“O Poder e o Economista Útil”, por John Kenneth Galbraith (revisado em 26.10.2016)

Diálogos Essenciais

Compartilho versão revisada deste importante artigo de John Kenneth Galbraith. Eu li este artigo em 1973, quando cursava o terceiro ano da faculdade de economia da Universidade Federal Fluminense. Se o artigo foi relevante naquela ocasião agora,  passados 43 anos, tornou-se claro, óbvio. A derrota do poder dos sindicatos, a grande desigualdade de renda que emergiu do jogo das forças de mercado e a emergência da “financialização” como peça relevante no jogo de xadrez do poder, em vez de enfraquecerem, robustecem as teses centrais do artigo.

Assisti a entrevista de Mônica de Bolle no programa Roda Viva desta semana. Foi convidada para promover seu novo livro com críticas à política econômica do governo Dilma e para discutir a PEC 241, que põe uma camisa de força nos gastos públicos por 20 anos.

Questionada sobre a corrente de pensamento econômico à qual ela se filia, a economista respondeu, como costumam responder…

Ver o post original 6.308 mais palavras

TRF-4: acabou a pressa

Mais um excelente texto de Cláudio Guedes, Ao pensar no título deste post de compartilhamento, fiquei na dúvida entre Farsa a Jato ou este, mais sóbrio. É tudo tão descaradamente óbvio que tenho até vergonha em admitir que temos este tipo de justiça em nosso país. Entretanto, sem revolver este monturo não será possível construir um país digno. Coloque um pregador de roupas no nariz e leia. Apesar de sofisticada, a farsa de Curitiba e Porto Alegre espalha seu odor nauseabundo pelo país todo. Bom dia. Se puder.

Paulo Martins

Por Claudio Guedes
“Farsa
Existem farsas e farsas.
As primeiras são processos onde o comportamento ardiloso é bem tramado, sofisticado. É farsa, mas é farsa de qualidade.
E existe a farsa grotesca, de concepção trivial, medíocre, quase burlesca, ridícula.
Por que estou a falar sobre farsa?
Porque li agora na Folha de S. Paulo de hoje, 19/05, matéria sobre o TRF-4. Nesta o jornalista José Marques aponta que o Tribunal não é mais o mesmo. A eficiência demonstrada no processo contra o ex-presidente Lula evaporou-se. O Tribunal voltou ao seu ritmo normal.
Confesso que não esperava nada diferente. Sou um interessado na justiça. Sempre que posso acompanho processos envolvendo questões constitucionais e envolvendo julgamento de políticos. Há alguns anos o faço.
Nunca vi, nem antes, nem depois, algo como o julgamento dos recursos do ex-presidente Lula pela 8° Turma do TRF-4.
Nunca vi.
Minha impressão é que se tratou de uma farsa grotesca.
A justiça quando exige que em 2° instância o recurso de um processo penal seja apreciado, em primeiro lugar, por três (3) desembargadores, o faz para diminuir as chances de erro do estado (autor da ação) contra o cidadão. Três juízes experientes para analisar o processo: a sentença do juiz de 1° instância, os posicionamentos/opiniões da defesa e o teor da acusação. Cada qual, independentemente, deve analisar o processo e se manifestar com base nos autos e nas intervenções orais quando da sessão do julgamento.
O que vimos em 24/01/2018, em Porto Alegre, sede do TRF-4, não foi um julgamento. Foi um linchamento combinado. Três desembargadores agindo de forma ensaiada, negando todas – sem exceção – as questões colocadas pela defesa e tratando um processo penal específico como o julgamento político de um adversário.
A farsa foi, contraditoriamente, denunciada pelos próprios votos dos desembargadores ao concordarem que estavam apreciando uma questão complexa. Sem dúvida não poderiam negar essa característica da questão que praticamente dividiu a comunidade jurídica nacional.
Mas, apesar da complexidade, nenhum dos desembargadores pediu vista ao processo. Todos os três fizeram uma mesma apreciação sobre a conduta do réu, nenhum dos três questionou nenhuma das provas (muito polêmicas) apresentadas pelo MPF, nenhum dos três analisou o comportamento polêmico (e questionado inclusive por ministros do STF) do juiz da instância inferior. Nada.
E não só isso: todos os três concordaram nos votos em negar o recurso apresentado pela defesa e, de forma idêntica, discordaram da pena atribuída ao réu pelo juiz de piso. Discordaram da mesma forma, com precisão matemática.
Qual a probalidade de três juízes independentes ao avaliarem um processo complexo, controverso, com provas e procedimentos penais questionados por parte expressiva de comunidade jurídica nacional, concordarem absolutamente nos votos e discordarem exatamente da mesma maneira do juiz de 1° instância quanto à dosimetria da pena? Baixa, muito baixa.
O resultado do julgamento de Lula no TRF-4 e os julgamentos dos recursos que se seguiram pelo próprio tribunal, sugerem, apontam, para uma articulação prévia pela condenação de forma a impossibilitar uma série de recursos previstos em lei quando existem discordâncias. A unanimidade seria, assim, uma estratégia do tribunal em detrimento do réu. Uma estratégia para apressar o cumprimento da pena pelo réu.
Farsa e pressa. Pressa e farsa.
Os fatos anteriores e os fatos posteriores, cada dia com mais clareza, expõem uma face condenável da justiça brasileira no seu comportamento atípico, singular e parcial, quando do julgamento de uma liderança política da envergadura do ex-presidente Lula.
O processo contra Lula, seja nos procedimentos questionáveis da 13° Vara Federal de Curitiba, seja no trâmite singular, acelerado, no TRF-4, envergonha o país.”

