TEMPO DE REBELDIA – Thiago de Mello

Diálogos Essenciais

O tempo do inimigo, quando veio,
parecia que fosse de cuidados.
Era esconder a rosa, companheiro,
E proteger as relvas da ternura
contra o tacão feroz e disfarçado.
Não descuidassem nunca as forças claras
do instante exato de arrojar a luz.

Não tardará, eu sei, mas descuidaram
não só do tempo, mas até do amor,
cuja canção mais bela foi ferida
pelo ferrão que era encolhido e curvo,
mas foi ficando ousado e altivo
que o seu próprio poder foi dilatando
cada vez mais em tempo, cinza e fel.

O tempo do inimigo se acrescenta
de tão turvo poder, que está marcando
a hora da rebeldia em nosso amor.

Mas só o povo é quem pode a rebeldia
quando no peito não lhe cabe a dor
que irrompe – e então são águas represadas
que desprendem, no seu volume espesso,
os ímpetos crescidos, despencados
no seu destino imenso de ser…

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Extinção de reserva mineral contrariou parecer do Ministério do Meio Ambiente

Extinção de reserva mineral contrariou parecer do Ministério do Meio Ambiente

Nota da pasta datada de junho diz que fim de reserva de cobre poderia abrir “nova frente de conversão” da floresta amazônica, contradiz versão de Temer de que região “não é um paraíso” e afirma que garimpo existente no local é de pequena escala e não pode ser usado para justificar perdas ambientais

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Reserva Biológica do Maicuru, no Pará, parcialmente sobreposta à Renca (Foto: Semas/PA)
DO OC – A extinção da Renca (Reserva Nacional de Cobre e Associados), decretada, revogada e decretada de novo pelo presidente Michel Temer no espaço de cinco dias, atropelou um parecer técnico do Ministério do Meio Ambiente que pedia a manutenção da reserva mineral, dizendo que seu fim traria risco de aumento do desmatamento e da “abertura de uma nova frente de conversão” da floresta amazônica na região, entre os Estados do Pará e do Amapá.

O parecer está contido numa nota técnica produzida pelo ministério e datada de 20 de junho.

Criada por decreto em 1984, no final da ditadura militar, a Reserva Nacional de Cobre e Associados determinava o monopólio do governo sobre qualquer atividade mineral em sua área, de 46.501 quilômetros quadrados (o tamanho do Espírito Santo). O entendimento da CPRM (Serviço Geológico do Brasil) sempre foi pelo bloqueio da área, de forma que empresas privadas nunca puderam minerar ali.

Sua extinção era uma demanda antiga do setor, de olho nas reservas de ouro, nióbio e outros metais na região.

Ocorre, porém, que a Renca está sobreposta, em sua maior parte, a oito unidades de conservação e duas terras indígenas. Ela abarca parte do Parque Nacional Montanhas de Tumucumaque, no Amapá, a maior área de proteção federal do país, e da Floresta Estadual do Paru, no Pará, a maior área protegida do Brasil.

O decreto de extinção foi publicado no dia 24 e revogado na última segunda-feira (28), após intensa pressão da opinião pública, de artistas e ambientalistas, que acusavam o governo de estar “vendendo a Amazônia”.

A nova versão do decreto determina o cancelamento dos títulos minerários dentro de unidades de conservação de proteção integral, como a Reserva Biológica do Jari – algo auto-evidente, já que por lei esse tipo de UC não pode ter nenhuma exploração mesmo –, mas deixa aberta a porta para a mineração nas áreas protegidas de desenvolvimento sustentável (que são a maioria no local da Renca).

A análise da área ambiental do governo desmente dois argumentos usados por Temer e pelo ministro de Minas e Energia, Fernando Coelho Filho (PSB-PE), para decretar o fim da reserva minerária: o de que a região “não é um paraíso” e o de que a extinção da Renca era necessária para coibir o garimpo ilegal.

Em nota oficial distribuída no dia 24, a Secretaria de Comunicação da Presidência afirma:

“A Renca não é um paraíso, como querem fazer parecer, erroneamente, alguns. Hoje, infelizmente, territórios da Renca original estão submetidos à degradação provocada pelo garimpo clandestino de ouro, que, além de espoliar as riquezas nacionais, destrói a natureza e polui os cursos d ‘água com mercúrio.”

Na sexta-feira, num vídeo distribuído pelas redes sociais, o ministro Coelho Filho afirmou que “o que nós estamos querendo é coibir e inibir o que já existe lá, atividade ilegal”.

Segundo o parecer do MMA, a atividade de garimpo existe “há décadas” na Renca e é de “pequena escala”. “A existência de garimpeiros pequenos e locais não deve servir de argumento para justificar alterações no decreto que acarretem perdas ambientais”, diz a nota técnica.

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Sobre o grau de preservação da região, o MMA diz ser bastante alto: dos 46.501 mil quilômetros quadrados da Renca, 45.767 quilômetros quadrados estão cobertos por floresta e 206 quilômetros quadrados são rios. A área desmatada, portanto, é de apenas 528 quilômetros quadrados – 1,1% do total.

Em 2016, segundo o MMA, havia 646 requerimentos de pesquisa de lavra dentro da área da Renca. Quase todos estão dentro de unidades de conservação (600) ou terras indígenas (41). Os pedidos abarcam 35 produtos minerais diferentes, que vão de areia a ouro, passando por nióbio, molibdênio, paládio, platina, ferro, estanho – e, claro, cobre.

Os técnicos do Ministério do Meio Ambiente lembram que mudanças recentes na legislação brasileira favorecem a mineração em áreas de proteção: o novo Código de Mineração, que à época do parecer ainda não havia sido convertido em lei, não prevê a necessidade de autorização prévia dos órgãos gestores de unidades de conservação para a concessão de lavras. Além disso, o novo Código Florestal prevê que a mineração possa ser realizada em áreas de preservação permanente – bastando para isso que o Executivo as decrete a atividade como de “interesse público”.

Por fim, o parecer aponta que a ação de “interesses econômicos agressivos” na Amazônia, “sob a alegação de promover o desenvolvimento regional”, vêm conduzindo ao aumento da violência no campo na região.

A mineração, argumenta a nota técnica, mesmo fora das unidades de conservação, poderia levar a pressão de desmatamento para estas, principalmente ao induzir a migração de pessoas para a área. Isso poderia comprometer a meta brasileira de redução de desmatamento. “Portanto, recomendamos a manutenção do decreto [de 1984], frente ao cenário de aumento de desmatamento na região como um todo e à possibilidade de abrir uma nova frente de conversão em áreas que ainda não foram alteradas de forma significativa”, conclui o documento.

OUTRO LADO

Procurado pelo OC, o Palácio do Planalto afirmou, por meio da Secretaria de Imprensa, que a posição do Ministério do Meio Ambiente divulgada à imprensa por meio de nota no dia 23 de agosto: “O Ministério do Meio Ambiente afirma que a extinção da Reserva Nacional do Cobre e Associados (Renca) não afeta as unidades de conservação federais existentes na área, pois estas são de domínio público, onde não se permite o desenvolvimento de atividade de mineração. Ademais, qualquer empreendimento que possa impactar as unidades de conservação é passível de procedimento de licenciamento específico, o que garante a manutenção dos atributos socioambientais das áreas protegidas.”

Ainda segundo a Presidência, a decisão pela extinção da Renca “considerou parecer do Ministério de Minas e Energia, segundo o qual a medida fomentará o aproveitamento racional e sustentável, sob o controle do Estado, do potencial mineral daquela área (…) A preservação da Amazônia, em respeito à legislação socioambiental brasileira, será fortalecida pelo combate às atividades ilegais na região.” (CLAUDIO ANGELO)

Os ditadores – Pablo Neruda

Diálogos Essenciais

Os ditadores

Ficou um aroma entre os canaviais:

uma mescla de sangue e corpo, uma penetrante

pétala nauseabunda.

Entre os coqueiros os túmulos estão cheios

de ossos demolidos, de estertores calados.

O delicado sátrapa conversa com taças, pescoços e cordões de ouro.

O pequeno palácio brilha como um relógio

e os rápidos risos enluvados

atravessam às vezes os corredores

e se reúnem às vozes mortas

e às bocas azuis frescamente enterradas.

O pranto está escondido como uma planta

cuja semente cai sem cessar sobre o chão

e faz crescer sem luz suas grandes folhas cegas.

O ódio se formou escama por escama,

golpe por golpe, na água terrível do pântano,

como um focinho cheio de lodo e silêncio.

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Os riscos do vice-presidencialismo, por Luiz Felipe de Alencastro

Luiz Felipe Alencastro avisou sobre a possibilidade de traição de Temer, lá no final de 2009, quando da escolha do candidato a vice-presidente na chapa de Dilma Rousseff em sua campanha para seu primeiro mandato.

Leia o texto abaixo.

Paulo Martins

São Paulo, domingo, 25 de outubro de 2009

Os riscos do vice-presidencialismo
LUIZ FELIPE DE ALENCASTRO

A fala de Lula sobre Jesus aliado a Judas deu lugar a um extravagante debate teológico. Mas a questão essencial é mais terra a terra

TÊM SIDO bastante debatidas as convergências e as complementaridades das políticas econômicas e sociais dos governos FHC e Lula.
Pouco se disse, entretanto, sobre a estabilidade institucional assegurada pelo sistema de dois turnos e pela reeleição dos dois presidentes.
A introdução dos dois turnos ofereceu vitórias incontestes aos presidentes eleitos desde 1989. Ainda quando foi decidida no primeiro turno, como em 1994 e 1998, a eleição garantiu a maioria absoluta dos votos válidos a FHC. Nem sempre foi assim: a vitória de Juscelino Kubitschek em 1955, com apenas 36% dos votos válidos, desencadeou uma campanha golpista e uma grave crise política.
Votada no Congresso sob suspeita de corrupção, em vez de ser submetida à legitimidade de um referendo nacional -como defendia, entre outros, Franco Montoro-, a emenda da reeleição superou seu aleijão de nascença e demonstrou sua viabilidade. O abandono dos projetos sobre terceiro mandato ajudou a firmar a reeleição simples no edifício político do país.
Outro ponto importante da normalização política foi a transformação do estatuto do vice-presidente. De saída, é preciso atentar para o fato de que o Brasil parece ser o único país do mundo dotado de um sistema presidencialista multipartidário, com eleição direta de dois turnos, em que são eleitos conjuntamente o presidente e o vice-presidente.
No período 1946-1964, com eleições num turno único, seguia-se no Brasil a prática americana. A escolha do vice-presidente concretizava a aliança que potencializava o alcance eleitoral do candidato a presidente.
Quando o vice -eleito diretamente- tinha voo próprio, como no caso de Jango, vice-presidente de Kubitschek e de Jânio, o quadro se complicava.
Com os dois turnos, as regras do jogo mudaram. Como escreveu um autor, depois do primeiro turno, o candidato a vice-presidente é como uma bananeira que já deu cacho. Tendo atraído a maioria dos votos que poderia puxar para seu companheiro de chapa, sua atuação não ajuda a campanha do segundo turno. Mas pode atrapalhar os entendimentos com candidatos derrotados no primeiro.
Por esse motivo, a escolha do candidato a vice-presidente transformou-se numa operação delicada para os presidenciáveis. Parte do sucesso dos dois mandatos de FHC e de Lula repousa, aliás, na escolha de vice-presidentes que cumpriram suas funções com relativa discrição e total fidelidade aos dois presidentes, antes e depois das eleições. Por caminhos tortuosos, desenhou-se uma prática política e constitucional que vem assegurando a democracia e o crescimento econômico.
A aliança entre o PT e o PMDB apresenta outra relação de forças. Caso o deputado Michel Temer venha a ser o candidato a vice-presidente na chapa da ministra Dilma Rousseff, configura-se uma situação paradoxal.
Uma presidenciável desprovida de voo próprio na esfera nacional, sem nunca ter tido um voto na vida, estará coligada a um vice que maneja todas as alavancas do Congresso e da máquina partidária peemedebista. Deputado federal há 22 anos seguidos, constituinte, presidente da Câmara por duas vezes (1997-2000 e 2009-2010), presidente do PMDB há oito anos, Michel Temer vivenciou os episódios que marcaram as grandezas e as misérias da política brasileira.
O partido sob sua direção registra uma curiosidade histórica. Sendo há mais de duas décadas o maior partido político brasileiro, jamais logrou eleger o presidente da República. Daí a sede com que vai ao pote ditando regras ao PT e a sua candidata à Presidência. Já preveniu que quer participar da organização da campanha presidencial, disso e daquilo. No horizonte, desenha-se um primeiro impasse.
O peso do PMDB e a presença de Temer na candidatura a vice irão entravar, no segundo turno, a aliança de Dilma com Marina Silva, Plínio Arruda Sampaio (candidato do PSOL) e as correntes de esquerda que tiverem sido derrotadas ou optado pelo voto em branco e voto nulo no primeiro turno.
Levado adiante, o impasse poderá transformar a ocupante do Alvorada em refém do morador do Palácio do Jaburu. Talvez, então, Temer tire do colete uma proposta que avançou alguns anos atrás. O voto, num Congresso aos seus pés, de uma emenda constitucional instaurando o parlamentarismo. Em outras palavras, complicada no governo Lula, a aliança PT-PMDB pode se tornar desastrosa num governo Dilma em que Michel Temer venha a ocupar o cargo de vice-presidente.
A declaração de Lula sobre a eventual aliança de Jesus e Judas deu lugar a um extravagante debate teológico. Mas a questão essencial é mais terra a terra. E só o futuro dirá se a frase de Lula terá sido uma simples metáfora ou uma funesta premonição.
LUIZ FELIPE DE ALENCASTRO , 63, é professor titular de história do Brasil da Universidade de Paris – Sorbonne, autor de “O Trato dos Viventes” e editor do blog sequenciasparisienses.blogspot.com .

