Atlas da Violência 2017 mapeia os homicídios no Brasil

Compartilho texto de divulgação preparado pelo IPEA.

05/06/2017 11:41
Atlas da Violência 2017 mapeia os homicídios no Brasil

Estudo realizado pelo Ipea e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostra que jovens e negros são as principais vítimas de violência no país

O Brasil registrou, em 2015, 59.080 homicídios. Isso significa 28,9 mortes a cada 100 mil habitantes. Os números representam uma mudança de patamar nesse indicador em relação a 2005, quando ocorreram 48.136 homicídios.

As informações estão no Atlas da Violência 2017, produzido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).

O estudo analisa os números e as taxas de homicídio no país entre 2005 e 2015 e detalha os dados por regiões, Unidades da Federação e municípios com mais de 100 mil habitantes. Apenas 2% dos municípios brasileiros (111) respondiam, em 2015, por metade dos casos de homicídio no país, e 10% dos municípios (557) concentraram 76,5% do total de mortes.

Os estados que apresentaram crescimento superior a 100% nas taxas de homicídio no período analisado estão localizados nas regiões Norte e Nordeste.

O destaque é o Rio Grande do Norte, com um crescimento de 232%. Em 2005, a taxa de homicídios no estado era de 13,5 para cada 100 mil habitantes. Em 2015, esse número passou para 44,9. Em seguida estão Sergipe (134,7%) e Maranhão (130,5). Pernambuco e Espírito Santo, por sua vez, reduziram a taxa de homicídios em 20% e 21,5%, respectivamente. Porém, as reduções mais significativas ficaram em estados do Sudeste: em São Paulo, a taxa caiu 44,3% (de 21,9 para 12,2), e, no Rio de Janeiro, 36,4% (de 48,2 para 30,6).

Houve um aumento no número de Unidades da Federação que diminuíram a taxa de homicídios depois de 2010. Especificamente nesse período, as maiores quedas ocorreram no Espírito Santo (27,6%), Paraná (23,4%) e Alagoas (21,8%). No sentido contrário, houve crescimento intenso das taxas entre 2010 e 2015 nos estados de Sergipe (77,7%), Rio Grande do Norte (75,5%), Piauí (54,0%) e Maranhão (52,8%). A pesquisa também aponta uma difusão dos homicídios para municípios do interior do país.

Municípios mais pacíficos e mais violentos

O Atlas da Violência 2017 analisou dados do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde, referentes ao intervalo de 2005 a 2015, e utilizou também informações dos registros policiais publicadas no 10º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, do FBSP. Para listar os 30 municípios potencialmente mais violentos e menos violentos do Brasil em 2015, o estudo considerou as mortes por agressão (homicídio) e as mortes violentas por causa indeterminada (MVCI).

Altamira, no Pará, lidera a relação dos municípios mais violentos, com uma taxa de homicídio somada a MVCI de 107. Em seguida, aparecem Lauro de Freitas, na Bahia (97,7); Nossa Senhora do Socorro, em Sergipe (96,4); São José de Ribamar, no Maranhão (96,4); e Simões Filho, também na Bahia (92,3). As regiões Norte e Nordeste somam 22 municípios no ranking dos 30 mais violentos em 2015.

Entre os 30 mais pacíficos, 24 são municípios da região Sudeste. No entanto, os dois primeiros da lista ficam em Santa Catarina: Jaraguá do Sul (3,7) e Brusque (4,1). Em seguida, aparecem Americana (4,8) e Jaú (6,3), ambos em São Paulo, Araxá, em Minas Gerais (6,8), e Botucatu (7,2), também em São Paulo. A lista completa dos 30 municípios mais e menos violentos está nas tabelas 2.1 e 2.2 da pesquisa.

A análise isolada das taxas de homicídio pode ocultar o verdadeiro nível de agressão letal por terceiros em um município. Exemplo disso é Barreiras (BA), onde foi registrado apenas um homicídio em 2015. Isso colocaria a cidade entre as mais pacíficas do país. No entanto, ocorreram em Barreiras, naquele ano, 119 MVCI, uma taxa de 77,3 por 100 mil habitantes, o que eleva o município para a relação dos municípios mais violentos.

Perfil das vítimas

Mais de 318 mil jovens foram assassinados no Brasil entre 2005 e 2015. Apenas em 2015, foram 31.264 homicídios de pessoas com idade entre 15 e 29 anos, uma redução de 3,3% na taxa em relação a 2014. No que diz respeito às Unidades da Federação, é possível notar uma grande disparidade: enquanto em São Paulo houve uma redução de 49,4%, nesses onze anos, no Rio Grande do Norte o aumento da taxa de homicídios de jovens foi de 292,3%.

Os homens jovens continuam sendo as principais vítimas: mais de 92% dos homicídios acometem essa parcela da população. Em Alagoas e Sergipe a taxa de homicídios de homens jovens atingiu, respectivamente, 233 e 230,4 mortes por 100 mil homens jovens em 2015.

A cada 100 pessoas assassinadas no Brasil, 71 são negras. De acordo com informações do Atlas, os negros possuem chances 23,5% maiores de serem assassinados em relação a brasileiros de outras raças, já descontado o efeito da idade, escolaridade, do sexo, estado civil e bairro de residência.

Os dados sobre mortes decorrentes de intervenção policial apresentam duas variações: as analisadas por números do SIM na categoria “intervenções legais e operações de guerra” (942) e os números reunidos pelo FBSP (3.320) em todo o país. Os estados que mais registraram homicídios desse tipo pelo SIM em 2015 foram Rio de Janeiro (281), São Paulo (277) e Bahia (225). Pelos dados do FBSP, foram registrados em São Paulo 848 mortes decorrentes de intervenção policial, 645 no Rio de Janeiro 645 e 299 na Bahia.

http://www.ipea.gov.br/portal/images/170605_infografico_atlas_violencia.pdf

 

ANTONIO CANDIDO, 99 ANOS

Já publiquei neste blog mas compartilho mais uma vez com prazer.

Paulo Martins

ANTONIO CANDIDO, 99 ANOS

Hoje, Antonio Candido completaria seus 99 anos. Em homenagem a nosso maior que partiu há poucos meses e já faz uma falta imensurável, recuperamos uma entrevista concedida por ele ao jornal Brasil de Fato em 2011, transcrita abaixo.

BLOG DA BOITEMPO

Leia também o sucinto e afiado perfil que Roberto Schwarz escreveu de seu mestre em forma de verbete: http://bit.ly/2tvGi2R

E a bela homenagem feita por Flavio Wolf de Aguiar, por ocasião de seu falecimento, “As paixões de Antonio Candido” (http://bit.ly/2tvGi2R).

“O socialismo é uma doutrina totalmente triunfante no mundo. E não é paradoxo. O que é o socialismo? É o irmão-gêmeo do capitalismo, nasceram juntos, na revolução industrial. É indescritível o que era a indústria no começo. Os operários ingleses dormiam debaixo da máquina e eram acordados de madrugada com o chicote do contramestre. Isso era a indústria. Aí começou a aparecer o socialismo. Chamo de socialismo todas as tendências que dizem que o homem tem que caminhar para a igualdade e ele é o criador de riquezas e não pode ser explorado. Comunismo, socialismo democrático, anarquismo, solidarismo, cristianismo social, cooperativismo… tudo isso. Esse pessoal começou a lutar, para o operário não ser mais chicoteado, depois para não trabalhar mais que doze horas, depois para não trabalhar mais que dez, oito; para a mulher grávida não ter que trabalhar, para os trabalhadores terem férias, para ter escola para as crianças. Coisas que hoje são banais. Conversando com um antigo aluno meu, que é um rapaz rico, industrial, ele disse: ‘o senhor não pode negar que o capitalismo tem uma face humana’. O capitalismo não tem face humana nenhuma. O capitalismo é baseado na mais-valia e no exército de reserva, como Marx definiu. É preciso ter sempre miseráveis para tirar o excesso que o capital precisar. E a mais-valia não tem limite. Marx diz na ‘Ideologia alemã’: as necessidades humanas são cumulativas e irreversíveis. Quando você anda descalço, você anda descalço. Quando você descobre a sandália, não quer mais andar descalço. Quando descobre o sapato, não quer mais a sandália. Quando descobre a meia, quer sapato com meia e por aí não tem mais fim. E o capitalismo está baseado nisso. O que se pensa que é face humana do capitalismo é o que o socialismo arrancou dele com suor, lágrimas e sangue. Hoje é normal o operário trabalhar oito horas, ter férias… tudo é conquista do socialismo.”

Antonio Candido, em entrevista ao jornal Brasil de Fato, 8 de agosto de 2011, “O socialismo é uma doutrina triunfante”, por Joana Tavares.

Ricardo e Piauí, presentes

Compartilho emocionante relato de Paula Sacchetta sobre o assassinato de Ricardo e a morte do seu amigo, Piauí. Ficam o registro e a indignação.

Paulo Martins

Quarta-feira passada, saí de casa perto das 18h pra comprar massa na esquina pra jantar. Chegando perto do Pão de Açúcar da Mourato Coelho ouvi muitos, muitos gritos e muita gente acuada/encurralada no muro do supermercado gritando “assassinos!”. Quando cheguei mais perto, vi um monte de carro de polícia e eles colocando alguma coisa (eu não consegui ver o que era – uma pessoa!) no porta-malas de uma viatura. Vi a mesma viatura saindo rápido, cantando pneu e outras tantas estacionadas ali. Cheguei perto dos policiais e perguntei o que tinha acontecido. Um deles me respondeu: “uma abordagem com resistência”. Engoli seco, ouvindo os gritos de “assassinos”, pensei nos tantos “autos de resistência” usados pra justificar qualquer assassinato pela PM e em segundos cheguei à conclusão: eles estavam colocando um corpo já morto no porta-malas da viatura. Eles haviam matado alguém. E se livraram rapidinho da cena do crime: levaram o corpo embora, sem esperar a perícia e sem chamar SAMU. E ainda recolheram as cápsulas das balas no chão. Tudo direitinho, bem ao contrário do que manda o protocolo. Vários moradores da região assistiram à cena: um policial matou com três tiros – TRÊS – um catador de material reciclável que morava e trabalhava na região. Depois do primeiro tiro, no peito, com ele já caído no chão, o policial deu outros dois na cabeça. Execução mesmo. Não tem outro nome, não tem resistência. No chão da rua. Na frente de tanta gente. Ricardo ele chamava. E eu dava bom dia pra ele, boa tarde e boa noite. Cruzava com ele quase todo dia. Ele estacionava as três carroças dele ali perto do colégio Fernão Dias e dormia por ali, na rua.

Depois do primeiro tiro ele começou a gritar para um morador de rua que morava por ali também: “Piauí, me ajuda, irmão, me machucaram”. O Piauí ouviu, todo mundo ouviu. O Piauí se aproximou, os policiais pediram pra ele colocar a mão na sarjeta e pisaram nos dedos dele. Ele ficou a noite toda chorando de dor na mão pela morte do “irmão”. Ele ficava me falando “tem um coraçãozinho batendo na minha mão”. Os dedos estavam roxos, inchados e latejando. Quando lateja, parece mesmo um coraçãozinho. Eu conhecia o Piauí melhor do que o Ricardo. Eu tinha que atravessar a rua quando ele estava e eu passeava com meu cachorro. Nossos cachorros não se bicavam. Eu atravessava e dava um salve, um bom dia, um boa tarde, um boa noite.

No dia seguinte, foi bonito de ver, que apesar da merda toda, conseguimos organizar do dia pra noite um ato em homenagem ao Ricardo. Com tanta gente, tão cheio e forte. Bonito, tão bonito que doeu. Nos organizamos, nos reunimos pessoalmente e em grupos de WhatsApp, muita gente se indignou e se mobilizou.

Nesse mesmo dia, ainda pela manhã, levei o Piauí pro hospital. Os dedos dele estavam muito machucados mesmo e ele achava que tinha quebrado. Deixamos o Barbicha – cachorro dele e companheiro inseparável – na minha casa, porque ficamos com medo que fizessem algum mal pra ele, amarrado ali sozinho no muro do Pão de Açúcar. A Sherazade ia ser orgulhar de mim: literalmente levei pra casa.

Na noite anterior, a da morte do Ricardo, ele dizia que seria o próximo já que tinha visto tudo de perto. Na quinta-feira, no hospital, cada vez que chamavam seu nome, Gilvan Artur Leal, pra triagem, pra consulta com o ortopedista, pro raio-x, pra injeção, ele respondia, gritando: “morreu”. Ele sabia que mesmo vivo, já tinha morrido um pouquinho. Ele tirou raio-x e o médico disse que não tinha nenhum osso quebrado, mas que a “porrada” tinha sido “muito forte”. Tomou injeção pra dor, pegou uma caixinha de anti-inflamatório, voltamos pra pegar o Barbicha que estava na minha casa, ele agradeceu e voltou pra rua. Eu voltei pra casa e ele, pra rua.

Na noite da quarta ele não quis ir dormir num abrigo. Insistimos com medo que a polícia fizesse algo com ele. Na quinta, depois do ato, ele que veio pedindo ajuda pra vaga no abrigo. Estava com medo de dormir na rua e que a polícia fizesse algo com ele. Ele foi prum abrigo que aceitavam cachorro, pra poder levar o Barbicha.

Na quarta agora, ontem, no dia da missa de sétimo dia do Ricardo, a assistente social do abrigo achou melhor ele não ir. Disse que ele estava muito abalado, mas um pouco mais calmo. Então que era melhor se preservar. Ontem ele acordou bem, só não foi à missa porque acharam melhor não. Mas à tarde começou a ter convulsões e teve que ir pra Santa Casa. Hoje viram que as convulsões tinham sido por causa de um AVC, causado por hipertensão. E agora no fim do dia o Piauí morreu.

O Piauí foi mais uma vítima da PM. Ele foi torturado na frente de um monte de gente, “porrada forte” e estava sob ameaça “eu vou ser o próximo”. Com problemas de pressão, não aguentou.

Mais uma vez, um monte de gente se mobilizou, se indignou e ajudou. Arranjamos a vaga no abrigo, levamos no hospital pra ver os dedos, e ele recebeu visita hoje na Santa Casa, quando já estava inconsciente.

Tudo isso que eu escrevo, morrendo de dor, é pra dizer algumas coisas:

Que o Ricardo foi executado.
Que não é despreparo, que a polícia mata os matáveis porque tem a certeza da impunidade. Preto, pobre, carroceiro, catador de material reciclável, morador de rua? Pode matar.
Que o Piauí foi morto também pela PM. Ainda que indiretamente.
Pra dizer que o Piauí e o Ricardo são mais matáveis e torturáveis, pra PM, do que um morador de Pinheiros branco.
Pra dizer que pra gente, Piauí e Ricardo eram gente. Que catador é gente. Que morador de rua é gente. E que a vida deles não vale menos que a de outros. Que eles têm que viver.

E pra dizer que, cara, no meio de taaaanta barbárie, foi bonito de ver a mobilização. E uma missa de sétimo dia lotada na Catedral da Sé prum homem negro, catador de material reciclável e morador de rua. E que tá sendo bonito ver agora que o Piauí não vai ser enterrado como indigente, que a gente vai se mobilizar e fazer o que for pra ele ser enterrado como Gilvan, mesmo que a gente não encontre a família dele.

Escrevo tudo isso pra repetir e repetir a frase do Neruda:

“Se nada nos salva da morte, que ao menos o amor nos salve da vida”.

E ouso parafrasear o escritor e poeta, pra completar:

Se nada nos salva da morte, da bárbarie e das trevas, que a solidariedade nos salve da vida.

A solidariedade, essa coisa tão fora de moda nos dias de hoje.

Que possamos nos indignar com mortes tão cruéis de gente como a gente, assassinados por quem deveria “proteger” o cidadão.

Nesses tempos, que nunca percamos a solidariedade e o sentimento de humanidade de vista.

Obrigada a todas e todos que se mobilizaram e estão se mobilizando para não deixar que as mortes do Ricardo e do Piauí sejam em vão.

Ricardo Nascimento, presente!
Gilvan Artur Leal (Piauí), presente!
Fora PM do mundo.
Pelo fim da polícia militar.


A foto linda é da Julia Dias. E no nome dela, da Nina Capello, da Carla Borges, do Mundano e do Audálio Dantas eu mando um salve pra todo mundo que se mobilizou e se desdobrou pro ato, pra missa e pra todos os corres tão essenciais.

Dos embargos de declaração: da Defesa à inovação de Moro, por Leonardo Isaac Yarochewsky

Leonardo Isaac Yarochewsky
Advogado Criminalista – Quinta-feira, 20 de julho de 2017
Dos embargos de declaração: da Defesa à inovação de Moro

“Se a história das penas é uma história dos horrores, a história dos julgamentos é uma história de erros”. –Luigi Ferrajoli

A garantia da jurisdição assevera Aury Lopes Júnior, e, “principalmente, da motivação das decisões judiciais não se contenta com ‘qualquer’ decisão ou com a presença de ‘qualquer’ juiz”.[1] De tal forma que os atos decisórios devem revestir-se de clareza, coerência e lógica.

Dispõe o artigo 382 do Código de Processo Penal:

Art.382. Qualquer das partes poderá, no prazo de 2 (dois) dias, pedir ao juiz que declare a sentença, sempre que nela houver obscuridade,ambigüidade, contradição ou omissão.

Assim sendo, a Defesa do ex-presidente Lula considerando que a sentença do juiz Federal da 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba-PR que condenou Luiz Inácio Lula da Silva a pena de 09 (nove) anos e 06 (seis) meses de reclusão e multa, contém contradições, omissões e obscuridades, interpôs dentro do prazo legal embargos de declaração.

Primeiramente, a Defesa salientou que “o ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva (“ex-presidente Lula”) não reconhece a competência da 13ª Vara Federal de Curitiba/PR, tampouco a necessária imparcialidade deste juízo para a condução e julgamento dos feitos a ele relacionados”.

A Defesa, em apertada síntese, insurgiu contra as seguintes omissões, contradições e obscuridades em relação à decisão condenatória:

Omissão no tocante às afirmações feitas pelo juízo em relação ao ex-presidente Lula e sua Defesa;
Omissão e contradição no tocante à negativa de juntada da íntegra dos procedimentos licitatórios, contratos e anexos discutidos na ação (item 192) e o reconhecimento de vícios e ilegalidades em relação à contratação envolvendo a Petrobras e os Consórcios CONPAR e CONEST/RNEST com base em documentos selecionados pelo Ministério Público Federal na apresentação da denúncia, com manifesto cerceamento de defesa e violação à garantia da paridade de armas;
Omissão, contradição e obscuridade quanto à desqualificação das declarações prestadas por testemunhas que corroboram a tese defensiva, estas de ilibada reputação e que ocuparam – ou ainda ocupam – relevantes cargos na Administração Pública enquanto, convenientemente, se deu desproporcional (e indevido) valor probatório às declarações do corréu Léo Pinheiro, a delatores e candidatos a delatores e, ainda, a reportagens jornalísticas;
Contradição ao desqualificar os diversos instrumentos e as instituições de auditoria, de controle interno e externo, que não detectaram atos de corrupção ligados ao ex-presidente Lula, e reconhecer, ato contínuo, existência de corrupção como “regra do jogo” e relacioná-la ao ex-presidente Lula;
Omissão em relação aos fatos efetivamente relacionados à transferência do empreendimento Mar Cantábrico à OAS Empreendimentos Ltda. pela Bancoop e seus desdobramentos;
Omissão quanto ao exercício das faculdades inerentes à propriedade da unidade 164-A do Condomínio Solaris do Município do Guarujá/SP, pela OAS e pela desconsideração dos fartos elementos de prova que mostram que o ex-presidente Lula jamais teve a propriedade ou a posse do imóvel;
Omissão e contradição quanto à origem dos valores utilizados no custeio do empreendimento e das melhorias na unidade 164-A e, ainda, da importância conferida às palavras isoladas de um corréu após a negativa da prova pericial requerida pela Defesa;
Contradição ao defender sua imparcialidade desrespeitando diversas vezes o ex-presidente Lula e sua Defesa;
Omissão quanto aos evidentes equívocos apresentados na reportagem do “Globo”, apontados nas alegações finais do ex-presidente Lula;
Omissões quanto à pena aplicada.
Embora haja certa divergência doutrinária sobre a natureza jurídica dos embargos de declaração, entre os doutrinadores pátrios prevalece o entendimento de que se trata de recurso. A rigor, observa Aury Lopes Júnior, “os embargos de declaração servem apenas para que o órgão julgador declare, esclareça a decisão, não para que ele volte a decidir, retrate-se ou modifique o decidido (…)”.

