As Oligarquias – Pablo Neruda

Diálogos Essenciais

Não, ainda não secavam as bandeiras,

ainda não dormiam os soldados

quando a liberdade mudou de roupa,

transformou-se em fazendas:

das terras recém-semeadas saiu uma casta,

uma quadrilha de novos-ricos com escudo,

com polícia e com prisões.

Traçaram uma linha negra:

“Aqui somos nós,

porfiristas do México, caballeros do Chile,

pitucos do Jockey Club de Buenos Aires,

engomados flibusteiros do Uruguai,

adamados equatorianos,

clericais señoritos de todas as partes”.

“Lá, vocês, rotos, mamelucos,

pelados do México, gaúchos,

amontoados em pocilgas, desamparados,

esfarrapados, piolhentos, vagabundos, ralé,

desbaratados, miseráveis, sujos, preguiçosos, povo.”

Tudo se construiu sobre a linha.

O arcebispo batizou este muro

e instituiu anátemas incendiários

para o rebelde que ignorasse

a parede da casta.

Queimaram pela mão do verdugo

os livros de Bilbao.

A polícia

guardou a muralha, e no faminto

que se aproximou dos mármores sagrados

bateram com um pau na cabeça

ou o espetaram num cepo agrícola

ou…

Ver o post original 114 mais palavras

Encontro de corvos – Pablo Neruda

Destaque

Vendo essa foto e conhecendo os “currículos” dos três, me lembrei desse poema de Pablo Neruda. Um dia após a derrota de Bolsonaro, esses demônios se separam, cada um com seu punhal.

“Cada um escondia o punhal para as costas do associado” …

Encontro de corvos – Pablo Neruda

No Panamá uniram-se os demônios. Foi aí o pacto dos furões.

Uma vela apenas iluminava quando os três chegaram por um.

Primeiro chegou Almagro antigo e torto, Pizarro, o velho porcino e o frade Luque, cônego entendido em trevas.

Cada um escondia o punhal para as costas do associado, cada um com ensebado olhar nas escuras paredes adivinhava sangue, e o ouro do longínquo império os atraía como a lua às pedras malditas.

Quando pactuaram, Luque ergueu a hóstia na eucaristia, os três ladrões amassaram a obréia com torvo sorriso. “Deus foi dividido, irmãos, entre nós”, garantiu o cônego, e os carniceiros de dentes roxos disseram “Amém”.

Bateram na mesa cuspindo.

Como não sabiam de letras encheram de cruzes a mesa, o papel, os bancos, os muros.

O Peru, escuro, submerso, estava marcado de cruzes, pequenas, negras, negras cruzes pelo sul saíram navegando: cruzes para as agonias, cruzes peludas e afiadas,  cruzes com ganchos de réptil, cruzes salpicadas de pústulas, cruzes como pernas de aranha, sombrias cruzes caçadoras.

A montanha pulverizada – Carlos Drummond de Andrade

O maior trem do mundo
(Carlos Drummond de Andrade)

O maior trem do mundo
Leva minha terra
Para a Alemanha
Leva minha terra
Para o Canadá
Leva minha terra
Para o Japão

O maior trem do mundo
Puxado por cinco locomotivas a óleo diesel
Engatadas geminadas desembestadas
Leva meu tempo, minha infância, minha vida
Triturada em 163 vagões de minério e destruição

O maior trem do mundo
Transporta a coisa mínima do mundo
Meu coração itabirano

Lá vai o trem maior do mundo
Vai serpenteando, vai sumindo
E um dia, eu sei não voltará
Pois nem terra nem coração existem mais.

A montanha pulverizada
(Carlos Drummond de Andrade)

Chego à sacada e vejo a minha serra,
a serra de meu pai e meu avô,
de todos os Andrades que passaram
e passarão, a serra que não passa.

Era coisa de índios e a tomamos
para enfeitar e presidir a vida
neste vale soturno onde a riqueza
maior é a sua vista a contemplá-la.

De longe nos revela o perfil grave.
A cada volta de caminho aponta
uma forma de ser, em ferro, eterna,
e sopra eternidade na fluência.