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br

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Chico Buarque – As Caravanas, por Gilberto Maringoni

Chico Buarque -poucos mergulharam tão fundo na alma do país.
Essa “As Caravanas” é arrasadora.
Um achado: para as elites, os pobres são como os muçulmanos a ameaçar a “civilização ocidental e cristã”. Precisam ser abatidos, porque apenas sua existência, com picas enorme e sacos-granadas representa um risco aos brancos ricos em seus bunkers.
Como esses pobres-muçulmanos ousam descer à Zona Sul? Como ousaram invadir os sacrossantos aeroportos transformando-os em rodoviárias cheias de “gente feia”? Como tiveram a petulância de se transformarem em “doutores e doutoras”? Como se insubordinaram contra o trabalho doméstico e, suprema ofensa, arriscaram almejar dignidade e cabeça erguida?
Pois os ricos golpistas vieram, com Temer e toda a quadrilha, para devolver os pobres-negros-muçulmanos a seus lugares “de direito”: as favelas-senzalas, as prisões-porões, as chibatas-cassetetes-balas dos PMs-capitães do mato.
Como diz Chico ao final de sua As Caravanas, “Filha do medo, a raiva é mãe da covardia”.
Como são medrosos, raivosos e covardes esses ricos do Brasil.

As Caravanas
Chico Buarque

É um dia de real grandeza, tudo azul
Um mar turqueza à la Istambul enchendo os olhos
Um sol de torrar os miolos
Quando pinta em Copacabana

A caravana do Arará — do Caxangá, da Chatuba
A caravana do Irajá, o combio da Penha
Não há barreira que retenha esses estranhos
Suburbanos tipo muçulmanos do Jacarezinho
A caminho do Jardim de Alá — é o bicho, é o buchicho é a charanga

Diz que malocam seus facões e adagas
Em sungas estufadas e calções disformes
Diz que eles têm picas enormes
E seus sacos são granadas
Lá das quebradas da Maré

Com negros torsos nus deixam em polvorosa
A gente ordeira e virtuosa que apela
Pra polícia despachar de volta
O populacho pra favela
Ou pra Benguela, ou pra Guiné

Sol, a culpa deve ser do sol
Que bate na moleira, o sol
Que estoura as veias, o suor
Que embaça os olhos e a razão

E essa zoeira dentro da prisão
Crioulos empilhados no porão
De caravelas no alto mar
Tem que bater, tem que matar, engrossa a gritaria

Filha do medo, a raiva é mãe da covardia
Ou doido sou eu que escuto vozes
Não há gente tão insana
Nem caravana do Arará

Não verás país nenhum

Fui dormir com um sentimento sufocante de revolta e uma sensação indefinida de “não tem jeito”. Lembrava da mesma sensação que havia sentido nos tempos de ditadura e me lembrei do livro de Ignácio de Loyola Brandão, que retrata este sentimento.

Hoje, pela manhã, tropeço neste post de Mara Telles, em seu mural:

“O Brasil não existe mais. Não existe Povo, nem Soberania Popular, nem Opinião Pública, nem projeto de País. Nada disso conta no Planalto Central, tomado de assalto por assaltantes da política. O governo é uma farsa, a reforma política é um fiapo na qual se elimina a representação popular, o judiciário é um faz de conta que não faz justiça, mas faz política. A sociedade civil bate com a porta na cara, a mídia ajuda a fechar a porta. A tragédia se repete como farsa, mas o povo toma cerveja, a ciência é terra arrassada, os amantes amam e o Amapá é vendido. Não vamos chegar a lugar algum, porque não somos um país: somos apenas um lugar e nunca passaremos de uma São Paulo rica e sem misericórdia rodeada de miseráveis por todos os lados”.

“Não verás país nenhum” é o título de um livro escrito por Ignácio de Loyola Brandão e lançado em 1981, nos anos “finais” da ditadura. O livro trata, com recurso à ficção, o único recurso possível naqueles anos de chumbo, da situação social e política no Brasil dos anos 1960 e 1970. Como descreve Marcello Simão Branco em sua resenha sobre este livro, “Durante os anos da ditadura militar (1964-1985) a literatura brasileira produziu algumas obras muito boas sobre a condição política e social do país. E, de forma surpreendente para alguns, a partir de um ponto de vista não convencional, pela metáfora, pelo fantástico e sobretudo pela ficção científica, também chamada para este caso específico de ficção distópica”.

Li o livro na época em que foi lançado mas, passados mais de 35 anos, não me lembrava dos detalhes. Lembrava somente do seu pessimismo, da sensação de desalento, deste sentimento difuso de “não tem mais jeito” que invadia as pessoas.

Prossegue Marcello Simão em sua resenha:

“Estamos no início do século XXI em São Paulo. A ditadura militar não terminou e perpetuou seus métodos de governo autoritário e sua repressão política e comportamental à sociedade. Temos como protagonista Souza, um ex-professor de História, que aposentado à força pelo regime, trabalha como um burocrata metódico e entediado. Além da ditadura política em si, o país passa por um desequilíbrio ecológico grave, com racionamento de água, calor intenso, alimentos artificiais e manufaturados, ausência quase total de vida animal e vegetal, nascimento de crianças deformadas e mutantes. Pois a floresta amazônica e as demais foram destruídas, transformadas em gigantescos desertos, o que explica as altas temperaturas durante o ano inteiro”.

“Fomos nos habituando, de tal modo que passamos a pactuar com a tragédia, aceitando-a como cotidiano. Me espanta essa capacidade de acomodação da mentalidade, sua adaptação ao horror. Acredito que a gente possua um componente de perversidade que nos leva a encarar como normal esse pavor, a desejá-lo, às vezes, desde que não nos toque. Uma porcentagem de perversidade que tem sido alimentada pelo Esquema, essa coisa tão abstrata, que consegue se manter em meio à anarquia, ao caos estabelecido como ordem, à anomalia mascarada em progresso.” (página 191).

Minha sensação é que a ditadura de 1964 nunca foi extirpada. Restaram células malignas, que continuam entranhadas no tecido social e político desta Nação e que sobrevivem incrustadas na alma e nos sonhos de muitos. Neste aspecto, o livro de Ignácio de Loyola Brandão, ambientado em São Paulo, no início do século XXI, é assustadoramente premonitório. Enquanto não formos capazes de eliminar este demônio que parece fazer parte de nosso DNA, não veremos país nenhum mesmo.

Leia, a seguir, a resenha completa do livro.

Paulo Martins

Resenha de “Não Verás País Nenhum”

Publicado em 19 de junho de 2016 por Marcello Simão Branco, da revistaamplitudes.net.

Não Verás País Nenhum, Ignácio de Loyola Brandão. Global Editora, 11a. edição, São Paulo, 1985, 357 páginas. Lançado originalmente em 1981.

Durante os anos da ditadura militar (1964-1985) a literatura brasileira produziu algumas obras muito boas sobre a condição política e social do país. E, de forma surpreendente para alguns, a partir de um ponto de vista não convencional, pela metáfora, pelo fantástico e sobretudo pela ficção científica, também chamada para este caso específico de ficção distopica.

Talvez o livro mais importante e influente tenha sido Não Verás País Nenhum, de Ignácio de Loyola Brandão. Quando o escreveu, o autor já era reconhecido, tendo publicado obras importantes, inclusive, sobre aspectos da repressão, como o controverso Zero (1974), ainda hoje o seu livro de maior impacto. Também editou com sucesso a primeira versão da revista Planeta, na primeira metade dos anos 1970, quando publicava contos de ficção científica, inclusive de autores brasileiros. Vê-se, portanto, que o autor tem alguma comunicação com o gênero. Sendo assim, Não Verás País Nenhum deve interessar particularmente os leitores tradicionais do gênero.

Desconfio, entretanto, que poucos fãs brasileiros de ficção científica já o tenham lido. É realmente de se lamentar, pois se está diante de um verdadeiro livraço. Foi, inclusive, publicado nos Estados Unidos e países europeus com premiações e críticas elogiosas,[1] o que atesta também o seu caráter universalista, mesmo abordando de forma profunda não só a ditadura, mas a própria ideia do que é ser brasileiro, especialmente a partir da segunda metade do século passado, isto é, urbanizado e em contato com mudanças tecnológicas.

Estamos no início do século XXI em São Paulo. A ditadura militar não terminou e perpetuou seus métodos de governo autoritário e sua repressão política e comportamental à sociedade. Temos como protagonista Souza, um ex-professor de História, que aposentado à força pelo regime, trabalha como um burocrata metódico e entediado. Além da ditadura política em si, o país passa por um desequilíbrio ecológico grave, com racionamento de água, calor intenso, alimentos artificiais e manufaturados, ausência quase total de vida animal e vegetal, nascimento de crianças deformadas e mutantes. Pois a floresta amazônica e as demais foram destruídas, transformadas em gigantescos desertos, o que explica as altas temperaturas durante o ano inteiro.

Situações próximas do surrealismo ilustram o contexto, como os banheiros públicos que reciclam a urina – com o requinte de selecionar as urinas mais saudáveis – para transformá-la em água, usada para beber e outros fins pelas pessoas. Os bolsões de calor, que provocam a queimadura até a morte, no início no Nordeste, mas no fim também em São Paulo, levando à construção de uma obra faraônica e inútil, uma quilométrica Grande Marquise para abrigar do calor os miseráveis e os sem-teto.

Desta forma tanto quanto uma distopia política, Não Verás País Nenhum também é uma distopia ecológica. Em que não apenas um Estado dispõe de forma autoritária e truculenta sobre os recursos da natureza, como a própria sociedade, além de não ter controle sobre as ações do governo, parece ter pouco apreço pelo meio-ambiente em si – destrói um museu sobre a natureza e uma reserva ecológica clandestina, por exemplo –, embora seja quem realmente sofra suas consequências danosas, já que os agentes estatais se protegem por meio de cúpulas climatizadas e refrigeradas.

Em acréscimo a esta degradação ambiental, o Brasil perdeu parte de seu território, principalmente o Nordeste, que se transforma numa Reserva Multinacional. Foi cedido a outros países e grupos econômicos internacionais, provavelmente por causa da dívida externa do país. Esta perda provoca um grande êxodo de nordestinos para o Sudeste, que os reprime construindo grandes cercas em tornos das áreas metropolitanas de suas principais metrópoles. Assim é que se concentra nos arredores de São Paulo, uma quantidade imensa de acampamentos, verdadeiro campo de refugiados dentro do próprio país. Sem poder voltar ao que perdeu. E sem poder entrar no que nunca, de fato, pôde desfrutar.