“Matem-nos todos. Deus saberá reconhecer os seus!”, por Lenio Luiz Streck

Por Lenio Luiz Streck

“Matem-nos todos. Deus saberá reconhecer os seus!”

Diz-se que estas foram as palavras ditas pelo abade Arnoldo de Amaury, determinando a aniquilação total dos cátaros que se escondiam na fortaleza de Béziers, no Languedoc, em julho de 1209.
É que dentre eles havia cristãos. Eram as cruzadas do papa Inocêncio 3º (1161-1216).

Os cátaros eram dissidentes. Considerados hereges, não “rezavam” pela cartilha da Igreja.

Pois hoje parece que a defesa da presunção da inocência, claramente constante na “bíblia da democracia”, a Constituição (“Livro Defesas”, 5, 57 e em “Processus” 283,1), parece ter transformado seus adeptos em hereges jurídicos.

A tese defendida pela mídia e por tribunais como o TRF-4 é a seguinte: é automática a prisão após condenação em segundo grau.
E se alguém pergunta: “Mas, se o réu tiver bons antecedentes e respondeu ao processo em liberdade?”

A resposta – punitivista – é: “Não importa. Deve ser preso. Temos de acabar com a impunidade. A Constituição é leniente”.

Por isso, o TRF-4 até elaborou a súmula 122, pela qual qual várias pessoas já foram presas.

O que poucos se deram conta é que nem o Supremo Tribunal Federal concorda com essa automaticidade.

Só dois ministros (Luiz Fux e Luís Roberto Barroso) votaram pela solução radical.

Desde o ministro Teori Zavascki (1948-2017) e até mesmo pelo voto do mais conservador dos ministros, hoje, Edson Fachin, essa solução foi apresentada.

Eles falaram “possibilidade” de prisão. Isso quer dizer que a prisão em segundo grau não decorre simplesmente da decisão condenatória.

Tem-se, assim, um impasse: dos cinco ministros que desconsideram a presunção da inocência (atenção: a ministra Rosa Weber disse ser a favor da presunção), três admitem que ela é apenas possível (Cármen Lúcia, Fachin e Alexandre de Moraes).

Logo, a ADC 54 colocou o STF em uma sinuca de bico. Se todos confirmarem seus votos (mesmo que a ministra Rosa vote contra a presunção), as prisões automáticas são todas inconstitucionais e ilegais.

Raciocinemos: se a prisão após decisão de segundo grau é possível, então, por lógica, há casos em que ela não ocorrerá, porque não necessária.

Logo, para ela acontecer, devem estar presentes os requisitos que permitem a prisão antes do julgamento. Se o réu não os tiver e ingressar com recurso especial e/ou extraordinário, então poderá aguardar em liberdade. Simples assim.

Isso está implícito no voto do ministro Teori no HC 126.292 e no voto do ministro Fachin, que aponta, inclusive, para o efeito suspensivo que pode ser dado ao recurso especial ou até mesmo ao extraordinário, tudo previsto no Código de Processo Civil de 2015.

Na medida em que só os ministros Fux e Barroso querem a automaticidade – eu levantei essa questão e foi repetida no voto do ministro Gilmar Mendes no julgamento do HC de Lula – , tem-se que, para vingarem as prisões determinadas sem fundamentação, será necessário que o STF construa nova maioria, obrigando o próprio ministro Fachin a endurecer ainda mais o seu voto.

