó me contava. Minha mãe era professora e escritora, amava os livros, adorava música, e foi ela quem me apresentou a Chico Buarque, Caetano, Cartola, Luiz Melodia, entre tantos grandes compositores brasileiros. Lembro, quando chegava do treino muito cansada, que me deitava no sofá e ela me falava dos poetas que amava: Bandeira, Joao Cabral, Cecília Meirelles, Drummond…. Hoje tenho certeza que aquela atmosfera foi muito importante na minha formação.

Quantas vezes, ouvindo e dançando as músicas de Gilberto Gil com Jacqueline, a grande campeã Olímpica, comemoramos vitórias e tentamos esquecer a dor de algumas derrotas. Lembro também do impacto que senti, aos 18 anos, quando assisti ao filme “Tudo Bem”, de Arnaldo Jabor, com a incrível Fernanda Montenegro e um elenco de craques. Aos 17, assisti “Trate-me Leão”, peça que inspirou toda uma geração. Quantas vezes, os livros me transportaram para outros universos e me permitiram aliviar as tensões das quadras.

Pois é, depois de um ano de governo Bolsonaro, preciso expressar meu horror com o que tem acontecido com a cultura. É muito duro ouvir os insultos que foram proferidos contra Fernanda Montenegro; ver Chico Buarque ganhar o prêmio Camões, maior prêmio da língua portuguesa, sem que o presidente cumprimente ou comemore o feito; testemunhar a morte de João Gilberto, um dos maiores compositores brasileiros sem que nenhuma homenagem tenha sido feita pelo governo. É estarrecedor saber que nosso cinema é premiado lá fora e atacado aqui dentro; ver o ataque brutal à casa de Rui Barbosa, com as exonerações dos pesquisadores que eram a alma e o coração daquela instituição. E como se não bastassem esses exemplos de barbaridade, assistimos ainda o constante flerte do governo com a censura.

Essa carta é só pra dizer que eu me sinto muito ofendida, senhor Bolsonaro. Não sou uma intelectual, sou uma cidadã brasileira que acredita que a cultura é essencial para qualquer pessoa.

Ela só existe ser for plural, em todas as formas de expressão. Por meio dela, formamos a nossa identidade.

Se esse governo não gosta do nosso cinema, da nossa música, dos nossos escritores, eu quero dizer que eu e uma enorme parte dos brasileiros gostamos.

Não aguento mais assistir a tantos absurdos calada. Vocês estão ofendendo uma grande parcela do povo brasileiro.

Aprendi no esporte que é fundamental respeitar as diferenças e saber que elas são enriquecedoras em todos os aspectos. Aprendi que é fundamental respeitar os adversários , e não tratá-los como inimigos.

Compreendi, vivendo no esporte, o quanto é importante ser democrático. Inspire-se no esporte, senhor presidente!

O senhor foi eleito democraticamente. Governe democraticamente, e não apenas para quem pensa como o senhor. Hoje eu pensei muito nos rumos da cultura, porque lembrei da minha querida avó, que me levava, quando menina, para passear nos jardins da casa de Rui Barbosa…”

Isabel Salgado

DESABAFO, ISABEL

A vida é combate. Vamos lutar sorrindo.

Por Roberto Garcia

Essse grupo de transição chefiado pelo vice-presidente eleito está dando todos os sinais corretos. Trata-se de uma amostragem ampla, de muito do que há de melhor em nossa sociedade. São gente com visão de um futuro mais abrangente. Há contradiçoes entre eles, sim, como toda sociedade tem. Mas estão dialogando, apresentando soluções, dispostas a combinar as suas propostas, para formar um conjunto viável.

Não existe uma única proposta que resolva tudo, para sempre. Nem um único líder capaz de tudo fazer. Em cada momento grupos se formam para buscar alternativas, encontram caminhos aceitáveis, que conciliam interesses, para cada momento. Nem sempre se produz perfeição, só o que é possível, o melhor , cada um com a sua força.