Neste contexto de repressão política e caos ambiental, o melhor tipo de emprego que se pode conseguir é por meio da adesão ao regime, ou seja, sendo militar ou um burocrata. Ou as duas coisas, os tais ‘militecnos’, que atuam em empresas estatais e cargos de direção do Estado – aqui chamado de Esquema – certamente uma alusão aos tecnocratas dos anos 1970 de nosso país. Para desgosto do antigo contestador Souza, há um militecno em sua família, seu jovem sobrinho. Há também os ‘civiltares’, espécie de segmento responsável pelo patrulhamento, espionagem e repressão do regime. Tropas de elite de cunho civil-militar, mantidas pelo Estado e por grupos privados que o apoiam, de caráter paramilitar, o que lhe abre a oportunidade de agir frontalmente às margens de lei já por si mesmas discricionárias.

Dentro deste cenário geral, o romance é narrado em dois planos que se justapõem, o macro e o micro. No micro, a história pessoal de Souza e de como é a sua vida neste país governado há cerca de 40 anos pelos militares. No macro, a contextualização social, política e ecológica desta realidade.

Impressiona o nível de detalhes que o autor elabora para construir a sua ditadura que nunca terminou. Nesta São Paulo, as pessoas vivem restritas aos seus bairros. Precisam de bilhetes especiais para transitar pela cidade. Se os perdem simplesmente não podem voltar para suas casas.

Através da perspectiva de Souza, um intelectual sufocado pelo regime e que ainda carrega culpas dentro de si mesmo, Loyola extrapola a ditadura militar para o futuro próximo, sempre olhando para o passado. Este é um recurso válido, pois permite uma visão retrospectiva de como um futuro veria a ditadura dos anos 1970 e 1980. Em termos de ficção científica é manjado, com um observador exterior (geralmente um alienígena ou viajante do tempo) usado para comentar as mazelas de nossa civilização. Já no caso do livro, o observador é o próprio protagonista (em primeira pessoa), pois não há propriamente um encadeamento de sequencias no desenrolar da narrativa. Tanto que o romance recebe o subtítulo de “memorial descritivo”, embora por meio deste recurso o contexto geral seja aprofundado com o drama crescente vivido pelo protagonista. Ao invés do personagem se movimentar dentro de um mundo – e desta forma procurar modificá-lo –, é como se este mundo impulsionasse e transformasse o personagem.

Ademais, a decorrência mais comum desta linha de abordagem narrativa são as observações sarcásticas que ridicularizam o regime de uma forma geral. Loyola é particularmente feliz com colocações agudas que provocam no leitor aquele sorriso torto no canto da boca, tanto de lembrança do fato, como de sua interpretação absolutamente demolidora do nonsense daquilo tudo. Então há os que se ‘locupletaram’(fala aqui de boa parte da classe média), os ministros ‘embriagados’, os corruptos e os apenas incompetentes. Chega a nomear algumas fases pelas quais passou o regime, de clara ressonância para quem o viveu, como por exemplo, os “Abertos 80”, uma referência ao processo de abertura que o regime viveu a partir de meados dos anos 1970 e que chegava ao auge no começo dos 1980, e à “Era Casuística”, esta dos anos 1970, quando os militares mudavam as regras eleitorais para favorecer os políticos do partido que os apoiava.[2]

Em meio a este contexto, surge um furo numa das mãos de Souza, pretexto para a virada definitiva em seu comportamento e para os rumos da própria história. Por medo do que lhe possa acontecer – ser preso e confinado ao isolamento, ou perder o emprego –, ele resiste em ir ao médico, apesar dos apelos de sua passiva e conservadora Adelaide, sua esposa. Passa também a enfrentar seu sobrinho milico e relaxa com sua higiene e alimentação, além de chegar atrasado para o trabalho.[3]

Souza vai gradativamente deixando sua resignação de lado, bem como sua segurança econômica, pois é demitido do emprego, abandonado por sua esposa e tem seu apartamento invadido por um grupo de estranhos, aliados de seu sobrinho, como parte de uma atividade de contrabando ilegal de alimentos. Muito deprimido com tantas mudanças pessoais, Souza é impotente para expulsar os invasores. Mas reage quando estes começam a matar aqueles que os incomodam, os pedintes e mutantes que aos poucos rompem os acampamentos e entram em São Paulo, aumentando ainda mais o caos social e o grau de opressão.

Souza teme ser morto e acaba sendo abandonado em um lixão na periferia da cidade. Vira um ninguém, como tantos pedintes, desempregados e refugiados que ele antes tinha pena, quando ainda possuía uma ocupação, residência e esposa. Neste processo de decadência pelo qual passa o protagonista, Loyola nos fala da degeneração social e moral da própria sociedade submetida ao um regime perverso e sem freios.

Outro aspecto interessante é que Loyola contrapõe o seu Brasil distópico como uma espécie de antítese da tradição da ficção científica anglo-americana. Chega a citar autores importantes do gênero e as supercivilizações tecnológicas que criaram e como teríamos engendrado por aqui o inverso: Uma urbe superpopulosa, poluída, caótica e sob uma ditadura. Como se realmente tivéssemos ficado sem ver país nenhum.

Mary Elisabeth Ginway, em Ficção Científica Brasileira: Mitos Culturais e Nacionalidade no País do Futuro (Devir, 2005) observa outro aspecto, de que Loyola aproveita para criticar a ficção científica anglo-americana, vista por ele como excessivamente otimista, determinista ou mesmo ingênua sobre o impacto da tecnologia na sociedade e na ação dos indivíduos. Faz sentido, mas talvez da perspectiva dela – como uma americana – e não da perspectiva de quem faz a análise a partir de seu país, como o meu caso. Ou, creio, como na intenção original do autor.

Qual? A de um Brasil que a partir do autoritarismo falha definitivamente em ser o tal país do futuro, que se imaginava pudesse ser algo semelhante a algumas das utopias hedonistas e tecnicistas da ficção científica escrita no Norte. Nesta linha de interpretação, àquilo que se assemelhava a uma ficção científica para o Brasil teria de ser de má qualidade, no sentido de só podermos produzir anti-utopias para o nosso país. Mas, ao menos no caso de Loyola, com sofisticação.

Isso porque o romance lembra a estrutura paranoica vista na maior das anti-utopias, 1984, de George Orwell, embora pelo ponto de vista de sua ineficiência de gestão, ainda que com repressão. E uma estrutura existencial à lá Kafka, remontando a uma melancolia com o estado geral das coisas, ilustrada, claro, por situações absurdas. Mais absurdas ainda porque reais. Como o sumiço final do furo na mão de Souza, o último sujeito dos porquês em um mundo que se esqueceu de questionar a si mesmo e se entregou a um niilismo quase suicida.

Vale a pena citar ao menos uma passagem que mostra a sensibilidade crítica do autor com relação à postura das pessoas com respeito aos efeitos de um regime autocrata:

“Fomos nos habituando, de tal modo que passamos a pactuar com a tragédia, aceitando-a como cotidiano. Me espanta essa capacidade de acomodação da mentalidade, sua adaptação ao horror. Acredito que a gente possua um componente de perversidade que nos leva a encarar como normal esse pavor, a desejá-lo, às vezes, desde que não nos toque. Uma porcentagem de perversidade que tem sido alimentada pelo Esquema, essa coisa tão abstrata, que consegue se manter em meio à anarquia, ao caos estabelecido como ordem, à anomalia mascarada em progresso.” (página 191).

No fundo, Loyola descreve o fracasso do projeto de modernização do país e seus efeitos no cotidiano e mentalidade das pessoas. Uma opção de desenvolvimento importante não criada, mas ampliada de forma exagerada e distorcida pelos militares, por eles ufanistamente nomeada de “Brasil Potência”, com super usinas hidrelétricas e nucleares. E o autor escreveu justamente na época em que as esperanças do país renasciam, os anos 1980, por causa da liberalização política do regime e as perspectivas concretas que se avizinhava para o retorno da democracia.

Se o pessimismo da obra não coaduna com o momento específico que o país vivia, talvez seja porque o autor não acreditasse de fato que o país voltasse à ordem constitucional ou então de que mesmo nela o país já estaria inviável do ponto de vista de sua modernização e equidade social. Desta forma, Não Verás País Nenhum é o Brasil do futuro que nunca se realizou.[4]

Este é o melhor romance brasileiro de ficção científica já escrito. Um exemplo concreto das potencialidades de uma ficção de caráter especulativo que contesta a realidade e reflete sobre os problemas do país e do mundo contemporâneo. E, se possível, responda a alguma inquietação existencial do próprio autor.

Marcello Simão Branco, mestre e doutor em Ciência Política pela USP, organizou a antologia Assembleia Estelar: Histórias de Ficção Científica Política (Devir, 2011). É professor adjunto de “Compreensão da Realidade Brasileira”, na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Notas:

[1] Recebeu, por exemplo, o Prêmio Illa, como o melhor livro latino-americano publicado na Itália em 1983, e resenhado no The New York Times Book Review.

[2] No artigo “Ventos de Mudança: A Ficção Científica Brasileira e a Transição Democrática”, argumento que Não Verás País Nenhum foi um romance que inaugurou uma mudança temática dentre aqueles que discutiram criticamente o regime militar. Pois quando escrito não se estava mais no período mais sombrio da repressão – da ficção distópica – , mas sim no contexto do processo de liberalização do regime – uma ficção da abertura. Desta forma sinalizou, em termos literários, as novas perspectivas que se abriam para o Brasil. Ver em Semina: Revista de Ciências Sociais e Humanas, vol. 34, n. 2, 2013.

[3] Na coletânea Cadeiras Proibidas (1977), o autor retoma o tema no conto absurdista “O Homem do Furo na Mão”.

[4] No lançamento do livro Ficção Científica Brasileira: Mitos Culturais e Nacionalidade no País do Futuro, de M. Elisabeth Ginway, em 27 de julho de 2005, Loyola afirmou, em um debate na livraria Fnac, em Pinheiros, São Paulo, que este livro foi a conclusão de sua trilogia sobre a ditadura militar. Teria começado com sua instauração com Zero (1974), analisado o codidiano das pessoas sob sua vigência na coletânea Cadeiras Proibidas (1977) e especulado o seu desfecho futuro com Não Véras País Nenhum (1981). Em termos literários, provavelmente, a melhor contribuição a este perído histórico do país.

Eletrobras: venda a preço de bananas é uma aberração

O anúncio de venda da Eletrobras para fazer caixa é uma das iniciativas mais aberrantes do governo Temer.

A ideia da “democratização do capital” e a comparação com a Vale e a Embraer é esdrúxula.

Ambas estão na economia competitiva enquanto a Eletrobrás é uma concessionária de serviços públicos, estratégica para o país.

A avaliação de R$ 20 bilhões equivale a menos da metade de uma usina como Belo Monte.

A Eletrobrás tem 47 usinas hidroelétricas, 114 térmicas e 69 eólicas, com capacidade de 47.000 MW, o que a faz provavelmente a maior geradora de energia elétrica do planeta. É uma empresa tão estratégica quanto a Petrobras.

A Eletrobras está sendo construída desde 1953 e exigiu investimentos calculados em R$ 400 bilhões do povo brasileiro. Além da capacidade geradora, que equivale a meia Itaipu, a Eletrobras controla linhas de transmissão, seis distribuidoras e a Eletronuclear, empresa estratégica que detém as únicas usinas nucleares brasileiras.

​O modelo elétrico brasileiro é uma obra de engenharia fantástica, resultado do pensamento estratégico de especialistas como Octávio Marcondes Ferraz, Mário Thibau, Mário Bhering, um conjunto de técnicos da Cemig – que também corre risco idêntico.

No governo Fernando Henrique Cardoso, o desmonte irresponsável desse modelo promoveu um encarecimento brutal das tarifas, que acabou tirando a competitividade brasileira em vários setores eletro intensivos.

Lá, como agora, moviam-se exclusivamente por visão ideológica, sem um pingo de preocupação com a lógica de um sistema integrado.

O comprador com toda probabilidade será um grupo chinês que por 20 bilhões de reais assumirá o maior parque de geração hidroelétrica do planeta.

É realmente inacreditável o nível de improvisação, cegueira estratégica, leviandade suspeita atrás desse tipo de decisão de quebra-galho financeiro.

Nos EUA, o parque hidroelétrico, que corresponde a 15% da matriz energética, é estatal federal, porque lá se acredita que energia elétrica, que envolve recursos hídricos são de interesse nacional e não podem ser privados.

Lá há muito cuidado com água, rios e represas e nunca se pensou em privatizar.

A ideia de privatizar estava óbvia quando a rainha das privatizações da Era FHC Elena Landau foi colocada como presidente do Conselho da empresa.