Esta manhã acordo e não a encontro,
britada em bilhões de lascas,
deslizando em correia transportadora
entupindo 150 vagões,
no trem-monstro de 5 locomotivas
– trem maior do mundo, tomem nota –
foge minha serra vai,
deixando no meu corpo a paisagem
mísero pó de ferro, e este não passa.

Rompimento de barragens em Minas: A história se repete

Se o acidente ocorrido em Mariana tivesse sido causado por uma  empresa estatal, o Ministro das Minas e Energias já estaria demitido e a oposição e a mídia “agrícola” (aquela que planta crises para colher golpe), já teriam pedido uma CPI e o impeachment da presidente da república.

Veja que a história se repete, aparentemente com os mesmos autores.

Paulo Martins

Por Lívia Duarte, da FASE – Solidariedade e Educação

Publicado em agroecologia.org.br

O poeta mineiro Carlos Drummond de Andrade, teve a casa onde passou parte da infância alagada por uma barragem construída pela Vale para lavar minério. Anos depois, o poeta escreveu “O maior trem do mundo”, sobre aquele que, “Puxado por cinco locomotivas a óleo diesel/ Engatadas geminadas desembestadas/ Leva meu tempo, minha infância, minha vida/ Triturada em 163 vagões de minério e destruição/ O maior trem do mundo/ Transporta a coisa mínima do mundo/Meu coração itabirano”. Outros corações da terra que leva mineração até no nome seguem vivendo dramas semelhantes: se repetem com a força galopante da economia brasileira, como revelaram diversas paradas da Caravana Agroecológica e Cultural da Zona da Mata.

A inclusão da mineração no roteiro reflete preocupações dos movimentos sociais do território, muitos convencidos sobre a impossíbilidade de coexistência entre certas atividades econômicas. Locais de mineração – e os caminhos de barragens e minerodutos – expulsam famílias agricultoras e geram diversos impactos ambientais desde a instalação até os acidentes, como os rompimentos da barragem de contenção de rejeitos da empresa Rio Pomba Cataguases em 2006 e 2007. Como narrado no Mapa de Conflitos Envolvendo Injustiça Ambiental e Saúde no Brasil (FASE e Fiocruz), as indenizações oferecidas foram insuficientes para ressarcir os que perderam casas e colheitas. Além disso, “a decomposição de argila no leito dos rios provocou assoreamento (…), facilitando a ocorrência de inuncações (…) e provocando desastres recorrentes” nos anos seguintes.

Outro problema é que a exploração de minério tem como característica a dificuldade em estabelecer ligação com dinâmicas econômicas locais e regionais. Chega a exercer, na realidade, uma força capaz de fazer com que os investimentos do território – do mercado imobiliário à qualificação profissional – girem em torno desta atividade. Em regiões como a Zona da Mata, cuja economia está baseada na agricultura, até o monocultivo de café sai perdendo: há relatos de falta de mão de obra local para a colheita porque os trabalhadores passaram a se concentrar na mineração.

Atualidade – O crescimento da exploração mineral é uma tendência na América Latina da qual o Brasil não se exime. Entre 2004 e 2011, as operações minerais passaram de R$ 20 bilhões para mais de R$ 85 bilhões e o Plano Nacional de Mineração prevê que a produção mineral pode até quintuplicar até 2030 (tomando por base 2008). A exploração de ferro e bauxita deve aumentar três vezes no período. E o debate tende a crescer nos próximos meses devido à iminência de divulgação e votação no Congresso do novo Código Mineral, que está sendo organizado pelo Governo Federal, com reclamações pela falta de transparência por parte da sociedade civil e até das empresas do setor.

O novo marco poderia apontar para a existência de áreas livres de mineração justificada, por exemplo, por serem áreas de preservação ou de comunidades tradicionais. Poderia também considerar as taxas e ritmos da extração, levando em conta os minérios como um Bem Comum da humanidade, do qual as futuras gerações também devem precisar. Ainda poderia compor um plano pós-mineração, visto que esta é uma atividade de sobrevida relativamente curta e a tendência é de esvaziamento econômico com o fechamento das minas – realidade que a Itabira de Drummond já começa a vivenciar.