Sem adentrar no mérito dos embargos de declaração que tem por escopo, justamente, sanar as ambiguidades, obscuridades, contradições ou omissões da sentença.

Verifica-se que o juiz Federal da 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba-PR ao invés de se debruçar sobre as omissões, contradições e obscuridades trazidas pela Defesa do ex-presidente Lula, além de novamente atacar a Defesa, serviu-se da oportunidade para em mais uma “pirotecnia intelectual” – expressão utilizada pelo jornalista Reinaldo Azevedo para criticar a sentença condenatória do juiz Moro – criar fatos com intuito meramente midiático.

Em mais uma decisão arbitrária e despropositada, ao comparar a situação do ex-presidente Lula ao ex-deputado Federal Eduardo Cunha – atualmente preso – o juiz de piso foi muito além da imaginação. Quando afirmou que “ele [Eduardo Cunha] também afirmava, como álibi, que não era o titular das contas no exterior que haviam recebido depósitos de vantagem indevida”, Moro conseguiu o que ambicionava: levar à ilação as primeiras páginas dos principais jornais do país.

Ressalta-se, que não há em relação ao ex-presidente Lula qualquer discussão sobre a titularidade de conta no exterior. A vida de Luiz Inácio Lula da Silva e de seus familiares foi devassada e nada, absolutamente nada, foi encontrado que ligue o ex-presidente com contas em países estrangeiros ou a propriedade do famigerado triplex do Guarujá.

Na decisão em que rejeita os embargos, o juiz Federal Sérgio Moro declara que: “Este juízo jamais afirmou na sentença ou em lugar algum que os valores obtidos pela construtora OAS nos contratos com a Petrobras foram utilizados para pagamento da vantagem indevida para o ex-presidente (…)” Disse, ainda, o prolator da sentença que “não havia essa correlação”.

Ora, com essa decisão, o que já havia sido demonstrado e alegado pela laboriosa defesa ficou ainda mais evidenciado: o juiz Federal da 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba-PR não é competente para julgamento do referido processo.

Não se pode olvidar que todos, absolutamente todos os fatos imputados ao ex-presidente Lula teriam ocorridos no Estado de São Paulo. Qual razão, então, indaga a Defesa, em suas alegação finais, “está a explicar o motivo de todos esses fatos serem investigados e julgados em Curitiba, no Estado do Paraná? Megalomania jurisdicional? ‘Pantagruelismo’ judicante?”

Certo é que, sendo “a Petrobras sociedade de economia mista, conforme artigo 61 da lei instituidora vigente – Lei nº 9478/97 –, e possuindo personalidade jurídica de direito privado, não compete à Justiça Federal julgar os supostos crimes praticados em seu detrimento”.

É lamentável que julgamentos odiosos, por juízes incompetentes e parciais, com inversão do ônus da prova, com violação do contraditório e da ampla defesa e com desprezo a presunção de inocência, ainda, insistem em prevalecer em detrimento do Estado Democrático de Direito.

Leonardo Isaac Yarochewsky é Advogado e Doutor em Ciências Penais (UFMG).

[1] LOPES JR., Aury. Direito processual penal. 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2016.

Insucesso na busca de prova leva Moro ao descontrole das argumentações, por Janio de Freitas

Insucesso na busca de prova leva Moro ao descontrole das argumentações
Por Janio de Freitas

Publicado em Folha de São Paulo – 20/07/2017

Novidade destes tempos indefiníveis, sentenças judiciais substituem a objetividade sóbria, de pretensões clássicas como se elas próprias vestissem a toga, e caem no debate rasgado. Lançamento de verão do juiz Sergio Moro, nas suas decisões iniciais em nome da Lava Jato, o “new look” expande-se nas centenas de folhas invernosas da condenação e, agora, de respostas a Lula e sua defesa. Tem de tudo, desde os milhares de palavras sobre o próprio autor, a opiniões pessoais sobre a situação nacional, e até sobre a sentença e sua alegada razão de ser. Dizem mais do juiz que do acusado. O que não é de todo mal, porque contribui para as impressões e as convicções sobre origens, percurso e propósitos deste e dos tantos episódios correlatos.

A resposta do juiz ao primeiro recurso contra a sentença é mais do que continuidade da peça contestada. É um novo avanço: lança a inclusão do insulto. Contrariado com as críticas à condenação carente de provas, Moro argumenta que não pode prender-se à formalidade da ação julgada. Não é, de fato, um argumento desprezível. Se o fizesse, diz ele, caberia absolver Eduardo Cunha, “pois ele também afirmava que não era titular das contas no exterior” que guardavam “vantagem indevida”.

A igualdade das condutas de Cunha e Lula não existe. Moro apela ao que não procede. E permite a dedução de que o faça de modo consciente: tanto diz que Eduardo Cunha negava a posse das contas, como em seguida relembra que ele se dizia “usufrutuário em vida” do dinheiro. Se podia desfrutá-lo (“em vida”, não quando morto), estava dizendo ser dinheiro seu ou também seu. Simples questão de pudor, talvez, comum nos recatados em questões de vis milhões. Moro não indica, porém, uma só ocasião em que Lula tenha admitido, mesmo por tabela, o que o juiz lhe atribui e condena.

Diferença a mais, os procuradores e o juiz receberam comprovação documental de contas de Eduardo Cunha. O insucesso na busca de documento ou outra prova que contrarie Lula, apesar dos esforços legítimos ou não para obtê-la, é o que leva os procuradores e Moro ao descontrole das argumentações. E a priorizar o desejado contra a confiabilidade. Vêm as críticas, e eles redobram as ansiedades.

É o próprio Moro a escrever: “Em casos de lavagem, o que importa é a realidade dos fatos, segundo as provas e não a mera aparência”. Pois é. Estamos todos de acordo com tal conceituação. Nós outros, cá de fora, em grande medida vamos ainda mais longe, aplicando a mesma regra não só a lavagens, sejam do que forem, mas a uma infinidade de coisas. E muitos pudemos concluir que, se o importante para Moro é a realidade “segundo as provas e não a mera aparência”, então, lá no fundo, está absolvendo Lula. Porque o apartamento pode até ser de Lula, mas ainda não há provas. A Lava Jato e o juiz só dispõem da “mera aparência”, o que Moro diz não prestar.

Já está muito repisado que delações servem para dar pistas, não como prova. Apesar disso, Moro dá valor especial a escapatório de Léo Pinheiro, ex-presidente da OAS, de que o apartamento saiu de uma conta-corrente da empreiteira com o PT. Convém lembrar, a propósito, que Pinheiro negou, mais de ano, a posse do apartamento por Lula. Em meado do ano passado, Pinheiro e Marcelo Odebrecht foram postos sob a ameaça, feita publicamente pela Lava Jato, de ficarem fora das delações premiadas, que em breve se encerrariam. Ambos sabiam o que era desejado. E começaram as negociações. Odebrecht apressou-se. Pinheiro resistiu até há pouco. A ameaça de passar a velhice na cadeia o vendeu.

Infundada, a igualdade de Eduardo Cunha e Lula passou de argumento a insulto. A rigor, assim era desde o início. E juiz que insulta uma das partes infringe a imparcialidade. Mostra-se parte também.

Compartilhar1,8 mil
Mais opçõe

Então, por que fingimos?

Do Facebook de Cláudia Versiani, compartilho:

Do médico pediatra Carlos Zaconeta:

CONSIDERAÇÕES DE UM NEONATOLOGISTA AO SENHOR MINISTRO DA SAUDE E CONVITE À REFLEXÃO PARA COLEGAS DAS OUTRAS ESPECIALIDADES MÉDICAS.

Nós, Neonatologistas,

Fingimos que trabalhamos quando diagnosticamos sífilis congênita e não tem penicilina, o tratamento padrão universal.

Fingimos que trabalhamos quando nascem trigêmelares e temos apenas dois berços de reanimação, dois laringoscópios e dois ventiladores manuais.

Fingimos que trabalhamos no plantão noturno quando temos 25 leitos de UTI neonatal e apenas 15 oximetros para monitorar o funcionamento cardíaco e devemos decidir quem deverá ficar sem monitoramento.

Fingimos que trabalhamos quando investimos recursos, conhecimento, esperanças e empatia em um prematuro de 25 semanas e após 56 dias somos obrigados a encaminhar ele a outro serviço por falta de vagas , sabendo que retornará em choque irreversível (os outros serviços não tem experiencia em prematuros extremos) e fingir mais ainda na hora de explicar à mãe que temos que transferi-lo.

Fingimos que trabalhamos quando nasce um menor de 1500 gramas e não temos Blender, nem oxímetro na sala de parto, nem nutrição parenteral e nem leito de UTI.

Fingimos que trabalhamos quando recebemos um recém-nascido com cardiopatia congênita que precisa de cirurgia cardíaca com urgência e sabemos que tem 9 bebês na lista de espera e que o número 8 está com 2 meses de idade ainda aguardando vaga. Mesmo assim tentamos manter ele em condições ótimas para cirurgia.

Fingimos que trabalhamos quando atendemos uma adolescente que não teve acesso ao pré natal (faltavam médicos e enfermeiras) e chega na maternidade com idade gestacional duvidosa (entre 22 e 24 semanas) e temos que decidir sozinhos na madrugada se devemos ou não investir nesse bebê sabendo que nos países de ponta não se investe em menores de 23 semanas.

Fingimos que trabalhamos quando recebemos uma menor de idade usuária de crack que não sabia que estava grávida, investimos no parto, no bebê, na criação do vínculo, mas 60 dias mais tarde devemos entregar o bebê na vara da infância pois não compareceu nenhum responsável pela mãe e a fria mármore da lei não percebe o quanto ela se transformou graças ao bebê e o quanto o futuro do bebê depende do amor da mãe dele.

ENTÃO, PORQUE FINGIMOS?
FINGIMOS PORQUE ACREDITAMOS NA VIDA, FINGIMOS PORQUE ENTRE NÃO FAZER NADA E FAZER O NOSSO MELHOR ESCOLHEMOS A SEGUNDA OPÇÃO, FINGIMOS PORQUE A DOR DAS MÃES E A DOR DOS RECÉM-NASCIDOS PEDEM QUE ATUEMOS OU LUTEMOS MAS NUNCA DESISTAMOS, FINGIMOS PORQUE DE VERDADE, AMAMOS OS RECÉM-NASCIDOS . FINGIMOS PORQUE DEUS NOS DÁ FORÇAS PARA ACREDITAR EM UM FUTURO MELHOR.

QUAL É A REALIDADE NAS OUTRAS ESPECIALIDADES?

A MP que quer imobilizar o BNDES, por Thiago Mitidieri

A MP que quer imobilizar o BNDES

Selic é a maior anomalia da economia brasileira, fruto de uma política monetária insensível ao lado real e principal responsável pelo ‘problema fiscal’ da União

POR THIAGO MITIDIERI 18/07/2017 0:00

Publicado em O Globo

As próximas semanas serão decisivas para o futuro do BNDES, pois serão marcadas pelas discussões finais a respeito da MP 777, que dispõe sobre a mudança na taxa de juros atual aplicada pelo banco para investimentos de longo prazo, a segura TJLP, pela TLP, regulada pelo mercado. Diferentes interesses econômicos estão em lados opostos na discussão, que se desdobra também numa disputa sobre o sentido da medida do governo no atual momento de grave crise, com 14 milhões de desempregados.

De um lado, a MP pune o setor produtivo empregador, que passa a ter mais barreiras para o investimento, encarecendo o custo do financiamento e aumentando o seu risco. Com isso, reduz a competitividade da indústria brasileira, especialmente a de bens de capital, favorecendo a concorrência estrangeira. Também prejudica as empresas que mais precisam de crédito ao inviabilizar o Cartão BNDES, produto voltado para o conjunto de micro e pequenas empresas e que cobre todo o território nacional.

Na outra ponta está o setor financeiro privado nacional e internacional, que ganha por passar a ter o controle quase absoluto sobre o crédito no Brasil. No âmbito do governo, prevalece a vontade da Fazenda e do BC. Perde o BNDES com a eliminação do seu principal instrumento para ser um banco de desenvolvimento.

No caso da infraestrutura, o setor não é atrativo o suficiente para os bancos privados, uma vez que o prazo de maturação dos investimentos é muito longo, e o retorno sobre o capital investido é bem mais modesto. Segundo a Associação Brasileira de Infraestrutura e Indústria de Base (Abdib ), o déficit brasileiro no setor corresponde a R$ 3 trilhões. Vale ressaltar que até mesmo em países onde o mercado de capitais privado de longo prazo é desenvolvido e as taxas de juros são historicamente baixas e estáveis, o mercado não tem apetite para financiar investimentos em infraestrutura.

E, em que pese essa realidade, o maior obstáculo ao desenvolvimento do mercado de capitais privado de longo prazo no Brasil não é nem o BNDES nem a TJLP; mas sim a Selic, por ser uma taxa de juros básica muito elevada e operada de forma descoordenada. A Selic é a maior anomalia da economia brasileira, fruto de uma política monetária insensível ao lado real e principal responsável pelo “problema fiscal” da União.

É importante que fique claro que os funcionários do BNDES se opuseram e rejeitaram a proposta de extinção da TJLP em assembleia realizada em abril deste ano. A elaboração, capitaneada pelo ex-diretor Vinicius Carrasco, foi muito discutida com a Fazenda e o BC, mas não com o Banco, que é a parte mais afetada pela MP 777.

Que se diga como um alerta, que essa medida é uma “inversão de prioridade” da política econômica. Pois, no momento que o país mais precisa de um banco de desenvolvimento para financiar investimentos que possam contribuir para retomar o crescimento da economia, o governo está decidindo imobilizar o BNDES, cuja consequência será afundar a economia brasileira ainda mais na recessão.

Mas o jogo é pesado. No momento em que o presidente do BNDES, Paulo Rabello de Castro, sinalizava preocupações com as consequências danosas da medida, os interesses econômicos que se beneficiam dela começaram a se rearticular politicamente e, de modo habitual, a dirigir sua “artilharia” para provocar o recuo do presidente, o que acabou acontecendo ontem, um pouco antes de ser iniciada a primeira audiência pública sobre a MP.

O desfecho, que se dará no Congresso Nacional dentro de um mês, deixará patente o peso dos diferentes interesses econômicos dominantes no país e quais os cenários possíveis para o desenvolvimento e o futuro da economia (e da sociedade) brasileira.

Thiago Mitidieri é presidente da Associação dos Funcionários do BNDES

 

O novo Refis, o financiamento do golpe e dos golpistas

O novo Refis, o financiamento do golpe e dos golpistas

Por Paulo Martins, 18/08/2017, 14:56 h

Matéria do jornal Folha de São Paulo informa que o “governo” Temer enviou ao Congresso medida provisória propondo novo Refis. Refis é um programa de perdão de parte das dívidas e encargos dos devedores e sonegadores que deixaram, por diversos motivos, de pagar suas dívidas tributárias ao governo federal. A medida provisória original previa uma renúncia fiscal (doação) de R$ 63.000.000.000,00 (sessenta e três bilhões de reais). Embora estes números sejam meras estimativas e muitas destas dívidas sejam impossíveis de serem cobradas, 63 bilhões de reais assustam. Eles são a prova de que vivemos no país dos sonegadores.

Enquanto eu estava escrevendo esta mensagem, ouvi uma notícia no jornal da TV informando que a Receita Federal do Brasil aplicou multas, em pessoas físicas e jurídicas, que somam R$ 73 bilhões, no período de janeiro a junho de 2017, um aumento de 12% sobre o mesmo período de 2016. Isto indica que o Refis dos próximos anos já está garantido, seguindo o ritual multa/perdoa, multa/perdoa, multa/perdoa …

A medida provisória enviada pelo “governo” Temer previa um pagamento único, à vista, de 25% do valor da dívida (ou, visto por outra ótica, um perdão de 75% dessa dívida), com desconto de até 90% dos juros e multas.

Excelente negócio, como sempre.

Mas os senhores devedores e seus congressistas de estimação não ficaram satisfeitos. Nunca estão. São insaciáveis.

Os senhores deputados da base de apoio ao “governo” Temer, alguns devedores junto à União, outros devedores junto aos seus financiadores de campanha, aprovaram um relatório que prevê a renúncia fiscal estimada de R$ 250.000.000.000,00 (duzen- tos e cinquenta bilhões de reais), valor de renúncia muito superior à renúncia proposta pela equipe econômica de Meirelles.

Esse aumento de R$ 187 bilhões na renúncia fiscal é explicada pela matéria do jornal por dois motivos principais:

  • menor pagamento de parcela da dívida e maior desconto de juros e multas (de 90% do projeto do “governo” Temer, para 99%).
  • Inclusão de benefícios fiscais em uma medida provisória que não tinha este objetivo – chamados na gíria parlamentar de “jabotís”), para igrejas, times de futebol, produtores de álcool, exportadores de cigarros, dentre outros.

Empresas de rádio e televisão em atraso no pagamento de suas outorgas (licenças) poderão quitá-las em condições similares às do Refis.

Consta na matéria da Folha de São Paulo que parlamentares condicionaram a aprovação do novo texto com maiores vantagens para devedores e sonegadores à aprovação das reformas trabalhista e previdenciária. Para nós, simples e inocentes observadores, fica um pouco difícil entender os meandros deste troca-troca no Congresso. Parece que o perdão de R$ 250 bilhões será um custo necessário para se conseguir a aprovação das reformas trabalhista e previdenciária.

Solicitado a explicar esta situação absurda de aumento de R$ 187 bilhões no perdão da dívida o relator, deputado Newton Cardoso Júnior (PMDB – MG), declarou – e eu ví sua entrevista na TV – que as mudanças na medida provisória foram, pasmem: “cosméticas”. Cosméticos de R$ 187 bilhões! Parece que foram comprados cosméticos     para primeiras damas de ex-deputados, ex-governadores e usurpadores citados em delações.

Enquanto isso, nas redes sociais:

“os vagabundos do Bolsa-Família acabaram com o país”;

“relógio do Apocalipse nos vê perto de uma catástrofe”;

“Irene vira “Homem-aranha” para escapar de flagrante”;

“Lionel Messi se casa com Antonella Roccuzzo, que usa vestido de R$ 50 mil”.

Qual a relação de uma coisa com outra? Pensa aí.

Análise da sentença de condenação de Lula: livro está sendo organizado (das redes: 18/07/2017)

A sentença dada pelo juiz Sérgio Moro ao ex-Presidente Lula está sendo analisada por mais de 120 professores de direito, advogados, criminalistas e processualistas, brasileiros e estrangeiros, desde que foi publicada na semana passada.

Até o final desta semana, esses estudiosos vão entregar artigos cujo objetivo é analisar a sentença e suas circunstâncias.

Todos os trabalhos farão parte de um livro que está sendo organizado por Juarez Tavares, Carol Proner, João Ricardo Dornelles, Gisele Ribocon e por mim.

Trabalhos espetaculares, pois tive a oportunidade de ler alguns que já foram entregues.

Nenhum centímetro dessa sentença absurda ficará de fora da análise. Aguardem a primeira quinzena de agosto.

Por Gisele Cittadino

Entre fatos e convicções: análise da sentença do juiz Sérgio Moro que condena o ex-presidente Lula, por Alexandre Costa

 

Compartilho análise da sentença do juiz Moro que condena o ex-presidente Lula, escrita por Alexandre Costa, doutor em Direito e professor adjunto da Faculdade de Direito da UNB. Publicado no Facebook, este artigo recebeu comentários de boa qualidade, contra e a favor.

O autor faz uma análise quase que exclusivamente técnica, fixando-se na sentença do juiz Moro, deixando de analisar todas as evidências de seletividade e manipulação que ficaram claras desde o início do processo. Ele parece não acreditar na má-fé do  juiz Moro.