Somente se o Supremo Tribunal tiver seis votos pela automaticidade é que, por exemplo, a prisão de Lula poderá ser mantida.

Só que disso surge um problema.

Se o STF assim decidir, qualquer decisão de segundo grau ou decisões em instância única (prefeitos, deputados) acarretarão – sempre – prisão direta, sem choro nem vela. Esses são os danos colaterais. Todos serão presos.

Restará, então, o consolo, recordando o abade Arnoldo de Amaury: “Prendam-nos todos; a deusa da Justiça saberá cuidar dos seus”. Afinal, todo condenado é um herege jurídico. A Constituição, a bíblia do Direito, já não o protege.

Lenio Luiz Streck
Advogado, ex-procurador de Justiça e membro catedrático da Academia Brasileira de Direito Constitucional

“Carteirada” de juiz, rotina em nosso país: autonomia universitária jogada na lata de lixo

Por Luis Felipe Miguel

É gravíssima a decisão do juiz de Paranaíba suspendendo a realização do curso “Golpe de Estado de 2016: conjunturas sociais, políticas, jurídicas e o futuro da democracia” na Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul.

O juiz, um tal Plácido de Souza Neto, se arroga o direito de determinar qual o conteúdo apropriado para disciplinas universitárias. Exige a inclusão de textos a favor do golpe, em nome do que ele entende como sendo o “pluralismo”.

Decerto julgando-se muito sabido, sustenta a tese de que não houve golpe com base em duas referências bibliográficas. Uma é a reportagem da Folha de S. Paulo intitulada “Impeachment não foi golpe, sustenta revista britânica The Economist”. Outra é texto do coleguinha cientista político Rogério Schmitt, segundo o qual “nenhuma das três agências internacionais que mensuram regularmente a qualidade do processo político no mundo, a britânica Economist Intelligence Unit (ranking Democracy Index), a americana Freedom House (relatório Freedom in the World) e a alemã Transparency International (ranking Corruption Perceptions Index), identificaram qualquer deterioração da democracia brasileira no ano de 2016” (palavras do juiz).

Na sentença, Schmitt é vinculado ao golpista (mas agora meio arrependido) PSB. No entanto, o texto na verdade foi publicado em site do golpista PSD (o partido do Kassab). Um erro justificável: é difícil se situar em meio de tantas siglas. Mas a questão não é essa, nem mesmo o fato de que nenhum cientista político sério leva a sério estes índices, que são empreitadas ideológicas com fins propagandísticos (por exemplo, o livre-mercado entra como um dos elementos constitutivos da democracia, mas os direitos sociais ficam de lado).

A questão é que, ao tentar, com tamanha inabilidade, dar sua “carteirada” de conhecimento especializado, o juiz não faz mais do que reafirmar sua incompetência no assunto. Com isso, sua sentença é mais um argumento em favor do princípio da autonomia universitária, que define que as disputas científicas não serão decididas por agentes externos ao campo científico.

O artigo 207 da Constituição Federal não poderia ser mais claro quando afirma que “as universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial”. O juiz paranaibense tenta, na sentença, redefinir o sentido da autonomia universitária. Segue a trilha de tantos outros, no Brasil de hoje, que criam novos sentidos para expressões como “trânsito em julgado”, “presunção de inocência” ou “crime de responsabilidade”. Mas o que ele faz, na verdade, é rasgar a Constituição.

Expresso toda a minha solidariedade aos colegas da UEMS, vítimas de ataque inadmissível, tolhidos no seu direito – eu diria mesmo dever – de fazer seu trabalho como educadores e pesquisadores. Espero uma reação forte do CRUB, do ANDES e da UNE, a fim de garantir as condições de existência da universidade no Brasil.

Via João Lopes

Os liberais brasileiros e seu atávico medo da democracia, por Rafael R. Ioris

Os liberais brasileiros e seu atávico medo da democracia

Publicado pela Revista Cult

15/05/2015

Uma das mais importantes inovações do pensamento moderno é a noção de história linear. Rompendo com a lógica presente na concepção de tempo greco-romana e mesmo medieval, o Iluminismo insiste que a história seria guiada por um devir se desenrolando como uma flecha ao longo do tempo.

Abrimos mão de uma visão mais intuitiva de circularidade, tal como presente na natureza, e passamos a aceitar a ideia de um aprimoramento linear e inelutável. Interessantemente, de forma irônica e talvez mesmo trágica, os desdobramentos recentes em nosso país parecem nos remeter mais à lógica histórica clássica do que à moderna, já que parecemos estar presos a uma circularidade que tende dolorosamente a se repetir a cada 50 anos, mais ou menos, pelo menos no que se refere à nossa experiência política.