Há um mês pediu demissão para não ficar evidente demais sua presença com o anúncio da privatização, ligando a lembranças de sua atuação no governo tucano.

Para completar o pesadelo, o Ministro de Minas e Energia é um rapaz de 33 anos, formado em administração de empresas pela FAAP, sem qualquer especialização na área e representando o histórico PARTIDO SOCIALISTA BRASILEIRO, de ilustres nomes como João Mangabeira, que deve estar se revirando na tumba com tal iniciativa por um “socialista” pernambucano.

LUÍS NASSIF

Para Belluzzo, Meirelles é ‘primário, só um símbolo que o mercado inventou’

Publicado em Rede Brasil Atual

ECONOMIA

DESASTRE ECONÔMICO
Para Belluzzo, Meirelles é ‘primário, só um símbolo que o mercado inventou’
“Hoje, estamos desmontando completamente a base estrutural da economia brasileira”, aponta economista

por Redação RBA publicado 22/08/2017 15h36
REPRODUÇÃO/YOUTUBE
Luiz Gonzaga Belluzzo

“Vou vender minha casa para poder jantar. É isso que eles estão fazendo”, diz Belluzzo sobre equipe econômica

São Paulo – Anúncios como a da privatização da Eletrobrás, feito nessa segunda-feira pelo Ministério das Minas e Energia, é mais um passo na demolição de uma longa construção institucional feita pelo Brasil ao longo das últimas décadas. A avaliação é do economista e professor da universidade Estadual de Campinas, Luiz Gonzaga Belluzzo, em entrevista concedida à Rádio Brasil Atual.

“O que estamos assistindo é uma desconstrução agressiva de todo o arranjo institucional e produtivo que levou o Brasil, no final dos anos 1970, a se transformar na economia em desenvolvimento mais industrializada”, analisa ele, ressaltando que hoje temos uma discussão muito limitada a respeito das condições do avanço do desenvolvimento no país.

Belluzzo fala sobre o processo de desindustrialização vivido pelo Brasil, que saiu de 29% de participação da indústria no PIB para quase 10%, e utiliza o modelo chinês como parâmetro de comparação.

“A China se ajustou à industrialização a partir das políticas econômicas nacionais, de investimento em infraestrutura, de atração de capital estrangeiro, de mobilização das suas forças para se transformar e absorver a tecnologia trazida pelas empresas”, destaca. “Não há lá a oposição entre Estado e mercado. Eles sabem que se trata de capitalismo. O capitalismo usa o mercado, mas não pode prescindir do papel de coordenação e articulação do Estado.”

Meirelles “não tem noção de nada”

Perguntado a respeito da declaração do ministro da Fazenda Henrique Meirelles em entrevista, afirmando que um candidato com uma “mensagem reformista” deve ganhar as eleições presidenciais de 2018, o economista foi enfático.

“Não sei se tenho vontade de rir, é uma coisa ridícula o que ele está falando. Quando se fala em reforma, todo mundo é a favor, mas essas reformas que estão sendo propostas não estão olhando para frente, mas para trás. Para frente, vamos ter que discutir qual é o projeto estrutural para a economia brasileira. Vamos prosseguir na industrialização, vamos entrar na disputa da indústria 4.0, mais automatizada?”, questiona.

Belluzzo critica a condução da atual política econômica. “É visível que ele (Henrique Meirelles) não tem noção de nada. Na apresentação da revisão do déficit, fiquei espantado com a primariedade. Ele é primário, é só um símbolo que o mercado inventou, mas é uma pessoa inadequada. Desculpe, é uma pessoa mal formada, não tem ideia nenhuma do que está fazendo”, afirma. “Na verdade, a política econômica adotada corresponde exatamente às reivindicações do mercado e dos seus formuladores e representantes que jogaram a economia brasileira num abismo de 7,5% de queda do PIB. Não dá para mostrar uma recuperação consistente. Um sinalzinho aqui ou ali, e eles começam a celebrar.”

Para o economista, a diretriz de cortes de gastos com redução da participação do Estado atenta contra o próprio princípio do mercado.

“Em 2014, o déficit primário era de 0,6% do PIB. Hoje, é de praticamente 3%. Se você secciona o movimento de geração de emprego e renda, aumenta o endividamento das empresas com o choque de juros e de tarifas, como é que alguém pode imaginar que isso vai produzir ajuste? Só no hospício. Não há nenhuma consistência nisso, e eles insistem e repetem”, critica. “Você ouve a Globonews e se fala que precisa cortar mais. Isso não tem nenhuma consistência lógica. Contradiz exatamente qual é a forma de funcionamento de uma economia de mercado capitalista, em que a renda decorre do gasto. É claro que isso não se pode fazer indefinidamente, tem limites. Mas se se faz um corte dessa magnitude numa economia que está desacelerando – pelo fim do ciclo de commodities, endividamento das empresas –, vai produzir o que ocorreu. O endividamento cresce porque as receitas caem, daí vem a ideia de vender ativos. Vou vender minha casa para poder jantar. É isso que eles estão fazendo”, argumenta.

“Empresas estatais funcionavam como provedoras de vantagens para o setor privado, porque produziam insumos universais – combustível, eletricidade, siderurgia. Chineses não privatizam essas coisas. Sabem que, na articulação com o setor privado, é importante que se tenham empresas provedoras desses insumos a preços razoáveis, e também que coordenem o investimento”, diz Belluzzo. “No Brasil, o setor de bens de capital nasceu com as estatais. O investimento das empresas estatais puxava o investimento do setor privado, que aproveitava espaços criados pelo investimento público. Hoje, estamos desmontando completamente essa base estrutural da economia brasileira.”

Efeitos da Lava Jato na economia

Sobre os impactos da Operação Lava Jato na economia, Belluzzo aponta que os operadores do Direito que integram a força-tarefa não compreendem as consequências da sua interferência em determinados setores econômicos.

“Os promotores e juízes carecem de uma formação prática, um pouco de noções básicas de como funciona a economia, de como são articuladas as cadeias produtivas. Estão fazendo uma coisa estritamente a partir dos critérios de punição, critérios jurídicos de sanção aos controladores e às empresas. Teria que separar isso. Uma coisa é a punição dos controladores, outra é a destruição das empresas. É o que eles estão promovendo”, acredita.

Segundo o economista, tal situação decorreria da própria formação de promotores e juízes.

“É um problema de nível cultural. As universidades em geral, no mundo inteiro, estão acentuando a especialização, o que é um desastre, porque você perde a capacidade de olhar o conjunto. Isso tem a ver com a formação desses rapazes. É só olhar para eles para perceber que têm claras deficiências intelectuais. Sinto muito dizer isso, mas sou obrigado a dizer, pela maneira como se comportam, como se manifestam”, aponta.

A ruptura com o processo democrático a partir da queda da presidenta Dilma Rousseff estaria na base de todos os retrocessos vindos na sequência, segundo Belluzzo.

“Há um ponto de mudança fundamental, que foi a violação do princípio básico da democracia e da soberania popular, com o impeachment da presidenta Dilma. Daí para frente, o que estamos assistindo é um processo de realimentação positiva de fatos negativos”, avalia. “O momento de ruptura foi o impeachment. Surrupiaram o voto, meu voto foi roubado. Nós elegemos a presidenta da República. Não podia ter sido feito daquela maneira, a partir de pretextos insubsistentes. Violaram o princípio da soberania popular, nisso estão associados todos os que fizeram acontecer e os que não impediram que isso acontecesse.”

 

A privatização da Eletrobrás e a volta do efeito Orloff

Observando a euforia da mídia mercenária – aquela que vende suas capas e primeiras páginas por qualquer interesse mesquinho – com a anunciada privatização da Eletrobrás a ser perseguida pelo Governo Temer, lembrei-me do fracasso que foi a privatização do setor elétrico na Argentina, do choque tarifário com aumentos de 200 a 600% autorizado pelo presidente Macri e da euforia dessa imprensa nacional com os aumentos de preços e tarifas prometidos por este neoliberal adorado pelos bancos e aves de rapina do capitalismo internacional.

Na época, em janeiro de 2016, publiquei um artigo neste blog questionando o papel dessa mídia mercenária em relação ao novo governo argentino. Essa mídia filtrava as informações que vinham daquele país, torcendo fatos e transformando esterco em ouro, como bons alquimistas que são. No caso, transformavam aumentos de 200 a  600% nas contas de energia elétrica em algo muito positivo, esquecendo-se, propositalmente, dos impactos nefastos desses aumentos na vida das pessoas.

Leia o artigo aqui: http://wp.me/p5ihlY-13o

No passado, o Brasil e a Argentina revezam-se em suas crises, políticas e econômicas. Este fato ficou conhecido como ‘Efeito Orloff”, referindo-se a uma publicidade de vodka que alertava o consumidor sobre a importância de se escolher a bebida certa para evitar uma ressaca no dia seguinte: “eu sou você amanhã “.

O ministro das Minas e Energias do Brasil, que não entende nada de nada, afirmou em entrevista que o objetivo da venda do controle acionário da Eletrobrás é eliminar os prejuízos, ou seja, conseguir gerar lucro na Eletrobrás, para que esta empresa possa pagar dividendos ao governo federal. Questionado, o “sábio” ministro declarou que os preços de energia elétrica seriam reduzidos com a privatização. Não conseguiu explicar como.

Os mercados – a Bolsa de Nova York e de São Paulo – reagiram eufóricos e os preços das ações da Eletrobrás dispararam em função da possibilidade de comprar uma empresa na bacia das almas, a preço de liquidação, vendida por um governo desesperado para alienar todo o patrimônio público antes que os letárgicos cidadãos deste país acordem.

Anotem. Na política, na economia e nas tarifas de energia elétrica, será a temida volta do “Efeito Orloff”.

 

 

 

O que significa fazer história hoje?

Do blog da Boitempo Editorial

FELIZ DIA DO HISTORIADOR!

Neste dia do historiador, convidamos nossos internautas a compartilharem suas reflexões: O QUE SIGNIFICA FAZER HISTÓRIA HOJE? Aí vão algumas de nossos autores, para inspirar:

“Os homens fazem a sua própria história; contudo, não a fazem de livre e espontânea vontade, pois não são eles quem escolhem as circunstâncias sob as quais ela é feita, mas estas lhes foram transmitidas assim como se encontram. A tradição de todas as gerações passadas é como um pesadelo que comprime o cérebro dos vivos.”
– Karl Marx, “O 18 de Brumário de Luís Bonaparte” (http://bit.ly/XAsIKW)

“Nunca há um documento da cultura que não seja, ao mesmo tempo, um documento da barbárie. E, assim como ele não está livre da barbárie, também não o está o processo de sua transmissão, transmissão na qual ele passou de um vencedor a outro. Por isso, o materialista histórico, na medida do possível, se afasta dessa transmissão. Ele considera como sua tarefa escovar a história a contrapelo.”
– Walter Benjamin, da tese VII sobre o conceito de história. Confira o texto completo em edição comentada por Michael Löwy em “Walter Benjamin, aviso de incêndio: uma leitura das teses sobre o conceito de história” (http://bit.ly/U8jkvN)

“Quando a história for escrita como deve ser, os homens ficarão admirados do comedimento e da grande paciência das massas, e não de sua ferocidade.”
– C.L.R. James, “Os jacobinos negros” (http://bit.ly/2qu8Nzt)

A grande mídia se cala e o monstro passa, por Gabriel Priolli

A Grande Midia se cala e o Monstro (Boçalnazi passa )!

A PM contra os direitos humanos e a mídia contra os fatos
A imprensa dita liberal criou o monstro reacionário. Será engolida como foi no passado, se continuar fingindo que ele não existe.
Por Gabriel Priolli

O que é notícia, atualmente, para a grande imprensa brasileira? Que fatos devem ser noticiados ou ocultados do conhecimento público?
Cerca de cem policiais militares, muitos deles fardados, compareceram na sexta-feira, 11 de agosto, ao campus da Universidade Federal de São Paulo em Santos. Foram participar de uma audiência pública convocada pelo Conselho Estadual da Condição Humana.

Em pauta, a discussão do texto para o Plano Estadual de Educação em Direitos Humanos.

A presença incomum de tantos policiais no campus chamou a atenção de professores e estudantes para a audiência pública, que foi pouco divulgada. E eles decidiram participar, com tanto direito a isso quanto os PMs tinham.