Nós, que acompanhamos todas as notícias sobre o assunto nos últimos 3 anos,  tendo em vista os fatos, as ações e omissões deste que deveria agir como magistrado e atuou como linha auxiliar da acusação, não conseguimos acreditar em boa-fé, nem dos membros da força-tarefa, nem do juiz Moro, mesmo com muita boa vontade e tentativa de ter uma visão equilibrada sobre esse assunto.

De qualquer forma, o autor da análise tenta fazer entregar uma análise equilibrada e isenta de pré-julgamentos. Vale a pena ler com atenção

Paulo Martins

 

Entre fatos e convicções: análise da sentença do juiz Sérgio Moro que condena o ex-presidente Lula

Por Alexandre Araújo Costa (*)

Li vários comentários que criticavam a decisão de Sérgio Moro que condenou o ex-presidente Lula por causa de seu resultado e de suas consequências. Porém, li poucas análises que avaliaram a consistência dos argumentos, inclusive porque as mais de 200 páginas do documento dificultam a elaboração de análises mais completas, que exigem um bom tempo de leitura e reflexão.

Considerando que minhas atividades de docência fatalmente me exigirão o desenvolvimento de uma opinião mais elaborada sobre esse tema, decidi ler a sentença e escrever um pouco sobre ela.

Assim, em vez de começar dizendo que eu não li a sentença, mas discordo dela mesmo assim, começarei de outro modo: eu li a sentença e a condenação me pareceu absurda.

Cabe ressaltar que achei bem feita a descrição dos fatos, a explanação dos argumentos e a construção das narrativas. Existe uma clareza na exposição que tem muito mérito, especialmente porque se torna evidente que Sérgio Moro quis tornar a sentença compreensível para cidadãos comuns que se dessem ao trabalho de ler a decisão.

Também cabe ressaltar que a decisão esclarece muito bem que os argumentos utilizados pela defesa foram muito frágeis, provavelmente porque a narrativa verdadeira provavelmente seria muito indigesta para as pretensões políticas do ex-presidente.

Apesar disso, creio que as conclusões que Sérgio Moro infere não estão devidamente baseadas nos fatos que ele narra e nas provas que ele explicita.

As provas indicam que Lula obteve benefícios da OAS que ele não quer admitir isso? Sim.

A OAS fez uma reforma em benefício dele? Fez.

Esse tipo de recebimento causa danos à sua imagem? Causa.

Ele mentiu negando tudo isso? Sim.

É lícito que réus mintam em seu próprio benefício? Sim, mas essa mentira pode ter impactos políticos relevantes.

Mas a pergunta central é: há comprovação de recebimento de benefício em função do cargo de Presidente da República? E penso que aqui a resposta é negativa.

Há comprovação de fatos que podem ter sido corrupção. Verdade. Há comprovação de que Lula recebeu da OAS uma série de benefícios em 2014.

Existem indícios que esses benefícios seriam pagos com verba decorrente da corrupção da Petrobrás? Nesse sentido, existe um indício: a afirmação de Léo Pinheiro de que ele acertou com Vaccari Neto em maio de 2014 que a OAS doaria o imóvel para Lula e debitaria isso da conta de corrupção (item 529).

Se as palavras de Léo Pinheiro forem verdadeiras, não haveria indícios de que Lula recebeu benefícios da OAS em função do seu cargo, mas que a OAS serviu como intermediária para pagamentos do PT a Lula, redistribuindo para ele parte do que o PT recebeu de forma ilícita da OAS. Não há, porém, provas dessa operação, para além das palavras de Léo Pinheiro, que são insuficientes para justificar uma condenação por corrupção.

Além disso, o que Léo Pinheiro afirma expressamente é que, em maio de 2014, ele acertou com Vaccari que certos custos que a OAS teve deveriam ser cobertos com o dinheiro que seria pago pela OAS para o PT em função de contratos da Petrobras. Isso quer dizer que primeiro a OAS pagou as obras e somente depois ajustou com Vaccari a compensação, o que quer dizer que talvez não fosse esse o ajuste final do acordo e o custo das reformas ficasse por conta da OAS, não da conta de corrupção do PT.

Tudo isso pode indicar que Lula foi beneficiado por dinheiro originado de corrupção, mas isso não indica que ele praticou atos de corrupção.

Não há mais indício de corrupção nesses fatos do que há no pagamento pela OAS do depósito do acervo presidencial. E, nesse caso, Moro absolveu Lula, por considerar que não havia indícios de que o pagamento foi feito com dinheiro ligado à corrupção.

Percebe-se, portanto, que o critério de condenação utilizado por Moro não é aquele definido pela lei (o recebimento de benefício em função do cargo), mas um critério bastante diverso (o recebimento de benefícios oriundos de dinheiro ligado à corrupção).

Por mais que seja imoral o recebimento desse tipo de benefício, ele não configura crime de corrupção, como reconheceu o próprio juiz Sérgio Moro ao analisar o pagamento da OAS pelo depósito do acervo.

E em 2009, quando Lula era presidente, existe algum indício de recebimento ilícito de benefícios? A única coisa que existe é uma afirmação de Léo Pinheiro no sentido de que João Vaccari Neto e Paulo Okamoto lhe disseram que em 2009 “O apartamento triplex, essa unidade é uma unidade específica, você não faça nenhuma comercialização sobre ela, pertence à família do presidente, a unidade tipo você pode vender porque eles não vão ficar com essa unidade, a unidade seria o triplex” (item 525). Esse “pertence”, no meio da frase, é a palavra central do processo, pois foi com base nisso que Sérgio Moro concluiu que a propriedade “de fato” do apartamento era de Lula. Todavia, esse pertence parece ter sido usado de forma demasiadamente ambígua, pois a narrativa toda não indica claramente que deveria haver uma transferência gratuita do apartamento ao ex-presidente. Tanto que, na continuidade do depoimento, Léo Pinheiro afirmou que conversou com Vaccari e Okamoto depois da reportagem da Globo sobre o triplex e que lhe foi dito: “ […]a orientação que foi me passada naquela época foi de que ‘Toque o assunto do mesmo jeito que você vinha conduzindo, o apartamento não pode ser comercializado, o apartamento continua em nome da OAS e depois a gente vê como é que nós vamos fazer para fazer a transferência ou o que for’, e assim foi feito. Isso, voltamos a tratar do assunto em 2013, se não me falha a memória.” (item 525) Essa conversa torna evidente que não havia clareza alguma no que deveria ser feito com o imóvel, exceto que ele não deveria ser comercializado. Todavia, não havia clareza sobre pagamentos, sobre compensações, sobre propriedade, sobre quem pagaria. O que Léo Pinheiro diz é que lhe foi pedido para não vender o apartamento e ele o fez, mas não existe em nenhum dos diálogos contidos na sentença uma indicação clara de que ele deveria ter transferido o apartamento gratuitamente para Lula.

A OAS beneficiou Lula ao manter esse apartamento fora do comércio? Sim.

Fez isso intencionalmente? Fez, e há indícios fortes nesse sentido, já que o comportamento com relação a esse imóvel foi muito particular durante todo o período. Todavia, não há nesses fatos nenhum indício claro de que a OAS estaria repassando a Lula em 2009 qualquer benefício em função do cargo que ele exercia, exceto a reserva do apartamento, que é um benefício deveras pequeno para justificar uma condenação penal por corrupção.

E os benefícios posteriores, especialmente os de 2014, não são em momento algum ligados diretamente ao exercício do cargo de presidente. Inobstante, Moro evidentemente faz a leitura de que os benefícios da OAS a Lula no caso do triplex ocorreram em função de seu cargo de presidente. Todavia, o próprio Moro foi levado a considerar que os benefícios da OAS ao presidente com relação à manutenção de seu acervo (que têm vulto maior do que as reformas do triplex) não podem ser consideradas corrupção porque a OAS tinha interesse em manter a proximidade com Lula por ser ele um ex-presidente. Benefício pago a ex-presidente, em função de sua influência política, pode ser de uma imoralidade atroz. Pode ser uma situação política desgastante para os envolvidos. Mas não é crime de corrupção. E foi somente esse tipo de benefício que está devidamente comprovado nos autos.

Os benefícios da OAS para Lula podem ser o pagamento de ajustes feitos durante o exercício do cargo? Podem. Mas, de fato, os benefícios efetivamente parecem muito pequenos para justificar essa interpretação, pois eles são muito compatíveis com presentes da OAS para conquistar a boa vontade do ex-presidente.

Ademais, se a situação houvesse se consolidado, com uma utilização do apartamento de forma dissimulada, talvez se consumasse um crime de lavagem de dinheiro, mas não de corrupção. Ocorre, todavia, que Lula está correto ao afirmar que a transmissão do bem (de fato ou de direito), nunca se operou. Não parece verdade que ele era apenas um potencial comprador, mas parece razoável que ele tenha desistido do negócio quando percebeu o tamanho do problema que poderia vir a ter com ele. Assim, a dissimulação da propriedade não chegaria a se consumar. De toda forma, em vez de caracterizar o ato de Lula como uma recepção de benefícios pagos com dinheiro de corrupção, Sérgio Moro procura estabelecer uma narrativa muito diferente: a de que Lula recebeu benefícios em função de ter nomeado certos diretores para a Petrobras. A tentativa de estabelecer essa narrativa gerou vários problemas para a argumentação da sentença. Seria razoável indicar a existência de corrupção (por receber valores indevidos, independentemente da fonte) se a OAS tivesse feito as reformas em 2009 e Lula tivesse ocupado o apartamento. Mas isso não ocorreu e Moro faz toda uma ginástica para afirmar que se tratou de “um crime de corrupção complexo e que envolveu a prática de diversos atos em momentos temporais distintos de outubro de 2009 a junho de 2014, aproximadamente” (item 878). Ele precisava retroagir o fato para outubro de 2009 para caracterizar que Lula recebeu o benefício em razão do cargo ocupado. Como a retroação para 2009 ficou frágil, a argumentação foi complementada no item 881: “881. Não importa que o acerto de corrupção tenha se ultimado somente em 2014, quando Luiz Inácio Lula da Silva já não exercia o mandato presidencial, uma vez que as vantagens lhe foram pagas em decorrência de atos do período em que era Presidente da República.” Aqui novamente há um grande salto entre os fatos e a interpretação. Moro considera claro que se trata de recebimento decorrente da corrupção na Petrobras, mas não há nada nesse sentido. Ele retoma a ideia de que o dinheiro seria debitado da conta da corrupção, mas o único indício nesse sentido é uma afirmação tangencial de Léo Pinheiro. De todas as explicações possíveis, ele escolhe aquela que convém a suas convicções. São convicções compatíveis com os fatos, há de se reconhecer. Mas há muitas interpretações possíveis do fato que permitem outras narrativas, mais sólidas inclusive do que a de Moro. É muito razoável descrever todos os fatos como favores prestados pela OAS a uma pessoa que, a despeito de ter saído do cargo, era provavelmente o político mais influente da República.

Essa escolha interpretativa fica ainda mais frágil quando se verifica que Lula foi absolvido no caso do depósito do acervo presidencial porque Leo Pinheiro “negou, em Juízo, que os pagamentos pelo Grupo OAS da armazenagem do acervo presidencial estivessem envolvidos em algum acerto de corrupção” (item 934). E continua afirmando que “as declarações do acusado, de que não vislumbrou ilicitude ou que não houve débito da conta geral de propinas, afastam o crime de corrupção” (item 935). Torna-se evidente, portanto, que Lula foi condenado no caso do triplex porque Léo Pinheiro afirmou ter ajustado com Vaccari Neto que benefícios da OAS seriam pagos a partir da “conta geral de propinas” (item 529) e que foi absolvido na mesma sentença porque o mesmo Léo Pinheiro disse que a intenção da OAS nesse caso não tinha a ver com o cargo (item 935).

Parece-me absurdo esse modo de lidar com as provas e construir narrativas descoladas dos fatos. Não creio o juiz atuou com má-fé, mas parece-me clara a operação de um viés de confirmação a partir do qual ele enxergou “provas” em todos os indícios que eram simplesmente “compatíveis” com sua narrativa pessoal sobre o evento.

Ao desconsiderar as narrativas alternativas, que ele levou em conta na avaliação do caso do depósito, as conclusões da sentença se tornaram arbitrárias. Assim, resta claro que a condenação por corrupção se deveu menos aos fatos do que às convicções de Moro. E a condenação por lavagem de dinheiro é ainda mais frágil. Moro afirma que a “atribuição a ele de um imóvel, sem o pagamento do preço correspondente e com fraudes documentais nos documentos de aquisição, configuram condutas de ocultação e dissimulação aptas a caracterizar crimes de lavagem de dinheiro” (item 893).

Por considerar que houve corrupção (e, portanto, infração penal), Moro considera que se tratou de ocultação patrimonial a atribuição do imóvel (que não ocorreu de forma definitiva) e as fraudes documentais (com documentos pré-datados), voltada a dissimular os bens decorrentes da infração penal. Todavia, uma vez que se entenda que não há provas de corrupção, essa acusação se esvai. Além disso, a justificativa de que é possível cumular os crimes neste caso é muito frágil. Uma coisa é receber dinheiro como corrupção e “lavá-lo” por operações autônomas de dissimulação e ocultação. Coisa diversa é quando o próprio benefício recebido é justamente a disponibilidade do bem. O diagnóstico de Moro é de que “através de condutas de dissimulação e ocultação, a real titularidade do imóvel foi mantida oculta até pelo menos o final de 2014 ou mais propriamente até a presente data” (item 899).

Assim, a narrativa é de que Lula recebeu o bem em outubro de 2009 e que o ocultou até 2014. Porém, essa narrativa não é plenamente adequada às provas, pois não há indicação clara de que ele recebeu o imóvel de forma definitiva e que todos os atos
posteriores foram uma dissimulação do recebimento. Creio que é plenamente razoável a leitura de que o imóvel estava sendo reservado para ele, mas que não havia sido transferido para ele. Talvez seja verdade o que diz Léo Pinheiro, que ele acertou com Vaccari em 2014 que a OAS doaria o imóvel para Lula e debitaria isso da conta de corrupção. Mesmo que isso tenha ocorrido, não seria suficiente para caracterizar crime de corrupção. Ademais, talvez não seja verdadeira essa afirmação, que não é corroborada por outros elementos probatórios. Não são apresentados indícios de que o dinheiro foi debitado da conta de corrupção. Só há indícios de que o bem foi reservado para Lula em 2009 e que sofreu uma série de benefícios a partir de 2010. E há a afirmativa de Léo Pinheiro de que somente em 2014 ficou acertado que o pagamento desses benefícios seria feito por meio de uma compensação com a conta de corrupção do PT. Parece-me evidente que a reserva do apartamento e as obras de melhoria não caracterizam uma “propriedade de fato” e que, mesmo que tenha havido uma disponibilização de bens da OAS para Lula nesse período, não há indicação concreta de que isso ocorreu em função do exercício do cargo de Presidente. Tal como no caso dos depósitos, todos esses favores e presentes poderiam ser caracterizados como estratégias para agradar um ex-presidente que tinha influência muito grande no governo e no PT.

Por tudo isso, não vejo como entender que a base fática apresentada por Sérgio Moro seja uma justificativa razoável para suas conclusões jurídicas e, portanto, que a condenação de Lula não foi baseada nas provas, mas em certas convicções pessoais de Moro que não estão assentadas diretamente nos fatos e que não se adequam às leis penais brasileiras.

Brasília, 14 de julho de 2017

(*) Alexandre Araújo Costa
Cargo: Professor Adjunto
Área: Teoria Geral, Sociologia e Filosofia do Direito
Regime: Dedicação Exclusiva
Atuação: Graduação, Pós-Graduação
E-Mail: alexandre@arcos.org.br
Site: http://www.arcos.org.br/
Currículo: http://lattes.cnpq.br/1540773562032795
Perfil
Professor Adjunto da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB). Credenciado nos programas de pós-graduação em Ciência Política e em Direito. Doutor em Direito (2008), Mestre em Direito e Estado (1999) e Bacharel em Direito (1996) pela UnB. Coordenador do Grupo de Pesquisa em Política e Direito.
Formação
Doutor em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília (UnB, 2008)
Mestre em Direito pela Universidade de Brasília (UnB, 1999).
Graduado em Direito pela Universidade de Brasília (UnB, 1997)
Temas de Pesquisa
Política e Direito
Ética e Direito
Hermenêutica filosófia e jurídica
Filosofia Política e Jurídica
Linhas de Pesquisa na Pós-Graduação
Linha de Pesquisa Constituição e Democracia
Grupos de Pesquisa
Grupo de Pesquisa em Política e Direito
Publicações Selecionadas
COSTA, Alexandre Araújo ; ARAUJO, E. B. . Legitimidade Política e Compatibilidade Constitucional: A Recepção pelos Juristas das Propostas de Assembleia Constituinte Exclusiva para Alterar o Sistema Político.A&C. Revista de Direito Administrativo & Constitucional (Impresso), v. 60, p. 207-241, 2015.
CARVALHO, Alexandre Douglas Z. de ; Costa, Alexandre Araújo . Derechos > Fundamentales y la Evolución del Control de Constitucionalidad Concentrado > en Brasil. Sortuz: Oñati Journal of Emergent Socio-Legal Studies, v. 7, p. 112-138, 2015.
COSTA, Alexandre A. Teologia Moral para Ouriços: a teoria da justiça de Ronald Dworkin. Revista Direito.UnB, v. 1, p. 199-219, 2014.
COSTA, A. A. . Judiciário e Interpretação: Entre Política e Direito. Pensar (UNIFOR), v. 18.1, p. 09-46, 2013.
COSTA, Alexandre A. . O poder constituinte e o paradoxo da soberania limitada. Teoria & Sociedade (UFMG), v. 19, p. 198-227, 2011.
COSTA, Alexandre A. ; CARVALHO, Alexandre Douglas Z. de . Resenha crítica do livro ‘A ideia de Justiça’ de Amartya Sen. Revista Brasileira de Ciência Política (Impresso), v. 8, p. 305-316, 2012.
COSTA, A. A. O Controle de Razoabilidade no Direito Comparado. Brasília : Thesaurus, 2008.
COSTA. A;. A. O princípio da proporcionalidade na jurisprudência do STF. Brasília : Thesaurus, 2008.
COSTA. A. A. Direito, Dogmática e Linguagem. Notícia do Direito Brasileiro, v.12, p.67 – 83, 2007.
COSTA, A. A. Introdução ao direito: uma perspectiva zetética das ciências jurídicas. Porto Alegre : Sergio Antonio Fabris Editor, 2001.
COSTA. A. A. Outras Publicações: vide http://www.arcos.org.br/publicacoes/
Universidade de Brasília.
Campus Universitário Darcy Ribeiro
Asa Norte
70910-900 – Brasilia, DF – Brasil
Telefone: (61) 3107-0707 Fax: (61) 3107-0710
E-Mail: alexandre@argos.org.br

No rastro do ódio semeado, surge uma trilha rumo a um Brasil na contramão da felicidade, por Hildegard Angel

No rastro do ódio semeado, surge uma trilha rumo a um Brasil na contramão da felicidade
Publicado em 16/07/2017 em hildegardangel.com.br
As pessoas se assustam com a crescente onda de obscurantismo no Brasil. A truculência que arrebata nosso cotidiano, em todos os campos de relações, nos estádios de futebol, discussões de trânsito, desavenças de vizinhos, pequenas discórdias do cotidiano, que antes seriam resolvidas com um aperto de mão ou um desaforado palavrão, daqueles ‘caseiros’, hoje resultam em violentas agressões morais e físicas, até em morte.

Esquadrões de trogloditas musculosos, cheios de endorfina para brigar (e não para amar), são arregimentados, bastando uma compartilhada de Facebook, e vão às dezenas, centenas, aos milhares, barbarizar nas finais de campeonato, em manifestações políticas, discotecas ou bares da madrugada. São hordas e hordas de acéfalos tatuados, deformados pelos anabolizantes proibidos, tanta musculatura que são obrigados a andar meio curvos, fazendo lembrar os antepassados pré-históricos, pré-Civilização, da Idade da Pedra.

