Soluções inéditas, vazamentos ilegais e golpes de Estado: escândalos jurídicos

Compartilho artigo do site justificando.com sobre os “escândalos jurídicos” no âmbito da Operação Lava Jato. Ao final, um vídeo legendado com o professor da Universidade de Roma, Pierluigi Petrillo, que também manifestou o seu espanto com a justificativa do desembargador Rômulo Pizzolatti no processo que absolveu a conduta do juiz Moro.

Paulo Martins

Domingo, 30 de outubro de 2016
Para Zaffaroni, decisão que arquivou acusação contra Moro é um “escândalo jurídico”

Em artigo publicado no jornal argentino Página 12, Eugenio Raúl Zaffaroni, ex-ministro da Suprema Corte, professor emérito da Universidade de Buenos Aires e um dos maiores penalistas do mundo, classificou como “escândalo jurídico” a decisão do Tribunal Regional da 4ª Região (TRF-4) que arquivou o processo que apurava o vazamento deliberado pelo Juiz Federal Sérgio Moro das conversas entre Dilma e Lula em um dos processos da Operação Lava-Jato.

A conduta de Moro em divulgar as provas sigilosas para o Jornal Nacional da Rede Globo foi relevada e o processo foi arquivado pelo Tribunal por 13 votos a 1. O relator do caso, desembargador federal Rômulo Pizzolatti, usou da exceção para argumentar que as questões da Lava Jato “trazem problemas inéditos e exigem soluções inéditas”.

No artigo publicado, Zaffaroni manifestou assombro com a decisão. Como explica, “a excepcionalidade foi o argumento legitimador de toda inquisição ao largo da história, desde à caça às bruxas até nosso dias, passando por todos os golpes de Estado e as conseguintes ditaduras”.

O jurista lembrou a trajetória de Carl Schmitt, filósofo jurídico do período nazista, que desenvolveu sua teoria com base no poder sobre a exceção para legitimar o poder de Hitler e destruir a Constituição Alemã (Constitição de Weimar) – “Assim, Carl Schmitt destruiu a Constituição de Weimar hierarquizando suas normas e argumento que o princípio republicano permitia, em situações excepcionais, ignorar todas as demais normas”.

Zaffaroni ainda afirmou que decisões como essa escondem um revanchismo político por integrantes de carreiras políticas – “Infelizmente, encontramos um revanchismo exercido sob a legitimação de discursos com muito baixo nível de desenvolvimento: como no julgamento brasileiro, dá a impressão de que ele se exibe sem tentar a menor dissimulação”.

Vazamento dos áudios impulsionou impeachment e sofreu críticas de juristas de renome mundial

A divulgação pelo magistrado para o Jornal Nacional da TV Globo da conversa entre a então Presidenta Dilma e o ex Presidente Lula sobre sua nomeação para o cargo de ministro da Casa Civil causou profundo impacto político.

O Jornal abordou durante todo tempo o conteúdo da fala, levando pessoas a ocuparem a Avenida Paulista por 38 horas, além de causar uma intensa movimentação na mídia sobre a nomeação ao cargo, a qual durou menos de uma tarde, uma vez que o Ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, suspendeu os efeitos da posse.

Na época, o Justificando entrevistou o Professor da Universidade de Roma, Pierluigi Petrillo, que também ficou espantado com a conduta do magistrado. Relembre:

Leia em dialogosessenciais.com

O poder e o economista útil

Trata-se de um artigo escrito em 1973 sobre questões da ciência econômica que , infelizmente, continuam atuais neste quintal colonizado chamado Brazil.

Vale a pena ler com atenção e comparar com a realidade que nos confronta.

Ontem e hoje vi dois vídeos de economistas da escola austríaca com criticas ácidas, ponto a ponto, à economia neoclássica, como se eles próprios, os ‘austríacos”, estivessem fora dessa bolha neoclássica onde moram os economistas crentes que insistem em propor os mesmos remédios para qualquer paciente, independemente das causas das doenças e sem levar em conta a vida real das pessoas.

Ficam discutindo utilidade cardinal, ordinal, curvas de indeferença, curto e longo prazo enquanto as pessoas, apenas números e letras na álgebra lunática destes “cientologistas”, morrem de plano de saúde e juros de crédito.

Quando assisto estes debates na tv e no congresso e observo a situação das pessoas e de suas vidas neste mundo, fico me perguntando porque as profissões de economista e de político atraem tantos enganadores, lunáticos, desconectados da realidade, inocentes úteis e culpados inúteis.

Então, observo o chegando de SUVs para engrossar as filas de espera de pizzarias-vitrines do Leblon ou empurrando suas vidas nos ônibus, nos metrôs, em trens lotados e nos jogos de futebol, alheios a tudo, docemente alienados, máquinas de ir e voltar para o trabalho ou para o shopping gourmet e … dá um desânimo …

Não sei se o Abominável Senhor Neves jogou nosso país no abismo por um grande erro de avaliação ou por um mero capricho de adolescente de cabelos brancos que se recusa a crescer. Só espero que da semente plantada pelos adolescentes secundaristas, verdadeiramente adolescentes, brote a esperança de reconstruir o que o adolescente-abominável-Neves, junto com os seus sócios de ocasião, destruiu.

Para ler o artigo de John Kenneth Galbraith, clique aqui:

http://wp.me/p5ihlY-AU

Paulo Martins

 

 

Contra a corrupção, em todos os sentidos

Compartilho mais um post de Flávio Antônio da Cruz, com quem divido minha preocupação.

Paulo Martins

Um dos fundamentos do devido processo é o de que o suspeito, acusado ou condenado deve ser reconhecido como titular de direitos.

Não pode ser tratado como réu – do latim, coisa. É sujeito de direitos, convém repetir.

E um dos direitos fundamentais que qualquer pessoa possui – você, que está lendo aqui – é do de não ser coagido a produzir provas contra si. É o direito de não sofrer intervenções físicas na sua esfera de liberdade, no governo de si, no espaço de autonomia individual.

Ninguém tem a obrigação de colaborar com a própria ruína. Claro que isso não autoriza a prática de fraudes processuais (art. 347, Código Penal), a coação de testemunhas ou a ameaça contra juízes. Mas, o nemo tenetur se ipsum accusare autoriza, sim e sem dúvida alguma, que o sujeito não se sinta pressionado a confessar, não seja instado a manter diálogos quando desconfia que está sendo monitorado.

Não há crime quando alguém, cogitando haver uma escuta na sua residência, adota medidas para localização. É do jogo democrático.

Afinal de contas, nenhuma suspeita pode se reputar provada. Processo penal não pode ser o espaço de verdades sabidas ou encontros marcados. Até porque, para dizer o óbvio, quando o suspeito toma conhecimento da escuta, com isso a própria efetividade de eventual interceptação telefônica já foi comprometida.

A vingar lógica contrária, o Estado teria que processar todas as empresas que ofertam serviços de segurança digital, todas as empresas que vendem serviços de contraespionagem etc.

Nos tempos atuais, o fato é que falar em nome de direitos precisa vir acompanhado da ressalva: “sou contra a corrupção”.

Contra a corrupção, em todos os sentidos. Também contra a corrupção das vigas mestras da democracia, contra a corrupção do sistema de garantias, contra a corrupção das boas intenções, que imaginam que, em nome de valores transcendentais, se possa relativizar e transcender limites intransponíveis.

A MORTE DE MAX WEBER, por Vanderley Guilherme dos Santos

” Depois que anúncios da morte de Marx, Hegel e do Todo-Poderoso foram veementemente desmentidos, não faltarão testemunhos denunciando como precipitada a notícia de passamento desta para a melhor do veterano sociólogo alemão, ora vivo e bem, dirão, curtindo temporada restauradora em certo retiro curitibano. Mas há fortes indícios obtidos de colaboradores voluntários incentivando a convicção de que o celebrado autor da tese de que o protestantismo inventou o capitalismo não vai lá muito bem das pernas.

O retorno à celebridade do longevo Weber deve-se à recuperação de seus conceitos de possibilidade objetiva (quando não há impedimento lógico ao surgimento de algo) e de causalidade adequada (o especial piparote que transformará algo possível em fato material). Foi do casamento entre uma possibilidade e um piparote que se gerou, muito mais do que o capitalismo, a teoria do domínio do fato: o capitalismo era, entre outras, uma possibilidade histórica que, por felicidade, encontrava no domínio da religião protestante (mas não no da religião budista, por exemplo), o poder de materializá-lo. E para assegurar-lhe a capital existência entregou o monopólio do uso legítimo da violência ao Estado, ocupando-o com uma burocracia recrutada por critérios de competência, submetida a códigos de aplicação impessoal e disciplinada por severa hierarquia de obediência.

Pois, rumorejam por aí, esses órgãos dão sinais de falência, levando o sistema nervoso weberiano à extrema inquietação; à breca, como se diz, com o país ingressando em confusa clandestinidade institucional.

O monopólio da violência foi desmantelado quando o Estado despedaçou-se em trincheiras regionais, judiciais, funcionais, tais como as disputas entre bandos facinorosos, e que se confrontam dentro e fora dos xadrezes. Quem manda em que prisão, destacamento armado ou quarteirões públicos são conflitos que escaparam ao controle dos traficantes de drogas e se instalaram nas enxovias da administração do Estado.