De modo concreto, é quase impossível não vermos fortes reverberações dos acontecimentos de 1964 nos eventos envolvidos na atual crise em que vivemos, cujo início se coloca por volta de 2014. Foi então que, logo após do segundo turno da eleição presidencial, o candidato oposicionista Aécio Neves se recusou a aceitar sua derrota no pleito, apesar de ter concordado em participar do mesmo processo, em um gesto claramente golpista que lembra as palavras, também golpistas, de Carlos Lacerda, ao se referir a Vargas, dizendo que o último “não pode ser candidato. Se o for, não pode ser eleito. Se eleito, não pode tomar posse. Se tomar posse, não pode governar.”

Embora dita anos antes do golpe de 1964, a frase expressa nitidamente a lógica que passaria a guiar os auto-denominados liberais brasileiros, que por fim viriam a apoiar uma intervenção militar no país. Da mesma forma que seus antecessores nominalmente liberais, a partir da sua recusa em aceitar os resultados do processo de democrático, Aécio e seus aliados, que passam a boicotar o governo no Congresso, começariam a conclamar seus eleitores, fortemente representados nas classes médias urbanas, para que fossem às ruas demandar a renúncia da presidente democraticamente eleita, ou forçar, de alguma forma, casuística que fosse, sua remoção do posto, por meio de um processo de impeachment.

Os capítulos dessa história são bem conhecidos por todos não sendo, portanto, necessário detalha-los aqui. Caberia somente enfatizar seu aspecto central, qual seja, a recusa em aceitar a vontade majoritária do país, expressa por meio do voto popular. Assim, novamente reverberando atitudes semelhantes quando do primeiro e importantíssimo processo de aprofundamento da democracia formal em nosso país (entre 1945-1964), nossos liberais (de fato, conservadores e elitistas) somente aceitam a expressão democrática da população quando lhes convêm.

Tanto Lacerda como Aécio se recusaram a aceitar que o governo de então, seja esse o de Vargas ou de Goulart, no início dos anos 60, ou de Dilma, mais recentemente, pudesse estar em sintonia com os desejos da maioria da população. Lembremos que, embora seu governo estivesse imerso em uma das principais crises econômicas e paralisias políticas da história do país, Goulart continuava sendo um presidente extremamente popular, tendo obtido três vezes mais votos no plebiscito de retorno ao presidencialismo de janeiro de 1963, do que a quantidade de votos que o haviam elegido vice-presidente em 1960. Da mesma forma, seu partido, o PTB, quase dobrara sua delegação na Câmara Federal nas eleições congressuais de 1962, expressando, portanto, a concordância com a sua agenda de reformas por parte crescente de segmentos da população.

O medo e recusa em aceitar as regras democráticas é, pois, tradição recorrente dos liberais tupiniquins, ainda que os meios pelos quais isso se manifesta variem, incluindo desde operações de natureza militar até a promoção de desinformações, boatos e histeria por seus membros na mídia corporativa. Isso ocorreu tanto no início dos anos 60, como demonstrado novamente pela ação de Lacerda; no final dos anos 80, quando da campanha de terror contra Lula; e mesmo em anos ainda mais recentes, com o devaneio sobre o suposto bolivarianismo do PT.

A grande inovação na implementação desse ativismo ao longo dos últimos tempos tem sido o uso do aparato formal do estado de direito, de natureza eminentemente liberal, para impedir o funcionamento da própria democracia formal, também de natureza liberal clássica, diga-se de passagem. A manifestação mais clara desse processo tem sido a subversão da lógica acusatória que deixa de presumir a inocência do acusado para deduzir sua culpabilidade necessária quando da existência da suposição de um possível interesse no ato ilícito.

Esse raciocínio invertido – e claramente negacionista – da lógica humanista fundante do pensamento liberal moderno é paradoxalmente exercido por agentes investidos na defesa do próprio estado liberal, que agem nesse sentido, de maneira mais frequente quando da remoção de atores políticos de grande apelo popular, como Lula, do jogo democrático. Subverte-se, assim, mais uma vez, a essência da tradição liberal a fim de que interesses oligárquicos, fortemente arraigados entre os ditos liberais dessas paragens tropicais, sejam defendidos.