Some-se a isso o fenômeno de uma religiosidade exacerbada, que se expande por todo o nosso território, se sobrepondo a qualquer razoabilidade, como se retornássemos aos tempos dos catequistas de índios e negros, inquisidores e reformistas, tentando impor como única a sua fé, nesta Nação historicamente diversa de credos e, por esse motivo – explicavam no passado os antropólogos – amena e cordial.

Imposição também de um jornalismo político corporativo, que serve não à verdade, à notícia e ao público, mas aos interesses do mercado financeiro, às empresas transnacionais, aos seus próprios investimentos e ambições.

Jornalismo pautado pela ausência de controvérsias, gerando um Brasil de animosidades, avesso às diferenças, preconceituoso, elitista. Trilhamos um perigoso caminho rumo ao pior radicalismo de direita, à face do atraso, na contramão de todas as conquistas e possibilidades de progresso, harmonia, felicidade e futuro.

Tal jornalismo não há de querer assumir a autoria do estrago, que com inconsequente competência urde agora. Porém, a onda bolsonarista cresce com perigosa intensidade, e ela não é filha apenas da irresponsabilidade dos tucanos, também tem mãe bem conhecida…

O poder da grande mídia é muito grande, se comparado ao dos Sem Mídia ‘fracos e oprimidos’. O poderoso não admite comentário nem contestação. E o que temos visto hoje, nesses tempos de vacas magras nas comunicações, em que o mercado de emprego é reduzidíssimo? Jornalistas da grande imprensa processando companheiros da pequena imprensa e da mídia virtual e, por força de suas possibilidades bem superiores, invariavelmente vencendo as causas, levando seus colegas a venderem os poucos bens e a promoverem crowfundings nas redes sociais para arcar com as altas somas das sentenças proferidas pelo Judiciário.

Na época opressiva da ditadura isso seria inimaginável. Havia tal senso de classe, fervor corporativo de tal forma solidário, que seria impensável abandonar um companheiro em posição desfavorável. Que dirá pensar em processá-lo. Eram raros os casos de trairagem no meio jornalístico. Um deles foi-me relatado por Samuel Wainer.

Protagonista dos fatos dos anos 60, dono da Última Hora, que apoiava o governo Jango, Samuel era acusado pela concorrência de ir contra a lei, pois estrangeiro não podia ter jornal. Com o golpe, para não ser preso Samuel refugiou-se na embaixada do Chile, no Rio de Janeiro. O que foi divulgado por Ibrahim Sued em sua coluna social, denunciando a ilegalidade de Samuel, “um judeu da Bessarábia”, e que por isso deveria “ir para o paredón” – alusão irônica ao comunismo de Fidel Castro – transmito conforme ouvi de Samuel.

 

Samuel Wainer, de quem me tornei amiga já na fase final de sua vida, inteligência brilhante, foi meu editor na revista Status, onde eu fui sua frila,
e salvou-me de um assalto em casa, mas isso é papo para outra conversa nossa

Passada aquela tempestade de 64, finda a ditadura, Sued e Samuel se reencontraram e este – já envelhecido e sem poder – perguntou a Ibrahim, ainda no auge de sua glória: “Por que você fez isso comigo? Você se dizia meu amigo, frequentava a minha casa…”. E ouviu: “Samuel, fui menino de Nova Iguaçu, e aprendi que balão, quando está caindo, a gente tasca”. Fiquei chocada.

Poucos anos depois, com a morte de Samuel, a família publicou sua biografia. Corri para ler as referências a Ibrahim. Só elogios. Samuel, que deixou filhos e netos, conhecia bem a ira rancorosa dos poderosos da mídia…

Moral dessa postagem: quem já viveu um Brasil de perseguições, denúncias, delações e caça às bruxas não deseja ver a tragédia se repetir.

Como as corporações cercam a democracia, por Ladislau Dowbor

Publicado em outraspalavras.net, exceto a foto.

Radiografia de um sequestro: banqueiros e megaempresários colonizam os partidos, compram acordos no Judiciário, comandam mídia e extraem dinheiro dos Tesouros. Haverá saída?

Por Ladislau Dowbor

“A política mudou de lugar: a globalização desafia radicalmente
os quadros de referência da política, como prática e teoria”
Octávio Ianni [2]

“Capture is more subtle and no longer requires a transfer of funds,
since the politician, academic or regulator has started to believe
that the world works in the way that bankers say it does”
Joris Luyendijk [3]

Olhar o século 21 pelas lentes do século passado não ajuda. Quando pensamos o mundo da economia, pensamos ainda em interesses econômicos e mecanismos de mercado. A política, o poder formal, os impostos, o setor público em geral representariam outra dimensão. Não é nova a ruptura destas fronteiras, a penetração dos interesses de grupos econômicos privados na esfera pública. O que é novo, é a escala, a profundidade e o grau de organização do processo. O que já foram deformações fragmentadas, penetrações pontuais através de lobbies, de corrupção e de “portas-giratórias” entre o setor privado e o setor público se avolumaram, e por osmose estão se transformando em poder político articulado em que o interesse público é que aflora apenas por momentos e segundo esforços prodigiosos de manifestações populares, de frágeis artigos na mídia alternativa, de um ou outro político independente. O poder corporativo tornou-se sistêmico, capturando uma a uma as diversas dimensões de expressão e exercício de poder, e gerando uma nova dinâmica, ou uma nova arquitetura do poder realmente existente.

Uma forma é a própria expansão dos tradicionais lobbies. A Google, por exemplo, tem hoje oito empresas de lobby contratadas apenas na Europa, além de financiamento direto de parlamentares e de membros da Comissão Europeia. É provável que tenha de pagar 6 bilhões de euros por ilegalidades cometidas no Velho Continente. Os gastos da Google nesta área já se aproximam dos da Microsoft. A Google mobilizou congressistas americanos para pressionarem a Comissão: “O esforço coordenado por senadores e membros do Congresso, bem como de um comité de congressistas, fez parte de um esforço sofisticado, com muitos milhões de libras em Bruxelas, com que a Google montou a ofensiva para travar as resistências à sua dominação na Europa.” [4]

Enquanto os lobbies ainda podem ser apresentados como formas externas de pressão, muito mais importante é o financiamento direto de campanhas políticas, através de partidos ou investindo diretamente nos candidatos. No Brasil lei promulgada em 1997 autorizou as empresas a financiar candidatos, com impactos desastrosos em particular no comportamento de parlamentares, que passaram a formar bancadas corporativas. Em 2010, os Estados Unidos seguiram o mesmo caminho, levando a que hoje os americanos comentem que “temos o melhor Congresso que o dinheiro pode comprar”. No Brasil finalmente o STF decretou a ilegalidade da prática, a valer a partir das próximas eleições. Mas em 2016 ainda temos uma bancada ruralista, além da grande mídia, das empreiteiras, dos bancos, das montadoras, e contam-se nos dedos os representantes do cidadão. O truncamento do Código Florestal e consequente retomada da destruição da Amazônia, o bloqueio da taxação de transações financeiras e tantas outras medidas, ou ausência de medidas como é o caso da tributação sobre fortunas ou capital improdutivo, resultam desta nova relação de forças que um Congresso literalmente comprado permite.

A captura da área jurídica adquiriu imensa importância, e se dá por várias formas. Foi notória a tentativa dos grandes bancos brasileiros, por meio de financiamentos de diversos tipos, de colocar as atividades financeiras fora do alcance do Procon e de outras instâncias de defesa do consumidor. Nos Estados Unidos, um juiz de uma comarca decide colocar a Argentina na ilegalidade no quadro dos chamados “fundos abutres”, pondo-se claramente a serviço da legalização da especulação financeira internacional, e acima da legislação de outro país.

Uma forma particularmente perniciosa de captura do judiciário deu-se por meio dos acordos ditos “settlements” , pelos quais as corporações pagam uma multa mas não precisam reconhecer a culpa, evitando assim que os administradores sejam criminalmente responsabilizados. Assim, os administradores corporativos e financiadores ficam tranquilos em termos de eventuais condenações. Joseph Stiglitz comenta: “Temos notado repetidas vezes que nenhum dos responsáveis encarregados dos grandes bancos que levaram o mundo à beira da ruína foi considerado responsável (accountable) por seus malfeitos. Como pode ser que ninguém seja responsável? Especialmente quando houve malfeitos da magnitude dos que ocorreram nos anos recentes?” [5] Elizabeth Warren, senadora americana, traz no seu curto estudo uma excelente descrição dos mecanismos, com nomes das empresas. [6]

A GSK, por exemplo, um gigante da área farmacêutica, fez um acordo com a justiça norte-americana para compensar fraude generalizada com três tipos de medicamentos, pagando 3 bilhões de dólares. A notícia da condenação por fraude que atingiu milhões de pacientes não causou prejuízo significativo à empresa, cujas ações subiram ao se constatar que tinha lucrado com a fraude mais do que o valor da multa. Os aplicadores financeiros consideraram que o seu dinheiro fora bem defendido. Esta desresponsabilização é hoje generalizada, abrindo uma porta paralela de financiamento de governos graças às ilegalidades. Para dar alguns exemplos, o Deutsche Bank está pagando uma multa de 2,6 bilhões de dólares em 2015; o Crédit Suisse está pagando 2,5 bilhões por condenação em 2014 e assim por diante, envolvendo todos os gigantes corporativos. Um exercício de sistematização da criminalidade financeira pode ser encontrado no site Corporate Research Project, que apresenta as condenações e acordos agrupados por empresa. George Monbiot chama isto de “um sistema privatizado de justiça para as corporações globais” e considera que “a democracia é impossível nestas circunstâncias”.[7] (252)

Hoje as corporações dispõem do seu próprio aparato jurídico, como o International Centre for the Settlement of Investment Disputes (ICSID) e instituições semelhantes em Londres, Paris, Hong Kong e outros. Tipicamente, irão atacar um país se este impuser regras ambientais ou sociais que o mundo corporativo julga desfavoráveis, e processá-lo por lucros que poderiam ter tido. A disputa jurídica constitui uma dimensão essencial dos tratados TTIP (Transatlantic Trade and Investment Partnership), na esfera do Atlântico, e TPP (Trans-Pacific Partnership) na esfera do Pacífico. Tais acordos amarram um conjunto de países com regras internacionais em que os Estados nacionais perderão a capacidade de regular questões ambientais, sociais e econômicas, e muito particularmente, as próprias corporações. Pelo contrário, serão as próprias corporações a impor-lhes — e a nós todos — as suas leis. Nas palavras de Luís Parada, um advogado de governos em litígio com grupos mundiais privados, “a questão finalmente é de saber se um investidor estrangeiro pode forçar um governo a mudar as suas leis para agradar ao investidor, em vez de o investidor se adequar às leis que existem no país.” [8]

Outro eixo poderoso de captura do espaço político se dá através do controle organizado da informação, construindo uma fábrica de consensos onde Noam Chomsky nos deu análises preciosas.[9] O alcance planetário dos meios de comunicação de massa, e a expansão de gigantes corporativos de produção de consensos permitiram que se atrasasse em décadas a compreensão popular do vínculo entre o fumo e o câncer; que se bloqueasse nos Estados Unidos a expansão do sistema público de saúde; que se vendesse ao mundo a guerra pelo controle do petróleo como uma luta para libertar a população iraquiana da ditadura e para proteger o mundo de armas de destruição em massa. A escala das mistificações é impressionante.

Ofensiva semelhante em escala mundial, e em particular nos EUA, foi organizada para vender ao mundo não a ausência da mudança climática – os dados são demasiado fortes – mas a suposição de que “há controvérsias”, adiando ou travando a inevitável mudança da matriz energética. James Hoggan realizou uma pesquisa interessante sobre como funciona esta indústria. A articulação é poderosa, envolvendo os think tanks, instituições conservadoras como o George C. Marshall Institute, o American Enterprise Institute (AEI), o Information Council for Environment (ICE), o Fraser Institute, o Competitive Enterprise Institute (CEI), o Heartland Institute, e evidentemente o American Petroleum Institute (API) e o American Coalition for Clean Coal Electricity (ACCCE), além do Hawthorne Group e tantos outros. A ExxonMobil e a Koch Industries são poderosos financiadores, esta última aliás grande articuladora do Tea Party e da candidatura Trump. Sempre petróleo, carvão, produtores de carros e de armas, muitos republicanos e a direita religiosa.[10]

Campanhas deste gênero são veiculadas por gigantes da mídia. No Brasil, 97% dos domicílios têm televisão, que ocupa três a quatro horas do nosso dia, e que está presente nas salas de espera, nos meios de transporte, incessante bombardeio que parte de alguns poucos grupos. No nível mundial, Rupert Murdoch assume tranquilamente ser o responsável pela ascensão e suporte a Margareth Thatcher, financiou um sistema de escutas telefônicas em grande escala na Grã-Bretanha, sustenta um clima de ódio de direita através da Fox, sem receber mais que um tapinha na mão quando se revelam as ilegalidades que pratica. No Brasil, com o controle da nossa visão de mundo por quatro grupos privados – os Marinho, Civita, Frias e Mesquita – o próprio conceito de imprensa livre se torna surrealista, e os impactos na Argentina, no Chile, na Venezuela e outros países são impressionantes em termos de promoção das visões mais retrógradas e de geração de clima de ódio social.

A vinculação da dimensão midiática do poder com o sistema corporativo mundial é em grande parte indireta, mas muito importante. As campanhas de publicidade veiculadas promovem incessantemente comportamentos e atitudes, centrados no consumismo obsessivo dos produtos das grandes corporações. Isto amarra a mídia de duas formas: primeiro, porque pode dar más notícias sobre o governo, mas nunca sobre as empresas, mesmo quando entopem os alimentos de agrotóxicos, deturpam a função dos medicamentos ou nos vendem produtos associados com a destruição de biomas como a floresta amazônica. Segundo, como a publicidade é remunerada em função de pontos de audiência, a apresentação de um mundo cor de rosa de um lado, e de crimes e perseguições policiais de outro, tudo para atrair a atenção pontual e fragmentada, torna-se essencial, criando uma população desinformada ou assustada, mas sobretudo obcecada com o consumo, o que remunera com nosso dinheiro as corporações que financiam estes programas. O círculo se fecha, e o resultado é uma sociedade desinformada e consumista. A publicidade, o tipo de programas e de informação, o consumismo e o interesse das corporações passam a formar um universo articulado e coerente, ainda que desastroso em termos de funcionamento democrático da sociedade.[11] (217)

Além dos think tanks e do controle da mídia, o controle das próprias visões acadêmicas avançou radicalmente nas últimas décadas, por meio dos financiamentos corporativos diretos, e em particular pelo controle das publicações científicas. Em muitos países, e particularmente no Brasil, as universidades privadas passaram a ser propriedade de grupos transnacionais que trazem a visão corporativa no seu bojo. A dinâmica é particularmente sensível nos estudos de economia. Helena Ribeiro traz um exemplo desta deformação profunda do ensino na universidade Notre Dame de Nova York. “Dado que corria o ano de 2009 e o mundo financeiro entrava em colapso aos olhos de todos, os alunos pensaram que seria um excelente tema para debater na aula de macroeconomia. A resposta do professor: “Os estudantes foram laconicamente informados que o tema não constava do conteúdo programático da disciplina, nem era mencionado na bibliografia afixada e que, por isso, o professor não pretendia divergir da lição que estava planejada. E foi o que fez”. O artigo de Ribeiro mostra as dimensões desta deformação, mas também os protestos dos alunos e a multiplicação de centros alternativos de pesquisa econômica, como o New Economics Foundation, a Young Economists Network, o Institute of New Economics Thinking e numerosas outras instituições.[12]

Menos percebido, mas igualmente importante, é a oligopolização do controle das publicações científicas no mundo. Segundo estudo canadense, “nas disciplinas das ciências sociais, que incluem especialidades tais como sociologia, economia, antropologia, ciências políticas e estudos urbanos, o processo é impressionante: enquanto os cinco maiores editores eram responsáveis por 15% dos artigos em 1995, este valor atingiu 66% em 2013”. Temos aqui o domínio impressionante de Reed-Elsevier (hoje boicotado por mais de 15 mil cientistas americanos), Springer, Wiley-Blackwell, e poucos mais. (Larivière, 2015)[13]

A este conjunto de mecanismos de captura do poder temos de acrescentar a erosão radical da privacidade nas últimas décadas. Hoje o sangue da nossa vida trafega em meios magnéticos, deixando rastros de tudo que compramos ou lemos, da rede dos nossos amigos, os medicamentos que tomamos, o nosso nível de endividamento. As empresas têm acesso à gravidez de uma funcionária, através da compra de informações dos laboratórios. A defesa dos grandes grupos de informação sobre as pessoas é de que se trata de informações “anonimizadas”, mas a realidade é que os cruzamentos dos rastros eletrônicos permitem individualizar perfeitamente as pessoas, influindo em potencial perseguição política ou dificuldades no emprego. Mas o acesso às informações confidenciais das empresas também fragiliza radicalmente grupos econômicos menores frente aos gigantes, que podem ter acesso às comunicações internas. Não se trata apenas de alto nível de espionagem, como se viu na gravação de conversas de Dilma Roussef e Angela Merkel. Trata-se de todos nós, e com o apoio de um sistema mundial de captura e tratamento de informações do porte da NSA. O Big Brother is Watching You deixou de ser apenas literatura.[14]

A expansão dos lobbies, a compra dos políticos, a invasão do judiciário, o controle dos sistemas de informação da sociedade, a manipulação do ensino acadêmico e a invasão da privacidade representam alguns dos instrumentos mais importantes da captura do poder político geral pelas grandes corporações. Mas o conjunto destes instrumentos leva, em última instância, a um mecanismo mais poderoso que os articula e lhe confere caráter sistêmico: a apropriação dos próprios resultados da atividade econômica, por meio do controle financeiro em pouquíssimas mãos.