E legítima deixou de ser a violência codificada, mas a arbitrariedade vitoriosa na competição entre máfias com alvará de licença para vinganças. O velho Max tem toda razão de andar horrorizado com o que fizeram do seu ideal-típico Estado.

A teoria do domínio do fato foi há tempos reduzida à categoria de cognição a voo de pássaro, estando canceladas todas as impossibilidades lógicas, principalmente a de que nada pode ser e não ser ao mesmo tempo.

Temos agora autoridades impolutas com robusta carteira de ilícitos financeiros; temos pré-presos, denunciados justamente ao não se comprovarem as acusações originais; e, esta é de cabo de esquadra, temos juízes declarando que todas as leis de que discordam são insubsistentes.

Se o conceito de impossibilidade objetiva foi declarado dessueto, o de causalidade adequada adquiriu, em compensação, uma excelência jamais imaginada pelo Max maduro, falido visionário de três formas de autoridade: tradicional, carismática e racional-legal.

A pobreza dos conceitos, segundo os juristas no comando, serve de convincente indício de que a cultura alemã decaiu depois de Lutero. Com todo respeito, o pobre diabo do Max Weber nunca alcançaria a sofisticação do mecanismo da causação preventiva cum adequação a posteriori, fenômeno recém-descoberto por missionários do Sul do Brasil.

Nem consegue qualquer europeu ajustar farelos de documentos a boatos parnasianos e a promissórias confessionais, parindo denúncias especulativas em argumentos de deslavada insensatez. Ou melhor, qualquer europeu até consegue, mas ser aplaudido e condecorado como aqui é que são elas.

Dando tudo por visto, desfez-se o casamento entre a possibilidade objetiva e a causalidade adequada, sob o império da teoria do domínio do fato, na versão weberiana, instaurando-se em substituição o concubinato entre as impossibilidades convenientes e as causas de acesso esotérico, sob a regência de cognições precursoras.

Se o ragu parece um tanto mistifório, não se afobe; o Estado, digo, o Estado-retalho de quistos mafiosos está aí mesmo para garantir a esbórnia da clandestinidade.

MOTO CONTÍNUO
Tirante lantejoulas habituais, no decálogo chamado de anticorrupção pelo destacamento de agitação e propaganda do Ministério Público Federal e a lei contra abuso de poder, com origem no Senado Federal, o leitor isento encontrará as diferenças entre uma proposta de tiranizar a população sob a ideologia da moralidade (cujo primeiro artigo trata de destinar montes de dinheiro aos procuradores) e uma tentativa senatorial de defender a presunção de integridade pública do cidadão brasileiro contra a violência da culpabilidade presuntiva das forças opressivas do Estado. O resto é propaganda”.

ÚLTIMAS PALAVRAS
A primeira página do Valor Econômico de 24/10/2016 estampa a oração fúnebre do jornal, redigida pelos proprietários das Organizações Globo de Comunicação sob o título de “Compromisso”.
Raphael Montes continua na última página do Segundo Caderno de O Globo (24/10/2016) a ótima série sobre literatura policial e de crimes de todo tipo.

Faz Escuro, Mas Eu Grito …

Tendo vivido toda a adolescência e início da vida adulta sob ditadura e tendo acompanhado com atenção cada uma das garantias e proteções contra o arbítrio que o legislador constituinte, com mandato popular, insculpiu na Constituição de 1988, assisto com pesar e indignação este novo tempo de arbítrio e escuridão.

Assim, compartilho diversos posts de pessoas igualmente preocupadas com o caos institucional e atropelamento das conquistas democráticas em curso no país.

Os posts compartilhados explicam, ou melhor, desenham, os motivos de nossas preocupações.

Espero que leiam com atenção e reflitam. Precisamos sair da letargia e perplexidade que nos paralisa.

Paulo Martins

dialogosessenciais.com

” Vivemos tempos estranhos, com verdadeiro “serial incarceration”, por Guilherme Octávio Batochio

” Vivemos tempos estranhos, com verdadeiro “serial incarceration”

21 de outubro de 2016, 19h07
Por Guilherme Octávio Batochio

Temos assistido, nos dias que correm, a fatos que nos levam a refletir sobre o proceloso mar em que estão a navegar nossa democracia e o Estado Democrático de Direito que logramos construir.
Vimos uma presidente da República legitimamente eleita pelo soberano sufrágio popular ser arrancada da primeira magistratura do país por razões políticas.

Testemunhamos, entre incrédulos e perplexos, o Supremo Tribunal Federal decretar a prisão cautelar de um Senador da República em pleno exercício de seu mandato, quando a Constituição Federal só autoriza a prisão de congressistas em hipótese de flagrante delito por prática de crime tachado como inafiançável (artigo 53, parágrafo 2º, da Constituição Federal), estado de flagrância este que evidentemente inexistia naquele caso. O Senado da República, em seguida, para assombro geral, chancelou a violação e manteve a prisão inconstitucional.

Tomamos conhecimento, aturdidos, ao depois, de que aquela mesma Suprema Corte determinou o afastamento do presidente da Câmara dos Deputados do exercício de suas funções parlamentares, medida esta fundamentada em uma tal excepcionalidade da ocasião.

Deparamo-nos com pedido de prisão processual de três parlamentares e de um ex-presidente da República, ao argumento de haverem “combinado versões de defesa” a ser produzida em eventual persecução contra eles intentada (conforme publicado no jornal Folha de S. Paulo, no dia 9 de junho de 2016)…

Prisões preventivas são decretadas, a mancheias, com fundamentos idênticos para investigados distintos, num verdadeiro “serial incarceration”, tudo sob o obsequioso e silencioso beneplácito dos tribunais superiores.

Vimos, agora, a Polícia Federal invadir o Senado Federal, para cumprir mandado de busca e apreensão expedido pelo Judiciário (de primeiro grau!), sob o pretexto de que se estaria a praticar “contraespionagem”, consubstanciada na inutilização de grampos ambientais (ilegais?) que teriam sido instalados no domicílio de três Senadores da República.

Esse cenário deixaria atônito Charles-Louis de Secondat, o Barão de La Brède e de Montesquieu, que ficaria cético quanto à sua teoria da separação dos poderes…

Afinal, que tempos são estes?

Exercício do constitucional direito à autodefesa tornou-se crime? Desde quando “combinar versão de defesa” é ato ilícito, penalmente censurável, suposta “obstrução de justiça” e motivo para a prisão de alguém?
Nem mesmo no Terceiro Reich…

É de se esperar, de outro lado, que, dando-se de barato sejam lícitos os “grampos”, a pessoa, ainda que investigada, se deixe escutar, placidamente?

Em época de pandêmica delação premiada, em que ao Ministério Público e à Polícia é dado “negociar” com colaboradores, escolhendo aquilo que julgam ser oportuno trazer à luz ou não, acusados (e seus defensores) não podem conversar entre si? Diálogo com a acusação é negociação; entre acusados é obstrução de justiça? Não é mesmo formidável?

Válida e elogiável a barganha – ética e seriamente questionável – da Polícia e do Ministério Público com supostos delinquentes, mas não se admite que corréus conversem entre si sobre a defesa e o processo? O contraditório (ciência do fato e possibilidade de reação) transmutou-se de direito constitucionalmente assegurado em reles delito?

É legítimo se impor ao acusado que se quede inerte e impassível diante da investigação/acusação que contra si é direcionada pelo Estado? Ignora-se o direito de autodefesa que, na amplitude constitucional, vai desde o silêncio até o de apresentar qualquer versão dos fatos e produzir sua contraprova? Revogou-se o privilege against self incrimination (direito de não se incriminar a si mesmo) assegurado na Constituição da República? Ou será que só se tolera a “defesa consentida” pelo Estado, como se dava na vetusta União Soviética? Ultrapassados os limites do que as autoridades da persecução entendem como aceitável para a garantia do êxito acusatório, o ato defensivo passa a ser reprovado, censurado, passível de sanção?

E os advogados a quem a Constituição impõe o dever de realizar a defesa técnica? Co-partícipes obrigatórios do novel “crime de defesa”?

Estarão próximos os dias em que o advogados dos réus em um mesmo processo ficarão igualmente impedidos de conversarem entre si sobre estratégia defensiva ou mesmo de orientarem seus clientes, posto que tal conduta passará a ser havida como delito de “obstrução de justiça”?

Se assim for, cabe ao democrata invocar a sabedoria do cancioneiro popular: parem o mundo que eu quero descer…

Notícias do império #1

Nos Estados Unidos, 51 milhões de pessoas não têm direito ao abono de faltas por doença.

Fonte: Site do Senador Bernie Sanders

51 million people in this country have no paid sick leave. Not only is that damaging to our economy, it is morally wrong. Paid sick leave should not be a luxury for just the wealthiest Americans. It’s a right for all workers and a public health issue.
51 milhões de pessoas neste país (nota: Estados Unidos) não têm abono de falta por doença. Além de ser prejudicial para a nossa economia, é moralmente errado. Abono de faltas por doença não deveria ser um privilégio só para os americanos mais ricos. Este é um direito de todos os trabalhadores e um assunto de saúde pública.

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O pé invisível do mercado (revisado)

“O calcanhar de Aquiles da economia do bem-estar é seu tratamento das externalidades … Em uma economia de mercado qualquer ato de um indivíduo ou firma que provoque prazer ou dor em qualquer outro indivíduo ou firma e é super ou subprecificado pelo mercado constitui uma externalidade.