Mas os policiais não gostaram dessa adesão de última hora da comunidade acadêmica. Tentaram impedí-la, argumentando que alunos e professores não participaram do debate desde o começo.
Os acadêmicos insistiram e foram insultados e intimidados pelos policiais. Foram chamados de “vagabundos”, fotografados e filmados. “Depois morre e não sabe porque”, ouviram dos PMs.

Os policiais defendiam “direitos humanos aos humanos direitos”, mudar a nomenclatura Ditadura Militar de 1964 para Revolução, e retirar a discussão de gênero das escolas, entre outras pepitas do ideário ultraconservador.

Na votação do texto, graças à pressão dos PMs, foram aprovadas a supressão de qualquer referência a direitos humanos no plano estadual e da obrigação de formar agentes de segurança pública com base nos princípios dos direitos humanos.

Não por acaso, parte dos policiais ostentou cartazes pregando “Bolsonaro 2018”. E não por acaso, o deputado militarista, defensor de todas as causas reacionárias do universo, agora está isolado no segundo lugar da corrida presidencial do próximo ano, despontando como o candidato anti-Lula na eleição.

Até o momento deste comentário, o ocorrido na UNIFESP não é assunto na grande imprensa. Apenas o portal UOL deu notícia dele, quatro dias depois.

Se o ocorrido em Santos não é pauta para uma imprensa que se diz liberal e se entende progressista, fica impossível saber com quais critérios ela opera agora. O avanço do autoritarismo em todo o país, que se expressa claramente no avanço de Bolsonaro, ainda não mereceu nenhum debate na grande mídia, nem, muito menos, a obstrução esperável.

Apenas a blogosfera de esquerda tem denunciado essa ameaça crescente à democracia. Foi ela que noticiou o incidente de Santos.
Atacar Trump, o reaça americano, no conforto da distância, é muito fácil e talvez acalme a consciência da grande imprensa. Difícil é conter os impulsos fascistóides de milhões de brasileiros, que foram despertados justamente pelo seu jornalismo de campanha, anti-PT e antiesquerda em geral.

A imprensa dita liberal criou o monstro reacionário. Será engolida como foi no passado, se continuar fingindo que ele não existe.

 

Programa tucano expõe falta de rumo e divisão partidária, por Kennedy Alencar

18-08-2017, 8h12
Programa tucano expõe falta de rumo e divisão partidária
Com erros factuais, propaganda do PSDB é incoerente e oportunista

KENNEDY ALENCAR
BRASÍLIA

Depois da exibição ontem do programa partidário do PSDB, houve críticas duras de ministros e deputados ao conteúdo, considerado uma agressão ao presidente Michel Temer e à ala governista do partido.

De fato, o programa é incoerente e contém erros factuais. A principal incoerência se deve às críticas duras ao governo Temer enquanto o partido mantém quatro ministérios. Se considera que Temer adota um presidencialismo de cooptação, no qual deputados e senadores se vendem por cifrões, o PSDB deveria entregar os cargos. É uma crítica oportunista.

O partido ataca o presidente Michel Temer porque a popularidade do governo é baixa, mas mantém as benesses oficiais que disse rejeitar ao relembrar o manifesto de fundação. É contraditório porque os tucanos adotaram o presidencialismo de cooptação quando governaram o país.

O PSDB deu aval ao impeachment da então presidente Dilma Rousseff, contribuindo para que uma governante eleita não concluísse o mandato. Sem o apoio do PSDB não teria havido impeachment.

Temer e o PMDB chegaram ao poder depois que os principais dirigentes tucanos, como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o governador Geraldo Alckmin e os senadores José Serra e Aécio Neves, apoiaram a rebelião na base parlamentar de Dilma. O PSDB é responsável e sócio do governo Temer.

O programa comete erros factuais, como reivindicar a paternidade do Plano Real, que foi feito durante o governo Itamar Franco. A criação dos medicamentos genéricos no Brasil também é da administração Itamar, quando o médico Jamil Haddad foi ministro da Saúde.

No mínimo, o PSDB, que teve papel importante na implantação do Real e dos genéricos, deveria ter sido honesto em relação à gênese dessas iniciativas. Para usar um bordão do partido, o PSDB errou.

*

Falsa autocrítica

Aliás, o PSDB repete inúmeras vezes que errou, mas não aponta especificamente nenhum equívoco. Faz menção rápida a ter se rendido ao fisiologismo, como outros partidos.

A reação da ala governista tucana indica que crescerá um movimento que já existe para tentar derrubar o senador Tasso Jereissati do comando partidário, mas o PSDB sempre tende a uma acomodação, muito parecida com a que havia no PMDB, do qual a sigla é uma costela.

As ações de Tasso na presidência do PSDB vêm sendo fortemente criticadas pela ala governista do partido. Ele se manteve no posto porque o senador Aécio Neves, que preside a legenda, não tem condição política de comandar o PSDB porque sofreu graves acusações de corrupção na Lava Jato.

A admissão de erros foi genérica. Há ministros, senadores, deputados e governadores tucanos suspeitos de corrupção de acordo com o que foi investigado pela Lava Jato. Não houve citações a casos concretos. Isso transmite uma imagem de falsa autocrítica e renderá desgaste político a Tasso, porque ele endossou uma generalização contra os tucanos.

*

Oportunismo golpista

Aparentemente, o único consenso na propaganda partidária foi a defesa do parlamentarismo. O PSDB lembra que defendeu a mudança do sistema de governo na sua fundação, em 1988, e justifica assim porque está empunhando novamente essa bandeira.

No entanto, quando esteve no poder, entre 1995 e 2002, o PSDB tinha uma base de apoio suficiente para tentar emplacar novamente a ideia e propor uma consulta popular, apesar de o parlamentarismo ter sido rejeitado em plebiscitos em 1963 e 1993.

Mas o partido preferiu usar o capital político para aprovar a regra da reeleição em benefício próprio e no meio do jogo, em 1997, permitindo que FHC concorresse a um novo mandato. A aprovação da reeleição foi um episódio nebuloso na história do PSDB, com uma acusação de compra de votos que nunca foi investigada.

Os candidatos tucanos a presidente aparecem mal nas atuais pesquisas sobre a sucessão de 2018. O partido perdeu as últimas quatro eleições presidenciais e acha que seria mais fácil voltar ao poder mudando o sistema de governo do país.

No atual contexto, é uma proposta com viés golpista, sobretudo se levarmos em conta a qualidade do atual Congresso Nacional. Parlamentarismo com partidos fracos é o pior dos mundos. E, no mínimo, seria preciso um plebiscito ou referendo para ouvir a população.

O programa do PSDB é um resumo da falta de rumo e da divisão política que impera no partido hoje.

O mundo azul da traição, por Fernando Brito

Tal como fizera, há um mês, na exibição de Deltan Dallagnol aos high-society da cirurgia plástica, a repórter Anna Virgínia Ballousier, hoje, na Folha, nos leva a passear no “mundo azul” do tucanato “social”.

“”Tenho certeza que a São Paulo do mundo azul já tem alguém” em mente para liderar o país, disse [Ivo] Wohnrath”, dono do escritório de “arquitetura de interiores” que patrocinava a noitada em São Paulo.

“Doria entrou no palco ao som do “Tema da Vitória”, trilha de sua campanha a prefeito”.

Ali, conta-nos Anna, “ovacionado no “mundo azul” de empresários que bebericavam taças de Veuve Clicquot na Casa Fasano, Doria relembrou a ovada que levou de opositores em Salvador e atacou militantes de “esquerda e extrema-esquerda” que ocuparam a Câmara Municipal de São Paulo para protestar contra seu programa de privatizações”.

Então, o gauleiter paulistano fartou-se com os aperitivos de um “debate” entre Carlos Alberto Sardenberg e Arnaldo Jabor, regado a ódio a Lula, antes de saciar-se com “escalope de filé mignon ao molho de cogumelos e risoto de ervas (com zuppa gelada de frutas amarelas com sorvete de iogurte para arrematar)”.

Barriguinha cheia, contou que está sendo cortejado – e convidado – pelo DEM e pelo PMDB para ser candidato a presidente, mas disse que “ainda não é hora” de falar disso e disse – o que talvez fosse adequado ao grau de hipocrisia do salão – que sua amizade com Geraldo Alckmin é “indivisível”.

Fernando Henrique fazia-lhe o papel de “dama de companhia”, fazendo um discurso de “esquerda chique”, elogiando o Lula do passado e descendo a lenha no do presente e do futuro: “O “Lula lá de trás”, disse, era “inovador” e reconhecia que “a CLT amarrava o trabalhador”; já o Lula de agora “está radicalizando” e “vai para o gueto”.

Dória e Fernando Henrique se adequavam, ali, perfeitamente, ao que o escritório dos anfitriões define como “retrofit”: pegar estruturas antigas e ultrapassadas e emprestar-lhe um novo estilo e visual – “colocar o antigo em boa forma”, dizem em seu site.

Ali, cercado de “gente bem”, espalhada no “salão com 58 mesas iluminadas por velas” – e não destes fedorentos deselegantes das ruas comuns”, ouviam em deleite Arnaldo Jabor se dizer receoso com “a desgraçada possibilidade de Lula voltar”.

O que fez, talvez com um travo amargo de quem sabe que virou o contrário do que era, fez brotar a blague de FHC:

-Se depender desse público, ele não volta.

Os brioches, rápido.

Por Fernando Brito – tijolaco.com.br

Chora doutor, chora …

Neste último último fim de semana tive, em uma reunião familiar, um exemplo, por um lado do grau de alienação de nossa elite – se é que se pode chamar pessoas com bom nível de renda de elite – e por outro, do ódio e do desprezo que essa elite dedica aos perdedores do jogo do mercado, aos servidores públicos e aos porta-vozes destes segmentos, personalizados por Lula e pelo PT.

Em qualquer pequena discussão estes autointitulados vencedores, na verdade integrantes de uma pequena e média burguesia nacional tentam impor, arrogantemente, aos gritos, seus pontos de vista.

Pensando bem, não se pode chamar de ponto de vista um balaio de chavões surrados, que ofendem e desqualificam a todos aqueles que foram selecionados como seus objetos preferidos de ódio irracional. O discurso vazio, sem argumentação e conteúdo, gira sempre em torno das palavras-chaves batidas: PT, bolivariano, Venezuela, Lula, ladrão, roubo, rombo, BNDES, corrupção, funcionários públicos parasitas, Bolsonaro ou Dória presidente …

Os presentes nesta reunião eram, ou pequeno empresário, ou aposentados e rentistas, com renda extra suficiente para viagens rotineiras ao exterior, principal assunto das conversas. São, quase todos, pessoas com visão de vida conectadas com a direita, sem nenhum conhecimento formal ou um pouco mais elaborado de economia, sociologia, história e política e, é óbvio, apoiadores do golpe. Faz tempo que leram o último livro sobre estes assuntos, se é que leram algum livro sério sobre estes temas em suas vidas, já longas.

Consumidores da mídia e de redes sociais que estiveram perfiladas no golpe midiático-parlamentar, não me surpreende que não tenham externado nenhuma crítica ao vice-presidente golpista, aos seus ministros citados, denunciados ou encrencados e aos seus sócios do  PSDB.

O que é notória é a impossibilidade de diálogo sensato e fundamentado sobre qualquer assunto. O raciocínio baseado no bem-comum esbarra na limitação trazida pelo ódio que cega e pelo raciocínio individual-extrativista.

O que transparece é que os odiadores estão em uma espécie de transe frotista-jananístico, que os deixa transtornados, necessitando de um exorcista para expulsar o demônio que lhes tomou o corpo.