Vejamos agora um pouco o que são estas grandes corporações. É surpreendente, mas até 2012 não tínhamos nenhum estudo global de como funciona a rede mundial de controle corporativo. O Instituto Federal Suíço de Pesquisa Tecnológica, um tipo de MIT da Europa, selecionou 43 mil grupos mundiais mais importantes e estudou em profundidade como se dá, através de participações cruzadas e de fusões interempresariais, o controle do conjunto. Chegou a uma cifra impressionante que mudou a visão que temos do sistema econômico mundial: 737 grupos apenas controlam 80% do mundo corporativo, sendo que nestes um núcleo de 147 controla 40%. Estes últimos gigantes são essencialmente (75%) grupos financeiros. Ou seja, não precisam controlar diretamente o processo decisório, seguram o sistema, digamos assim, pelas partes delicadas, que é o acesso aos recursos. Um grupo tão limitado não precisa fazer conspirações misteriosas, são pessoas que se conhecem no campo de golfe ou no Open de Tênis da Austrália, se ajeitam confortavelmente entre si. Os autores da pesquisa concluem claramente que falar em mecanismos de mercado neste clube restrito não faz muito sentido.[15]

François Morin, assessor do banco central da França, concentra a sua análise na forma como os 28 maiores gigantes financeiros se articulam. Na análise estão todos: JPMorgan Chase, Bank of America, Citigroup, HSBC, Deutsche Bank, Santander, Goldman Sachs e outros, com um balanço de mais de 50 trilhões de dólares em 2012, quando o PIB mundial foi de 73 trilhões. A relação com os Estados é particularmente interessante, pois a dívida pública mundial, de 49 trilhões, está no mesmo nível que o faturamento dos 28 grupos financeiros que Morin analisa, também da ordem de 50 trilhões. Os Estados, fruto do endividamento público com gigantes privados, viraram reféns e tornaram-se incapazes de regular este sistema financeiro em favor dos interesses da sociedade. “Face aos Estados fragilizados pelo endividamento, o poder dos grandes atores bancários privados parece escandaloso, em particular se pensarmos que estes últimos estão, no essencial, na origem da crise financeira, logo de uma boa parte do excessivo endividamento atual dos Estados”. (Morin, 36)[16]

O poder político apropriado pelo mecanismo da dívida constitui uma parte muito importante do mecanismo geral. Os grandes grupos financeiros têm suficiente poder para impor a nomeação dos responsáveis em postos chave como os bancos centrais ou os ministérios da fazenda, ou ainda nas comissões parlamentares correspondentes, com pessoas da sua própria esfera, transformando pressão externa em poder estrutural internalizado. A política sugerida aos governos é de que é menos impopular endividar o governo do que cobrar impostos. “Estas instituições financeiras são as donas da dívida do governo, o que lhes confere poder ainda maior de alavancagem sobre as políticas e prioridades dos governos. Exercendo este poder, elas tipicamente demandam a mesma coisa: medidas de austeridade e ‘reformas estruturais’ destinadas a favorecer uma economia de mercado neoliberal que em última instância beneficia estes mesmos bancos e corporações”. É a armadilha da dívida. (Marshall)[17]

Os 28 controlam igualmente os chamados derivativos, essencialmente especulação com variações de mercados futuros: o volume atingido em 2015 é de mais de 600 trilhões de dólares, 8 vezes o PIB mundial. Se pensarmos que tantos países aceitaram de reduzir os investimentos públicos e as políticas sociais — inclusive o Brasil –, para satisfazer este pequeno mundo financeiro, não há como não ver a dimensão política que o sistema assumiu. Os grandes traders de commodities controlam nada menos que o comércio dos grãos (milho, trigo, arroz, soja), os minerais metálicos, os minerais não metálicos e os recursos energéticos, ou seja, o sangue da economia mundial. As gigantescas variações dos preços do petróleo, por exemplo, não resultam de variações da produção ou do consumo, muito estáveis na escala planetária, mas dos processos especulativos dos gigantes financeiros.[18]

O sistema é hoje articulado. Um aporte particularmente forte de François Morin é a análise de como este grupo de bancos foram se dotando, a partir de 1995, de instrumentos de articulação, a GFMA (Global Financial Markets Association), o IIF (Institute of International Finance), a ISDA (International Swaps and Derivatives Association), a AFME (Association for Financial Markets in Europe) e o CLS Bank (Continuous Linked Settlement System Bank). Morin apresenta em tabelas como os maiores bancos se distribuem nestas instituições. O IIF, por exemplo, “verdadeira cabeça pensante da finança globalizada e dos maiores bancos internacionais”, constitui hoje um poder político assumido: “O presidente do IIF tem um status oficial, reconhecido, que o habilita a falar em nome dos grandes bancos. Poderíamos dizer que o IIF é o parlamento dos bancos, seu presidente tem quase o papel de chefe de estado. Ele faz parte dos grandes tomadores de decisão mundiais”. (Morin, 61)

Um instrumento particularmente importante deste poder reside no uso dos paraísos fiscais, que a partir da crise de 2008 foram suficientemente estudados para que tenhamos hoje os contornos do seu funcionamento. Basicamente, para um PIB mundial da ordem de 73 trilhões de dólares em 2012, o estoque de recursos financeiros em paraísos fiscais situou-se entre 21 e 32 trilhões de dólares segundo a Tax Justice Network, cifra que a revista Economist arredonda para 20 trilhões.[19] Para se ter uma ideia dos valores, a grande decisão da cúpula mundial sobre o clima, em Paris em 2015, foi de alocar até, 2020, 100 bilhões de dólares anuais para salvar o planeta do aquecimento global: duzentas vezes menos do que está aplicado em paraísos fiscais, capital improdutivo e em grande parte ilegal. Os arquivos do Panamá abrem apenas uma janela do processo, mas mostram como dezenas de milhares de corporações fictícias geraram o caos financeiro atual. [20]O caos no sistema financeiro do Brasil é apenas um fragmento deste processo mundial.[21]

Estes recursos são hoje vitalmente necessários para financiar a reconversão tecnológica que nos permita de parar de destruir o planeta e para assegurar a inclusão produtiva de bilhões de marginalizados, reduzindo desigualdade que atingiu níveis explosivos. Com o grau presente de captura do processo decisório sobre a alocação de recursos, privou-se os Estados de qualquer controle: praticamente todas as grandes corporações têm filiais ou empresas “laranja” nos paraísos fiscais, onde o dinheiro simplesmente desaparece em termos formais, para reaparecer com nomes de outras empresas, gerando um espaço “branco” onde o seguimento do fluxo financeiro se interrompe, permitindo toda classe de ilegalidades, e em particular a evasão fiscal e inúmeras atividades ilegais como o comércio de armas e drogas.[22]

Com o poder hoje muito mais na mão dos gigantes financeiros do que das empresas produtoras de bens e serviços, estas últimas passaram a se submeter a exigências de rentabilidade financeira que impossibilitam iniciativas, no nível dos técnicos que conhecem os processos produtivos da economia real, de preservar um mínimo de decência profissional e de ética corporativa. Temos assim um caos em termos de discrepância com os interesses de desenvolvimento econômico e social, mas um caos muito direcionado e lógico quando se trata de assegurar um fluxo maior de recursos financeiros para o topo da hierarquia. A sua competição caótica pode levar a crises sistêmicas, mas quando se trata de travar iniciativas de controle ou regulação estas corporações reagem de forma unida e organizada.

De que dimensões estamos falando? As corporações financeiras classificadas no SIFI (Systemically Important Financial Institutions) trabalham cada uma com um capital consolidado médio (consolidated assets) da ordem de $1.82 trilhões para os bancos e $0,61 trilhões para as seguradoras analisadas. Para efeitos de comparação lembremos que o PIB do Brasil, 7ª potência mundial, é da ordem de $1,4 trilhões. Mais explícito ainda é lembrar que de acordo com os dados de Jens Martens, o sistema das Nações Unidas dispõe de 40 bilhões dólares anuais para o conjunto das suas atividades, o que por sua vez representa apenas 2,3% das despesas militares mundiais.[23]

Frente ao poder global das corporações, não temos instrumentos públicos correspondentes. Pelo contrário: está sendo documentada a captura do processo decisório da ONU pelos grupos mesmos corporativos. Estudo do Global Policy Forum foca diretamente o fato dos interesses corporativos terem adquirido uma influência desproporcional sobre as instituições que redigem as regras globais. O documento apresenta “a crescente influência do setor empresarial sobre o discurso político e a agenda”, questionando “se as iniciativas de parcerias permitem que o setor corporativo e os seus grupos de interesse exerçam uma influência crescente sobre a definição da agenda e o processo decisório político dos governos”. Segundo Leonardo Bissio, “este livro mostra como Big Tobacco, Big Soda, Big Pharma e Big Alcohol terminam prevalecendo, e como a filantropia e as parcerias público-privadas deformam a agenda internacional sem supervisão dos governos, mas também descreve claramente as formas práticas para preveni-lo e para recuperar um multilateralismo baseado em cidadãos”. (Martens, 1 e 9)

Em termos de mecanismos econômicos, é central na fase atual a apropriação da mais-valia já não tanto nas unidades empresariais que pagam mal os seus trabalhadores, mas crescentemente através de sistemas financeiros que se apropriam do direito sobre o produto social através do endividamento público e privado. Esta forma de mais-valia financeira tornou-se extremamente poderosa. Frente aos novos mecanismos globais de exploração, que atuam em escala planetária, e recorrem inclusive em grande escala aos refúgios nos paraísos fiscais, os governos nacionais tornaram-se em grande parte impotentes. Temos uma finança global descontrolada frente a um poder político fragmentado em 195 nações, isto que o poder dentro das próprias nações, nas suas diversas dimensões, está sendo em grande parte capturado. Tornámo-nos sistemicamente disfuncionais.

Wolfgang Streeck traz uma interessante sistematização desta captura do poder público no nível dos próprios governos. Por meio do endividamento do Estado e dos o outros mecanismos vistos acima, gera-se um processo em que o governo, cada vez mais, tem de prestar contas ao ‘mercado”, virando as costas para a cidadania. Com isto, passa a dominar, para a sobrevivência de um governo, não quanto está respondendo aos interesses da população que o elegeu, e sim se o mercado, ou seja, essencialmente os interesses financeiros, se sentem suficientemente satisfeitos para declará-lo ‘confiável’. De certa forma, em vez de república, ou seja, res publica, passamos a ter uma res mercatori, coisa do mercado. Um quadro resumo ajuda a entender o deslocamento radical da política:[24] (81)

Naturalmente, um se financia através dos impostos, o outro se financia através do crédito. Um governo passa assim a depender “de dois ambientes que colocam demandas contraditórias sobre o seu comportamento”(80) Entre a opinião pública sobre a qualidade do governo, e a ‘avaliação de risco’ deste mesmo governo deixar de pagar elevados juros sobre a sua dívida, a opção de sobrevivência política cai cada vez mais para o lado do que qualificamos misteriosamente de ‘os mercados’. Onde havia estado de bem-estar e políticas sociais teremos austeridade e lucros financeiros. Não é secundária, evidentemente, a transformação deste poder corporativo em sistemas tributários que oneram proporcionalmente mais os que menos ganham. A força vira lei, o estado vira instrumento de privatização dos próprios impostos. Segundo Streeck, não é o fim do capitalismo, mas sim do capitalismo democrático.

A pesquisa e compreensão das novas articulações de poder são indispensáveis para se entender os mecanismos e a escala radicalmente novos de acumulação de riqueza nas mãos dos 0,01% da população mundial, e a espantosa cifra de 62 bilionários que são donos de mais riqueza do que a metade mais pobre da população mundial. Igualmente significativo é o fato da economia brasileira estar em recessão quando os bancos Bradesco e Itaú, por exemplo viram seus lucros declarados aumentarem entre 25% e 30% em 12 meses [25]. De certa forma, ao analisarmos os mecanismos de captura do poder, estamos desvendando os canais que permitem o dramático reforço da desigualdade entre e dentro das nações, além do travamento do crescimento econômico pelo desvio dos recursos do investimento para aplicações financeiras (26).

Restabelecer a regulação e o controle sobre estes gigantes financeiros que passaram a reger a economia mundial e as decisões internas das nações é hoje simplesmente pouco viável, tanto pela dimensão, como pela estrutura organizacional sofisticada de que hoje dispõem, além evidentemente dos sistemas de controle sobre a política, o judiciário, a mídia e a academia– e portanto a opinião pública – conforme vimos acima. A dimensão internacional aqui é crucial, pois a quase totalidade destes grupos é constituída por corporações de base norte-americana ou da União Europeia. É a poderosa materialização de um poder que é global mas no essencial pertencente ao que nos temos acostumado a chamar de “Ocidente”. As tentativas de constituir um contrapeso por meio da articulação dos BRICS mostram aqui toda a sua fragilidade. O poder financeiro global tem nacionalidades, com governos devidamente apropriados pelos mesmos grupos.

Se há uma coisa que não falta no mundo, são recursos. O imenso avanço da produtividade planetária resulta essencialmente da revolução tecnológica que vivemos. Mas não são os produtores destas transformações, desde a pesquisa fundamental nas universidades públicas e as políticas públicas de saúde, educação e infraestruturas, até os avanços técnicos nas empresas efetivamente produtoras de bens e serviços, que levam vantagem: pelo contrário, ambas as esferas, pública e empresarial, encontram-se endividadas nas mãos de gigantes do sistema financeiro, que rendem fortunas a quem nunca produziu, e que conseguem, ao juntar nas mãos os fios que controlam tanto o setor público como o setor produtivo privado, nos desviar radicalmente do desenvolvimento sustentável hoje vital para o mundo.

Quanto à população de um país como o Brasil, que busca resgatar um pouco de soberania na sua posição periférica, o que parece restar é um sentimento de impotência. Perplexas e endividadas, as famílias vêm aparecer o seu “nome sujo” na Serasa-Experian – aliás uma multinacional – caso não respeitem as regras do jogo. Na confusão das regras financeiras, contribuem para a concentração de riqueza e de poder através dos altos juros que pagam nos crediários e nos bancos, através dos juros surrealistas da dívida pública, e através das políticas ditas de ‘austeridade’ que as privam dos seus direitos. Estas regras do jogo profundamente deformadas serão naturalmente apresentadas como fruto de um processo democrático e legítimo, pois está escrito na Constituição que todo o poder emana do povo. A construção de processos democráticos de controle e alocação de recursos constitui hoje um desafio central. Boaventura de Souza Santos fala muito justamente na necessidade de aprofundar a democracia. Mas na realidade, precisamos mesmo é resgatá-la da caricatura que se tornou.


[1] Uma visão mais detalhada da análise apresentada no presente artigo pode ser encontrada em Governança Corporativa, http://dowbor.org/2015/11/ladislau-dowbor-o-caotico-poder-dos-gigantes-financeiros-novembro-2015-16p.html/ ; a dimensão propriamente brasileira da deformação financeira encontra-se em Juros Extorsivos no Brasil, Ética Editora, Imperatriz, 2016, http://dowbor.org/blog/wp-content/uploads/2012/06/Dowbor-Juros-_pdf-com-capa.pdf

[2] Octávio Ianni – A política mudou de lugar – capítulo do livro Desafios da Globalização, L. Dowbor, O. Ianni e P. Resende (Orgs.), ed. Vozes, Petrópolis, 2003.

[3] Joris Luyendijk – Swimming with sharks – Guardian Books, London, 2015http://www.theguardian.com/business/2015/sep/30/how-the-banks-ignored-lessons-of-crash

[4] The Guardian, Revealed: How Google enlisted members of the US Congresshttp://www.theguardian.com/world/2015/dec/17/google-lobbyists-congress-antitrust-brussels-eu

[5] Joseph Stiglitz – On Defending Human Rights – Geneva, 3 December 2013http://www.ohchr.org/Documents/Issues/Business/ForumSession2/Statements/JosephStiglitz.doc

[6] Warren, Elizabeth – Rigged Justice – Jan. 2016, 16 p.http://www.warren.senate.gov/files/documents/Rigged_Justice_2016.pdf and New York Times 29/01/2016 http://www.nytimes.com/2016/01/29/opinion/elizabeth-warren-one-way-to-rebuild-our-institutions.html?_r=0

[7] Monbiot, George – A global ban on leftwing politics”, in How Did we Get into this Mess, Verso, London, New York, 2016 – http://www.monbiot.com/2013/11/04/a-global-ban-on-left-wing-politics/

[8] Provost, Claire and Matt Kennard – The obscure legal system that lets corporations sue countries – The Guardian, June 2015 –https://www.google.com/url?q=http://www.theguardian.com/business/2015/jun/10/obscure-legal-system-lets-corportations-sue-states-ttip-icsid&sa=U&ved=0ahUKEwid0aacve3JAhWJXR4KHXkHAv4QFggFMAA&client=internal-uds-cse&usg=AFQjCNE_bryAhhqokmP_TQPeoYdWUmYckQ

[9] Ver em particular o documentário Chomsky&Cia, legendado em português,https://www.youtube.com/watch?v=IHSe9FRGpJU

[10] James Hoggan – The Climate Cover-up: the cruzade to deny global warming –ver http://dowbor.org/2009/12/climate-cover-up-the-cruzade-to-deny-global-warming-2.html/ ; sobre os financiadores, ver http://dowbor.org/2010/04/petroleira-dos-eua-deu-us-50-mi-a-ceticos-do-clima-6.html/ ; ver também o ver artigo de Jane Mayer The dark money of the Koch Brothers, 2016, http://www.truth-out.org/news/item/35450-the-dark-money-of-the-koch-brothers-is-the-tip-of-a-fully-integrated-network

[11] Ver o curto e excelente comentário de George Monbiot, How did we get into this mess, no livro do mesmo nome – Verso, London/New York,http://www.monbiot.com/2007/08/28/how-did-we-get-into-this-mess/

[12] Helena Ribeiro – Os protestos nas universidades por um novo ensino da economia – Jornal dos Negócios, Lisboa, dezembro de 2013 –http://dowbor.org/2013/12/helena-oliveira-o-protesto-nas-universidades-por-um-no-ensino-da-economia-dezembro-2013-3p.html/

[13] V. Larivière, S. Haustein e P. Mongeon – The Oligopoly of Academic Publishers in the Digital Era – PlosOne, 2015, http://dowbor.org/2016/02/the-oligopoly-of-academic-publishers-in-the-digital-era-vincent-lariviere-stefanie-haustein-philippe-mongeon-published-june-10-2015-15p.html/

[14] Lane, S. Frederick – The Naked Employee- AMACOM, New York, 2003 http://dowbor.org/2005/06/the-naked-employee-o-empregado-nu-privacidade-no-emprego.html/

[15] Vitali, Glattfelder e Battistoni, Zurich, 2011; Ver A rede do poder corporativo mundial – 2012 – http://dowbor.org/2012/02/a-rede-do-poder-corporativo-mundial-7.html/

[16] François Morin – L’hydre mondiale: l’oligopole bancaire –http://dowbor.org/2015/09/francoismorin-lhydre-mondiale-loligopole-bancaire-lux-editeur-quebec-2015-165p-isbn-978-2-89596-199-4.html/

[17] Andrew C. Marshall – Bank crimes pay under the thumb of the global financial mafiocracy – Truthout, 8 Dec. 2015 – http://www.truth-out.org/news/item/33942-bank-crimes-pay-under-the-thumb-of-the-global-financial-mafiocracy

[18] Sobre os derivativos e o poder dos traders de commodities, ver o nossoProdutores, intermediários e consimidores, 2013, http://dowbor.org/?s=produtores%2C+intermedi%C3%A1rios+e+consumidores

[19] Henry, James – The Price of off-shore revisited – Tax Justice Network, http://www.taxjustice.net/2014/01/17/price-offshore-revisited/

[20] ICIJ – The Panama Papers – https://panamapapers.icij.org/

[21] Barbara Adams and Jens Martens – Fit for whose purpose? – Global Policy Forum, New York, Sept. 2015 –https://www.globalpolicy.org/images/pdfs/images/pdfs/Fit_for_whose_purpose_online.pdf

[22] Um excelente estudo destes mecanismos pode ser encontrado em Shaxson, Nicholas – Treasure Islands: uncovering the damage of offshore banking and tax havens – St. Martin’s Press, New York, 2011 –http://dowbor.org/2015/10/nicholas-shaxson-treasure-islands-uncovering-the-damage-of-offshore-banking-and-tax-havens-st-martins-press-new-york-2011.html/

[22] Joseph Stiglitz – On Defending Human Rights – Geneva, 3 December 2013http://www.ohchr.org/Documents/Issues/Business/ForumSession2/Statements/JosephStiglitz.doc

[23] Barbara Adams and Jens Martens – Fit for whose purpose? – Global Policy Forum, New York, Sept. 2015 –https://www.globalpolicy.org/images/pdfs/images/pdfs/Fit_for_whose_purpose_online.pdf

[24] Wolfgang Streeck, Buying time – Verso, London 2014 – http://dowbor.org/category/dicas-de-leitura/

[25] Relativamente a 2013, os bancos Itaú e Bradesco tiveram aumento nos lucros declarados de 30,2% e 25,9%, respectivamente. Ver o relatório Dieese –http://www.dieese.org.br/desempenhodosbancos/2015/desempenhoBancos2014.pdf

  1. [26] A dimensão da concentração de renda e de patrimônio tem sido sistematizada pela OXFAM, ver o relatório de janeiro 2016 https://www.oxfam.org/sites/www.oxfam.org/files/file_attachments/bp210-economy-one-percent-tax-havens-180116-summ-pt.pdf

 

Carta aberta a Samuel Pessôa, por Fernando Nogueira Batista

Publicado em jornalGGN

Por Fernando Nogueira da Costa[1]

Caro Samuel Pessôa,

Aqui eu lhe respondo por não ter o palanque pré-eleitoral de quem se arvora em porta-voz da direita brasileira na “grande imprensa burguesa”. Imagino que já deu um sorrisinho esnobe com tal expressão old-fashioned, típica de “jovens dos anos 1960”. Estes, em sua desqualificação de toda minha geração, “são os idosos da segunda década do século 21 sequestrados por um patético complexo de Peter Pan”.
​Decerto, com 54 anos, você é um jovem físico com doutorado em Economia, ambos pela USP. É pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da FGV, sócio da consultoria Reliance e colunista da Folha. Mas tenho apreço por ti não por isso, mas sim por ter demonstrado tolerância com ideias alheias quando era meu colega no IE-UNICAMP. Não era sectário e me dizia que, como bom cientista, gostava de entender a racionalidade dos pensamentos diferentes do seu neoclássico.