Uma vez que a esmagadora maioria dos atos de produção ou consumo são sociais, isto é, em alguma medida envolvem mais de uma pessoa, daí segue que envolverão externalidades.

Caso supunhamos o homem econômico maximizador da Economia burguesa, e se supusermos que o governo estabelece direitos de propriedade e mercado para tais direitos, sempre que se descubra uma deseconomia externa (a solução “preferida”da tendência conservadora e crescentemente dominante no campo das finanças públicas), então cada homem logo descobrirá que, usando-se de sagacidade, poderá impor deseconomias externas a outros homens, sabendo que a negociação dentro do novo mercado que será criado, certamente, o beneficiará.

Quanto maior o custo social imposto ao seu vizinho, maior será a sua recompensa no processo de negociação. Segue da hipótese ortodoxa do homem maximizador que cada homem criará o máximo de custos sociais que puder impor aos demais. R. C. d’Arge e eu batizamos este processo de ‘o pé invisível” do mercado … laissez faire.

O ‘pé invisível” nos garante que em uma economia de … livre-mercado cada indivíduo buscando apenas o seu próprio bem irá, automaticamente, e da forma mais eficiente, fazer sua parte para maximizar a miséria pública geral …

Parafraseando um conhecido precursor desta teoria: Cada indivíduo, necessariamente, trabalha para  tornar os custos externos anuais da sociedade os mais elevados possíveis. Na verdade, ele, geralmente, não pretende promover a miséria pública, ou sabe em que medida a está promovendo. Ele busca apenas o seu ganho próprio e, nisto, como em vários outros casos, ele é levado por um pé invisível a promover um fim que não fazia parte de sua intenção. Tampouco será melhor para a sociedade que não fizesse a sua parte.

Ao buscar o seu próprio interesse ele, frequentemente, promove a miséria social de forma mais eficaz do que caso, de fato, pretendesse promovê-la”.

Autor: E. K. Hunt

Publicado em História do Pensamento Econômico: uma Perspectiva Crítica – Introdução à Terceira Edição

Editora Elsevier

 

PEC 241: suspensão da democracia por 20 anos

Nós, os economistas, especialmente os tecnocratas, adoramos modelos econômicos em que o povo aparece como variável exógena, que deve ser desconsiderada para não atrapalhar o modelo.

Se pudermos excluir também a livre manifestação da sociedade nas urnas, impedindo que possam escolher seu modelo econômico a cada período de 4 anos, melhor ainda.

É esta a minha principal crítica à PEC 241 e esta ninguém discute.

Não vêem qualquer ilegitimidade em impor, sem passar pelo crivo das urnas e sem discutir com a sociedade, mudanças na Constituição Federal por 20 anos.

Este estelionato, muito maior que o eventual estelionato do governo Dilma, parece ser considerado um ‘estelionato do bem”. Ninguém fala no estelionato-Temer. O assunto saiu de pauta.

Alexandre Schwartsman, em artigo publicado na Folha de São Paulo, ataca quem ataca a PEC 241. Só que ele escolhe a crítica fácil, contra aspectos dos artigos ou contra autores que não fundamentaram suas críticas, talvez por falta de espaço no jornal, talvez porque abordaram apenas um aspecto perverso da PEC. Outros artigos mais bem fundamentados contra a PEC ele deixou de lado.

Na verdade, Schwartsman perde mais tempo discutindo um ou outro ponto dos artigos contrários à PEC 241 do que em fazer uma análise profunda dos seus prós e contras.

Nenhum economista da casa grande intelectual discute o principal aspecto do pacotão de reformas: está sendo enfiado goela abaixo do país por um Congresso falido e por um governo provisório, não eleito com esta plataforma.

Economistas adoram uma ditacraciazinha que deixe o povo de fora dos seus modelos econométricos.

Ora, se querem mesmo impor uma reforma do tamanho do Estado brasileiro – e está nítido que é isto o que querem – que o façam para o período de 2016 a 2018 e deixem para a sociedade decidir livremente nas eleições de 2018 o que querem para o próximo período de governo. E assim, nas urnas, de 4 em 4 anos.

Por que não deixam para cada novo governo eleito decidir sua política econômica, proveniente da vontade das urnas? Para aproveitar a oportunidade histórica de déficit de democracia? Para aproveitar o golpe, antes que o cenário político-policial se deteriore ainda mais?

Os economistas erram – embora Meirelles seja engenheiro e administrador, está cercado por economistas. Por que errar por 20 anos, quando o estrago será grande e irreparável? Sejam mais humildes, doutores.

Arroz à la grega pode ser bom, mas política econômica à la grega leva ao abismo. Até a área de pesquisas do FMI já constatou o estrago que o austericídio receitado pelo FMI e pelos bancos alemães provocou na economia da Grécia. Ao final de pouco tempo, a relação dívida/PIB se deteriorou e virou uma verdadeira catástrofe, pelo afundamento do PIB. PIB ladeira abaixo, quando engrena e pega velocidade, ninguém segura.

A soma de abismo econômico com crise político-policial é um terreno fértil para o crescimento do ódio social. Se é isso que os formatadores de opinião querem …

Não se esqueçam de mandar blindar os seus carros e gradear as portarias dos seus prédios. Vai ser preciso também triplicar o número de cadeias e penitenciárias e contratar a metade do país como policiais para vigiar, dia e noite, e prender, a outra metade.

Boa sorte, irmãos.

Comentários sobre os juros no Brasil, por Felipe Salto

Se lá na casa deles eles não se entendem, como a Rede Globo quer que todo mundo acredite que só existe um caminho iluminado, ditado pela equipe de intervenção econômica liderada por Meirelles?

Paulo Martins

Comentários sobre os juros no Brasil

19 de Outubro de 2016 fsalto Felipe Salto, Juros, PEC do Teto, Política Fiscal, Taxas de juros
Fiz um artigo para discutir a importância de iniciarmos, rapidamente, um ciclo de redução da Selic. Os argumentos desse texto são suficientes para sustenta a defesa de uma queda mais intensa dos juros básicos. Reduzir a Selic em algo como 1 ponto percentual, hoje, teria impactos importantíssimos sobre a recuperação da atividade econômica.


Comentários sobre os juros no Brasil

Felipe Salto

Sumário

Introdução
A chamada nova matriz econômica não deve ser simplesmente substituída pelas regras que balizaram o tripé macroeconômico, dado que o cenário externo é distinto e demanda novos tipos de ações do governo.

Expectativas de inflação
A manutenção da Selic em 14,25% ao ano significa um aperto monetário de 2,21% na taxa real de juros desde novembro do ano passado. O Banco Central deveria iniciar um ciclo de redução começando com 1 ponto percentual já em outubro.

A regra da paridade dos juros
Pela regra da paridade de juros, a taxa real, no Brasil, está muito acima do que deveria. Tanto pelo critério da média histórica quanto pelos dados atuais, a discrepância é, no mínimo, de dois pontos e meio de percentagem.

Tendência estrutural à apreciação cambial
O diferencial de juros externo e interno cria uma tendência estrutural à apreciação do câmbio, o que prejudica a atividade, as receitas do governo e, assim, dificulta o reequilíbrio das contas públicas.

Ajuste fiscal
As condições fiscais são muito negativas. A recuperação do resultado primário não virá por geração espontânea, mas pela necessária recuperação do crescimento econômico. A PEC do Teto é positiva e ajudará nesse processo de recobrar a credibilidade. O ajuste fiscal é necessário para ajudar a compor um ambiente pró-crescimento e reforça a possibilidade de queda dos juros.


Introdução
A prática da política monetária, no Brasil, desde a adoção do regime de metas para a inflação[1], tem se pautado por um excesso de conservadorismo. Os juros, independentemente de questões fiscais, inflacionárias e do próprio ciclo de atividade econômica, quase sempre estiveram acima do padrão internacional.

A lógica do regime de metas está fundamentada no chamado trilema de Mundell-Fleming[2]. A ideia é que só se pode escolher dois dentre três objetivos de política econômica: câmbio fixo, mobilidade de capitais e independência da autoridade monetária. Optamos pelas duas últimas.

O novo contexto econômico mundial, com políticas monetárias expansionistas (a exemplo do “Quantitative Easing” em suas várias edições), gerou um impacto tremendo sobre as moedas dos países cuja conta capital do balanço de pagamentos é mais aberta, como é o nosso caso. Assim, não basta garantir a independência do Banco Central para fixar juros com vistas ao controle da inflação e deixar que a taxa de câmbio flutue, uma vez que ela naturalmente tenderá à sobreapreciação.

A conclusão de economistas do gabarito de Olivier Blanchard (2016) é que é preciso garantir juros reais baixos e expectativas positivas para haver crescimento econômico. Em outras palavras: política monetária importa para o desenvolvimento.

Ao contrário do que se argumenta amplamente no mercado, não basta fazer ajuste fiscal para crescer. O ajuste é necessário para que o Estado recupere a capacidade de fazer dívida e financiar políticas públicas. Corte de gasto e aumento de imposto geram recessão, ceteris paribus.

O que se deve programar, isto sim, é uma política que estimule o crescimento e, em paralelo, busque a austeridade como instrumento para garantir um Estado republicano, que garanta a provisão de bens públicos em quantidade e qualidade desejadas pela sociedade. É verdade que o ajuste gera confiança e isso reduz o risco, impactando juros e decisão de investimento. Mas isso não é suficiente em um quadro de recessão profunda.