Tradicionalmente, a solução é a imposta pelos que sempre mais podem: a minoria mais rica, mais influente, que se apropria e se beneficia do trabalho de todos. Geralmente os interessses da maioria são empurrados para os lados, esquecidos, no máximo atendidos em pequena parte, para evitar explosões sociais.

Este é um daqueles momentos em que uma correção é possível. Em que se pode aumentar a parcela destinada à maioria. Aumentar em pouco mais de um por cento o salário mínimo, que caiu nos últimos quatro anos é uma das metas do novo governo. Chegamos num ponto em que um aumento de um por cento está sendo pintado como um abuso, que viola a estabilidade financeira do país.

Numa nação em que a maior parte está sem nada, na miséria, uma bolsa de pouco mais de cem dólares está sujeita a dura disputa. A merenda decente nas escolas faz com quem alguns cocem a cabeça, dando sinais de que isso já é demais.

Os grupos que aceitaram zerar o orçamento das universidades e das pesquisas científicas acham que voltar a dotá-las de viabilidade financeira pode afetar o equilíbrio fiscal.

As pressões são intensas. Antes mesmo da posse do novo presidente todos os mecanismos de proteção de privilégios foram acionados. As bocas de aluguel estão funcionando a todo vapor. Há que defender o indefensável. Aceitaram o Lula mas querem cortar-lhe as pernas e os braços.

Tudo isso exatamente no mesmo momento em que anunciam dividendos aos acionistas da Petrobras que ultrapassam tudo o que eles receberam antes, mais do que as grandes petroleiras do mundo pagam, para esse pequeno grupo tudo é possível, anunciam e distribuem dinheiro a rodo, sem pedir desculpa, é a regra do mercado.

Na frente dos quartéis, grandes multidões se juntam para dizer que não aceitam o resultado das eleições. Querem intervenção militar.
Evangélicos formam círculos para pedir a Deus que impeça a mudança. Eles querem Jair, Paulo Guedes, Damares dando as cartas.

Há que ver com calma esse jogo. Não adianta ficar nervoso. Bom acostumar-se. Vai ser sempre assim. Todo avanço terá que ser extraído com diálogo, mobilizando os interessados — a maioria –explicando muito, sem chamar ninguém de gado. Se forem bem explicados eles acabam entendendo.

As forças progressistas estão sendo desafiadas. Em quase todos os países a diferença nas eleições é pequena, dificil encontrar dígito duplo de vantagem para elas. A luta terá que ser constante.

Já dizia um poeta que a vida é combate, que aos fracos abate e aos fortes só pode exaltar. Estamos nessa. Pode não ser fácil. Mas é boa, a nossa chance. Não podemos deixar que ela escorregue entre os dedos. Vamos lutar sorrindo. Essa parada nós vamos ganhar.

O ADEUS DE UM HOMEM MINÚSCULO

(Por Renato Essenfelder – Estadão – 31/10/2022)

O homem minúsculo, o homúnculo, apagou as luzes do palácio e foi dormir. Depois de tanto bradar, gritar e babar, depois de ameaçar e conspirar à luz do dia, incessantemente, calou-se. Recolheu-se à insignificância que o espera. Amém.

Como os livros de história no futuro irão se referir a esse homem tão pequeno? Terá alguma importância, o seu nome, ou irão se interessar apenas pelo surto coletivo que se apossou de milhões de brasileiros, por meia década ao menos, e que resultou na eleição de um ninguém, um nada, um palhaço macabro? Um fantasma descarnado, insepulto e obcecado pela morte, sua especialidade, no qual milhões projetaram suas próprias fantasias autoritárias. Como? Por quê?

Quantos afinal projetaram naquele corpo sem vida, naquela vida sem alma, a virilidade perdida, as certezas corroídas, o desejo e a inveja da criança egoísta que brinca de motinho enquanto o mundo acaba em fome e doença. As pessoas morrem, ele debocha: e daí? Nada interrompe seu gozo sem fim.