No entanto, como informavam Julianna Malerba, da FASE, e Bruno Milanez, da UFJF, em artigo na revista Le Monde Diplomatique, “os instrumentos até o momento publicados [em 12/12, mas o quadro permanece] indicam que a proposta formulada pelo Executivo tem a marca dessa nova conjuntura em que o Estado assume maior protagonismo na condução da política de desenvolvimento por meio da manutenção e aprofundamento de atividades intensivas (…) [o que] não tem sido capaz de alterar o peso das heranças patrimonialistas e excludentes sobre o controle dos recursos naturais e a distribuição desigual dos impactos da exploração desses recursos”. Os pesquisadores acreditam que o processo deve impulsionar “um processo de despossessão, muitas vezes autoritária e violenta, dos grupos sociais nos territórios”.

Água e bauxita preocupam Muriaé

Em um dos percursos da Caravana Agroecológica que percorreu a Zona da Mata, em maio, a visão do alto de uma serra próxima a Pirapanema, distrito de Muriaé, mostra um enorme lago vermelho, onde é lavada a bauxita extraída pela Companhia Brasiliera de Alumínio (CBA). O lago esconde tudo que havia, como aconteceu com a casa do poeta em Itabira. O movimento de caminhões ao lado da represa é intenso e os moradores contam que é possível ver, muito longe, a iluminação artificial da unidade fabril à noite.

Minutos depois da parada das vans da Caravana, um segurança do empreendimento, vestido de preto e sem tirar o capacete, se aproximou para recomendar “cuidado” com o enorme fluxo de caminhões carregados. As placas das carretas indicavam, majoritariamente, cidades próximas. E eram dezenas cruzando a estrada num intervalo menor que uma hora. Na praça de Pirapanema, nossa parada seguinde, a população comentava sobre o medo de uma barragem destas romper, como foi com a da Rio Pomba Cataguases, e sobre o grande número de acidentes envolvendo o transporte da mineração.

Adair Mendes, vereador (PT) em Rosário da Limeira, foi um dos moradores da região que compareceram ao evento público. Ele explicou que municípios como o seu são formados, em 90%, por pequenas propriedades (entre 10 e 20 hectares, ou bem menores). “Mineração e agricultura familiar não dá certo, não mesmo. Pode dar certo onde é um grande proprietário. Se chegar para extrair minério, a gente vende e vai embora. Não dá pra conviver com estrada, caminhão, barulho. E numa propriedade de 4 hectares, se três são minério, o que fazer? Então é insustentável”, explicou, lembrando ainda a preocupação com a expansão. “A região aqui tinha muito mais morador, foram saindo e a preocupação é muito grande porque tem muitas comunidades ainda. A concessão da CBA é de 70 anos e eles vão para as outras comunidades. Barrar isso é difícil, é braço do governo federal, estadual e municipal”. Para Adair, é possível, com muita organização, garantir a manutenção de áreas de floresta ou lugares históricos. “Aqui, pela resistência, vemos que pelo menos eles apagam o poeirão da estrada jogando água. Estão ‘recuperando’ – desse jeito, com voltar a terra e plantar eucalipto e braquiária. Mas é melhor que nada”. Sobre voltar a produzir café, milho – um questionamento a palavra “recuperar”, Adair duvida: “Esse tipo de recuperação é o melhor que eu vi. Em Itamaraty, aqui perto, a gente vê muito mais a degradação, os buracos e o assoreamento. Por isso que a gente diz que está melhor que nada”, avalia.

Mineroduto corta produção agrícola

Outra preocupação que aparece na região é com a construção de um mineroduto da Anglo Ferrous (MMX), que passará por 32 municípios. O mineroduto vai mandar, com a pressão exercida pela gravidade e por muita água, o minério extraído na região metropolitana de Belo Horizonte para o Complexo Porutário do Açu, no Norte do Rio de Janeiro – e dali para exportação.