O fato é que, desde 1999, o Brasil pratica um regime de taxa de câmbio flutuante combinado com uma conta capital intensamente aberta e um Banco Central operacionalmente independente no cumprimento de seu mandato: a meta para a inflação. Os juros nunca convergiram para níveis sequer próximos dos observados nos países comparáveis e, argumenta-se, a explicação para isso residiria na lassidão fiscal.

Contudo, os dados mostram que, mesmo na presença de um superávit primário elevado (4,0% do PIB no pós-LRF), com dívida controlada, os juros nunca pairaram ao redor de níveis civilizados. Há, na verdade, um comportamento sistematicamente conservador na prática da política monetária, explicado por duas razões fundamentais:

a) o receio das autoridades em relação à volta da inflação, sobretudo nos anos iniciais do regime e

b) o efeito contágio entre as operações em mercado aberto ou compromissadas e a fixação da meta-Selic[3].

O peso da deterioração fiscal não é o fator preponderante na explicação dos juros altos. Ao contrário, a crise econômica, o baixo nível de investimentos e o diminuto dinamismo da atividade industrial – que têm o juro real descompensado como causa central –, estas, sim, explicam a derrocada da responsabilidade fiscal.

É claro que isso foi combinado com a visão de governos que não enxergavam na responsabilidade fiscal uma ferramenta importante para manter a capacidade de financiamento de boas políticas públicas em volume necessário para atender às demandas da sociedade. Entendiam, na verdade, que a expansão do gasto seria o motor do crescimento. O resultado é conhecido: déficit fiscal de 10% do PIB combinado com dívida bruta de 70% do PIB e taxa implícita da dívida líquida da ordem de 25% ao ano.

O presente é naturalmente uma consequência desses descompassos na estratégia de política econômica. A manutenção dos juros altos, por muito tempo, deprimiu o investimento, reforçou a tendência crônica à sobreapreciação e desmontou a indústria. Uma política monetária orientada para o controle da inflação e a preservação do crescimento não redundaria, como acontece hoje, numa taxa real de juros de quase 8% ao ano.

O problema é antigo. É preciso rever o paradigma do chamado tripé macroeconômico. Ele funcionou, por um tempo, mas seu esgotamento e a substituição pela chamada “nova matriz econômica” levaram a um quadro de crise fiscal e econômica. Nem a abominação das práticas que sustentaram o regime de metas à inflação nem o repúdio a inovações que possam dar nova vida ao processo de crescimento no Brasil. Temos, definitivamente, de encontrar o caminho do meio.

O Banco Central exagera na dose de cautela ao manter a Selic no nível de 14,25% ao ano diante da convergência das expectativas de inflação a patamares mais baixos. Perde-se, como argumentou Mônica de Bolle[4] em recente artigo, a oportunidade de reduzir o peso do serviço da dívida no cotidiano das empresas, de derrubar um bom pedaço do gasto público e de estimular a retomada do investimento.

Utilizar juros em um contexto em que os canais de transmissão estão esburacados e não funcionam como deveriam é o mesmo que administrar um remédio forte destinado a curar pneumonia quando o paciente está com pedras nos rins.

Nem mesmo a maior recessão da série histórica do IBGE tem sensibilizado o Banco Central a respeito da necessidade de iniciar um debate sobre a redução da taxa básica de juros. Que as regras de decisão do Banco Central levam em conta a atividade econômica e a inflação, não é novidade. Mas, por que o peso demasiado para o segundo fator, quando os dados da própria Pesquisa Focus indicam expectativas sob controle?

Outra dimensão importante é a questão da regra da paridade de juros. Espera-se que o juro doméstico se situe em patamar equivalente aos juros livres de risco acrescidos do risco país. Por esse critério, a nossa taxa de juros está muito acima do nível de referência. Isso está diretamente associado à tendência estrutural de apreciação do real frente ao dólar.

Por fim, o argumento da deterioração fiscal como causa do juro alto não se sustenta. Não há pressão de demanda e, portanto, não há como associar a frouxidão nas contas públicas a desajustes nos preços da economia. Dito de outra forma, a questão fiscal, hoje, não é razão para deixar de mudar o rumo no lado monetário, sobretudo em contexto de queda de 3,8% no PIB de 2015 e o tombo de 3,3% previsto para 2016. Digo o oposto: ela é um dos motivos centrais para a mudança.

Os desequilíbrios fiscais de hoje constituem menos a causa e mais a consequência da derrocada da atividade econômica. A dívida/PIB cresce rapidamente por três razões: PIB dilapidado, receitas deprimidas, aumento da rigidez do gasto ocorrida no período de bonança externa, sobretudo entre 2004 e 2011, juros altos e elevação desmedida do salário médio no serviço público.

A austeridade fiscal deve ser uma constante, por uma razão simples: não há possibilidade de financiar políticas públicas de boa qualidade e de maneira crescente sem boa saúde nas contas do governo. Cultivar a responsabilidade fiscal é o único caminho para ter condições suficientemente positivas à emissão adicional de dívida e ao seu refinanciamento. Para ficar claro: o endividamento público não pode continuar a crescer R$ 25 bilhões a cada aumento de um ponto percentual na Selic.

O presente artigo tratará de cada um destes quatro pontos: expectativas, paridade de juros, tendência estrutural de apreciação cambial e deterioração fiscal.

Expectativas de inflação
As expectativas têm papel crucial na decisão de política econômica. Se os agentes econômicos entendem que a inflação vai cair, essa “força” tem papel importante sobre o movimento efetivo dos preços. Isto é, eles acabam mesmo caindo (tudo o mais constante).

Esta é uma dimensão central, portanto, para a fixação dos juros pelo Banco Central. Se ele observa que o mercado vê uma possibilidade de inflação mais baixa nos doze meses à frente, por exemplo, isso deverá influenciar sua decisão sobre manter, reduzir ou elevar a meta-Selic.

Hoje, o IPCA para os doze meses à frente está em 5,13%, conforme a última pesquisa Focus divulgada pelo Banco Central. Como os juros nominais estão em 14,25% ao ano, temos uma taxa real da ordem de 8,67%.

Pior, essa taxa de juros real está subindo de maneira galopante. Basta ver que, em setembro do ano passado, a expectativa para o IPCA nos doze meses à frente era de 7,32%. Isto é, para uma mesma taxa básica de 14,25%, o juro real figurava em 6,46%.

Assim, em um ano o juro real avançou 2,21 pontos de percentagem (8,67% menos 6,46%) (gráfico 1).

Gráfico 1 – Selic, IPCA (Expectativa Focus – 12 meses à frente) e Juros reais

grafico-1

Fonte: Banco Central. Elaboração – Felipe Salto.

Esse é um dos fatos mais alarmantes: a contração monetária está sendo brutal diante do movimento de queda das expectativas de inflação. Mesmo assim, não parece colocada, ainda, a discussão sobre a necessidade de uma redução imediata da Selic. O receio quanto a uma potencial aceleração da inflação está completamente afastado. A preocupação maior, agora, deveria ser com a atividade econômica, que ainda não dá sinais robustos de recuperação.

O hiato do produto, quando calculado pelo método do filtro-HP, mostra que a atividade econômica está operando a pelo menos 4,0% de distância do seu potencial. As projeções para a variação real do PIB, em 2016, apontam quedas importantes, ainda que relativamente menores ante 2015. O PIB deve cair pelo menos 3,3% em 2016.

Até o momento, a atividade dá sinais contraditórios e, quando positivos, extremamente frágeis. Este é o quadro típico em que o governo deveria usar os juros para motivar o investimento privado, aproveitando a onda de melhora da confiança que de fato já se verifica nos indicadores calculados para medir ambiente de negócios e variáveis correlatas.

O PIB do primeiro semestre caiu 4,6% em relação aos primeiros seis meses de 2015. O gráfico a seguir, do IBGE, permite analisar a dinâmica bastante negativa que vem aparecendo também nas estatísticas de maior frequência, como varejo, renda, emprego e produção industrial.

Gráfico 2 – PIB semestral: variação % real em relação ao mesmo semestre do ano anterior (barras laranjas, primeiro semestre; barras azuis, segundo semestre)

Gráfico 2.jpg

Fonte: IBGE.

Também no acumulado do primeiro semestre, quando comparamos ao mesmo período de 2015, vemos o seguinte: consumo das famílias com queda de 5,6% e investimentos caindo a 13,3%. Ainda que no segundo trimestre em relação ao imediatamente anterior o investimento tenha apresentado leve alta (+0,4%), o quadro ainda é muito negativo. Nessa mesma base, a comparação do semestre inicial de 2016 com o mesmo semestre de 2015 mostra queda de 5,2% para a indústria, ainda que no trimestre tenha avançando marginalmente (+0,3%) ante o trimestre imediatamente anterior.

Já são seis trimestres consecutivos em que todos os componentes da demanda interna apresentam queda quando tomamos por referência o mesmo trimestre do ano anterior.

A regra da paridade de juros
Outro ponto importante na argumentação sobre a redução dos juros, neste momento, é a observação da chamada regra da paridade de juros.

Cálculos feitos pela FIESP mostram que os juros reais médios, de 2000 a 2015, ficaram em 7,1% ao ano, no caso brasileiro. Pela regra da paridade, isto é, tomando-se a taxa de juros livre de risco e adicionando-se o risco país do Brasil, a taxa real de juros deveria ter ficado em 4,5% ao ano no período analisado.