Perdi a paciência. Não estou mais deixando tudo passar em branco, como se nada estivesse acontecendo. Dane-se a paz dos velórios e as trocas de salamaleques e sorrisos falsos. Omitir-se, neste momento, é o mesmo que apoiar pelo silêncio a escalada fascista. Estou combatendo todos estes seres abduzidos com argumentos, muitas vezes em seu próprio campo, mas sempre com fundamentação e equilíbrio. E se, no final, nada dá certo, o que tem sido a realidade, resta-me esta trincheira, este blog. Escrevo ou compartilho um artigo, público minha insatisfação, divulgo meu grito de alerta. Antes que seja muito tarde, se é que já não é …

Enquanto isso, no toca-discos, Chora, doutor, com Germano Mathias:

Paulo Martins

A injusta avaliação de Raquel Dodge pelos irmãos Marinho, por Eugênio Aragão

Compartilho artigo de autoria de Eugênio Aragão, procurador da República e ex-ministro da Justiça. Parece um posicionamento polêmico. A reunião da futura procuradora-geral com o presidente usurpador, à noite, fora de agenda, fora do Planalto, pareceu a todos como algo condenável e digno de reprovação. Ora, a reunião, semi-sigilosa, foi realizada logo após o investigado usurpador ter combinado com Gilmar Mendes e com seus advogados uma estratégia para afastamento do procurador-geral, Rodrigo Janot, de suas funções. Como sabemos, Janot é o atual chefe da futura procuradora-chefe e tal reunião foi, sem dúvida, inoportuna. É evidente a tentativa do investigado envolver a futura procuradora-chefe em suas tramas e arranjos. Foi, no mínimo, ingênua a Sra. procuradora-chefe. Ou friamente calculista. Não sei. A posição de Eugênio Aragão é contrária ao sentimento geral e, por isso, compartilho. Para avaliação  e debate. Não estará Eugênio Aragão, mais uma vez, enganado?

Paulo Martins

A injusta avaliação de Raquel Dodge pelos irmãos Marinho

por Eugênio José Guilherme de Aragão

Publicado em Jornal GGN – 10/08/2017

O site de O Globo sugeriu, na data de ontem, que a ida de Raquel Dodge, futura Procuradora-geral da República ao Palácio do Jaburu, fora da agenda de Michel Temer, teria algo de anti-republicano e que a chefe do parquet federal in spe teria sido feita ou se deixou ser feita de menina de recado, para sinalizar à classe política a reaproximação do MP com o executivo golpista. Houve até quem, como voz de oposição, de boa fé, na inocência da ignorância, exigisse que renunciasse antes mesmo de assumir o cargo.

​Estamos diante de noticiário interesseiro e manipulador. Não me considero suspeito para falar sobre qualidades da Sra. Dodge, a quem conheço desde nossos estudos de graduação em Direito na Universidade de Brasília. Estivemos quase sempre em lados diferentes, para não dizer opostos, na carreira e antes dela. Não lhe nutro afeição e não faço parte de seu fã-clube. Nem quero fazer parte dele. Pelo contrário, tenho a percebido como pessoa excessivamente ambiciosa, a atropelar tudo e todos quando se trata de realizar seu projeto pessoal. Mas nisso, lamentavelmente, não difere do atual chefe do Ministério Público Federal, que foi desleal, enganou amigos e parceiros e descumpriu reiteradamente sua palavra para se fazer Procurador-geral e querido pela corporação, objetivo, este último, que não conseguiu realizar por completo. Esta, porém, é outra estória e não vem ao caso aqui.

Longe, portanto, de ser sabujo ou interessado pessoalmente em qualquer aliança ou mesmo proximidade com Raquel Dodge, tenho que reconhecer que tem virtudes que podem a todos surpreender. Com certeza menina de recado não é e nunca será. É mais do tipo alpha-dog. Não é controlável. E não dará mole ao executivo federal golpista, mas o exigirá sem adjetivos, de forma protocolar. Abandonará as flechas de bambu, garantindo presunção de inocência, ampla defesa e preservação de imagem pública. Não permitirá vazamentos criminosos e nem se omitirá diante deles. Este é seu estilo legalista e discreto de trabalhar. Com uma enorme vantagem sobre seu antecessor: é meticulosa, metódica ao extremo e pouco festeira. Tem autoestima a toda prova. Não se deixa influenciar. Adora trabalhar. Escreve bem e tem considerável conhecimento de fundo sobre direito constitucional e direito penal. Jamais fez outra coisa no ministério público que não lhe servir. Teria toda a competência para brilhantemente lecionar, pesquisar, publicar, enfim, ser academicamente ativa. Mas preferiu a enxada da instituição.

Seu perfil também se distinge do de Janot na medida em que nunca pleiteou cargos administrativos ou associativo-sindicais. Não gosta de clubinhos e patotas. Nunca foi afeita a mimar quem quer que seja. Profissionalmente, pode-se lhe dizer, com o grupo britânico Foreigner, “you’re as cold as ice, willing to sacrifice”. Muito diferente do dissimulado estilo bonachão do antecessor.

Uma pessoa como a Sra. Dodge não é de fazer nenhum negócio obscuro à noite, em casa de político investigado e acusado de corrupção. Muito menos aceitará abraço de afogado de um sujeito cujo destino, mais cedo ou mais tarde, parece ser a cadeia. É só pensar friamente: Raquel chegou onde sempre quis e para isso deu muito duro. Tem trinta anos de mui produtiva carreira. E ainda pode ficar outros dezessete até se aposentar. Não se contentará com um só mandato de dois anos como dádiva do governo golpista afundado na lama até o pescoço. Ela vai ter um segundo e, quiçá, até um terceiro mandato. Não é Temer e sua corriola que conseguirão lhe garantir isso. Ao menos por isso, não vai querer se identificada com as maquinações espúrias desse governo agonizante.

Por fim, tem mais um aspecto da personalidade de Raquel Dodge que a distancia anos-luz de seu antecessor: é pessoa espiritualizada, que nada tem a ver com o perfil hedonista-materialista de Janot. Está mais para ora et labora do que para carpe diem. Isso se refletiu em sua carreira, dedicada à pauta dos direitos humanos, coisa que nunca interessou Janot. Foi Raquel Dodge uma das que mais lutou pelo estabelecimento das caravanas do CONATRAE, no enfrentamento do trabalho escravo, objeto de seus profícuos estudos de mestrado em Harvard. Dedicou-se à causa da justiça de transição, em parceria com Paulo Abraão, então no Ministério da Justiça. Atuou com Maria Eliane Farias na Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, onde fez um belo trabalho.

Definitivamente, a Sra. Dodge não é uma parceira do golpe. E, para uma pessoa com essas qualidades, que sobressaem no confronto com eventuais vícios que todos temos, é natural se reúna com Michel Temer para ouvi-lo e atender elegantemente demandas de natureza cerimonial que lhe faça. Nem me impressiona reunir-se eventualmente com Gilmar Mendes, que tem polemizado com o ministério público. Faz parte de seu legítimo esforço de aparar arestas no STF. E Raquel Dodge tem a licença moral para fazê-lo.

Em tempos de polarização política exacerbada, muitos de nós não conseguem divisar condutas e personalidades. Isso é perigoso, pois podemos ser injustos. É importante dar voto de confiança à nova Procuradora-geral da República. Depois de tanto estrago da derradeira gestão no Ministério Público Federal, a escolha da Sra. Dodge é alvissareira e parece uma luz no fim do túnel em que seu antecessor ajudou a colocar o país. Vamos aguardar para ver.

A liberdade em tempos sombrios, por Márcio Sotelo Felippe

Compartilhando, do Facebook do meu amigo Fernando Almeida.

A liberdade em tempos sombrios

Em um artigo publicado em 1944, A república do silêncio, Sartre escreveu que os franceses nunca foram tão livres quanto no tempo da ocupação alemã. Um chocante e brilhante paradoxo que só a grande Filosofia, como exercício de pensar fora do senso comum, é capaz de produzir. Por que os franceses eram livres se todos os direitos haviam sido aniquilados pelos alemães e não havia qualquer liberdade de expressão? Como se podia ser livre sob a cerrada opressão do invasor que fiscalizava os gestos mais triviais do cotidiano? Porque, dizia Sartre, cada gesto era um compromisso. A resistência significava uma escolha e, pois, um exercício de liberdade. Significava não renunciar à construção de sua própria existência quando os invasores queriam moldá-la, reduzindo-a a objeto passivo e sem forma.
Em linguagem retórica e poética Rosa de Luxemburgo disse algo semelhante: quem não se movimenta não percebe as correntes que o aprisionam.
Sartre era existencialista: a existência precede a essência. Isto significa que não há algo anterior à existência que impeça um ser humano de tomar livremente as decisões que construirão o seu futuro. Isto dá ao humano a plena imputabilidade pelos seus atos. O que ele faz da sua existência é culpa ou mérito exclusivamente seu. O que ela é hoje resulta de decisões que tomou no passado, e o que será resultará das decisões que toma no presente.
A experiência francesa durante a ocupação alemã guarda certa similitude com o Brasil de hoje. Na França parte da sociedade (muito maior do que os franceses gostam de admitir) foi complacente ou colaborou com o invasor que massacrava seu povo e aniquilava os mais elementares direitos dos franceses. Hoje, parte da sociedade brasileira assiste inerte, é complacente, apoia ou apoiou usurpadores que vão reduzindo a pó o pouco de direitos e garantias de um povo já miserável.
Na França colaborava-se por ser fascista ou filofascista. Por egoísmo social. Por ressentimento. Por ódio de classe. Para pequenas vinganças privadas, para atingir um inimigo pessoal. Colaborava-se por ausência de qualquer sentimento de solidariedade social. A colaboração com o invasor desvelava a mais baixa extração moral. Quanto a nós, tomo como paradigma uma cena do cotidiano que presenciei dia desses. Duas mulheres ao meu lado conversavam. Uma disse que seu filho de 13 anos era fã do Bolsonaro. A outra, algo espantada, faz uma crítica sutil, perguntando se ela não conversava com o filho sobre política. A resposta: “acho bonito que meu filho seja politizado nessa idade”.Com isto, quis dizer que não importava de que modo seu filho estava precocemente se politizando.
Pode-se razoavelmente supor que ela, mulher, ignore que Bolsonaro disse que há mulheres que merecem ser estupradas? Que saudou, diante de todo país, em rede nacional de televisão, o mais célebre torturador da ditadura militar? Que declarou que prefere o filho morto se ele for homossexual? Como ignorar isso tudo é altamente improvável, porque seria supor que tal mulher vive em uma bolha impenetrável em plena era das redes sociais, podemos concluir, com Sartre, que escolheu o sórdido para si e para seu filho. O que resultará dessa escolha não poderá ser imputado a Deus, ao destino, aos fatos da natureza ou a qualquer fórmula vaga e estúpida do tipo “a vida é assim”, mas a ela mesma e a seus pares brancos de classe média que tem atitudes semelhantes.
Do mesmo modo como a parcela colaboracionista da sociedade francesa escolheu a opressão do invasor estrangeiro, parcela da sociedade brasileira escolheu o retrocesso, o obscurantismo e a selvageria.
Foi em massa às ruas em nome do combate à corrupção apoiando um processo político liderado por notórios corruptos.
Regozija-se com o câncer e com o AVC do adversário politico, demonstrando completa ausência de qualquer traço de fraternidade e respeito ao próximo.
Suas agruras e dificuldades econômicas e sociais transformam-se em ódio justamente contra os excluídos e em apoio às ricas oligarquias que controlam a vida política do país (das quais julgam-se espelhos), a fórmula clássica do fascismo.
Permanece indiferente, omissa ou dá franco apoio ao aniquilamento de direitos, ao fim, na prática, da aposentadoria para milhões de brasileiros, à eliminação dos direitos trabalhistas, à entrega do patrimônio nacional a grandes empresas estrangeiras.
Seu ódio transforma em esgoto as redes sociais.
Não há como prever o que acontecerá a esta sociedade. Uma convulsão social poderá desalojar os usurpadores do poder, ou poderemos seguir para o cadafalso como povo. A História sempre é prenhe de surpresas. O que é certo, no entanto, tomando a frase de Sartre, é que somente poderão dizer no futuro que foram livres, no Brasil pós-golpe de 2016, os que agora estão se comprometendo e resistindo. É uma trágica liberdade de tempos sombrios, mas se nos foi dado viver neste tempo, que vivamos com a dignidade que somente os seres livres podem ostentar.
Hoje são livres os que resistem.
Por Márcio Sotelo Felippe.
Pós-graduado em Filosofia e Teoria Geral do Direito pela Universidade de São Paulo.
Procurador do Estado, exerceu o cargo de Procurador-Geral do Estado de 1995 a 2000.
Membro da Comissão da Verdade da OAB Federal.

Adam Smith: negociação direta patrão x empregado

No post anterior, compartilhei texto de Marx e Engels. Compartilho novo texto. Este do Adam Smith. Créditos ao final.

Paulo Martins

O produto anual da terra e do trabalho de qualquer nação não pode ser aumentado por qualquer outro meio, que não seja o aumento do número de trabalhadores produtivos ou da força produtiva dos trabalhadores já empregados.

Não foi com o ouro nem com a prata, mas com o trabalho, que toda a riqueza do mundo foi comprada pela primeira vez.