A partir dessa postura, entendia que, com seu prestígio junto à casta dos mercadores-financistas, poderia atuar como um membro digno da casta dos sábios-intelectuais públicos ou midiáticos. São aqueles que conseguem “fazer uma ponte” para a troca de ideias entre a direita e a esquerda brasileiras. Sabemos que isso é imprescindível na construção de um ambiente civilizado de tolerância e não de ódio mútuo como o atual.

Qual não foi minha decepção ao me deparar com o título de artigo assinado por ti (FSP, 14/07/17): “Esquerda precisa desapegar de crenças e fazer avaliação honesta de anos FHC”. Lembrei-me, de imediato, da velha piada corporativa: “1a. Lei dos Economistas: para cada um, existe outro igual e contrário; 2a. Lei dos Economistas: ambos estão errados”. E refleti: “direita não se desapega de crenças e faz avaliação desonesta de anos Lula/Dilma”.
Como ex-físico, deve se lembrar da Primeira Lei de Newton: “um objeto que está em repouso ficará em repouso a não ser que uma força resultante não nula aja sobre ele”. Está se repetindo o que ocorreu quatro anos atrás: a campanha eleitoral começou um ano antes. Tenho então que sair do meu repouso para reagir às suas provocações que visam, antes de tudo, “desprestigiar a candidatura Lula”. Mesmo que seja à custa de inverdades ou, no popular não-tucanês, mentiras.
Lógico, não repetirei o surrado clichê nazista a respeito de repetição de “pós-verdades”, para dar um “ar moderninho”. Na verdade [repetição proposital], a direita brasileira repete, insistentemente, desde que se deparou, para sua surpresa, com o sucesso popular do governo Lula, dois chavões típicos de cérebros de “2 neurônio” (sic):
1. tudo de bom que ocorreu no governo Lula foi repetição do que tinha ocorrido no governo FHC;
2. tudo de diferente que ocorreu no governo Lula foi sua sorte de obter um contexto mundial favorável a seu governo.
Há década venho explicando a incoerência lógica dessa argumentação, mas como sou professor brasileiro, tenho o ofício de nunca desistir de ensinar. Desta vez, tentarei desenhar para você.
Como você não demonstrou nenhuma evidência empírica para sua comparação, mas com a sofisticada formação que possui você não “brigará contra os números”, sugiro a leitura das 170 séries temporais e gráficos publicados pelo Centro de Altos Estudos Brasil Século XXI, em sua reedição atualizada com dados de 1995 a 2016: “Vinte Anos de Economia Brasileira”. Mas o desenho que resume tudo é fácil de fazer e entender: um U com a reversão em 2003, quando se observa em conjunto a Era Neoliberal (1995-2002) e a Era Social-Desenvolvimentista, e um U invertido a partir de 2015, quando voltou a Velha Matriz Neoliberal e a economia brasileira entrou em Grande Depressão.
Em 2015, Joaquim Levy, ministro da Fazenda imposto pela casta de mercadores-financistas, adotou as pregações de sábios economistas-chefes de bancos em favor de ações discricionárias favoráveis a acionistas de empresas e concessões paraestatais: “liberou geral”. Resultado: choque tarifário – choque cambial – choque inflacionário – choque de juros – queda de -9% no PIB – 14 milhões de desempregados. Portanto, atribuir a “duas patologias do petismo” (intervencionismo e Orçamento como fonte ilimitada de recursos) como responsáveis pelo quadro atual é falso, em termos científicos, pois a hipótese não se confirma pelas estatísticas.
Além disso, você não se apercebeu da incoerência lógica de seu discurso que só a direita respeita e repete sem pensar. Veja bem, em um momento você afirma: “Lula pôde colher os frutos de anos de arrumação de casa, inclusive da política econômica estritamente ortodoxa que praticou no primeiro mandato, e teve a fortuna do boom de commodities”. Verifique a inconsistência política do argumento: a partir de 2003 se colhe os benefícios de um governo impopular que não fez seu sucessor; a partir de 2015 se colhe os malefícios de um governo popular que fez seu sucessor e o reelegeu.
Qual é dedução entrelinhas de sua pregação? O povo não sabe votar e reconhecer quem lhe faz bem! Esta típica atitude conservadora e esnobe da elite socioeconômica brasileira discrimina “os de fora de seu mundinho”, menosprezando a democracia. Esta “elite” demonstra não ser uma elite intelectual e democrata.
O argumento conservador é ilógico assim: uma malfadada política econômica foi condenada nas urnas em 2002, mas o Partido dos Trabalhadores, que lhe fez total oposição, “dá um tiro-no-pé”, mirando sua base eleitoral, comete um estelionato eleitoral e a mantém! Por que?! Evidentemente, tal argumento ilógico só é incorporado por quem, como os esnobes tucanos paulistanos, se acha portador do monopólio da inteligência e da virtude de fazer o que é necessário e correto – para si e não para todos.
Mas não é só a arrogância do autoelogio (e menosprezo pela inteligência alheia) que essa argumentação canhestra demonstra. Soma o tradicionalíssimo menosprezo uspiano pelo populismo classificado como “clara herança varguista”. Você afirma: “Fernando Henrique não era populista e compartilhava com a população as limitações e as possibilidades do Estado”. Nas entrelinhas, reconhece também o fracasso neoliberal em seu propósito de “enterrar o entulho varguista”. O PSDB juntou-se, agora, aos golpistas para enterrar a CLT varguista com a reforma trabalhista. Os tucanos estão tão felizes quanto pintos no lixo!
Volto à questão que te deu direito à réplica: “por que FHC é visto como um governante de direita, quando de fato foi socialdemocrata?” Evidentemente, seu partido da socialdemocracia brasileira é fake. É tão falso quanto sua tese: “o governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) foi socialdemocrata – em qualquer lugar do mundo, quem aumenta a carga tributária e o gasto social será caracterizado dessa forma – e não há, no desenho das políticas públicas, diferença entre FHC e Lula 1 (2003-2006), período que chamei de ‘Malocci’ (combinação de Pedro Malan e Antonio Palocci, ministros da Fazenda dessa fase)”. Perguntinhas indiscretas: antes de 2003 houve política de crédito? Política de financiamento habitacional popular? Mobilidade social?
Esse seu critério economicista – a economia determina a política – para julgamento do que é socialdemocracia é equivocado em termos econômicos, sociais e políticos. Em outra passagem, você apresenta outra definição de socialdemocracia mais realista: “o PT era (…) o verdadeiro partido socialdemocrata brasileiro. Trata-se de agremiação com sólidas raízes nos movimentos sociais e sindicais. Nada mais normal que seja vista como uma legenda disposta a batalhar por políticas de esquerda”. Eu classifico as políticas públicas adotadas pelo PT como social-desenvolvimentistas.
O social-desenvolvimentismo brasileiro é a socialdemocracia nos trópicos. Adequou a aliança entre a casta dos trabalhadores sindicalizados e a casta dos sábios-intelectuais de esquerda à prática de política econômica keynesiana em conjunto com políticas sociais ativas. Obteve melhor distribuição de renda sem, no entanto, avançar em distribuição de riqueza a não ser pela política massiva de financiamento da democracia da propriedade. A aquisição da moradia representa a maior riqueza de famílias populares.
Na prática, os europeus usam o termo socialdemocracia para designar os movimentos socialistas que pretendem mover-se, rigorosa e exclusivamente, no âmbito das instituições liberal-democráticas, aceitando, dentro de certos limites, a função positiva do mercado e mesmo a propriedade privada. A socialdemocracia, com efeito, diversamente do que ocorre com o reformismo, aceita as instituições liberal democráticas, mas considera-as insuficientes para garantir uma efetiva participação popular no poder e tolera o capitalismo. Diferi nisso do socialismo revolucionário, considera os tempos ainda “não amadurecidos” para transformar as primeiras e abolir radicalmente o segundo.
Finalmente, quanto à política econômica keynesiana, você sabe que nisso eu discordo radicalmente de seu neoclassicismo atemporal e mecanicista, inspirado na Física newtoniana. Não é questão de “crença”, mas sim de falseamento científico do modelo de convergência para um pressuposto equilíbrio geral. Este arcabouço mental adota uma prática totalmente equivocada, típica de discurso demagógico de político profissional que diz seguir receita de dona-de-casa seguindo seu orçamento doméstico.
Você se assume como pré-keynesiano ao “tratar o Orçamento como fonte limitada de recursos”. Esta atitude retrógrada produziu um desequilíbrio ainda mais profundo nas contas públicas pela queda da arrecadação fiscal com a Grande Depressão. Esta foi provocada pelos ministros da Fazenda Levy e Meirelles, fiscalistas (por acharem que o ajuste fiscal é tudo a fazer no Estado) e neoliberais (por acharem que O Mercado se encarrega de tudo além disso) como você. Desapegue de suas crenças e faça uma avaliação honesta da responsabilidade de suas ideias pela atual conjuntura.
O beabá keynesiano, inspirado no Plano New Deal de Franklin Roosevelt para superar a Grande Depressão norte-americana nos anos 30, ensina que, face às expectativas pessimistas das iniciativas particulares, cabe ao gasto público substituir o gasto privado. Nestas circunstâncias depressivas, não cabe (e nem se consegue) fazer “ajuste fiscal”. Políticas públicas proativas devem ser realizadas, mesmo que seja à custa de déficit orçamentário e endividamento público. Depois da retomada do crescimento econômico sustentado, as finanças públicas obterão as condições propícias para se recuperarem.
Caro Samuel, entenda essa carta-aberta como um sinal de apreço por ti, esforçando-me e torcendo para você recuperar a tolerância necessária para um debate intelectual e político profícuo e exemplar entre nossas hostes.

[1] Professor Titular do IE-UNICAMP. http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/ E-mail: fernandonogueiracosta@gmail.com.

Degrau que não se rompe, por Fernando Brito

O Tijolaço, do Fernando Brito, foi um dos primeiros blogs que eu fiz questão de acessar todos os dias em busca de alternativa à imprensa comerciante. Tenho certeza que Fernando Brito será, como ele diz no texto, que compartilho abaixo, “degrau … que não será fraco de romper sem barulho”.

Paulo Martins

Por Fernando Brito, do Tijolaço.

Minha história pessoal é a história da afirmação do mundo do trabalho.

Do lado do pai, um avô morto cedo, descendo das Alagoas para o Rio, um pai bancário para sustentar seus estudos de História e Geografia, e uma profusão de tios e maridos das tias, um outro bancário, mais um “posto em disponibilidade” – isso era quase um homicídio funcional – do Arsenal de Marinha, ganhando a vida valentemente como técnico de televisão (no tempo em que tvs tinham técnicos, flybacks e seletores de canal), outro taxista, com a garotada lavando o carro todo o dia com querosene, para brilhar a lataria.

Do lado da mãe, migrantes do interior, para ganhar a vida no Rio que se espalhava nos subúrbios operários, onde os IAPIs dignos em Realengo sucediam as “cabeças de porco” embora tenham quase virado favelas agora, porque os filhos e agora os netos e os bisnetos não têm para onde ir, senão para os “puxados” que os terrenos amplos e as construções sólida permitiam.

Nem meus pais, nem meus avós foram gente extraordinária, como eu não sou.

Não somos iguaizinhos, espalhados e sujeitados a este mundo vário, eu e meus primos, mas algo temos em comum.

Tivemos mais chances que nossos pais, como nossos pais as tiveram muito maiores do que os nossos avós.

Muitos são bacharéis, outros mestres, alguns doutores a quem os anos carcomem as faces, mas talvez não as memórias dos guarus (os “barrigudinhos”) pescados nos valões, volte e meia uma rã carnuda a nos deixar orgulhosos do troféu de caça em Madureira.

Só na maturidade, conversando com um amigo médico, com todos os meus preconceitos de “marxista”, é que fui entender o que se passava: “Fernando, nós somos netos de Getúlio Vargas”.

E fomos mesmo, netos de gente que passou a ter direitos, filhos de gente que passou a ter progresso, porque, ainda que não para todos, havia a escola pública.

Somos netos e filhos de um mundo onde o trabalho passou a ter direitos e, talvez, os acasos das vidas nos tenham feito esquecer disso, agora que alguns de nós tenhamos – justo pelo que a vida nos deu – saído da carência e da necessidade.

É por isso que ao ver meu País retroceder à barbárie que antecedeu nossos pais e da qual se livraram nossos avós sinto o tempo passar ao contrário.

Não para mim, a quem a vida deu muito e da qual pouco espero.

Mas para os que fazem, até por vezes negando, os que fazem de mim um degrau rumo ao futuro.

Degrau que já não se sente forte para lhes dar o impulso adiante, mas que não será fraco de romper sem barulho, sem que que cada fibra que lhe resta resista à força dos que tentam vergar o tempo ao contrário.

De muita gente se pode tirar o futuro, Mas certamente de muitos não podem tirar o passado.

Na economia, o todo é diferente da soma das partes, por Laura Carvalho

Nem só os trabalhadores e empresários pagarão o pato. O Brasil, como um todo, pagará o pato. E, depois fazem estudos e pesquisas para tentar entender porque o Brasil nunca deixa de ser o país do futuro. São os erros das elites políticas e econômicas que comandaram este país desde 1500, meus caros.

Compartilho artigo de Laura Carvalho.

Paulo Martins

Na economia, o todo é diferente da soma das partes

por Laura Carvalho, na Folha, sugestão de Ignácio Godinho Delgado

Hoje em dia, para livrar-se do trânsito, basta seguir a rota sugerida por um aplicativo da moda.

Mas o algoritmo de um bom aplicativo deve estar preparado para mudar a rota quando o trânsito piorar porque todo o mundo resolveu seguir a rota inicialmente indicada.

De mesma forma, em um estádio de futebol, é só ficar de pé para enxergar melhor. Salvo quando todos resolvem levantar-se. Nesse caso, todos perdem visão e conforto.

As chamadas falácias da composição consistem em afirmar que o todo possui a mesma propriedade que as partes que o integram.

Na economia, essas falácias impedem que raciocínios que valem para um agente econômico —uma família ou uma firma, por exemplo— possam ser transferidos para o sistema econômico como um todo. Daí a importância da distinção entre a macro e a microeconomia.

Talvez a falácia da composição mais conhecida na macroeconomia seja o chamado paradoxo da poupança —um dos elementos centrais no desenvolvimento da economia keynesiana e do princípio da demanda efetiva.

Em suma, se uma família resolve consumir menos, sua poupança será maior. Mas, se todas as famílias tomam a mesma decisão, cai a demanda agregada e a própria renda nacional, fazendo com que a poupança total não aumente.

Um outro paradoxo macroeconômico refere-se ao endividamento. Se uma família ou empresa decide gastar menos para pagar suas dívidas, o seu nível de endividamento cai em relação à sua renda. Mas, se todas as famílias, firmas e governo resolvem cortar seus gastos ao mesmo tempo para pagar suas dívidas, a renda nacional cai e o endividamento total aumenta em relação ao PIB.

Da mesma forma, na teoria de deflação de dívidas de Irving Fisher, grandes depressões surgem quando muitos agentes ao mesmo tempo resolvem pagar suas dívidas por meio da venda de seus ativos: o resultado é que o preço dos ativos cai e o endividamento líquido sobe.

Outra falácia da composição está na essência das chamadas guerras fiscais: o Estado que consegue reduzir impostos pode até atrair mais empresas e acabar arrecadando mais, mas, se todos os Estados reduzem impostos, nenhum deles torna-se mais atrativo do que o outro e todos perdem arrecadação.

Por fim, todo empresário sabe que reduzir o custo com a mão de obra é uma forma muito eficaz de ganhar competitividade em relação aos seus concorrentes e/ou aumentar seu lucro.

Mas, se uma mudança reduz o custo com a mão de obra de todos os empresários ao mesmo tempo, não é possível ganhar competitividade em relação aos concorrentes nacionais.

E os exportadores, por sua vez, só ganham competitividade junto a concorrentes estrangeiros que não tenham seguido a mesma estratégia.

Sabemos que não é esse o caso de boa parte do mundo globalizado nas últimas décadas.

E o que é pior. Se vale o chamado paradoxo dos custos de Kalecki, uma redução generalizada de salários em uma economia diminui também o mercado consumidor, reduzindo vendas e lucros.

Em outras palavras, de nada adianta ter uma fatia maior de um bolo menor.

É por essas e outras que a reforma trabalhista aprovada na terça-feira (11) pelo Senado deve, no futuro, decepcionar até mesmo os empresários que a apoiaram. Na verdade, iludem-se os que hoje acham que só os trabalhadores pagarão o pato.

 

A urgência da esperança não admite mais ilusões, por Saúl Leblon

Compartilho editorial de Saúl Leblon, do Carta Maior.

Como sempre uma análise lúcida, ampla, da enrascada em que nos metemos aqui no Brasil. Sugiro leitura atenta. Sem um bom diagnóstico ficaremos enredados no caos político, econômico e social atual. Tudo começa por um diagnóstico correto das nossas doenças, que não são exclusividade nossa e vem contaminando toda a humanidade. O texto do Saúl contribui para tão necessário diagnóstico.

O autor entende que há  “alternativa ao caos” e apresenta uma proposta. É bem-vinda. Serve para começo de discussão entre alternativas que devem ser postas pela sociedade, em substituição à ordem neoliberal que está sendo implantada, embora sem canhão, à força, mediante golpes e conluios.

Paulo Martins – dialogosessenciais.com

A urgência da esperança não admite mais ilusões, por Saúl Leblon – do  site cartamaior.com.br

Em menos de 24 horas, entre a noite de terça-feira (11/07) e a tarde desta quarta-feira, 12/07, o golpe jogou a cartada com a qual pretende virar uma página dupla da história brasileira.

Encerrar a era Vargas e o ciclo Lula.

Estripou os direitos trabalhistas conquistados e defendidos ao longo de 74 anos, desde a criação da CLT, por Getúlio, em 1943; ato contínuo, condenou ao cárcere, por uma década, o maior líder popular brasileiro, Lula, de 71 anos, presidente duas vezes, favorito inconteste nas sondagens eleitorais para 2018.

Quis o destino que o conjunto acontecesse na mesma data em que, há 55 anos, Jango criava o 13º salário para os trabalhadores brasileiros, recebido com manchetes aterrorizantes pela mídia que dois anos depois festejaria o golpe de 1964.

A apoteose das últimas horas de certa forma esgota o repertório da ‘progressão’ golpista em 2017.

O da resistência democrática, ao contrário, pode enrijecer.

Longe de ser o fim, a tentativa conservadora de inocular prostração na sociedade, poderá inaugurar uma escalada de mobilizações e impor maior clareza programática no projeto de futuro capaz de unir a frente popular e arrebatar o país.

A prefiguração do futuro preconizado pelo golpismo é medonha.

Com certa soberba histórica nem se disfarça a pindaíba social reservada à nação brasileira.

A sofreguidão reflete de certa forma o escaldado retrospecto das oito vezes em que essa ofensiva foi interrompida, em meio século de luta de classes.

Em 1954, pelo levante popular após o suicídio de Vargas; em 1961, na campanha da legalidade pela posse de Jango; em 1984, na luta pelas Diretas Já! — derrotada, mas que levou à conquista superior da Carta Cidadã, de 1988 e, finalmente, nas quatro vitórias presidenciais sucessivas de Lula e Dilma em 2002, 2006, 2010 e 2014.

Era demais o risco de um novo revés em 2018.

Derrubar Dilma para inviabilizar Lula fazia parte do ciclo político da tolerância conservadora em nossa história. Erros na condução da crise econômica serviram apenas de lubrificante: a engrenagem já fora acionada quando as urnas de 26 de outubro de 2014 refugaram, pela quarta vez sucessiva, o projeto antissocial e antinacional ora imposto à nação.

A ofensiva revanchista culminada nas últimas horas calcifica as representações dos trabalhadores (sindicais e partidárias), sangra sua estrutura financeira, ataca sua credibilidade e busca encarcerar sua principal voz.