O liberalismo clássico pressupõe a liberdade e igualdade de oportunidades para a participação no mercado econômico e arena política. Subterfúgios que impeçam esse exercício democrático, ainda que revestidos de carapaças formais legais ou salvacionismos moralistas de forte apelo emocional, contradizem fortemente a lógica liberal moderna. Já que grande parte da nossa trajetória política é mais circular do que progressista, não seria o caso de que nossos liberais se assumissem, de vez, por aquilo que realmente são: defensores pré-modernos da lei do mais forte e da eliminação da democracia popular?

RAFAEL R. IORIS é professor da Universidade de Denver e autor do livro Qual desenvolvimento? Os debates, sentidos e lições da era desenvolvimentista (2017)

Via Fernando Almeida

Execuções na ditadura

Compartilho indignado, mas não surpreso, informação de Matias Spektor,  pesquisador  da Fundação Getúlio Vargas. Estranho a demora na sua divulgação. Na foto, Roberto Marinho, apoiador da ditadura sanguinária, de braços dados com um dos ditadores acusados pelos crimes contra os opositores. E o grupo Globo, fiel às suas origens, vai completar 60 anos de atividades destinadas a destruir o Brasil para enriquecer.

Paulo Martins

Leia abaixo. Mais claro, impossível.

Este é o documento secreto mais perturbador que já li em vinte anos de pesquisa.

É um relato da CIA sobre reunião de março de 1974 entre o General Ernesto Geisel, presidente da República recém-empossado, e três assessores: o general que estava deixando o comando do Centro de Informações do Exército (CIE), o general que viria a sucedê-lo no comando e o General João Figueiredo, indicado por Geisel para o Serviço Nacional de Inteligência (SNI).

O grupo informa a Geisel da execução sumária de 104 pessoas no CIE durante o governo Médici, e pede autorização para continuar a política de assassinatos no novo governo. Geisel explicita sua relutância e pede tempo para pensar. No dia seguinte, Geisel dá luz verde a Figueiredo para seguir com a política, mas impõe duas condições. Primeiro, “apenas subversivos perigosos” deveriam ser executados. Segundo, o CIE não mataria a esmo: o Palácio do Planalto, na figura de Figueiredo, teria de aprovar cada decisão, caso a caso.

De tudo o que já vi, é a evidência mais direta do envolvimento da cúpula do regime (Médici, Geisel e Figueiredo) com a política de assassinatos. Colegas que sabem mais do que eu sobre o tema, é isso? E a pergunta que fica: quem era o informante da CIA?

O relato da CIA foi endereçado a Henry Kissinger, então secretário de Estado. Kissinger montou uma política intensa de aproximação diplomática com Geisel.

A transcrição online do documento está no link abaixo, mas o original está depositado em Central Intelligence Agency, Office of the Director of Central Intelligence, Job 80M01048A: Subject Files, Box 1, Folder 29: B–10: Brazil. Secret; [handling restriction not declassified].

https://history.state.gov/historicaldocuments/frus1969-76ve11p2/d99?platform=hootsuite

Documento da CIA relata que cúpula da ditadura militar brasileira autorizou execuções de opositores

EL PAÍS
BRASIL
DITADURA MILITAR BRASILEIRA
Documento da CIA relata que cúpula do Governo militar brasileiro autorizou execuções
Memorando de 1974 descreve “decisão de Geisel de continuar com execuções sumárias”.
General relata que cerca de 104 pessoas foram “executadas sumariamente” em um ano

Foto: execuções da ditadura militar – Manifestação no Rio de Janeiro em 1968 contra a ditadura militar. ARQUIVO NACIONAL/CORREIO DA MANHÃ

Por RODOLFO BORGES

São Paulo 10 MAI 2018 – 17:38 BRT

Documento da CIA relata que cúpula do Governo militar brasileiro autorizou execuções

Documento da CIA relata que cúpula do Governo militar brasileiro autorizou execuções Comandante do Exército diz que general que elogiou torturador “lidera pelo exemplo”
Documento da CIA relata que cúpula do Governo militar brasileiro autorizou execuções Julián Fuks: “O tripé da ditadura, com tortura, desaparecimento e censura, está preservado no Brasil”
“Assunto: ‘Decisão do presidente brasileiro, Ernesto Geisel, de continuar com as execuções sumárias de subversivos perigosos, sob certas condições”, diz um memorando de 11 de abril de 1974 enviado pelo diretor da CIA, a agência de inteligência norte-americana, para o então secretário de Estado Henry Kissinger. O documento, revelado pelo Bureau of Public Affairs do Departamento de Estado dos Estados Unidos, expõe que a cúpula do Governo militar brasileiro (1964-1985) sabia sobre as ações de exceção tomadas contra adversários do regime.