Logo que o capital se acumula nas mãos de certas pessoas, algumas delas o empregam, naturalmente, dando trabalho a pessoas capazes … a fim de ter lucro com a venda do trabalho delas ou com o que o trabalho delas adiciona ao valor das matérias primas. O valor adicionado às matérias primas pelos trabalhadores, portanto, se transforma no lucro do empregador.

O salário comumente pago pelo trabalho depende, sempre, do contrato que é feito entre as duas partes, cujos interesses não são, de modo algum, os mesmos. Os trabalhadores querem ganhar o máximo e os patrões querem pagar o mínimo possível. Aqueles se dispõem a juntar-se, para elevar os salários, e os patrões se dispõem a juntar-se, para diminuir os salários pagos pelo trabalho.

Não é, porém, difícil prever qual das duas partes leva, em todas as ocasiões comuns, vantagem na disputa e obriga a outra a aceitar seus termos. Os patrões, em menor número, podem juntar-se com muito mais facilidade; a lei, por outro lado, autoriza ou, pelo menos, não proíbe estes conluios, ao passo que proíbe os dos trabalhadores. O Parlamento não toma medidas contra o conluio para baixar o preço do trabalho, mas tem muitas medidas contra o conluio para aumentá-lo. Em todas estas disputas, os patrões podem aguentar muito mais tempo. Um proprietário de terras, um fazendeiro, um patrão industrial ou um comerciante, mesmo sem empregar um único operário, poderia, em geral, viver um ano ou dois do capital que já tivesse acumulado. Muitos trabalhadores não conseguiriam subsistir uma semana, poucos poderiam subsistir um mês e talvez nenhum conseguisse ficar um ano sem emprego… Os patrões estão sempre, e em toda parte, numa espécie de conluio tácito, porém constante e uniforme, para não elevar os salários dos trabalhadores … Na verdade, raramente ouvimos falar destas combinações, porque elas são o estado comum e natural das coisas, do qual ninguém ouve falar. Os patrões também fazem, às vezes, combinações particulares para baixar mais ainda os salários pagos pelo trabalho. Estas são sempre feitas sob o maior silêncio  e o maior segredo, até a hora de serem postas em prática, e, quando os trabalhadores cedem, como às vezes ocorre, sem resistência – embora gravemente prejudicados – elas nunca chegam ao conhecimento de outras pessoas. Estas combinações, porém, sofrem, frequentemente, a resistência de uma combinação defensiva e contrária dos trabalhadores … Mas … suas combinações …sempre são muito comentadas … Eles ficam desesperados e agem com a loucura e a extravagância de homens desesperados, que têm de morrer de fome ou assustar os patrões para que estes aceitem imediatamente suas exigências. Os patrões, nestas ocasiões, também reclamam muito do outro lado e nunca deixam de clamar pela ajuda do magistrado civil e de pedir o cumprimento rigoroso das leis aprovadas com tanta severidade contra as combinações de empregados, trabalhadores e tarefeiros. As combinações (dos empregados) …, geralmente, não dão em nada, exceto na punição ou na ruína dos seus mentores.

Smith, A riqueza das nações

Citado por E. K. Hunt – História do  Pensamento Econômico/uma perspectiva crítica

Tradução da segunda edição

Tradução: José Ricardo Bandão Azevedo/Maria José Cyhlar Monteiro

Revisão técnica: André Villela

Editora Elsevier e Campus

 

“Patismo”, manipulação e poder: a ideologia mundial

As ideias da classe dominante são, em cada época, as ideias dominantes, isto é, a classe que é a força material dominante da sociedade é, ao mesmo tempo, sua força espiritual dominante.

A classe que tem à sua disposição os meios da produção material dispõe também dos meios da produção espiritual, de modo que a ela estão submetidos aproximadamente ao mesmo tempo os pensamentos daqueles aos quais faltam os meios de produção espiritual.

As ideias dominantes não são nada mais do que a expressão ideal das relações materiais dominantes, são as relações materiais dominantes apreendidas como ideias; portanto, são a expressão das relações que fazem de uma classe a classe dominante, são as ideias de sua dominação.

Os indivíduos que compõem a classe dominante possuem, entre outras coisas, também consciência e, por isso, pensam; na medida em que dominam como classe e determinam todo o âmbito de uma época histórica, é evidente que eles o fazem em toda a sua extensão, portanto, entre outras coisas, que eles dominam também como pensadores, como produtores de ideias, que regulam a produção e a distribuição das ideias de seu tempo; e, por conseguinte, que suas ideias são as dominantes da época.

Por exemplo, numa época e num país em que o poder monárquico, a aristocracia e a burguesia lutam entre si pela dominação, onde portanto a dominação está dividida, aparece como ideia dominante a doutrina da separação de poderes, enunciada então como uma “lei eterna”.

A divisão do trabalho, que já encontramos acima (p. 34-5) como uma das forças principais da história que se deu até aqui, se expressa também na classe dominante como divisão entre trabalho espiritual e trabalho material, de maneira que, no interior dessa classe, uma parte aparece como os pensadores dessa classe, como seus ideólogos ativos, criadores de conceitos, que fazem da atividade de formação da ilusão dessa classe sobre si mesma o seu meio principal de subsistência, enquanto os outros se comportam diante dessas ideias e ilusões de forma mais passiva e receptiva, pois são, na realidade, os membros ativos dessa classe e têm menos tempo para formar ilusões e ideias sobre si próprios.

……………

Ora, se na concepção do curso da história separarmos as ideias da classe dominante da própria classe dominante e as tornamos autônomas, se permanecermos no plano da afirmação de que numa época dominante estas ou aquelas ideias, sem nos preocuparmos com as condições da produção nem com os produtores dessas ideias, se, portanto, desconsiderarmos os indivíduos e as condições mundiais que constituem o fundamento dessas ideias, então poderemos dizer, por exemplo, que durante o tempo em que a aristocracia dominou dominaram os conceitos de honra, fidelidade, etc., enquanto durante o domínio da burguesia dominaram os conceitos de liberdade, igualdade, etc. A própria classe dominante geralmente imagina isso. Essa concepção da história, comum a todos os historiadores principalmente desde o século XVIII, deparar-se-á necessariamente com o fenômeno de que as ideias que dominam são cada vez mais abstratas, isto é, ideias que assumem cada vez mais a forma da universalidade. Realmente, toda nova classe que toma o lugar de outra que dominava anteriormente é obrigada, para atingir os seus fins, a apresentar seu interesse como o interesse comum de todos os membros da sociedade, quer dizer, expresso da forma ideal: é obrigada a dar às suas ideias a forma da universalidade, a apresentá-las como as únicas racionais, universalmente válidas.

A ideologia alemã: crítica da mais recente filosofia alemã em seus representantes Feuerbach, B. Bauer e Stirner, e do socialismo alemão em seus diferentes profetas (1845-1846),  páginas 47 e 48.

Karl Marx * Friedrich Engels

Tradução: Rubens Enderle, Nélio Schneider, Luciano Cavini Martorano

Texto final: Rubens Enderle

1a. Edição: 2007.  6a. Reimpressão: abril de 2017

Editora Boitempo

‘Temer acha que é Itamar, mas é Sarney’, diz Marcos Nobre – cientista político

Compartilho. Discordo em alguns pontos. Marcos Nobre acha que as reformas de Temer não passam, morreram. Eu não estou tão seguro disto. A capacidade do grupo que se uniu em conluio para destruir o país é enorme.

Vale a pena ler esta entrevista. Marcos Nobre é um arguto analista da cena política nacional e traz informações novas. Leia a seguir.

Paulo Martins

Por Mariana Sanches
Da BBC Brasil em São Paulo
3 agosto 2017


Michel Temer – Direito de imagem AFP

Votação lançou Temer e seu governo no colo do chamado Centrão, diz cientista político

O resultado da votação na Câmara nesta quarta-feira tem efeitos muito mais amplos do que o arquivamento da denúncia por corrupção passiva contra o presidente Michel Temer. A afirmação é do filósofo e cientista político da Unicamp Marcos Nobre, um especialista em PMDB.

De acordo com ele, em sua face mais visível, a votação lançou o peemedebista e seu governo no colo do chamado Centrão – uma bancada suprapartidária de parlamentares de pouca expressão organizados pela primeira vez sob a batuta do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ), atualmente preso pela Lava Jato.
Com essa base, é improvável que Temer seja capaz de aprovar reformas estruturais e deverá passar os próximos 16 meses de mandato debelando crises, afirma.
Em seu aspecto mais relevante, no entanto, a votação representou uma “cisão incontornável” do PSDB.
Na sua avaliação, o partido está dividido ao meio pelo anseio do governador paulista Geraldo Alckmin de viabilizar sua candidatura presidencial em 2018 e do pragmatismo do senador Aécio Neves, que se coloca como líder do Centrão.
E as manobras de bastidor de Aécio, que ajudaram a garantir a vitória a Temer, aumentaram o poder político do tucano e sua rede de proteção contra os efeitos das investigações que ameaçam prendê-lo.

“Aécio Neves é o novo Eduardo Cunha”, diz Nobre.

Marcos Nobre – Direito de imagem UNICAMP

Para Nobre, o que estava em questão na votação era a eleição de 2018

Na bancada tucana, a divisão se expressou em 21 votos a favor da denúncia, 22 contra e 4 abstenções. “Metade do PSDB, a turma do Aécio, desceu do muro ontem. E o Centrão vai forçar o resto a descer também”, afirma Nobre.

Nessa entrevista à BBC Brasil, o cientista político analisa as condições atuais e futuras do campo político da centro-direita.

BBC Brasil – O que o resultado da votação significa para o futuro político de Temer?

Marcos Nobre – O que importa não é exatamente o que aconteceu com o Temer, a rejeição da denúncia. O que estava em causa hoje era não só a manutenção de Temer, mas a própria eleição de 2018. E o resultado é o mais duro golpe que a gente pode imaginar no PSDB.
Dá pra dizer que as balizas da centro-esquerda foram definidas no impeachment da Dilma e o que foi decidido ontem é o que vai acontecer com a centro-direita em 2018. E a situação é de guerra no campo da centro-direita. Há uma divisão que não é só uma divisão, é uma cisão incontornável, irretrocedível.

BBC Brasil – Como se dá essa divisão?

Marcos Nobre – O PSDB está rachado no meio. Uma metade quer construir um polo para a eleição de 2018 que organiza o Centrão da Câmara e se liga a ele. A outra parte pensa que, se ficar pendurada ao governo Temer e ao Centrão no Congresso, não tem chance eleitoral em 2018.


Pessoas assistindo votação na Câmara – Direito de imagem – GETTY IMAGES

Cientista político diz que resultado da votação na Câmara é um duro golpe no PSDB

BBC Brasil – Há um cálculo ideológico desse segundo grupo?

Marcos Nobre – Ideológico nada, porque se o governo Temer fosse popular estaria todo mundo abraçado com ele. É um cálculo eleitoral mesmo.
Então, temos o Aécio no primeiro grupo e Alckmin no outro e não há mais acordo. Enquanto o Aécio ainda não estava morto – porque hoje ele é um morto-vivo – havia uma disputa entre ambos pela candidatura presidencial. A partir do momento que o Aécio é ferido de morte, Alckmin achou que ia ganhar por W.O.

BBC Brasil – Mas o resultado de ontem mostra que o jogo não vai ser fácil?

Marcos Nobre – Sim. O que o Aécio fez? Ele grudou no governo Temer e grudou no Centrão. O que estamos vendo agora é uma tentativa de construir um novo polo em plano nacional, juntar esse centrão do Congresso com uma parte do PSDB.

BBC Brasil – Por que isso interessa a Aécio?

Marcos Nobre – Para o Aécio, defender o Temer é defender a si mesmo. E o mesmo vale para a maioria dos políticos com mandato parlamentar. Quando votam sim, para impedir a denúncia, os parlamentares estão fazendo uma autodefesa. No caso do Aécio, a imagem é bastante clara até porque ele e o Temer foram pegos na mesma delação, do Joesley Batista.
Como Aécio já não tem o governo do Estado de Minas Gerais, ele precisa do governo federal para compensar, para ter algo para oferecer para esse grupo que ele está formando. Então você tem um grupo que vai ficar muito coeso com o governo e que espera em troca receber cargos e verbas, que é o Centrão.

BBC Brasil – Qual é a vantagem para o Centrão de abraçar Temer?