Se o nome disso não é golpe será preciso inventar um outro para defini-lo.

A existência altiva de uma organização de trabalhadores constitui um freio inestimável às arremetidas da barbárie capitalista em qualquer época, em qualquer sociedade.

Dispensar à destruição do PT e de Lula uma centralidade equivalente a atribuída pelos mercados à revogação do direitos sociais e trabalhistas explicita a funcionalidade de Moro.

O seletivo afinco do juiz da praça de Curitiba em atender à demanda política número um do conservadorismo — calar a única voz ouvida por aqueles aos quais a Globo gostaria de falar sozinha– é um requisito para viabilizar a restauração do trabalho avulso diante da coesão patronal.

Descortina-se –mesmo aos olhos antes distraídos—a natureza do futuro que se reserva à sociedade brasileira: uma nação feita de gente barata, um país entregue ao abismo da desigualdade abissal, sem laços compartilhados no trabalho, na velhice e no ganha pão.

Esse Brasil mexicanizado, de vidas ordinárias, entregues ao arbítrio do mercado e das gangues, mimetiza, num país de carências bíblicas, as incertezas e vicissitudes do voo turbulento do capitalismo global, em um estágio de mutação desordenada.

O discernimento do futuro inscrito na apoteose golpista pode gerar no eleitor de 2018 o efeito que se quer prevenir com a eliminação de Lula da urna. É ostensivo o anseio conservador pela condenação ‘célere’ do candidato que lidera as sondagens, como pede o editorial da Folha no dia seguinte à sentença de Moro.

A tentativa da destruição gêmea de Lula e dos direitos sociais e trabalhistas desnuda perigosamente a virulência dos marcos do projeto conservador para o país.

A literalidade dos impactos na vida cotidiana, sobretudo dos mais humildes que perdem a proteção da lei e a voz que poderia representa-los pode ser a tocha de uma espiral de conflitos de consequências imprevisíveis.

O golpe de 1964 levou quase cincos anos para encontrar um chão ‘institucional’ baseado no terror, na tortura e na censura.

A manipulação midiática e a farsa de um parlamento contra o povo não serão suficientes para sustentar a reordenação conservadora atual, se for escancarada a sua âncora de des-emancipação social.

A verdade é que o esgotamento da ordem neoliberal no mundo requisita um poder de coordenação econômica e de planejamento democrático inverso ao que se desenha aqui.

Reduzir o país a uma dívida pública paga em dia, a juros suculentos, às custas da agonia falimentar dos serviços públicos, dos direitos, da renda e do emprego só é viável no imaginário de quem já se dissociou até fisicamente do destino da sociedade e da sorte do seu desenvolvimento.

Quem?

A minoria rentista que da escada do avião acena recomendações de uma dantesca ‘purga’ na Constituição de 1988 para equilibrar ‘o fiscal’, às favas o povo, esse estorvo da boa finança (leia nesta pág. http://www.cartamaior.com.br/?%2FEditorial%2FBye-bye-Brasil%2F38336).

O jogo, portanto, atingiu o ápice da violência de classe.

Não é temerário prever um aguçamento do conflito social no período que se abre.

Com um agravante.

Inabilitadas pela ruptura da legalidade, as instituições mediadoras, a exemplo de uma parte ostensiva do judiciário –sem falar da mídia e da escória parlamentar de despachantes do mercado– perderam sua credibilidade ao se acumpliciarem na demolição do pacto da sociedade sem consulta-la.

Após quatro derrotas presidenciais sucessivas, sendo a última, de outubro de 2014, com seu quadro mais palatável, as elites decidiram queimar as caravelas e os escrúpulos que supostamente ainda carregariam.

Fizeram-no, como se constata na escalada do cerco ao PT e à Carta de 88 convictas de que só escavando um fosso profundo na ordem constitucional teriam o poder necessário para a demolição requerida.

Aquela capaz de transformar a construção inconclusa de um Brasil para todos, na recondução da ordem e do progresso para os de sempre.

Não deixam dúvida as encomendas e as entregas: o golpe veio apunhalar a democracia para atingir o interesse popular.

Vem aí um vergalhão de privatizações e abastardamento de serviços essenciais.

Reafirma-se a rigidez recorrente da velha fronteira histórica onde acaba a tolerância do dinheiro e do mercado e começam as bases da construção de uma sociedade mais justa na oitava maior economia do planeta.

‘A democracia prometeu mais do que o capitalismo pode conceder sem mergulhar a economia em uma crise fiscal desestabilizadora’, martelam diuturnamente os colunistas do jogral midiático que não cogitam jamais de uma reforma que estenda, por exemplo, a coleta de tributos aos R$ 334 bilhões em lucros e dividendos –isentos de IR—apropriados em 2016 por pessoas físicas das faixas de renda mais altas da sociedade.

Ao contrário.

O que se enxergou do esgotamento de um ciclo de expansão, agravado pela crise econômica global, foi a oportunidade para um acerto de contas capaz de fazer o serviço completo.

Cortar o ‘mal’ pela raiz.

Explica-se assim a sanha do assalto às fontes originárias da universalização de direitos na sociedade, desde a CLT de 1943, à Constituição Cidadã de 1988 e o partido que deles se tornou o principal promotor.

Pode dar errado.

Ter um Estado que trata encargos sociais como estorvo do mercado, por mais que gere uma euforia inicial nos donos do dinheiro, não resolverá as grandes pendências nacionais emolduradas por um pano de fundo desafiador.

O capitalismo revira os nós de suas tripas em uma transição épica de padrão tecnológico.

O salto da industrialização 4.0 baseada na robótica, na integração e digitalização dos processos vai ralear e atomizar o mundo do trabalho e desse modo toda a sociedade.

A indústria continuará vital como núcleo irradiador de produtividade e tecnologia na sociedade. Mas será cada vez menos o núcleo ordenador do emprego e dos direitos.

A dispersão laboral que a esperteza conservadora quer acelerar aqui com a implosão da CLT e o barateamento da previdência aponta para uma fragmentação social de consequências imponderáveis.

Só a ação planejadora da democracia e do Estado pode impedir que isso transborde em anomia conflitiva, violenta e desesperada.

Eis o paradoxo da política de estabilização golpista.

A coesão social hoje passa a depender cada vez mais –e não menos– de políticas públicas amplas, massivas, inclusivas que a sabedoria fiscal dos ‘reformistas’ aqui trata de desossar.

O modelo atual de previdência social de fato se esfumou num horizonte de emprego instável e escassos vínculos trabalhistas.

Mas a miopia ideológica do conservadorismo extrai daí a oportunidade de apagar o incêndio social com o maçarico da exclusão .

A alternativa ao caos existe.

A seguridade social do futuro terá que ser financiada com um imposto geral, progressivo, cobrado de toda a sociedade. O contrário é o apartheid da velhice –e não apenas dos pobres, mas também da classe média– em privação, abandono, desespero familiar e depósitos de barbárie.

O mesmo vale para os demais bens e serviços.

No dizer do professor Luiz Gonzaga Belluzzo (que recomenda o filme de Roberto Andó, ‘As confissões’, de onde deriva a enunciação de um personagem para adaptá-la à hora do Brasil) –‘Se queremos reaver a esperança, não podemos mais oferecer ilusões’.

A esperança capaz de levantar a rua e redimir os laços sociais em nosso tempo não nascerá da nostalgia de um padrão de desenvolvimento irrecuperável.

Nem do seu ‘ajuste’ pelas mãos dos alfaiates das crises humanitárias.

A reforma estabilizadora e crível virá de políticas públicas que inovem diante das incertezas sociais e laborais, e respondam com justiça tributária ao desamparo que estilhaça e subordina a sociedade à ganância financeira.

Não por acaso, o que mais se evidencia nessa ciclópica transição emendada à crise de 2008, é a falta que faz agora tudo o que foi subtraído do Estado e da democracia no ciclo neoliberal anterior à explosão das subprimes – regulações, direitos, soberania, garantias trabalhistas, tributação da riqueza –que cedeu lugar ao endividamento paralisante do Estado, salários dignos, indução pública do investimento, amparo social enfim, laços de pertencimento e solidariedade fiscal e humana.

A virulência anacrônica do golpe brasileiro quer nivelar o país nesses quesitos, implodindo estruturas que o ciclo de governos progressistas preservou e ampliou.

Sua vitória pode estar fadada a ornamentar o cemitério da estagnação e o inferno da desigualdade.

A volta da fome ao país, denunciada agora à ONU, é um sinal da combustão social que arde com rapidez assombrosa. O quadro falimentar do estado no Rio de Janeiro velado por uma procissão de corpos que cresce à razão de um assassinato a cada duas horas é outro grito de alarme.

A conclusão explode aos olhos de quem não foi contaminado pela cegueira tóxica do jornalismo isento.

Falta investimento público, falta demanda, faltam oportunidades, inclusão e sentido de esperança no capitalismo do século XXI.

Esse corner humano e macroeconômico que o golpe mimetiza para barrar reformas e retificações de privilégios –requeridas pelo esgotamento do ciclo anterior de expansão– é justamente o desafio ao qual o projeto progressista terá que responder com o desassombro histórico.

A resposta conservadora é a ‘noite de São Bartolomeu’ em marcha que instaura a paz salazarista dos cemitérios.

Graças ao monopólio midiático, interditou-se o debate das alternativas à delicada transição de ciclo econômico (local e global) para a qual não existe saída fora da repactuação da sociedade em torno de políticas que fortaleçam, não esmaeçam, as dimensões compartilhadas do presente, do futuro e do passado da cidadania.

A manipulação midiática logrou assim avalizar ‘soluções’ que na verdade radicalizam a contraposição de interesses unilaterais, privilegiam os mercados e não os cidadãos, impõem uma regressão civilizacional inconciliável com a manutenção do Estado democrático e, por fim, corroem aquilo que tão arduamente se reconquistou, a autoestima brasileira.

Sobra o quê?

Uma ruptura mais profunda do que a mera destituição de um Presidente da República.

De diferentes ângulos da economia e da sociedade já emergem avisos de saturação estrutural.

Em 1964, a transição rural/urbana impulsionada pela ditadura militar abriu uma válvula de mobilidade momentânea –às custas de uma urbanização de periferias conflagradas– para as contradições violentas de uma sociedade que já não cabia no seu modelo anterior.

Mesmo com essa válvula de escape, a repressão do regime foi brutal. Hoje não há fronteira geográfica ‘virgem’ para amortecer a panela de pressão da nova encruzilhada do desenvolvimento turbinada pela finança e a tecnologia poupadora de empregos e direitos.

As legiões que não couberem aí serão escorraçadas, como estão sendo, pela explosiva segregação que se anuncia, atiradas a uma periferia constitucional e, assim, coagidas a reagir de forma explosiva ou perecer.

Erra esfericamente quem imagina que esse estirão pode ser mitigado com a maciça entrega do que sobrou do patrimônio público depois do governo do PSDB.

Privatizações não agregam força produtiva nem vagas; apenas concentram ainda mais a renda; definham adicionalmente o já enfraquecido poder indutor do investimento público, reduzem o fôlego do Estado com remessas descasadas de receitas exportadoras.

Radicalizam , enfim, o que o país mais precisa superar.

A reedição de um novo ‘1964’ exigiria, desse modo, uma octanagem fascista drasticamente superior à original, para prover o aparelho de Estado do poder de coerção necessário à devolução da pasta de dente social a um tubo que na verdade nem existe mais.

Não há uma terceira escolha.

É voltar às urnas na esteira de forte mobilização da sociedade; ou entregar a nação a uma ‘longa noite de exceção’ de desdobramentos incontroláveis.

Essa é a disjuntiva.

Moro se empanturrou da ração midiática na qual foi cevado nos últimos anos.

A sentença com a qual pretende ‘limpar esse terreno’, interditando o nome de quem pode barrar a imissão de posse violenta, não vai mudar, nem resolver a encruzilhada estrutural da qual Curitiba é um simples adereço de mão do conservadorismo.

A opção à deriva imponderável cabe à resistência democrática progressista –se cumprir certos requisitos.

Ela terá que ser construída nas ruas, a partir de um desassombrado aggiornamento de sua visão de futuro.

A esperança capaz de levantar as ruas –repita-se—não admite mais ilusões.

A repactuação do desenvolvimento brasileiro só deixará de ser uma miragem flácida se calcada em amplas políticas de infraestrutura e inclusão social –inclusive dos filhos de uma parte expressiva da classe média que terão que se inserir em sistemas públicos de educação, saúde e lazer.

O novo é o que é público e comum. Assim como as escalas se ampliam na economia das grandes corporações, elas terão que ser magnificadas também na esfera dos acessos e direitos consagrando o bem comum.

Moro não calará Lula, assim como não silenciaram Mandela, se ele se tornar desde já o porta-voz desse arrebatador projeto de futuro compartilhado.

Aquele que repactua a nação consigo mesmo e com o século XXI através de políticas públicas e tributárias que viabilizem o que a elite brasileira – e sua escória parlamentar—se empenha em sonegar: o direito de a maioria sair da soleira do lado de fora do país e da civilização para desfrutar da principal riqueza do nosso tempo: direitos, oportunidades, serviços e espaços públicos dignos para todos.

Livre apreciação da prova é melhor do que dar veneno ao pintinho?, por Lenio Luiz Streck

Compartilho artigo de Lenio Luiz Stock, publicado originalmente na Revista Consultor Jurídico.

Lenio Luiz Streck é doutor em Direito (UFSC), pós-doutor em Direito (FDUL), professor titular da Unisinos e Unesa, membro catedrático da Academia Brasileira de Direito Constitucional, ex-procurador de Justiça do Rio Grande do Sul e advogado.

Vale a pena ler até a última linha do texto. Sugiro repetir a leitura para bom entendimento do texto. Como eu já disse, vale a pena.

Paulo Martins

SENSO INCOMUM
Livre apreciação da prova é melhor do que dar veneno ao pintinho?

13 de julho de 2017, 8h00
Por Lenio Luiz Streck

Depois de ver que aqui em Pindorama estão querendo, a fórceps, enfiar o bayesianismo e o explanacionismo para “dentro” da teoria da prova (ver aqui), algumas questões devem ser postas aos leitores. Penso que teorias como bayesionismo e explanacionismo podem ser úteis em determinados aspectos da filosofia e áreas ligadas à economia e gestão. Trata-se da discussão de probabilidades, “calculadas” a partir da lógica, na busca de caminhos para uma (melhor) tomada de decisão. Bayesianismo, explanacionsimo e outras teorias quetais podem ser úteis para análises econômicas envolvendo risco nas decisões. E há autores que trabalham com essas teorias na Análise Econômica do Direito (AED).

Mas, atenção: isso não quer dizer “decisão jurídica” e tampouco que se possa condenar alguém com base em cálculos de probabilidades. Usam análises para aferir eficiência de (e entre) fins e meios. O erro nas teorias desse tipo é o de pensar que o único critério de controle da ação seria o de analisar como que se “relacionam” fins (vazios) e meios (indeterminados) em busca de um resultado eficiente. Como o Direito, mormente o Penal e Processual Penal, trata de direitos fundamentais à liberdade e integridade, parece-me que tais teorias não podem ser aplicadas aqui, sob pena de estarmos criando uma espécie contemporânea de ordálias ou “prova do demônio”: atirem o réu às probabilidades! Direito e democracia não combinam com qualquer forma de teoria cética ou não cognitivista moral (uso aqui o conceito de Arthur Ferreira Neto em seu livro Metaética e a fundamentação do direito). Teorias céticas constituem um problema, porque, nelas, há uma crença de que a verdade, com um mínimo grau de objetividade, não importa. Quer dizer: paradoxalmente, para essas teorias “é verdade que não existe verdade”. Com isso, o Direito — e a teoria prova — são transformados em uma katchanga (real ou não).

Queria ver, por exemplo, alguma sentença que usasse, efetivamente, a fórmula do Teorema de Bayes. A relação do bayesianismo com a AED é, para mim, absolutamente temerária. O próprio criador da AED (Ronald Coase) não o fez. Aproveito para dizer que: a) quem aposta na AED adere a um tipo de ceticismo externo ou interno (ver aqui o belo texto de Marcos Marrafon sobre isso); b) a AED foi uma reação ao positivismo (formalismo), sendo uma versão 2.0 do realismo jurídico, cujo resultado pode ser visto no cotidiano do irracionalismo das decisões do judiciário brasileiro; c) AED? Você gosta? Então veja este exemplo, advindo de um dos corifeus da AED, R. Posner – que, aliás, custou uma enorme dor de cabeça, quando falou da venda de crianças. (ver aqui).

Aliás, defender a AED no Brasil é um grande e barulhento tiro no pé, porque, por ela, muitas operações da Justiça-MPF-PF podem ser severamente criticadas — mormente a operação carne fraca, assim como a divulgação das gravações do presidente Temer com Joesley (nesse dia, a bolsa perdeu 200 bilhões), porque mais causam prejuízo que felicidade (no sentido utilitarista — que, como se sabe, está por detrás da AED) — sem considerar os altos custos em diárias e logística das operações.

Bom, só para avisar, eu não sou adepto da AED. Logo, essas contradições não são problema meu nem são problemas que atrapalham minha análise. Ah: e também não sou contra a lava jato – sou contra os desmandos e autoritarismos que a operação institucionaliza.

Minha oposição a qualquer teoria ceticista (emotivista, não-cognitivista moral e/ou pragmaticista, todos parentes entre si) está assentada na CHD – Crítica Hermenêutica do Direito – tendo por suporte a ideia de que existem padrões objetivos que sustentam “o certo e o errado”. Meu Dicionário de Hermenêutica e o livro Diálogos com Lenio Streck mostram isso à saciedade. Direito sem teoria da decisão vira irracionalidade na veia. Estamos cheios de profetas sobre o passado. No Brasil existem até realistas (retrôs) que sustentam que precedentes são fonte primária de direito. Aceita-se, no atacado, que, primeiro se decide e, só depois, busca-se a fundamentação. Ou seja: atravessam a ponte, chegam do outro lado e depois voltam para construir…a ponte pela qual passaram. Aporias em cima de aporias. Processualismo…sem processo. Bingo.

O que quero dizer é que, para uma teoria da prova, não se pode jogar com probabilidades, intuições, deduções e subjetivismos tipo “busco a verdade real”. No fundo, isso dá tudo no mesmo, porque há um desprezo por critérios substantivos e uma ode à ficcionalização das respostas. Na verdade, teorias como essas querem dar respostas antes das perguntas. Fazem “deduções” porque constroem, artificialmente, as premissas.

Porque a “teoria do pintinho envenenado” é melhor!
Para quem aposta em teses intuitivas, emotivistas, probabilísticas e quer trazer isto para a seara dos direitos e garantias de liberdade (processo penal), sugiro algo mais “seguro”, como o “Teorema do Pinto” (o apelido é dado por mim), “praticado” pela Tribo Azende, da África central. Sem intuicionismo e sem deduções, a tribo, para construir a prova e “buscar a verdade”, lança mão do que chamo de “fator benge”, que consiste em dar para um pintinho um veneno previamente preparado (há um ritual para isso) e, se o pinto morrer, o réu é considerado culpado. Se o pinto sobreviver, é absolvido[1].

Pergunto: Qual é a diferença da “teoria do pintinho benge” e a inversão do ônus da prova que ainda é aplicado pelos tribunais da pátria? Qual é a diferença da teoria do pintinho e a tese bayesianista pela qual Pr(A) e Pr(B) são as probabilidades a priori de A e B Pr(B|A)? Ou que Pr(A|B) são as probabilidades a posteriori de B condicional a A e de A condicional a B respectivamente? Ou que o réu Tício deve ser condenado porque a hipótese fática H foi tomada como verdadeira por Caio porque é a que melhor explica a evidência E? Ou que, pela AED, Tício… O leitor pode complementar.