“Este é o documento secreto mais perturbador que já li em vinte anos de pesquisa”, descreveu o pesquisador Matias Spektor, coordenador do Centro de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas. Spektor chamou atenção nesta quinta-feira para relatos disponibilizados pelo Governo norte-americano. O relatório começa descrevendo encontro de 30 de março de 1974 entre o então presidente Ernesto Geisel, o general Milton Tavares de Souza e o general Confúcio Danton de Paula Avelino, “respectivamente o ex-chefe e o novo chefe do Centro de Inteligência do Exército (CIE)”, na descrição do próprio relatório. “Também estava presente o general João Baptista Figueiredo, chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI)” e futuro presidente do país.

Segundo Spektor, o relato foi tornado público em 2015 e faz parte da política regular de abertura de fonte primária do Departamento de Estado. O relatório registra que o general Milton foi quem mais falou na mencionada reunião. “Descreveu o trabalho do CIE contra a subversão interna durante a administração do ex-presidente Emílio Garrastazu Médici. Ele enfatizou que o Brasil não pode ignorar a ameaça subversiva e terrorista, e afirmou que métodos extralegais deveriam continuar a ser empregados contra subversivos perigosos”, diz o documento antes de chegar em seu trecho mais dramático: “Nesse sentido, o general Milton relatou que cerca de 104 pessoas, nessa categoria, haviam sido executadas sumariamente pelo CIE durante o último ano, ou pouco mais de um ano. Figueiredo apoiou essa política e defendeu sua continuidade”.

Ainda segundo o relatório, que pode ser acessado pelo site do Departamento de Estado, “o presidente [Geisel], que comentou a seriedade e aspectos potencialmente prejudiciais dessa política, disse que queria refletir sobre o assunto durante o fim de semana, antes de tomar qualquer decisão sobre a sua continuidade”. No dia 1º de abril, Geisel “informou ao general Figueiredo que a política deveria continuar, mas que extremo cuidado deveria ser tomado para assegurar que apenas subversivos perigosos fossem executados”.

“O presidente e o general Figueiredo concordaram que, quando o CIE detivesse uma pessoa que poderia ser enquadrado nessa categoria, o chefe do CIE deveria consultar o general Figueiredo, cuja aprovação deveria ser dada antes que a pessoa fosse executada”, segue o relatório, cuja última mensagem disponível diz que “o presidente e o general Figueiredo também concordaram que o CIE deve dedicar-se quase exclusivamente a combater a subversão interna, e que a atuação do CIE, em geral, deve ser coordenada pela general Figueiredo”. Apesar de o sigilo do documento ter caído, dois parágrafos que somam no total 19 linhas foram mantidos em segredo.

Para Spektor, que topou com o registro enquanto pesquisava outros assuntos, o memorando é “prova do envolvimento do regime militar na política de execuções sumárias de inimigos do regime”. Ela se soma a evidências já existentes, como a gravação revelada pelo jornalista Elio Gaspari em que Geisel dá luz verde para a repressão à guerrilha no Araguaia e o depoimento em que um general francês descreveu a uma historiadora a ocasião em que Figueiredo o levou para acompanhar uma sessão de tortura. Segundo o pesquisador, “o relato mostra a importância de as autoridades brasileiras também abrirem os seus arquivos”.

 

 

 

 

 

 

Livro “Dimensões críticas da reforma trabalhista no Brasil” – download gratuito

O livro “Dimensões críticas da reforma trabalhista” organizado por José Dari Krein, Denis Gimenez, Anselmo dos Santos no âmbito de um convenio entre o ministério público do Trabalho e o Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho (Cesit) da UNICAMP é talvez o mais completo trabalho sobre a reforma trabalhista aprovada pelo congresso nacional em 2017. Mais de 20 pesquisadores foram mobilizados para tratar de várias dimensões da reforma trabalhista; a experiência internacional, os impactos sobre a flexibilização das relações de trabalho, sobre os sindicatos, sobre a desigualdade e a vulnerabilidade dos trabalhadores, sobre o financiamento da previdência social, dentre outros temas.

Segue abaixo um link para o livro completo e um trecho da introdução assinado pelos organizadores do livro.

Capítulo 9: Reforma trabalhista e Financiamento, da previdência Social: simulação dos impactos da pejotização e da formalização, Arthur Welle, Flávio Arantes, Guilherme Mello e Pedro Rossi.