No caso da média dos países emergentes considerados no referido estudo, essas duas taxas ficaram, respectivamente, em 2,0% e 2,5% ao ano na média do período 2000-2015. Sem dúvida, “há algo de podre no Reino da Dinamarca”.

Fazendo esta conta para o quadro atual, temos o seguinte resultado:

– Juro real calculado no tópico 2 deste artigo: 8,67% ao ano.

– Juro internacional livre de risco (americano): -1,5% ao ano.

– Risco país (CDS – Credit Default Swap[5] – Brasil): 300 pontos-base.

Logo, o juro real pela regra da paridade, deveria estar em 1,5% (isto é, juros real = -1,5% + 3,0% = 1,5%). Se considerarmos o EMBI[6], que no dia 23 de setembro estava em 315 pontos-base, mas tomarmos, por segurança, um nível maior para nossos cálculos, da ordem de 350 pontos-base, ainda assim o juro real calculado ficaria em 2,0% ao ano. Claramente, muito inferior ao que se apresenta hoje.

É claro que não se está propondo aqui a redução dos juros nominais a ponto de trazer o juro real para este patamar de imediato. No entanto, trata-se de uma referência para compreender que a política monetária está operando em bases ultraconservadoras, que não se justificam e não têm embasamento na realidade dos dados econômicos.

Seja pela regra da paridade ou pelo critério das expectativas, os juros reais estão muito acima do que deveriam estar. Os modelos econômicos vão nos dar também uma referência que estará em cerca de 50% do patamar de juros reais observados hoje. Refiro-me à taxa de equilíbrio, que fica em torno de 4,5% ao ano.

Tendência estrutural da taxa de câmbio
Essa taxa de juros desbalanceada, chamemos assim, causa efeitos extremamente sérios e profundos na estrutura de investimentos e produção do país. O juro é o custo de oportunidade do investimento produtivo. Se ele cresce, em termos reais – como está ocorrendo agora –, a decisão de investir não acontece. Não adianta fazer concessões, não adianta igualmente dar crédito subsidiado ou ampliar de alguma forma a liquidez da economia.

A melhora de expectativas, já afirmava Keynes, combinada com a redução dos juros reais e uma política fiscal contracíclica, devem ser a base de um programa que pretenda recuperar as taxas de crescimento do produto.

O juro no lugar errado reforça a tendência estrutural de apreciação do câmbio, o que prejudica o único canal que poderia ajudar a economia a se recuperar mais rapidamente: o setor externo. As exportações, quando observamos a abertura do PIB do segundo trimestre divulgado pelo IBGE, apontam crescimento de 4,3% na comparação com o mesmo trimestre do ano passado. Já as importações caíram 10,6% na mesma base de comparação.

No acumulado no semestre, as taxas são, respectivamente: 8,2% e 16,2%. Ainda positivos, os resultados claramente pioraram do primeiro para o segundo trimestre, o que tem a ver diretamente com a interrupção do movimento de desvalorização do real e o início de um novo período de apreciação cambial. Os dados mensais de comércio ainda mostram um quadro liquidamente favorável, mas se a apreciação não for contida esse importante vetor do crescimento vai ser anulado (ver gráfico 3).

Gráfico 3 – Taxa de câmbio nominal e desvalorização real do câmbio

Gráfico 3.jpg

Fonte: Banco Central. Elaboração própria.

O gráfico 3 mostra que a taxa de câmbio nominal já apreciou de R$ 4,05/US$ para R$ 3,21/US$, entre janeiro e agosto deste ano. Janeiro foi o pico da desvalorização, em razão das apreensões e riscos associados às questões políticas. Trata-se de uma apreciação da ordem de 21%.

Em termos reais, quando tomamos a curva laranja, no gráfico acima, vemos uma apreciação de um patamar de 122 para 95, isto é, uma valorização real da ordem de 22,1%. Vale lembrar que, aqui, a taxa de câmbio real (número-índice, com junho de 1994 = 100) é o resultado do câmbio nominal ajustado pela inflação do dólar e do real.

Uma forma interessante de comparar as taxas de câmbio é o chamado Índice Big Mac, calculado pela revista The Economist[7]. A metodologia é simples: calcula-se o preço do Big Mac pela teoria da paridade do poder de compra, para todos os países, em dólares americanos. O preço de referência é o dos Estados Unidos, de modo que preços do sanduíche superiores ao de referência indicarão sobreapreciação cambial da moeda do país selecionado. Quando o preço é inferior ao dos Estados Unidos, entretanto, tem-se uma medida de sobredesvalorização.

Veja o caso da China, para exemplificar: em julho deste ano, o preço dado pelo índice Big Mac era de US$ 2,79, isto é, 44,7% inferior ao preço de referência, indicando um elevadíssimo grau de sobredesvalorização. Para que se tenha ideia, a taxa de câmbio de 6,68 yuans por dólar, se ajustada pelas discrepâncias apontadas pelo índice, deveria estar em 3,69 yuans por dólar.

O gráfico 4 dá uma dimensão de como a China vem praticando deliberadamente uma política cambial agressiva, enquanto nós seguimos defendendo o regime de flutuação cambial, mas utilizando-o, em momentos de pressão inflacionária, para valorizar artificialmente o real frente ao dólar. Este tipo de estratégia de política econômica é veneno na veia do setor produtivo exportador. Não há razão para ser cultivada e repetida várias e várias vezes, como temos feito desde 1999.

Gráfico 4: Percentual de distância do índice Big Mac chinês em relação ao dos EUA desde 1999 (os valores negativos representação sobredesvalorização)

Gráfico4.jpg

Fonte: The Economist.

No caso brasileiro, em julho deste ano, o preço dado pelo índice Big Mac era de US$ 4,78, isto é, 5,1% inferior ao preço de referência, indicando um desnível muito pequeno. Se corrigida, a taxa de câmbio daquele mês deveria ter ficado em R$ 3,08/US$ e não em R$ 3,24/US$.

O gráfico 5 mostra o histórico do índice para o caso brasileiro desde 1999. Nota-se que, entre 2005 e 2012 o câmbio manteve-se sistematicamente apreciado em relação ao dólar. Este período é o que explica a desindustrialização profunda do país, mesmo que temporariamente tenhamos crescido a taxas superiores a 4,0%. Nos anos mais recentes, vemos uma oscilação.

Gráfico 5: Percentual de distância do índice Big Mac brasileiro em relação ao dos EUA desde 1999 (os valores negativos representação sobredesvalorização)

Gráfico5.jpg

Fonte: The Economist.

A questão fiscal
Juros reais Dívida bruta
Japão -1,1% 246%
EUA -1,5% 105%
Reino Unido -1,2% 91%
Canadá -1,5% 87%
Hungria -1,3% 76%
Islândia 1,6% 74%
Israel -0,9% 69%
Brasil 8,7% 69%
Índia 1,8% 64%
México -0,1% 51%
Polônia 0,2% 49%
África do Sul 0,3% 48%
Suíça -1,2% 46%
Dinamarca -1,1% 44%
China 2,6% 44%
Suécia -1,7% 41%
Colômbia 1,3% 41%
Austrália -0,4% 38%
Coreia do Sul -0,3% 37%
Turquia 0,8% 33%
Nova Zelândia 1,0% 33%
Noruega -1,2% 30%
Indonésia 2,4% 26%
Rússia 3,7% 19%
Chile 0,4% 16%
O desequilíbrio fiscal é o problema mais sério da economia brasileira. A PEC 241 – a chamada PEC do Teto – é uma iniciativa positiva no sentido de recobrar o equilíbrio fiscal. Ajustes seriam bem-vindos, mas não há dúvida de que a proposta é um passo necessário para ajudar a tirar as contas do vermelho.

O fato de o governo ter colocado a questão fiscal no topo da agenda de prioridades e de ter fixado um objetivo claro nesta matéria é mais do que suficiente para dar boas garantias ao Banco Central de que o déficit fiscal será combatido. Se esta era a razão para não reduzir os juros, ela já não existe mais.

A dívida bruta cresce a um ritmo de meio a um ponto do PIB todos os meses e o déficit nominal é de R$ 590 bilhões ou 10% do PIB. Somente com juros, o governo gasta R$ 420 bilhões. Mesmo se descontarmos a correção monetária, trata-se de uma das maiores despesas públicas. Para que se tenha ideia, a cada ponto de aumento na Selic o gasto cresce R$ 25 bilhões anualizados. Mesmo que se desconte do cálculo a correção monetária, o número permanece elevadíssimo. Apenas as operações compromissadas estão na casa de R$ 1 trilhão e custam R$ 142,5 bilhões anualizados.

A comparação com outros países mostra que o nível de endividamento brasileiro é altíssimo quando controlamos pelo custo médio, isto é, pelo juro real. Países com nível de dívida bruta próximo ao do Brasil têm juros negativos ou, quando positivos, no máximo em 2% (quadro inicial).

A trajetória prevista para o endividamento é de crescimento por pelo menos cinco anos. Não é razoável imaginar que se deva buscar um primário estratosférico, neste momento, para acelerar essa convergência. A recuperação do equilíbrio fiscal e das condições de sustentabilidade da dívida dependerão da retomada do crescimento e, por sua vez, da redução dos juros.

