Teto de gastos, tripé macroeconômico e baratas

Essa semana, Tabata Amaral, Kim Kataguiri, Marcel van Ratten e outras jovens promessas da política brasileira, além das decepções de sempre, assinaram uma carta, endereçada à equipe econômica do governo, manifestando preocupação com uma questão que, hoje, é, de fato, rigorosamente vital: a manutenção do teto dos gastos. O receio dessa trinca de bons alunos é que o aumento das despesas públicas exigidas pela pandemia, incluindo aí o pagamento do auxílio emergencial, acabe salvando tantas vidas que o teto de gastos pode desabar sobre nossas cabeças.

Em editoriais dos jornalões e nas colunas dos seus escribas de aluguel, não passa um dia sem que se esconjure a possibilidade nefasta de o Estado “intervir” na economia para, de algum modo, atenuar os impactos decorrentes da pandemia. A conta, eles dizem, vai chegar. O remédio, eles dizem, será amargo. Imagino que eles já tenham precificado em dólar o valor de 310 mil vidas perdidas e que eles estejam considerando o fuzilamento em massa como remédio amargo. Ou, para fazer menos barulho, deixar que as pessoas, sem acesso a benefícios monetários assistenciais, morram de fome.

Não há nada mais alucinatório e alienante que o discurso de “salvar economia”. É como se os parâmetros capitalistas que regem o funcionamento da economia fossem as condições naturais de existência das quais a vida humana dependesse. A vida precisa estar a serviço da economia, e, se quiser seguir gozando as extraordinárias bênçãos que ela nos oferece, deve fazer sacrifícios ao deus-mercado. O mercado descontente pode ser tão implacável quanto Jeová no Antigo Testamento.

Essa economia que parece girar por si mesma e à qual devemos servir é, entretanto, operada por grandes agentes econômicos, financeiros, empresariais bem visíveis, aliás onipresentes. A principal estratégia ideológica através da qual esses agentes impõem seus interesses econômicos à sociedade, convencendo-a de que os interesses deles coincidem com os interesses de todos, é justamente esta: representar a economia como uma entidade autónoma, regida por leis próprias, que não podem ser contestadas e às quais devemos nos submeter como se disso dependesse nossa própria vida.

Não é nada tão difícil de fazer, quando se tem toda a grande imprensa reiterando diuturnamente esse discurso e advertindo para o caos devastador que nos assolaria, caso não aceitássemos a palavra da salvação. O teto de gastos, por exemplo, aprovado anteontem, já é tratado, pelos jornais, como uma fatalidade natural.

Zizek disse uma vez que as pessoas acreditam mais na possibilidade do fim do mundo que no fim do capitalismo. De fato, quando o próximo meteoro vier, só restarão de pé o teto de gastos e o tripé macroeconômico. E as barata.

Por Alexandre Arbex