Observação: o texto acima é de Pedro Rossi. Para baixar a versão completa do livro o interessado deve acessar o site de Pedro Rossi e clicar no link informado.

pedrorossi.org

 

IMG_8028

A autocrítica da esquerda, por Fernando Horta

A autocrítica da esquerda, por Fernando Horta

Não sei se vivemos num divã de psicanálise, num confessionário católico ou numa sessão de terapia para casais, mas o fato é que nos últimos quatro anos a esquerda vem sendo acusada e vilipendiada por “não fazer autocrítica”. Os setores da direita não usam esta rebuscada palavra, preferem mesmo que a esquerda se imole em praça pública. Os pedidos incessantes (e irritantes) vêm de pessoas da própria esquerda que acreditam que política advém da legitimidade ética. Assim, tomar banho na rua, lavando suas partes pudendas (como diria minha avó) traria, de alguma forma, um enfraquecimento dos setores fascistas e golpistas.

Definitivamente eu não entendo esta lógica, muito porque os mesmos grupos que fazem esta defesa não conseguem – com suas supostas trajetórias límpidas e alvas – se colocar contra o golpe ou o crescimento do fascismo no Brasil com alguma efetividade. Parece que as evidências não ajudam à tese da pureza da alma transmutando-se em pureza política e mais uma vez em votos. Há qualquer coisa aqui, mal explicada ou mal-entendida, que faz com que este caminho não seja nem direto nem evidente. E os resultados ainda mais duvidosos.

A tese da autocrítica é filha da tese do sequestro da ética pela esquerda. É uma filha caçula da errônea ideia de que toda a esquerda é ética e toda direita vil. Eu usei o termo “toda” para dar uma força ao argumento que ele não tem. Contudo, diminuir a força da generalização não diminui o erro do argumento. Toda esta linha narrativa, que força a entrada de uma moral cristã nos caminhos da esquerda, é parte da criação política que foi usada para atacar Stalin, depois da segunda guerra. Quatro figuras retóricas aqui são essenciais: uma releitura de Maquiavel negando-se que os fins justifiquem os meios, a construção mítica do revolucionário ético e superior perseguido e morto pelo estalinismo (Trotsky), o apelo à moral religiosa cristã em oposição ao comunismo ateu (marca de uma das linhas de ataque mais usadas contra a URSS) e o ato fundador da autocrítica inicial, exaltada pelo ocidente e que foi causa das fraturas na esquerda. Falamos, por óbvio, das “denúncias” de Krushchev, no famoso 20º Congresso do Partido Comunista.

Ocorre que estes quatro fatores são construções falhas com dados empíricos tremendamente errados. Fruto de uma luta de narrativas entre 45-60, momento em que o capitalismo ocidental temia – com fundadas razões – ser superado pelo socialismo real soviético.

O mito do revolucionário eticamente impecável, o qual encarnou em Trotsky após sua morte, é uma terrível construção baseada em erros imensos. As pesquisas atuais mostram que Trotsky foi tão brutal quanto Stalin na construção do modelo soviético. Trotsky defendia, por exemplo, castigos físicos e prisão para trabalhadores que não alcançassem metas, no início da URSS. Trotsky foi responsável direto pela dizimação dos soviets na Ucrânia, quando provocou o exército alemão ao extremo, sem aceitar seus termos e nem ter condições de se opor a eles na negociação de Brest Litovsky. Diversas fontes mostram os contatos de Trotsky com o mundo ocidental (especialmente a Inglaterra) ainda quando dentro da URSS. Após seu exílio, Trotsky aumenta o tom das críticas ao modelo soviético, ao mesmo tempo que dissimula seus contatos com o ocidente. O objetivo de Trotsky era semelhante ao dos EUA, Inglaterra, França e mesmo da Alemanha: fazer cair o regime de Stalin. Mas Trotsky já havia dado inúmeras provas de que seu idealismo turvava suas análises. Ele acreditava poder controlar a remoção de Stalin para “recolocar” a “revolução” em seu prumo, com ele, Trotsky, na figura de timoneiro. Stalin não pagou para ver o quanto haveria de boa vontade do ocidente para com a URSS.