Marcos Nobre – Pense que a eleição do ano que vem será feita sem doação empresarial e haverá limitação de doação de pessoa física.
Logo, estar grudado no governo significa uma vantagem enorme: se por um lado tem que carregar um governo impopular, por outro você tem cargo e recurso, tem a máquina. E ter boas condições de campanha é essencial para se reeleger e conseguir manter o foro privilegiado, sem cair na mão do juiz Sergio Moro.
Então o sistema funciona totalmente em autodefesa, já não tem mais nenhuma relação com representação. Então você de um lado disputa pelos recursos da máquina federal, e por outro disputa pelo fundo eleitoral novo, que vai ser criado pela reforma política (em tramitação no Congresso).
É isso o que eles querem, o Centrão está parafraseando o Zagallo: “vocês vão ter que me engolir”. Eles bloqueiam os recursos de qualquer partido novo e tem o monopólio da representação, para ser candidato você precisa estar em um desses partidos.

Aécio Neves – Direito de imagem – AFP

‘Para Aécio, defender o Temer é defender a si mesmo’, afirma Nobre

BBC Brasil – Então é improvável que o Partido Novo ou a Rede consigam viabilizar seus candidatos em 2018?

Marcos Nobre – Existe o imprevisível. Mas o que o sistema político inteiro está fazendo é impedir que o imprevisível aconteça. Todas as estratégias de bloqueio para que algo novo apareça estão em curso. Até o momento eles estão sendo muito eficientes. Porém, se você quer ser um candidato que tenha chance na eleição presidencial, você não pode entrar nesse esquema, se não você não tem chance.
Então tem duas estratégias: a do Aécio é dizer assim “gente, o que estamos propondo são as melhores condições disponíveis para renovar mandatos parlamentares, sem mirar em eleição presidencial”, ele já abandonou a pretensão presidencial e está oferecendo máquina, então não importa quem vai ser o candidato a presidente.
A do Alckmin é a seguinte: ou eu me apresento como algo diferente do que está aí ou não tenho chance na eleição presidencial. É essa a guerra.

BBC Brasil – Não há espaço para esses dois anseios no PSDB?

Marcos Nobre – Não. E também não há um plano B. O Alckmin criou um apêndice para si, um anexo que era o PSB, quando ele colocou o Márcio França de vice-governador. Mas veja a manobra do Aécio com o Rodrigo Maia: ele esvazia o PSB e faz com que os parlamentares migrem para o DEM, reforçando o Centrão. Então é um ataque especulativo fortíssimo.
Ou seja, se o Alckmin perder a briga dentro do PSDB, o PSB já não é mais uma alternativa para ele, porque ele vai ficar muito reduzido. Ao mesmo tempo o Rodrigo Maia aproveitou a posição estratégica que ele tem (como presidente da Câmara) e negociou sua entrada no acordo desde que o DEM crescesse.

Temer e Eduardo Cunha – Direito de imagem – REUTERS

Para Nobre, Aécio está na posição que Cunha tinha, de organizar o baixo clero do Congresso

BBC Brasil – Aécio é o herdeiro do Eduardo Cunha na organização do baixo clero do Congresso?

Marcos Nobre – Exatamente. É a coisa mais louca do mundo, mas é isso que está acontecendo. É um choque de tal ordem, que nem sei como explicar isso. O Aécio está na posição que o Cunha estava. E quem está fazendo isso pelo Aécio na Câmara é o (ministro da Secretaria de Governo Antonio) Imbassahy. Porque o Aécio está no Senado, então ele tem dois interlocutores na Câmara, o Imbassahy e o Rodrigo Maia.
O Aécio é o novo Cunha, vai querer construir esse polo grudado no governo, Centrão e depois eles pensam em quem vai ser candidato, mas primeiro ele tem que consolidar esse polo e ganhar a guerra dentro do PSDB.

BBC Brasil – Mas há algumas ambiguidades aí, não? O Alckmin poderia ter feito antes um movimento de ruptura com o governo Temer e na verdade não fez. Ele e o João Doria ficaram pedindo cautela. Calcularam errado?

Marcos Nobre – Eles já não estão mais fazendo isso. O Doria é meio atrasado, esquecem de avisar para ele da mudança da correlação de forças e ele não entende sozinho. O Doria não tem a menor noção do que seja a política. Ele entende de mídia social. De política, ele não sabe como funciona. Muito menos Brasília.
Deixando o Doria de lado, a ideia do Alckmin era jogar parado: ele olhava o quadro e pensava que Aécio e Serra iam ser pegos na Lava Jato e que ele ia se livrar, logo bastava esperar. Ele não pensou errado. Se ele entrasse numa disputa com o governo Temer no primeiro momento, ia perder porque o Aécio era o presidente do partido e tinha o partido na mão. E perder o PSDB significava perder a candidatura presidencial. A leitura dele era que ele ia levar.
Só que o tamanho da onda que veio contra o Aécio, nem o Alckmin esperava. Quando ele viu, pensou: ‘estou tranquilo, não tenho mais adversário’. E aí ele fez um acordo com o Aécio, de não chutá-lo enquanto Aécio estivesse caído. Deu tempo do Aécio reagir. Não a ponto de ele poder ser candidato a alguma coisa. Mas a ponto do Aécio poder construir alguma coisa, ocupar esse lugar de Cunha que ele não tinha antes. E isso aí o Alckmin não viu. O Aécio deu a volta nele.
Se você prestar atenção, quantos deputados disseram: ‘voto no relatório do PSDB?’. Eu contei quase 100, que realmente enfatizaram esse dado. Essa coisa que o relatório era do PSDB era para mostrar para os não aecistas o seguinte: ‘agora vocês terão que descer do muro’. É o Centrão que está dizendo que vai ter que descer do muro. Esses caras arriscaram o pescoço para defender o governo e agora vão querer o pagamento, vão pedir os cargos do PSDB. Ao mesmo tempo, o governo diz que não vai punir ninguém com perda de cargos. Isso é insustentável.
Então a questão é: o racha no PSDB vai ser a ponto de haver migração partidária? Ou fica claro que alguém tem maioria no partido e o outro sai, que é o que não parece provável, ou eles vão passar seis meses se matando até alguém conseguir uma maioria.
Esse é o problema da centro-direita: se você grudar no governo Temer, você não tem chance presidencial, mas tem chance de renovar o mandato pela desigualdade de recursos que vão ter (em relação a) outros candidatos.

Michel Temer – Direito de imagem – REUTERS

“Apareceu no púpito para comemorar o título da série C e a subida para a série B”, diz Nobre sobre pronunciamento de Temer

BBC Brasil – Em 16 anos, essa parece ser a melhor chance da centro-direita de ganhar a eleição, no ano que vem. Ao mesmo tempo, a centro-direita está extremamente fragilizada para o jogo agora. Como explicar?

Marcos Nobre – Deu muito errado o impeachment. Foi uma jogada evidentemente errada para a centro-direita. Os partidos ficaram com medo porque no mensalão eles decidiram deixar o Lula sangrar, sem tirá-lo. E em 2006 o Lula ganhou a eleição. Aí eles pensaram que se adotassem a mesma tática com a Dilma, vai que ela se recuperasse e o Lula fosse candidato. Resolveram liquidar a fatura.
Mas aí o problema caiu no colo deles. Não tem como você apoiar o impeachment e dizer que não tem nada a ver com o Temer. E resultou em uma desorganização geral, tanto do campo da centro-esquerda quanto da centro-direita. Mas o Centrão já decidiu: melhor ter o dinheiro à vista do que a prazo, e candidato a presidente eles inventam na hora, porque não tem problema nenhum.

BBC Brasil – Quem vai levar essa briga dentro do PSDB?

Marcos Nobre – Não dá pra decidir ainda. Do ponto de vista eleitoral, a estratégia do Alckmin parece muito mais razoável. Mas tudo depende de como ele vai conseguir desembarcar do governo. Ele não pode desembarcar se o PSDB não desembarcar. Eles lidaram muito mal até agora com tudo. Mas agora chegou a hora em que eles vão ter que descer do muro por uma razão muito simples: metade do partido já desceu, a turma do Aécio.
Ele já escolheu a estratégia dele para 2018 e tem base. O Centrão são 170 deputados, mais o pessoal de Minas, o povo que deve favor pro Aécio, dá uns 220. É uma base muito forte e que vai querer esses recursos do governo federal. O Aécio sabe operar em Brasília e o Alckmin não. A questão é que o Aécio vai querer botar o Alckmin para fora.

BBC Brasil – Como avalia o pronunciamento do Temer após a votação?

Marcos Nobre – Se fosse pra fazer metáfora futebolística, ele apareceu no púlpito para comemorar o título da série C e a subida para a série B.

Vitória do impeachment em comissão especial – Direito de imagem – AGÊNCIA BRASIL

Impeachment deu errado para a centro-direita, diz o cientista político

BBC Brasil – Qual passa a ser o papel de Aécio no governo Temer?

Marcos Nobre – As movimentações estão muito claras em Brasília. Aécio se tornou uma peça central da articulação do governo. É evidente que o Temer não consegue organizar um governo, ser presidente, então o Aécio vai assumir ali. Essa votação é o empoderamento final da posição de Aécio no papel de Cunha. Não à toa há um novo pedido de prisão do Janot agora.

BBC Brasil – A dependência do Temer em relação ao Centrão vai ficar ainda maior agora?

Marcos Nobre – Completamente. Temer acha que é o Itamar (Franco), mas é o Sarney. E depende do Centrão.

BBC Brasil – E a posição de Rodrigo Maia? Em dado momento até pareceu que ele assumiria o lugar do Temer.

Marcos Nobre – Durou duas semanas o sonho do Maia. O que aconteceu é interessante. Uma coisa é você usar um movimento de rua para fazer um impeachment. Outra coisa é o próprio sistema começar a se comer, não tem mais rua. Se tirassem o Temer, era apenas o sistema se autodevorando. Então as forças políticas perceberam que era um caminho perigoso.

BBC Brasil – Mas Maia tinha pretensões de ser presidente, não?

Marcos Nobre – Desde que se elegeu presidente da Câmara, a quantidade de reuniões que Maia faz com mercado financeiro e empresários é impressionante. Eu nunca tinha visto uma atividade comparável a essa. Ele resolveu deixar claro que era um player. Se colocou de uma maneira diferente e construiu uma posição própria.
Quando vem a gravação do Joesley, o telefone de Maia começou a tocar. Eram empresários sugerindo que ele assumisse e evitasse um caos. Maia permitiu que essas conversas acontecessem e aproveitou da posição familiar que tem com o ministro Moreira Franco, padrasto da mulher dele, para impedir que se disseminasse a versão de que ele era traidor.
Só que o Temer deu um contragolpe: chamou o pessoal do PSB para se filiar ao PMDB. A mensagem era para o Maia: “se você continuar nessa linha, eu vou te desidratar”.

Imagem de Rodrigo Maia em televisão – Direito de imagem – EPA

Segundo Nobre, Maia se colocou como um player desde o começo

Maia, lembremos, estava negociando a ida desses mesmos parlamentares para o DEM. Ele topou recuar e, em troca, Temer não ia atrapalhar o crescimento do DEM, que vai voltar para o jogo político como um ator importante. Para Maia, foi ótimo negócio, ele se projetou e fortaleceu o partido, está bem, pode ser o candidato a governo no Rio. E nessa negociação, surge mais uma vez o Aécio.
Na formação desse blocão, além do DEM e do PMDB, é preciso ter gente do PSD e do PP. Maia entra nesse Centrão de Aécio com capacidade de direção, já que distribui as pautas, como presidente tem uma posição estratégica. Ele adquiriu um status que ele mesmo jamais teria imaginado na vida.

BBC Brasil – Com esse cenário, existe alguma chance de aprovação das reformas?

Marcos Nobre – Ah, não. Isso acabou. Eles já admitem que a da Previdência não vai dar. Agora é aquele momento Sarney e com essas duas estratégias dentro da centro-direita, de grudar em Temer e de afastar.
As elites econômicas que imaginaram passar o poder do Temer para implementar a agenda que nenhum governante que depende de votos será capaz de tocar se equivocaram, foi um lance malfeito. O que passou até agora é um Frankenstein. A Reforma Trabalhista é uma loucura, metade do empresariado acha que não faz muito sentido.
A questão é como organiza o “governo Sarney” nesse último ano e meio.