Medidas complementares à PEC nº 241 podem e devem ser tomadas, mas o primário não crescerá, mesmo assim, da noite para o dia. Listo algumas ações que podem ajudar a apagar o incêndio ou, como gostamos de dizer, “de curto prazo”:

interromper todos os reajustes salariais previstos: R$ 100 bilhões a menos ao final de quatro anos (considerando-se desdobramentos sobre estados e municípios);
cortar os subsídios e subvenções econômicas à metade: R$ 20 bilhões a menos;
revisão de todos os contratos da administração pública com o setor privado: R$ 12 a 14 bilhões/ano;
securitizar a dívida ativa da União: R$ 55 bilhões/ano;
securitizar a dívida ativa dos estados: R$ 30 bilhões/ano; e
reverter parte das desonerações concedidas nos últimos anos (folha, IPI e outras): R$ 30 bilhões/ano.
Se tomarmos a equação que rege as relações entre crescimento, juro real, nível de dívida e superávit primário, veremos que para uma dívida de 83-85% do PIB, nível até o qual certamente migraremos nos próximos anos, com um crescimento de 2,5% e juros reais de 4,5%, seria necessário um primário positivo de 2-3% do PIB para estabilizar a dívida.

Sem receitas e, portanto, sem recuperar o crescimento, como disse Edmar Bacha em recente seminário organizado pelo IPEA, não haverá ajuste fiscal possível e perene.


REFERÊNCIAS

BARBOSA, F. H. “The contagion effect of public debt on monetary policy: the Brazilian experience”. Revista de Economia Política vol. 26 nº 2 – abril-junho (2006). Acesso: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-31572006000200004

BLANCHARD, O. “How to teach intermediate Macroeconomics after the crisis?”. Peterson Institute for International Economics (PIIE). (2016). Acesso: https://piie.com/blogs/realtime-economic-issues-watch/how-teach-intermediate-macroeconomics-after-crisis

BOGDANSKI, J., TOMBINI, A. & WERLANG, S. “Implementing inflation target in Brazil”. Working Paper Series nº 1. Banco Central do Brasil. (2000). Acesso: https://www.bcb.gov.br/pec/wps/ingl/wps01.pdf

BOLLE, M. “É preciso falar sobre juros”. O Estado de São Paulo, 14 de setembro de 2016. Acesso: http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,e-preciso-falar-sobre-juros,10000075877

REY, H. “International channels of transmission of monetary policy and de mundellian trilemma”. National Bureau of Economic Research – NBER Series. (2016). Acesso: http://www.nber.org/papers/w21852.pdf

THE ECONOMIST. “The Big Mac Index”. Atualização de julho de 2016. Acesso: http://www.economist.com/content/big-mac-index


NOTAS

[1] Para uma visão geral sobre o regime de metas e sua implementação, ver: Bogdanski, J. et al (2000) – https://www.bcb.gov.br/pec/wps/ingl/wps01.pdf

[2] Trabalhos recentes, incluindo as análises do economista Olivier Blanchard (2016), problematizam essas questões. Ver também Rey (2016).

[3] Ver artigo publicado por Barbosa, F. (2006) – http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-31572006000200004

[4] Ver artigo publicado pela economista Monica de Bolle (2016) aqui – http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,e-preciso-falar-sobre-juros,10000075877

[5] Hoje (26/09/16), estava em 280 pontos-base. Para cinco anos, medido como uma espécie de “seguro contra calote”.

[6] Emerging Markets Bond Index (EMBI), que mede também o risco-país, mas tomando por base a média de uma carteira de títulos de países emergentes.

[7] Ver aqui – http://www.economist.com/content/big-mac-index

Pudor e compostura em falta na Belíndia (republicado)

Parece que uma característica deste longo fim de século XX, que teima em não acabar (1), é a perda do pudor e da compostura. Pessoas bem estabelecidas na vida, experientes, com mais de 70 anos bem vividos, abrem a boca e confessam ou defendem cada absurdo!
Eu diria que beira à “bacharia”, mas este texto é para ser sério, não me permite este tipo de trocadilho infame.

Acho que a fama por ter sido o inventor do termo “Belíndia” subiu-lhe à cabeça e ele continua viciado na mesma onda.

Estou falando de Edmar Bacha, um dos autores do Plano Real.
Em julho de 2014, em entrevista ao Estadão comemorativa dos 20 anos do Plano Real, ele declarou: “O sucesso (do Plano Real) tem que ser relativizado. Obviamente, só o fato de não ter inflação já é um grande avanço. Estamos falando aqui que a gente conseguiu controlar a inflação, mas não conseguimos ter uma estratégia econômica que permitisse colocar o País no primeiro mundo”.

“Humilde”, este senhor acha que um grupo de economistas tecnocratas e sua brilhante estratégia econômica seriam capazes de colocar o país no primeiro mundo em 8 anos de governo; míope, ele não enxergou, até o hoje, o caos e os desequilíbrios causados nas vidas das pessoas naqueles anos de gestão econômica “brilhante”.

Depois desta longa introdução, entro, finalmente, no assunto. Em entrevista no jornal Valor Econômico de hoje, 22/05/2015, Bacha soltou as seguintes pérolas:

Valor: O que o senhor achou da votação em que o PSDB votou contra o fator previdenciário, criado pelo próprio governo FHC?

Bacha: … Não se pode pedir ao PSDB que seja governista. …. Por um lado reclama(m) que o PSDB não é oposição suficientemente forte, por outro, diz(em): “Vocês estão votando contra coisas que acreditam”.

Valor: A luta política está acima da coerência?

Bacha: …num certo sentido, você não chega lá se não tiver votos … Acho até que é pedir demais para uma oposição que ela se comporte tecnicamente de forma tão coerente.

Valor: Mas não é uma guinada do PSDB, que sempre se disse uma oposição responsável, em contraste com o comportamento do PT antes de ser governo?

Bacha: O partido tem que ambicionar chegar ao poder. E para se chegar ao poder tem que diferenciar o produto. ….

Valor: Mas em relação ao fim do fator previdenciário não há um consenso de que prejudica as contas públicas?

Bacha: Por que não propuseram junto idade mínima, por exemplo? Agora disseram que vão vetar e propor alguma solução. Agora que perderam? Eles que cuidassem da sua horta. ….
O Aécio disse, durante a campanha, que ia estudar o assunto, mas ia apresentar uma proposta alternativa – se presidente fosse. Agora, querer assumir o papel de governo, quando ele não é governo?

Valor: O Aécio se comprometeu em rever o fator previdenciário.

Bacha: (As pérolas que vêm a seguir merecem destaque): Com uma mudança no sistema previdenciário. Obviamente ele tinha isso na cabeça – mas não ia falar no processo eleitoral – que era ter uma idade mínima.

O compromisso do Aécio de mexer no fator previdenciário teve como um dos objetivos atrair o apoio do Paulinho da Força Sindical (do Partido Solidariedade). A segunda parte do plano do Aécio, que seria incluir uma idade mínima para compensar a eliminação do fator previdenciário, eles esconderam de todos os eleitores durante a campanha, como confessa despudoradamente Edmar Bacha e seria, provavelmente, uma espécie de “rasteira” eleitoral no Paulinho da Força e em todos os sindicalistas deste sindicato cooptado pela FIESP.

(1) Estamos no Século XXI, mas purgando os pecados do final do século passado quando a razão neoliberal entranhou-se nas almas e ganhou corações e mentes.

Delação de Cunha faria o país mergulhar no caos, por Reinaldo Azevedo

Leio, vez em quando, os jornalões da grande imprensa formatadora de opinião. Também assisto programas de TV das empresas destes oligopólios familiares  que dominam a comunicação no Brasil. Ora, para fazer as afirmações que faço, preciso acompanhar a desfaçatez diária deste setor empresarial.

Neste processo topei, hoje, com um artigo inacreditável de Reinaldo Azevedo, cujos textos não costumo ler pois minha cabeça não é lata de lixo. Faço questão de deixar aqui registrado, com todas as letras e absurdos, a mais nova pérola do citado articulista.

Em função da quantidade de pérolas que produz, acho que esta ostra está sofrendo muito. Só pode ser isso.

Como alguém pode ter à sua disposição uma coluna em uma revista de circulação nacional para escrever um texto deste? E ainda receber salário por este trabalho?

Abro uma exceção e publico o texto dele neste espaço, antes que ele o apague. Vai ficar para a posteridade. Tudo claro, explicitado, confessado. Segundo raciona o nobre jornalista, as delações do passado podem estar erradas, mas não convém mexer mais no assunto. Para ele, o caos gerado pela Lavajato até o momento no país foi um “caos do bem”, pois ajudou a expulsar o PT do poder e ajudará a destruir este partido. Mas não podemos, ele argumenta, prosseguir com a Lavajato e jogar o país no “caos do mal”, prejudicando os interesses do seu patrão, a Editora Abril.

Ele não quer uma delação do Cunha, pelos riscos que ele enxerga para os seus.

Estou chocado com a sinceridade do articulista.

Leia e tire as suas próprias conclusões.