A leitura de que “o fim NÃO justifica os meios”, se opondo inicialmente a Maquiavel é outra tremenda incongruência. Primeiro porque não se encontra em Maquiavel esta frase ou mesmo esta ideia da forma como está posta. Diversas leituras de Maquiavel imputam a ele pensamentos que não foram seus e, especialmente, preocupações que não estão expressas nos livros do italiano renascentista. Gramsci ajuda nesta crítica ao fazer a releitura a partir da ideia do “príncipe moderno”. Em Maquiavel, a centralização do poder não tem como objetivo outra coisa que não afastar a barbárie, ainda que haja a necessidade do uso moderado dela. A figura do centauro, constante nos escritos de Maquiavel, explica o papel do governante. Ora racional como homem, ora bestial como o cavalo. A forma do argumento contra Maquiavel era destinada especificamente a Stalin. No sentido de que a imagem futura do comunismo e todas as suas vantagens morais, materiais e históricas não poderia valer a violência do presente. Ocorre que o ocidente nunca agiu conforme esta regra. E, enquanto financiava diversos materiais propagandísticos com este argumento, a CIA mandava matar Jacobo Arbenz, Patrice Lumumba e Chê Guevara, por exemplo.

A denúncia de Kruschchev no 20º congresso é também outra parte deste quebra-cabeças que foi usada de forma errada. O discurso “secreto” foi conseguido pelas agências de inteligências de Israel e repassada aos EUA. Nele Kruschchev denuncia Stalin por “crimes” e racha toda a esquerda do mundo. Até hoje, quase a totalidade do que se conhece dos “números” das “atrocidades” de Stalin vem somente daquele discurso! A partir de 2005, com a abertura de arquivos e documentos sensíveis, as pesquisas empíricas mostram que Stalin não se diferenciou de NENHUM líder da época. Nem Roosevelt, Churchill, Truman ou De Gaulle quanto ao uso civil da violência ou o uso das instituições jurídicas contra opositores. Para os amantes da morte, que eu chamo de “necrocontabilistas”, as fontes atuais colocam as mortes do período de Stalin na casa das centenas de milhares (e não dezenas de milhões). Nestes números incluem-se o resultado de políticas ou de ações de governos locais que hoje sabe-se tinham muito maior autonomia frente ao governo central soviético do que se supunha na década de 70. Neste novo contexto, a monarquia da Inglaterra e o rei da Bélgica se tornam os maiores genocidas da História. Qualquer pesquisa sobre a África ou a Índia vai mostrar que aqueles tempos eram monstruosos para todos os lados e a História foi usada como propaganda.

O quarto elemento que compõe a tese que sustenta a “autocrítica” da esquerda é a moral Cristã. Interessantemente o mais fraco e mais conhecido argumento de todos os quatro. Primeiro porque se sabe de toda a construção narrativa sobre Jesus. A história fala em “Cristo histórico” para se referir ao agitador social que teria nascido na Galileia por volta do ano 7 antes de Cristo. Sim, por erros de matemática, Cristo nasceu no ano 7 antes de Cristo. E este homem – frise-se homem – é fantástico pelo seu valor histórico. Mas, era preciso recontar a sua história, apagando as qualidades de questionador dos poderes constituídos, humanista, justo, e voltado para a coletividade e inseri-lo numa narrativa de justificação das diferenças sociais, da promessa de vida eterna em troca de submissão na vida terrena a uma moral conservadora e da outorga a ele do título de “rei”. Sabemos, pelas pesquisas atuais que o Cristo histórico jamais aceitou ser colocado na condição de separação simbólica entre os homens. Como que portador de um direito de superioridade por nascimento (que depois viria a criar a noção do direito divino dos reis e mais adiante ser transformado num dos princípios do poder do Estado). De qualquer forma, por muito tempo a Igreja trabalhou para construir um elemento moral aglutinador que não está presente no Cristo histórico, nem na história da Igreja antiga, nem na Igreja moderna e muito menos neste bando de Pastores contemporâneos que exploram a boa fé das pessoas mais humildes com o silêncio cúmplice do Estado brasileiro.

A esquerda e especialmente o PT precisam sim fazer autocrítica. Mas isto é uma questão apenas interna. E eu espero que ela seja feita nos termos mais clássicos do pragmatismo marxista. Espero que ela seja feita com vistas à manutenção e aperfeiçoamento das utopias que deram origem à esquerda, mas sem deixar de perceber a materialidade política. Mais do que isto, não dou o direito a nenhum apoiador do capitalismo, das ditaduras ou da sociedade atual de cobrar em bases morais uma “autocrítica”. E também não dou o direito de dissidentes intelectuais idealistas que repetem estes mesmos ataques morais sem, contudo, nunca terem tido a responsabilidade ou experiência real de governo de cobrarem “autocrítica” de quem quer que seja. A História se encarregará de criticar a tudo e a todos, até lá é à senhora Política que devemos responder. E ela é pragmática e certamente não vê sentido de que alguém, no meio do campo de batalha, se ajoelhe e peça perdão pelos seus pecados. A menos, claro, que seus defensores queriam com este ato dar a “extrema-unção”.