Falemos sério. O Brasil tem um precário ensino jurídico. E práticas judiciárias que não possuem racionalidade. Em São Paulo, um grupo estrangeiro comprou um conjunto de faculdades e despediu mais de duas centenas de professores, trocou o currículo e esticou o percentual de aulas em EAD (que não deixa de ser resultado de uma “análise econômica”, se me permitem a ironia). Como se o direito fosse mero instrumento. Ora, fala-se em bayesianismo e quejandos e, pelo país afora, nas salas de aula ainda se ensina que Kelsen é um positivista exegético, que cumprir a letra da lei é uma atitude positivista, que princípios são valores, que o juiz deve decidir conforme sua consciência, etc. E o professor posta no Facebook a sua maior conquista — a de ver aprovado um artigo seu no Conpedi.

Erros e epistem(olog)ias fakes que se refletem na operacionalidade do direito nos fóruns e tribunais. Por que há tanta insegurança e falta de previsibilidade? Simples: Porque não há critérios. Porque não há preocupação com um mínimo grau de objetividade e respeito à coerência e à integridade do direito (aliás, isso é obrigação legal – artigo 926 do CPC). Porque sequer se cumpre a objetividade mínima do texto como ponto de partida limitador de um processo hermenêutico. Pergunto: O que são a livre apreciação da prova e o livre convencimento se não argumentos emotivistas (ou coisa desse gênero)? Por isso, envenenar o pinto pode ser mais eficiente. Um relógio parado também acerta hora duas vezes ao dia.

Deixemos o bayesianismo na (e para a) filosofia moral e a lógica. Quero no direito a preservação de garantias. Quem tem de provar robustamente a culpa do réu é o Estado. Isso não pode vir de presunções. E nem de probabilidades. E duvido alguém provar a existência de um fato a partir do Teorema de Bayes.

Além de tudo, determinadas teorias, analisadas no plano filosófico, constituem-se em um paradoxo: se estiverem certas, estão erradas, isto é, se estiverem certas, a filosofia e seus dois mil anos não serviram para nada. Matemos os filósofos. Matem o cantor e chamem o garçom, diria Fausto Wolff.

Para encerrar, conto uma historinha bem ao gosto dos realistas retrôs brasileiros (que são, todos, não cognitivistas morais), com uma advertência – A anedota abaixo é uma carapuça – ponha-a quem quiser. Quem a conta é o professor Arthur Ferreira Neto:

“Um professor alemão, responsável pela disciplina Niilismo, que se enquadra em qualquer dos não cognitivismos acima, foi indagado por um aluno acerca do significado de um conceito complexo e um tanto obscuro que estaria ele apresentando em aula. Respondeu o professor: – não sei a resposta agora; mas, não se preocupe, porque até amanhã inventarei uma”.

Bingo! Bem assim se faz na cotidianidade das práticas jurídicas e nas salas de aula de Pindorama. Como diz a mãe de um amigo meu, nem tudo que parece, é. Mas se é, parece.

Para quem conseguiu chegar até aqui: Escrevi esta coluna para falar das mistificações que começam a ser feitas a partir do uso de teorias exóticas para dentro da teoria da prova no processo penal brasileiro. Já teve até decisão em que se disse que não havia prova, mas a doutrina que tratava do assunto autorizava a condenação (e citava Malatesta). Que se use teses sofisticadas como o bayesianismo onde se quiser. Mas não na teoria da prova. Por favor, não vamos conspurcar a já combalida teoria da prova. Temos 350 mil presos cautelarmente que teriam melhor destino se, para os seus processos, fosse utilizada a teoria do pintinho envenenado… A chance de cada réu seria maior. Ou estou exagerando?

Salvemos, pois, a professorinha, com seu toco de giz. Salvemos as teorias da verdade. Não desistamos da (busca da) verdade!

Post scriptum: lendo a sentença condenatória do ex-Presidente Lula prolatada pelo Juiz Sérgio Moro, deu-me a nítida impressão que o réu teria mais chance de ser absolvido se tivesse sido usado o “Teorema do Pintinho Envenenado”, que faz sucesso na tribo Azende, da Africa Central.

Lenio Luiz Streck é doutor em Direito (UFSC), pós-doutor em Direito (FDUL), professor titular da Unisinos e Unesa, membro catedrático da Academia Brasileira de Direito Constitucional, ex-procurador de Justiça do Rio Grande do Sul e advogado.

Revista Consultor Jurídico, 13 de julho de 2017, 8h00

Exóticas, teorias usadas pelo MPF no caso Lula seriam chumbadas pelo CNMP, por Lenio Luiz Streck

Exóticas, teorias usadas pelo MPF no caso Lula seriam chumbadas pelo CNMP

Por Lenio Luiz Streck

Recentemente, o conselheiro do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) Valter Shuenquener concedeu liminar (aqui) para anular a questão número 9 do 54º concurso público para promotor de Justiça do Ministério Público de Minas Gerais. No voto, o conselheiro cita coluna Senso Incomum, na qual denunciei o exotismo das teorias perquiridas no certame, como a teoria (sic) da graxa e do Estado vampiro. O CNMP, assim, dá importante passo para desbaratar embustes epistêmico-concurseiristas, como o uso de questões exóticas e quiz shows. Bingo, conselheiro Valter. Estava na hora de passar um recado às bancas de concursos. Há que se avisar que o concurso não é da banca; é do “público”; é res publica. Não é res concurseira.
Pois parece que o recado do CNMP não retumbou em certas teorias utilizadas pelo Ministério Público Federal nas alegações finais subscritas recentemente no processo criminal movido contra o ex-presidente Lula. Que o procurador signatário da peça cite em seu livro teorias exóticas e incompatíveis com qualquer perspectiva contemporânea acerca da prova, OK. Mas que queira fazer uso de teorias, teses ou posturas acopladas a fórceps no Direito é outra coisa. Qual é o limite ético do uso de determinadas teses, tratando-se de uma instituição que deve ser imparcial (MP deveria ser uma magistratura) e zelar pelos direitos e garantias dos cidadãos e da sociedade?
É possível, na ânsia de condenar, jogar para o alto tudo o que já se ensinou e escreveu nas mais importantes universidades do mundo sobre a prova e a verdade no processo penal? Aliás, nas alegações finais que tive a pachorra de ler (e só o fiz depois que fiquei sabendo que o procurador usou o bayesianismo e o explanacionismo), sequer são citados os livros nos quais ele se baseia.

O que diz o signatário? Vamos lá. “As duas mais modernas teorias sobre evidência atualmente são o probabilismo, na vertente do bayesianismo, e o explanacionismo. Não é o caso aqui de se realizar uma profunda análise teórica delas, mas apenas de expor seus principais pontos, a fim de usar tal abordagem na análise da prova neste caso”. (grifei)
Sigo. E ele explica: “Muito sucintamente, o bayesianismo, fundado na atualização de probabilidades condicionais do Teorema de Bayes, busca atualizar a probabilidade de uma hipótese com base em evidências apresentadas. Na linguagem probabilística, uma evidência E confirma ou desconfirma uma hipótese H. Contudo, a vertente probabilística de análise de prova apresenta inúmeras dificuldades para as quais ainda não foi apresentada resposta convincente, como o problema das probabilidades iniciais, a complexidade dos cálculos, o problema da classe de referência, o paradoxo das conjunções, as evidências em cascata etc. Já de acordo com o explanacionismo, a evidência é vista como algo que é explicado pela hipótese que é trazida pela acusação ou pela defesa”. (sic)

Bom, isso se pode ver também na Wikipédia (e olha que a fonte das páginas Wikis nem são tão confiáveis). Aliás, na Wiki está mais “clara” essa “bela” tese sobre “a prova” adaptada à fórceps ao Direito. Vejamos: O teorema de Bayes (por isso bayesianismo!) é um corolário do teorema da probabilidade total que permite calcular a seguinte probabilidade:
(vide imagem no banner)
Pronto. Eis aí a fórmula para condenar qualquer réu e por qualquer crime. Você joga com as premissas (ou probabilidades) e… bingo. Tira a conclusão que quiser. Algo próximo a autoajuda para entender o que é isto — a verdade no processo penal. Gostei mesmo foi do “Paradoxo das conjunções…”. Deve ser esse o busílis do teorema aplicado à teoria da prova. Fico imaginando o juiz dizendo (não resisto a fazer uma blague e peço já desculpa aos leitores e ao signatário da peça por isso — mas é que a situação é por demais peculiar): “— Condeno o réu Mévio porque o Pr(A), na conjunção com o Pr(AB) deu 0,1. Isso porque a probabilidade a posteriori indicava que Pr(B-A) era inferior a Pr (B+). Perdeu. A casa caiu; a pena aplicada é de X anos”.
Mas a peça é ornamentada com mais uma “teoria jurídica”: O explanacionismo, que “tem por base a lógica abdutiva, desenvolvida por Charles Sanders Peirce no início do século XIX. Para se ter ideia da força que assumiu a abdução, que foi denominada inferência para uma melhor explicação (“inference to the best explanation”) pelo filósofo Harman, pode-se citar uma obra da década de 1980 em que Umberto Eco, junto com outros renomados autores, examinaram exemplos do uso dessa lógica em inúmeras passagens de Sherlock Holmes.
Na linguagem explanacionista, a hipótese fática H (cuidado com a cacofonia) que é tomada como verdadeira é aquela que melhor explica a evidência E, ou o conjunto de evidências do caso. Assim, a melhor hipótese para a evidência consistente em pegadas na areia é a hipótese de que alguém passou por ali. (…) Combinando o explanacionismo com o standard de prova da acusação, que se identifica como a prova para além de uma dúvida razoável, pode-se chegar à conclusão quanto à condenação ou absolvição do réu”. (sic)
Pronto. Sherloquianamente, a partir do explanacionismo, chega-se à conclusão de que… de que, mesmo? Ou seja: Tício pode ser condenado porque a hipótese fática H (cuidado de novo) foi tomada como verdadeira por Caio porque é a que melhor explica a evidência E. E eu poderia dizer que, a partir da teoria da incompletude de Gödel, a tese esgrimida na peça processual está errada. Ou está certa. Quem sabe? Ou que pelo sistema de Hilbert (por essa ninguém esperava, hein; pensam que não leio essas coisas?) há 85% de chances de a abdução realizada pelo procurador signatário da peça ser falsa, porque, no plano sistêmico — entendido a partir de uma epistemologia não-cognitivista moral (teoria metaética) — ele está absolutamente equivocado. Mas isso que eu acabei de falar é tão verdadeiro quanto a teoria do bayesianismo. Ou não. Entenderam?

Ou seja, cada coisa que está dita — e vou utilizar o neopositivismo lógico (não inventei isso) e sua condição semântica de sentido — pode ser refutada com a simples aposição da palavra “não”. Vou me autocitar só uma vez (há 7 autocitações na peça processual): no meu Dicionário de Hermenêutica, há um verbete sobre Resposta Adequada a Constituição, em que mostro como usar a condição semântica de sentido (por óbvio, sob um viés hermenêutico que não vou explicar aqui). De uma forma simples, é assim: Um enunciado só é verdadeiro, a partir do neopositivismo lógico, se passar pelo filtro da sintaxe e da semântica. Se eu digo “chove lá fora”, esse enunciado pode ser testado. Sintaticamente, correto. E semanticamente? Fácil. Basta olhar para fora. Se estiver chovendo, beleza. Se estiver tempo seco, basta colocar um “não” no enunciado. Bingo. Enunciado verdadeiro. Parcela considerável do que está dito nas três centenas de laudas não passa pela CSS (condição semântica de sentido). Coloque a palavra “não” nos enunciados (frases) e constate. No Dicionário, uso o exemplo da decisão em que uma juíza do Rio de Janeiro nega ao detento o direito de não cortar o cabelo, enquanto que para as mulheres era dado esse direito. Argumento: as mulheres são mais higiênicas que os homens. Bingo: se eu colocar um “não”, que diferença fará? Não há qualquer possibilidade empírica de verificar a veracidade do enunciado.
Aliás, qualquer coisa que você quiser demonstrar é possível com as duas “modernas” teorias (sim, são modernas…, mas não para o Direito e/ou teoria da prova). Aliás, abdução ou dedução ou coisa que o valha só é possível — na filosofia — se estivermos em face de um enunciado auto evidente. Caso contrário, como nunca falamos de um grau zero de sentido, colocamos a premissa que quisermos, para dali deduzir o que queremos. Sherlock mesmo tem várias passagens em que brinca com esse tipo de raciocínio. Isso também está explicado no diálogo entre Adso de Melk e Guilherme de Baskerville, no romance O Nome da Rosa. É a passagem da subida em direção à Abadia… Deduções que parecem deduções…
Trazer isso para o Direito e tentar, de forma malabarística, dizer que uma coisa é porque não é mas poderia ter sido por inferência ou abdução, cá para nós, se isso for ensinado nas salas de aula dos cursos de direito… Bom, depois da teoria da graxa, dos testículos partidos, da exceção da nódoa removida, do dolo colorido, do estado vampiro, da teoria régua lésbica aristotélica (sim, isso é ensinado em alguns cursinhos), porque não incluir duas novas — bayesianismo, e o explanacionismo?

Aproveito para sugerir uma nova: a TPP — Teoria da Prova de Procusto. Inventei agora: Procusto era um sujeito que tinha um castelo no deserto. Quem por ali passava recebia toda mordomia. Só tinha um preço: dormir no seu leito. Procusto tinha um metro e sessenta. Se o visitante medisse mais, cortava um pedaço; se medisse menos, espichava o vivente. Pronto. Se os fatos não comprovam alguma coisa, adapte-se os às teorias. Ou se crie uma teoria para construir narrativas.

Numa palavra: não coloco em dúvida o valor do teorema de Bayes e o esplanaciosimo. Mas um processo penal é uma coisa séria demais para experimentalismos. Ou jogos de palavras. O que consta da peça processual, se verdadeiras as adaptações que se quer/quis fazer para a teoria da prova no Direito, jogará por terra dois mil anos de filosofia e todas as teorias sobre a verdade. Mas tem uma explicação para essas teses ou “teorias”: na verdade, são teses que se enquadram, no plano da metaética, no não cognitivismo moral, como bem explica Arthur Ferreira Neto no seu belo livro Metaética e a fundamentação do Direito. São não-cognitivistas todas as teorias emotivistas, niilistas, realistas (no sentido jurídico da palavra) e subjetivistas.
E por que? Porque são posturas céticas (ceticismo externo, diria Dworkin). Por elas, não é possível exercer controle racional de decisões. Direito, por exemplo, será aquilo que a decisão judicial disser que é. E isso resultará de um ato de verificação empírica. Um ato de poder. E de vontade. Prova será aquilo que o intérprete quer que seja. Para essa postura, decisões jurídicas sempre podem ser variadas. Uma postura não-cognitivista não concebe a possibilidade de existir nenhuma forma de realidade moral objetiva; relativismo na veia; não é possível, por elas, dizer que uma coisa é ruim em qualquer lugar; somente a dimensão empírica é capaz de influenciar a formação do direito. O decisionismo é uma forma não-cognitivista. Niilismo, do mesmo modo é uma forma não-cognitivista, assim como uma corrente chamada emotivista. O uso das teses em testilha e seu signatário podem ser enquadrados como um não-cognivismo moral, seguindo os conceitos das teorias mais modernas sobre a diferença entre cognitivismo e não-cognitivismo ético (aqui, moral e ética são utilizadas, na linha de Arthur Ferreira Neto, como sinônimas). De minha parte, sou confessadamente um cognitivista.

Por que estou dizendo tudo isso? Porque quem sai na chuva é para se molhar. Ou corre o risco de se molhar (isso seria uma inferência? Ou uma abdução? Ou dedução?). Estamos falando de um agente do Estado que possui responsabilidade política (no sentido de que fala Dworkin). O agente do MPF nos deve accountability. Deve ser imparcial. Não pode dizer o que quer. Há uma estrutura externa que deve constranger a sua subjetividade. Essa estrutura é formada pela Constituição, as leis, as teorias da prova, as teorias sobre a verdade, enfim, há uma tradição acerca do que são garantias processuais. E do(s) agentes(s) estatais podemos questionar o uso de “teorias” sobre a prova que o próprio CNMP poderia — se indagadas em concurso público — chumbá-las, porque exóticas. Comparando com a medicina, é como se alguém defendesse a tese de que é possível fazer operação a partir da força da mente. Ou algo exótico desse jaez.
Por fim, poder-se-á dizer que há provas nos autos etc., coisa que aqui não me interessa. Não sou advogado da causa. Não quero e nem posso discutir o mérito do processo. Discuto as teorias de base utilizadas por um agente público. Poder-se-á dizer que o uso das duas “teorias” citadas nem são (ou foram) importantes para o deslinde da controvérsia (embora o próprio procurador signatário diga que fará a análise das provas a partir dessas duas “teorias”). Mas que estão aí, estão. O juiz da causa poderá até acatá-las. Mas, com certeza, se perguntadas em concurso público, haverá a anulação das questões. Pelo menos é o que se lê na liminar do CNMP (atenção – até porque no Brasil as metáforas têm de ser anunciadas e explicadas – a alusão ao CNMP tem apenas o condão de comparar a dimensão do sentido do uso de “teorias exóticas”).
Se alguém ficou em dúvida em relação ao teorema de Bayes, retorne no texto e veja de novo a fórmula. Não entendeu? Ora, é fácil.

Lenio Luiz Streck é jurista, professor de Direito Constitucional e pós-doutor em Direito. Sócio do escritório Streck e Trindade Advogados Associados: http://www.streckadvogados.com.br.
Revista Consultor Jurídico, 22 de junho de 2017, 8h00

O Estado Democrático de Direito no Brasil sempre foi exceção

Compartilho post do Facebook de Mara Teles.

O Estado Democrático de Direito no Brasil sempre foi exceção. E o Estado de Exceção sempre foi a regra. Democracia aqui é pausa pro café, é só o tempinho para as elites limparem a poeira do esqueleto autoritário que estava descansando no armário. E, como se não bastasse uma elite com vocações para o quartel e, mais recentemente para vergar a lei de acordo com a subjetividade dos togados, tal vocação encontra respaldo no populacho. Nas pesquisas que já apresentei por aí, a voz do povo diz que “um Presidente pode ser retirado do poder, caso seja impopular”. Não importam os ritos, nem a lei, nem o crime nem as provas. A vocação populista perpassa povo, direita e esquerda. Lavajatistas de todas as matizes comemoram que “mecanismos de exceção” sejam autorizados para combater a corrupção. A exceção torna-se o campo natural da luta política.

O império da lei sem lei segue a tradição da origem do Brasil, o grande Império Escravista que reinou como a única monarquia ao sul do Equador. Se a Lei é não ter Lei, tal lei-sem-lei também se volta contra os sem-leis: nenhum eleitor lulista se abalará porque Lula foi considerado um Fora da Lei. Faz parte de nossa tradição.

O que é o Brasil, como se formou a sua identidade, se é que ele tem alguma? Resposta difícil, mas se há algo comum de Norte a Sul é que nossa política e economia foram erigidas no tráfico de escravos. Este passado tem nos condenado a aceitar a desigualdade, a hierarquia social, a violência e a violação de direitos. O passado, no qual os castigos físicos eram rotineiros nas senzalas, nos socializou admitindo a violência nas ruas, na esfera privada e pública.

Obviamente as origens históricas de um Estado não determinam os pontos de chegada do regime que será adotado, ou seja, se alcançaremos um regime democrático ou autoritário. Poderíamos, através do estabelecimento de instituições republicanas, ter eliminado o espírito escravocrata e a tradição autoritária de nossas práticas políticas. Mas, nossas instituições tem fracassado nisso e os espasmos de Democracia tem sido derrotados pelo Império Escravista de onde viemos e do qual nunca saímos.

A travessia é custosa. Até então se tentou faze-la sem sangue. Não estou propondo sangue: proponho mais e melhores instituições. Mas, também lembro-me nesta manhã que nenhum país – EUA, Inglaterra, França, só para lembrar de alguns, alcançou a democracia sem a violência que, nestes casos foi praticada pelas revoluções burguesas. O Brasil abortou sua revolução e preferiu derrotar os oligarcas através de pactos sociais e conciliação. Parece que a herança desta escolha foi uma Democracia incompleta.

O que quer que digam sobre os regimes brasileiros, ele não é uma Democracia e não estamos sob o primado das leis. O Império Escravista ainda vive como uma cortina que abre as asas sobre nós.