Os livros de história no futuro talvez falem de um homem minúsculo que emergiu dos porões sujos do Congresso Nacional, já em avançado estado de decomposição moral e física, para canalizar todo o ressentimento de uma nação. Esse vórtice de maldade, cercado por gente ainda menor, ainda mais ridícula e ignorante orbitando ao redor de sua sombra.

Homens minúsculos, a história demonstra, podem projetar sombras imensas. Mas passam, os homens e suas sombras.

Ele tentou, com todas as minúsculas forças, tentou eternizar sua sombra horrível. Mas decrépito, fraco, bronco e insignificante, não conseguiu manter-se no poder. Porque destruir é uma coisa, mas construir é outra, muito mais difícil, muito mais complexa. O homem pequeno veio e apequenou o país inteiro, apequenou o Estado e as suas instituições, apequenou o povo, os amigos, as famílias. Destruiu, passou bois e boiadas, sufocou, boicotou, conspirou, enquanto ocupavamo-nos de sobreviver.

Mas então, enfim consciente da sua pequenez, emudeceu no canto do palácio vazio, vítima da própria insignificância.

Depois de destruir e destruir e destruir, descobriu-se incapaz, impotente, brocha. Um fantasma de brochidão e fraqueza, incapaz de fecundar o que quer que seja – planos, corpos, natureza. Homens pequenos não constroem coisa alguma.

Já era hora de dar um basta, já era hora de lembramos a nós mesmos que o homem pequeno é pequeno demais para um país tão grande.

👋👋👋👋👋👋👋👋👋


RENATO ESSENFELDER é jornalista, escritor e professor universitário. É doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo (USP) e pós-doutor em Comunicação e Artes pela Universidade da Beira Interior (Portugal).

Golpe militar e os caminhoneiros

Em 1996, em Eldorado dos Carajás, 21 pessoas do MST foram assassinadas pela PM, na Curva S. Reivindicavam a posse de uma fazenda improdutiva que havia sido ocupada. Pretendiam marchar até Belém para negociar a desapropriação da fazenda. Ou seja, sua reivindicação era sobre uma pauta econômica, plenamente negociável, se houvesse flexibilidade e boa vontade.

Antes que alguém imagine que eu estou propondo fuzilar os manifestantes que pretendem inverter o resultado da eleição presidencial ou exigem a instalação de uma ditadura militar, minha resposta óbvia é não.

O que eu quero argumentar é que este movimento é inaceitável e insustentável, pois suas pautas são inegociáveis. Nenhuma autoridade, nem a Presidência da República, nem o Congresso Nacional, nem o Judiciáro e nem todos estes juntos têm mandato ou autoridade, à luz da CF88, para negociar um absurdo desses.

Não estou preocupado somente com os prejuízos econômicos ou com o direito de ir e vir. Se as causas, ou seja, se as reinvindicações pudessem ser objeto de negociação, a solução seria mais fácil.

Não é o caso aqui. Os prejuízos humanitários ou para a democracia são enormes e se a situação de insurreição se prolongar, vamos começar a colher cadáveres.

Trata-se de uma situação sem saída: ou os manifestantes derrotam o país e sua democracia ou a democracia e o país derrotam os golpistas. Não há meio termo neste caso.

E o presidente da República, ainda responsável pelo governo, ao se omitir, comete crimes, no âmbito político e no âmbito penal. E quanto mais o tempo passa, mais aumentam as qualificadoras e as agravantes desses crimes. A insistir, deve ser chamado à responsabilidade pelo Sr. Procurador Geral República, Dr. Augusto Aras. Não acatando e contribuindo para o encerramento dos bloqueios, deve processado e preso.

Crime de assédio eleitoral: o que é

Assédio eleitoral
Angelo Cavalcante

Dos seus gabinetes e escritórios muito bem instalados e climatizados a ordem do patronato goiano é uma só: “Tirem, arranquem votos dos trabalhadores para Bolsonaro!”.

Capatazes, superintendentes, chefes menores e completamente desavergonhados não pestanejam e rasgam seus discursos criminosos, imperativos e autoritários! Oferecem dinheiro, cargos, funções, novos salários além de um monte de outras quinquilharias.

