A ÉTICA NEOPENTECOSTAL E O ESPÍRITO DO NEOLIBERALISMO

Por Fábio Metzger
Interessante como vejo tantos neopentecostais usando a religião sem qualquer base racional ou filosófica mais consistente.
A facilidade com que evocam o demônio à fé dos outros, colocando a imagem do “demo” como o mal absoluto é a perfeita construção do maniqueísmo mais irracional que há. Como se a própria criação do diabo não fosse a de um anjo rebelde, criado por Deus, justamente para que os humanos pudessem conviver com uma porção de si mais contestadora.
De repente, nada mais faz parte da iniciativa da pessoa, é Deus que fez, Deus que agiu assim, assado, etc. É uma espécie de magia desse ente absoluto perfeito, inatingível, que tudo pode, mas que ninguém vê.
Católicos e protestantes tradicionais tinham uma base teológica para sustentar a sua visão de Deus. Assim como Kardec e seus discípulos. Igualmente o judaísmo ou o Islã.
Os praticantes das religiões orientais, indígenas, de matrizes africanas e hinduístas desenvolveram todo um aparato lógico e sincrético para explicar os fenômenos da natureza e a harmonia dela com o ser humano.
Já os praticantes do neopentecostalismo são reféns das lideranças pessoais de seus pastores, que simplesmente “reescrevem” a história, dando a si mesmo titulações como “bispos”, “apóstolos”, “ministros”, etc., e permitem a si mesmos reinventar todo tipo de tradição religiosa conforme a sua conveniência e a demanda mercadológica.
O praticante da religião neopentecostal é, muitas vezes, um ingênuo, outras tantas, um cúmplice, e em outros momentos, realmente tão responsável quanto o seu principal mentor.
Há os que estão no vazio espiritual. Mas também existem os que sabem muito bem o que fazem, ao pactuarem com essas lideranças.
Acabar com neopentecostalismo? Claro que não. Esta é uma religião que é o espelho dos tempos atuais. É o retrato da crise do Iluminismo. Foi na transição entre o Renascimento e o Iluminismo que nasceu o Protestantismo.
Não coincidentemente, quando o Liberalismo e o Capitalismo se desenvolveram enquanto teoria filosófica e prática econômica.
Foi na transição da manufatura e do comércio se tornando atividades cada vez mais importantes, perante a agricultura de subsistência. A sociedade da Terra estava, aos poucos, sendo substituída pela sociedade do Trabalho.
E é justamente na crise do Iluminismo, que o Neopentecostalismo ganha corpo. Não coincidentemente, quando o Neoliberalismo e o Anarcocapitalismo se articulam enquanto teoria filosófica e prática econômica.
Justamente hoje, em que o mundo vive a realidade virtual, em que a manufatura e a agricultura foram totalmente financeirizadas, assim como todo e qualquer setor das sociedades mundiais, que estão informatizadas e interconectadas.
A sociedade do Trabalho vai sendo desmontada, e sendo substituída pela sociedade do Lucro.
O neopentecostalismo é, antes de tudo, uma religião da crise. Uma manifestação organizada do desespero.
Um formato socializado de indivíduos esvaziados e atomizados, enfileirados com bíblias em suas mãos, diante de lideranças carismáticas, mais preocupadas com a prática de desenvolver correntes de negócios do que propriamente desenvolver uma ética cristã.
No antigo protestantismo, era possível desenvolver-se muitos negócios entre fiéis. No entanto, a socialização primeira dizia respeito à ideia de solidariedade coletiva.
Qualquer negócio posterior seria uma consequência não forçada de muito tempo depois, justamente porque a ética do trabalho era o elemento comum dos fieis presentes.
Hoje em dia, diante do tempo acelerado que se vive, parece mais presente a ideia da ética do lucro, e esta interferindo no desejo de realizar uma leitura particular desta ou daquela linha religiosa. E o neopentecostalismo ocupa um espaço maior neste contexto.” Por Fabio Metzger

“Velhez”

Por Elton Luiz Leite de Souza

Caetano, Gil, Chico…chegaram aos 80 anos. Esse acontecimento me lembrou uma história envolvendo o poeta Manoel de Barros.
Quando fez 80 anos, Manoel de Barros recebeu pedido de um editor para que escrevesse três memórias: da infância, da vida adulta e, sobretudo, da velhice. Com sua avançada idade, o editor supunha que o poeta teria muito a dizer sobre si e aconselhar aos outros, principalmente aos jovens.
Passado algum tempo, o poeta enviou ao editor o primeiro livro: Memórias da primeira infância. Em todos os sentidos, o livro foi um sucesso. Tempos depois, Manoel enviou novo livro ao editor: Memórias da segunda infância. Como diz Manoel, poesia é saber que “não vem em tomos” . Assim, a segunda infância não era uma sequência da primeira , não era uma infância posterior . A segunda infância era uma segunda ida do poeta à infância sempre primeira.
Manoel reservava ainda fôlego para uma nova ida à infância, e assim enviou ao editor um terceiro livro: Memórias da terceira infância.
O tempo passou, o poeta nada mais enviou ao editor, que tomou coragem e indagou: “Poeta, suas três memórias da infância são extraordinárias, porém onde estão as memórias da vida adulta e, sobretudo, da velhice?”
Manoel respondeu : “Só tive infância”. E completou: “Nunca tive velhez. Só narro meus nascimentos”.
Essa infância, enquanto antídoto à “velhez”, não é uma determinada idade. Pois ela também é a infância da linguagem, o seu fazer-se novidade para dizer o que ainda não foi dito: “As crianças sabem dizer palavras que ainda não têm idioma”.
“Velhez” também é quando os dias vividos se tornam um peso curvando as costas, não importando a idade que se tenha. “Velhez” é a vida prostrada, de joelhos, sem forças para caminhar e avançar. Às vezes, é a própria sociedade que sofre de “velhez” : quando seu futuro , ainda nem chegado, já parece extinto…
“A única coisa que carrego é meu chapéu: moro debaixo dele”, explica-se o andarilho-poeta. “Chapéu” é como Manoel nomeia as ideias que protegem os pensamentos que dão caminho às pernas : “O poeta-andarilho abastece de pernas as distâncias”. Sobre o chapéu do poeta um casal de pardais fez ninho: há nele ovos sendo chocados, assim como , dentro do poeta, auroras .
Manoel , Chico, Caetano, Gil…nos ensinam que a velhice nada tem a ver com a velhez. E que criatividade e potência de vida não dependem da idade, desde que se descubra o que na criatividade há de absoluto. “Ab-soluto”: “o que não é soluto, o que não se dissolve”.
Fascismo , ignorância e idiotia são reatividades da velhez que a tudo quer dissolver com seu negacionismo. Mas arte, criatividade, educação….são potências críticas e criativas que tornam a vida absoluta nas ideias que aprendemos e ensinamos, nos versos que lemos ou escrevemos, enfim, nas canções que, juntos ou sozinhos, cantamos.