Os moradores explicam que o traçado corta propriedades ao meio, passa por comunidades tradicionais e nos limites da área de amortecimento do Parque Estadual da Serra do Brigadeiro. Muita água nessa região também será desviada para o mineroduto, que afeta numerosas nascentes. Eles comentam que os atingidos não recebem informação sobre a proporção das obras, as indenizações são injustas e com diferenciações inexplicadas dependendo da família e da região. Em 2011 a Comissão de Minas e Energia da Assembleia de Minas Gerais realizou audiência sobre os impactos que os minerodutos já causam na Zona da Mata.

Cartas pela Serra do Brigadeiro

A Mata Atlântica; os animais; as famílias; a água que a serra divide – capaz de encher as bacias que irrigam três estados. Tudo isso é parte do Parque Estadual da Serra do Brigadeiro e de sua área de amortecimento, como revela José Álvaro Percínio da Silva, o Zezinho. O artesão-seleiro chegou à região ainda menino e parece ter plantado seu coração por ali. No parque, é voluntário para tudo: guia de trilha e brigadista, conta caminhar semanalmente mais de 20 km fiscalizando a área. Conhece as famílias “de porta de cozinha” e explica que é a agricultura familiar do entorno, os 10 km da chamada ‘área de amortecimento’, que garante “a estabilidade para preservação do parque”. É justamente por ali que foi encontrada a segunda maior reserva de bauxita do Brasil, já na mira da exploração pela Companhia Brasileira de Alumínio.

O alge da luta contra o empreendimento parece ter sido entre 2004 e 2006, quando existiu a Comissão Regional dos Atingidos pela Mineração. Segundo narra o Mapa de Conflitos Ambientais em Minas Gerais (GESTA/UFMG), por pressão da Comissão, os processos de licenciamento de atividades mineradoras na região foram suspensos até que as comunidades fossem ouvidas. Grandes audiências públicas mobilizaram políticos, ambientalistas, indígenas Puris, centenas de agricultores. Ainda segundo o Mapa, após esse período, a Comissão se dissolveu e o movimento de resistência entrou em refluxo. Pesquisas [Rothman (2008)] apontam que o modo de atuação das empresas – com um pouco mais de diálogo e contratação de mão de obra local – colaboraram para a fragilização da resistência. Fazem parte da estratégia da empresa promessas de boa remuneração aos pequenos agricultores, realizar investimentos na melhoria de condições de infra-estrutura dos municípios etc. Mas Zezinho não se cansa.

“Eu não dou valor à roupa, à aparência. Eu dou valor ao futuro. Conseguimos parar mineradoras antes. O que eu quero agora é proteger o parque e proibir que a CBA tire a bauxita que é o equilíbrio de tudo isso”, explica Zezinho. Para tal, o brigadista já recolheu mais de 60 cartas de entidades da região – de ONGs e sindicatos até escolas públicas e agências de turismo. A pasta inclui até uma carta com o logotipo do IEF, a única sem assinatura. Com textos distintos, todas repudiam a mineração no parque e em sua zona de amortecimento. O sonho do Zezinho agora é entregar as cartas ao governo federal como forma de pressão para parar a mineração na região. Com tantas cartas, ele quer provar que a sociedade não está convencida dos caminhos escolhidos para o desenvolvimento.

Acidente em Minas: Carlos Drummond de Andrade avisou

Publicado em 50emais.com.br

Por que Drummond chamou BH de Triste Horizonte
Maria Cristina Bahia Vidigal
Plagiando Gabriel Garcia Marquez – não sei se foi exatamente assim que aconteceu, mas é assim que eu me lembro do episódio do qual fui protagonista e que narro a seguir, a pedido da minha amiga Maya, contemporânea deste e de outros acontecimentos.