Uns, mais modestos, disponibilizam churrascos, cervejadas e, ao fim, um dinheirinho; outros, desprovidos de qualquer cerimônia, publicam suas intenções e dão visibilidade aos seus crimes lançando tais ardis nas redes sociais.

Vergonhoso, lamentável e constrangedor!

Isso tem nome… Se chama ASSÉDIO e é crime!

Lembrou do evangelho quando o demônio leva Cristo para um monte e oferece-lhe terras, palácios e riquezas se “me adorar”!

O Cristo nega!

Bom… Tem que ricos, abonados e oligarcas de todo o Brasil estão, exatamente e nesse preciso instante em que você lê essas letras… Emparedando, pressionando e encurralando trabalhadores para tascarem votos no intragável e incompetente presidente de plantão.

De verdade… Tudo isso já está descarado, na luz do dia e sob holofotes. Esses barões já perderam a vergonha, o discernimento e qualquer fiapo ou vaga lembrança de ética ou conduta!

Foi duro conquistar mas… Estejam certos de que o voto é livre, individual, secreto e deve expressar a exclusiva vontade daquele que o possui e o exerce e ninguém – NINGUÉM – pode coagir ou pressionar quem quer que seja para que o voto alheio seja em fulano, cicrano ou beltrano!

Não… Não são só empresários, fazendeiros ou financistas e que realizam esses dispositivos… Prefeitos e vereadores, sobretudo, de cidades interioranas estão, a todo vapor, espremendo o juízo e as vontades alheias…

É um absurdo completo!

E isso, de fato, não será resolvido pela seriedade de juízes eleitorais, de fiscais ou advogados sinceros e atentos… Esse crime político e invasivo é resolvido, do mesmo modo, com a inteligência política dos trabalhadores.

A alternativa possível é que esses mesmos trabalhadores, em assumida discrição, silêncio e rebeldia, operem em contrário às determinações desses “novos senhores de engenho”; que votem em Lula da Silva, o “horror dos horrores” dessa gente; que elejam o candidato socialista, social e do mundo do trabalho.

Todas essas refregas são, ora, ora… Classes sociais em conflito; é a interminável luta entre o capital e o trabalho e; a destacada sanha de poderosos por capturar a subjetividade, as intimidades e vontades das classes do labor.

Só a rebeldia, sobretudo, a rebeldia das consciências, nos salva!

Lula Presidente!

Angelo Cavalcante – Economista, professor da Universidade Estadual de Goiás (UEG), Itumbiara.

Resposta a um chargista chapa-branca

Sobre a Jovem Pan e o nazifascismo

O texto abaixo é uma resposta minha a um chargista puxa-saco do governo federal, que compra todas as informações falsas impulsionadas nas páginas de apoio ao governo nas redes sociais. O tal chargistas só desenha charges a favor do governo federal e respondeu meu comentário me chamando de “meu jovem” , em tom arrogante, dizendo que eu estava confundindo., sem argumentos, como normalmente fazem.

A Jovem Pan, emissoras de São Paulo, está mergulhada na campanha presidencial, ao lado de Jair Bolsonaro, produzindo e divulgando conteúdo falso, dia e noite. Ora, trata-se de flagrante violação da lei eleitoral (crime) e abuso de poder econômico.

Segue a resposta:

Não estou confundindo nada e não sou “seu” jovem. Sou idoso, tenho 70 anos e não sou conivente com crime eleitoral e com abuso de poder econômico.

Você, ao contrário, passa pano para esses crimes. Sou antigo. Sou do tempo que chargistas lutavam contra os generais ditadores, com risco de vida. Eram corajosos. Hoje, ao contrário, vejo chargistas que puxam saco de quem está no poder, no Executivo, independente dos sinais flagrantes de crescimento da ideologia nazifascista, especialmente dentro do governo federal.

Um dia, quando o nazifascismo avançar e os chargistas forem censurados, só sobrarão vocês, os chargistas chapa-branca. Acho que é isso que esperam. Mas essa é a vergonha e fica marcada na alma do traidor da profissão.