Paulo Martins

Blog do jornalista Reinaldo Azevedo: política, governo, PT, imprensa e cultura

Mas, afinal, Cunha fará ou não fará delação premiada?Ninguém sabe. Uma coisa é certa: a esta altura, não faz sentido lhe conceder um benefício, fazendo o país mergulhar no caos
Por: Reinaldo Azevedo 20/10/2016 às 1:10
Eis a questão que não quer calar e, que consta, deixa boa parte do mundo político em polvorosa: Eduardo Cunha, o antes todo-poderoso presidente da Câmara e hoje um presidiário sob a guarda de Sergio Moro, fará ou não fará delação premiada?
Eis um mistério e tanto, não é mesmo?
Eu fico aqui me perguntando qual delação seria o bastante para o tamanho do gigante. Mais: fico aqui refletindo se alguém que chegou ao atual estágio do enfrentamento com seus acusadores merece o benefício de uma delação.
Há, como se sabe, uma disputa surda de estratégias e pontos de vista entre os procuradores da Lava Jato e os delegados da Polícia Federal. Estes acham que é chegada a hora de pôr fim às delações premiadas. E não para frear a investigação, mas para não desmoralizá-la.
“Ah, mas eu quero saber o que Cunha sabe”, poderá dizer alguém. Bem, quem não quer? A questão é saber se seria moralmente aceitável conceder-lhe tal benefício, agora que ele detém um quadro bem mais completo da narrativa do que outros.
Ora, por óbvio, hoje é mais fácil selecionar alvos do que jamais. Em boa parte a história da Lava Jato já está contada. Será que se deve conceder a Cunha a licença de reescrevê-la e de lhe mudar detalhes depois de tanto tempo?
Isso aponta, me parece, para a necessidade de disciplinar as delações. E se Cunha decidir, sei lá, jogar no lixo, com suas eventuais revelações, boa parte do trabalho feito até aqui? Os primeiros delatores tinham menos condições de escolher o caminho do que ele tem agora, embora pareça o contrário.
Para quem passou por aquilo que ele passou, haja temperamento cristão para não pensar um pouquinho em vingança. E, como se sabe, chance de se redimir não lhe faltou.
Delações, creio, têm de ser como repatriação: “Quem tiver algo de relevante a dizer nesse caso apresente-se até tal dia. Depois disso, cada um arca com o peso de suas escolhas”.
Venham cá: ficaria bem um Cunha com uma cana leve, já que, nesse caso, teria colaborado, e um deputadozinho qualquer acusado por ele arrastando uma pena severa? Não creio.
Ou, na hipótese que leva os petistas ao delírio, ele pegaria uma pena bem leve, quase nada, enquanto o país estaria mergulhado no caos. Não parece que seria esse um bom desfecho.

ELES MENTEM – E NÓS SABEMOS QUE ELES MENTEM

Hipernormalização do discurso. Já ouviu falar? Leia o artigo.

Publicado em The Intercept – Brasil
ELES MENTEM – E NÓS SABEMOS QUE ELES MENTEM
J.P. Cuenca
20 de Outubro de 2016, 11h58
SABEMOS QUE A VERSÃO da realidade apresentada pela grande imprensa e pelo governo é mentirosa. Sabemos que os políticos estão perdidos, mais preocupados em livrar a cara de escândalos de corrupção e gerenciar a percepção do público sobre eles que em governar. Sabemos que a imprensa troca jornalismo por proselitismo. Sabemos que o sistema judiciário é corrupto e tendencioso. Sabemos que a política econômica “apolítica” é pautada por financistas desconectados da nossa realidade.

Sabemos que nada está funcionando e que não tem a menor chance de funcionar – mas para a grande maioria a saída é aceitar isso como normal: não poderia ser de outro jeito.

O escritor russo Alexei Yurchak criou um termo para definir o discurso que sustenta esse estado de coisas: a hipernormalização. A introdução deste texto parece descrever o que vivemos hoje no Brasil e no mundo, mas Yurchak cria o termo no contexto da decadente União Soviética dos anos 1970/80, onde todos sabiam que a versão da realidade presente nas declarações de altos burocratas e mostrada pela mídia era completamente falsa.

No entanto, por ser impossível imaginar outra alternativa, todos fingiam que aquilo era real. E todos sabiam que todos estavam fingindo que aquilo era real. Assim como os governantes sabiam que o povo sabia que eles mentiam. Mas como a mentira estava em toda a parte, aceitá-la como normal não era exatamente uma opção.

Narrativas construídas para desinformar

A hipernormalização do discurso permite que um mundo falso e simplificado seja criado por corporações e governos para nos manipular, minando assim a nossa percepção dele– e é este o tema central do espetacular novo documentário do britânico Adam Curtis (autor de “The Century of the Self” e “The Power of Nightmares”) lançado domingo passado em streaming pela BBC.

“HyperNormalization” traça um ambicioso panorama de 40 anos da geopolítica mundial, dissecando a ambiguidade construtiva de Henry Kissinger, o uso político do Coronel Gaddafi pelas potências ocidentais, o esquema teatral que mantém Putin no poder e também a utopia libertária da internet, mas principalmente concentra-se em dois eixos, hoje na ordem do dia: o clã dos Assad na Síria, central para entender a crise do Oriente Médio e seus reflexos planetários, e a ascensão de Donald Trump, da direita e do controle do mercado financeiro sobre a política econômica.

O épico de 165 minutos traz o já conhecido estilo de Curtis, uma narrativa sensorial construída por imagens de arquivo, muita música eletrônica, letreiros na tela e um voice-over distópico que não se preocupa em amarrar todas as pontas. Pois o grande compromisso desse ensaio-documentário é justamente oferecer uma versão da verdade – uma montagem da verdade – num mundo onde narrativas são comumente construídas com o objetivo de desinformar.

O fato de que as relações conspiratórias presentes no filme façam enorme sentido acaba por provar que a premissa do seu título funciona. Afinal, num mundo hipernormalizado ninguém nunca sabe realmente o que está acontecendo. Curtis usa parte das ferramentas do inimigo para, ele mesmo, nos manipular. E nós sabemos disso – e sabemos que ele sabe que sabemos disso.

A câmara de eco das redes sociais

A partir do experimento de inteligência artificial “Elisa”, criado no MIT em 1966, Curtis explora os efeitos políticos dos algoritmos que nos aprisionam na câmara de eco das redes sociais na internet, onde cada vez mais só temos acesso a opiniões e produtos que nos agradem, como um espelho de nós mesmos. Nessa bolha, mercado de gente, produtos e opiniões, nada pode nos desafiar ou contradizer, nós, os hipernormalizados.

Daí explica-se o susto quando a realidade se mostra a alguns. O isolamento na bolha nos leva a ser politicamente mimados, interdita o centro do debate, estimula sectarismos, alimenta o medo de mudanças e asfalta o caminho para a pós-política – um cenário cujas nefastas consequências conhecemos.

Para muitos, a saída passa por criticar o poder constituído em textos como esse ou nos nossos perfis virtuais. Precisamos acreditar que nossa fala tem algum valor, que talvez mude qualquer coisa. Mas ela só serve, e esta é a maior pancada do filme para uma geração inteira, para canalizar a raiva gerada pela política em clicks que alimentam o crescente poder e riqueza das corporações por trás de redes sociais e mídias eletrônicas. Nossa expressão é apenas um componente num sistema que absorverá toda a oposição. Não há saída aparente – até porque não conseguimos enxergar nada fora dele.

Como Curtis diz: “Somos levados a nos vermos como indivíduos livres e independentes, não controlados por ninguém, e desprezamos políticos como corruptos e vazios de ideias. Mas o poder está ao nosso redor. Ele apenas mudou de lugar, transformou-se num sistema massivo de gestão e controle, cujos tentáculos alcançam todas as partes das nossas vidas. Mas não podemos vê-lo porque ainda pensamos no poder em termos antigos – de políticos nos mandando o que fazer.”

O Brexit, a ameaça Trump, o voto contra a paz na Colombia, a complexidade da guerra na Síria e um governo de cleptocratas posto no poder para hipocritamente “limpar” o Brasil da corrupção – esses eventos imprevisíveis e caóticos provam que analistas e políticos hoje em dia são incapazes de prever cenários ou mesmo compreender o que acontece. O mundo estável e seguro, prometido a nós até ontem pelas nações onde vivemos, parece cada vez mais distante.

Longe de apontar soluções, “HyperNormalization” sugere uma fuga desse mundo fabricado, que nos impede de ver a realidade lá fora. Como? Talvez começando a reconhecer os muros ao nosso redor.

Prisão de Cunha é criticada por juristas

Jogando um pouco mais de lenha na fogueira …

Publicado em justificando.com

Quarta-feira, 19 de outubro de 2016

Prisão de Cunha é criticada por juristas

O ex-Deputado Federal e Presidente da Câmara, Eduardo Cunha foi preso nesta tarde de quarta feira, 19, por determinação do Juiz Federal Sérgio Moro, responsável pela Operação Lava Jato.

A prisão decorre do processo que apura o recebimento de propina pelo político do contrato da Petrobrás para exploração de um campo de petróleo em Benin, na África. A denúncia pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro foi recebida pelo Supremo Tribunal Federal, mas após a perda de foro por prerrogativa de função, o processo desceu até Curitiba, onde foi requerida e decretada a prisão.

Para o Ministério Público Federal, a prisão era necessária, uma vez que haveria risco de fuga do ex-deputado, que possui dupla nacionalidade e recursos no exterior. De acordo com o MPF, Cunha ainda exerceria influência política no governo de Michel Temer, mesmo tendo sido afastado.

A prisão que causou alvoroço nas redes sociais pela rejeição ao político responsável pelo processo de impeachment, não comoveu juristas que não viram motivos para a decretação. Para o Professor da Universidade Federal do Rio Grande (FURG), Salah H. Khaled Jr., “a regularidade da prisão preventiva de Cunha é tão questionável como infinitas outras barbáries recentes”.

“Parece hipócrita comemorar arbitrariedades só porque não temos simpatia pelo alvo em questão. É justamente essa impensada linha de raciocínio que permitiu que as coisas chegassem ao ponto que chegaram” – complementou.

As prisões preventivas são dispostas no Código de Processo Penal como a última alternativa, podendo o magistrado impor outras medidas em seu lugar. “Mais uma prisão preventiva desnecessária e de legalidade duvidosa que o povo vai adorar, pessoal de esquerda incluso”, comentou o jurista professor da PUC/SP, Pedro Estevam Serrano.

Os juristas fazem referência a progressistas que se satisfazem no uso do direito penal, enquanto solução dos problemas, sendo que justamente ele é estruturado para atacar os setores mais vulneráveis da sociedade. Luciana Genro, formada em Direito e candidata à Presidência da República pelo PSOL nas últimas eleições, usou suas redes sociais para sintetizar esse pensamento:

Cunha na cadeia, vitória contra a corrupção! Viva a Lava Jato! – afirmou.

 

Leis de exceção e a vergonha da magistratura (com filme de Costa Gravas ao final)

Publicado em Carta Maior

17/10/2016 11:14 – Copyleft

Leis de exceção e a vergonha da magistratura

Filme de Costa-Gavras relata a origem comum dos estados autoritários e como se dão as coisas neles: decide-se dar à polícia carta branca para atuar.

Não perca o filme Section Speciale, completo, ao final do texto.
Léa Maria Aarão Reis**

Há filmes que de tempos em tempos devem ser revistos. Permanecem sempre novos e universais. São os verdadeiros clássicos. Assim como ocorre com livros aos quais se recomenda várias leituras ao longo da vida, algumas produções políticas do diretor grego Constantin Costa – Gavras, naturalizado francês, de 83 anos, são clássicas. Z (de 1969), A Confissão (1970), Estado de sítio (72) Amém (2002) e Seção especial de justiça, de 1975.

Mesmo na mais frívola irresponsabilidade, com esses filmes fica mais difícil ignorar a origem comum dos estados autoritários e como se dão as coisas neles.

Desenha-se, nos filmes de Costa-Gavras, o processo de deterioração do caráter dos protagonistas da vida pública que sucumbe ao sofrer repulsivas torções e distorções, ou diante de pressões e ameaças políticas e policiais – veladas ou não -, ou face à chance, de repente aberta, de legalizar o assalto ao poder.

Section speciale, co-produção França, Itália e Alemanha, oferece uma régia lição sobre o assunto, com os diálogos magistrais do escritor Jorge Semprún, comunista militante do Partido Comunista Francês, de primeira hora da época, assim como foi seu companheiro Costa-Gavras.

Ele mostra a naturalidade das tenebrosas transações que ocorrem no mundo sombrio manipulado pelos donos ilegítimos do poder, nas ditaduras e nos estados de exceção – como o que está vigente no Brasil sob ocupação, hoje: um Estado de Exceção dentro do Estado de Direito, como disse há dias o jurista Pedro Serrano.*

No caso do filme, o cenário é a França ocupada de Pétain em agosto de 1941 e nela a justiça colaboracionista: ministros germanófilos, juízes hipócritas, promotores e procuradores subservientes, advogados indiferentes, os carreiristas e os dissimulados; traidores e covardes de todos os tipos e calibres.

QPara a corja, o fantasma da época foi o ‘’abismo da Espanha’’ quando era preciso evitar, a todo custo, que a França escorregasse para ele. O inimigo eram os anarquistas, comunistas e gaulistas. “Simpatizantes dos partidos de esquerda,” um procurador conselheiro da corte especial alveja, no filme, à semelhança do ministro da justiça do momento, aqui, mais preciso ao dizer: eles são ‘‘a escória da terra.”

A certeza nesse ambiente era a entrada dos exércitos alemães em Moscou, breve.

Enquanto membros do governo francês cultivavam pompas e vaidades na estação de águas de Vichy, em Paris jovens estudantes comunistas resistentes praticavam um atentado, no metrô, e matavam a queima roupa um alto oficial da marinha alemã nazista. A retaliação foi imediata. Para a punição exemplar, os alemães decidem fazer uma centena de reféns na cidade e decapitá-los na Plâce de la Concorde. Mas são dissuadidos e lembrados da guilhotina em praça pública, um dos emblemas da revolução de 1789.

A partir do episódio, a narrativa do filme segue desvendando as manobras do submundo jurídico para a criação fulminante (todas as medidas excepcionais devem ser promulgadas com rapidez para deixar atônita a população) de uma corte especial que julgasse resistentes e presumíveis maquis, em um tribunal de exceção com tintas de legalidade – a section speciale. Seis presos seriam escolhidos entre comunistas, judeus ou comunistas judeus acusados de pequenos delitos. Julgados a portas fechadas. Á sua revelia eles estavam previamente condenados à pena de morte.

Decide-se dar à polícia carta branca para atuar. A lei de exceção, por ser como tal, era retroativa. ‘’São medidas que servem à situação, mas não à Justiça,’’ reagem alguns juristas renitentes. Em seguida serão convencidos e cooptados.

“Jogamos a Justiça na ilegalidade e a vergonha sobre a magistratura,” bradam. “Não. Trata-se de promover a ‘’salvaguarda nacional’’, replicam os que procuram comprar para si a boa consciência. “Aqui, não se trata de Justiça”, argumentam. “Vamos salvar cem reféns e para isto precisamos de seis condenados à morte.”

No início, alguns juízes ensaiam resistir à promulgação da lei antiterrorista que permitirá condenar qualquer um a qualquer hora.

O leitor observa semelhanças?

“A razão de estado deve ditar as decisões jurídicas,’’ justifica a si mesmo um magistrado. E prosseguem a farsa e a burla do julgamento até que um dos réus, (já condenado sem o saber), Sampaix, jornalista do jornal L’Humanité, órgão do Partido Comunista Francês, o PCF, decide mostrar que o rei está nu.”O povo francês julgará este dia,” diz.

Em certo momento das discussões a incerteza bate à porta de um dos procuradores. “E se os alemães atolarem na profunda Rússia e os americanos chegarem às costas da Inglaterra?” Os demais tergiversam.

No fim de Seção Especial de Justiça os seis presos escolhidos entre a ‘’escória’’ das esquerdas são executados. Uma legenda informa: “Na Libertação, nenhuma medida séria foi tomada contra os magistrados que participaram dos tribunais de exceção. Eles funcionaram durante toda a ocupação.”

Todos aqueles juristas da section speciale, no entanto, foram julgados pelas suas próprias consciências, como anteviu Sampaix, o jornalista do L’Humanité, olhando-os cara a cara, diante da corte de exceção, recusando o embuste da defesa.

 

  • O jurista Pedro Serrano, professor de Direito Constitucional da PUC-SP lembra que ‘’no caso Lula, o TRF-4 assumiu que está praticando a exceção, que a Lava Jato é um caso excepcional e, portanto, devem ser suspensas as normas gerais no caso, para o juiz atuar como queira. A Lava Jato não precisa seguir as regras de processos comuns.” ( Rede Brasil Atual).

** Jornalista

Créditos da foto: Reprodução

Metrô, Carandiru e a Justiça

Quase 10 anos depois, foi julgada em primeira instância a ação contra 14 pessoas pelo acidente nas obras do Metrô de São Paulo, que resultou na morte de 7 vítimas.
A juíza Aparecida Angélica Correia, da Primeira Vara Criminal de São Paulo, absolveu os acusados.
Pensei que ela havia baseado sua decisão em alguma falha processual, para sair pela porta dos fundos sem precisar encarar o assunto de frente, como faz o Supremo Tribunal Federal. Mas não. Ela não viu dolo nenhum na ação dos 14 acusados. Nem eventual. Implicitamente, ela atribuiu o ocorrido a um mero acidente. A São Pedro ou a Deus, creio.
Eu queria ver o Ministério Público de São Paulo ter mesmo empenho neste caso, com 7 vítimas fatais e enorme desperdício de recursos públicos, que teve no espetáculo da denúncia de Lula pelo triplex do Guarujá. É o mesmo MP, ou não é? Estou enganado?
O Metrô, consultado pela rede de TV que veiculou a notícia, informou que não iria comentar porque não é parte no processo. O governo do Estado de São Paulo não foi procurado para comentar, nem citado na matéria. O metrô não tem presidente e o governo de São Paulo não tem governador. Se tem, nenhum do dois tem nome.
Eu não estou dizendo que todos os 14 acusados são culpados. Mas nem unzinho? Se nenhum desses 14 é culpado, outros devem ser. Pela denúncia e pela provas houve crime, com perdas de vidas e perdas de recursos públicos. Sobram provas, mas faltou convicção.
Nenhuma delação torturada para ajudar a achar os culpados? Um showzinho midiático para ajudar na condenação popular antes do julgamento? Por que não?
Em São Paulo, este mundo paralelo, onde se anula o processo contra os acusados da chacina do Carandiru, e não se encontra um único culpado para os crimes do Metrô, este é o novo normal?
Eu ia fazer um comentário irreverente (debochado, na verdade) sobre a decisão da Dra. Juíza e sobre a matéria da TV, mas a gravidade do assunto não deixa espaço.
Só me resta este grito de alerta.