Serra do Curral vista do lado onde parece intacta

image
Em 1976, a ditadura militar imperava, as mudanças aceleradas sequer eram imaginadas e Belo Horizonte restava provinciana. Eu começava carreira no Estado de Minas. Domingo de sol, resolvemos, um pequeno grupo e duas companheiras da raça pastor alemão, subir a Serra do Curral, aventura cultivada desde os tempos do Colégio Estadual Central. A Serra ainda era nítida no horizonte ao sul da capital pacata; a trilha de subida permanecia marcada, denotando a presença intrépida de aventureiros recentes. Começamos a subida bem cedo, com as adversidades previsíveis – pedras, insetos, arbustos, mato.
Quase ao topo, talvez uma hora depois, um segurança(ou dois?) armado nos deu uma espécie de “alto lá”. Como assim, cara pálida, diria o meu amigo Airton Ribeiro, se lá estivesse, por que não podemos subir? “Isso aqui é da MBR, vocês estão invadindo propriedade privada”. O senhor está enganado, a Serra do Curral é da cidade, sempre subimos e descemos quando assim entendemos, foi o que retrucamos. “Pois agora não sobem mais”, decretou o segurança fardado de azul, que a minha memória reputa como um brutamontes.

Veja o que a mineração fez do lado de trás da Serra

image
Descemos, vencidos – afinal, os tempos eram duros e Milton Campos já tinha ensinado que, nas ditaduras, o pior é o guarda da esquina. Mas não totalmente vencidos. Indignada, fui para a redação do jornal e fiz a matéria, publicada com destaque no dia seguinte. Com uma carta, a matéria publicada foi enviada para o mineiro Carlos Drummond de Andrade, radicado no Rio.
Aí veio a bomba – alguns dias depois, o poeta fez um protesto violento em versos lindos e duros. Baseado nos fatos narrados na matéria, despedia-se de Belo Horizonte: “Não quero mais, não quero ver-te, meu triste horizonte e destroçado amor”. O adeus atormentado do poeta colocou em polvorosa políticos, autoridades e empresários; durante muito tempo, batemos com força na mineradora e na sua arrogância.
Ao fim e a cabo, nada mudou – a Serra continuou interditada e acabou destruída, comida pelas escavadeiras sedentas por minério. Foi-se a Serra, a empresa também desapareceu, engolida por uma outra, gigante.

O poeta escreveu o poema e nunca mais pôs os pés em BH
Ficou para sempre o lamento do poeta no poema Triste Horizonte:
“Por que não vais a Belo Horizonte? a saudade cicia e continua, branda: Volta lá.
Tudo é belo e cantante na coleção de perfumes das avenidas que levam ao amor, nos espelhos de luz e penumbra onde se projetam os puros jogos de viver. Anda! Volta lá, volta já.
E eu respondo, carrancudo: Não.
Não voltarei para ver o que não merece ser visto, o que merece ser esquecido, se revogado não pode ser.
Não o passado cor-de-cores fantásticas, Belo Horizonte sorrindo púber e núbil sensual sem malícia, lugar de ler os clássicos e amar as artes novas, lugar muito especial pela graça do clima e pelo gosto, que não tem preço, de falar mal do Governo no lendário Bar do Ponto.
Cidade aberta aos estudantes do mundo inteiro, inclusive Alagoas, “maravilha de milhares de brilhos vidrilhos”mariodeandrademente celebrada.
Não, Mário, Belo Horizonte não era uma tolice como as outras. Era uma provinciana saudável, de carnes leves pesseguíneas. Era um remanso, era um remansopara fugir às partes agitadas do Brasil, sorrindo do Rio de Janeiro e de São Paulo: tão prafrentex, as duas! e nós lá: macio-amesendados na calma e na verde brisa irônica…
Esquecer, quero esquecer é a brutal Belo Horizonte que se empavona sobre o corpo crucificado da primeira. Quero não saber da traição de seus santos. Eles a protegiam, agora protegem-se a si mesmos. São José, no centro mesmo da cidade, explora estacionamento de automóveis. São José dendroclasta não deixa de pé sequer um pé-de-pau onde amarrar o burrinho numa parada no caminho do Egito. São José vai entrar feio no comércio de imóveis, vendendo seus jardins reservados a Deus. São Pedro instala supermercado. Nossa Senhora das Dores, amizade da gente na Floresta, (vi crescer sua igreja à sombra do Padre Artur) abre caderneta de poupança, lojas de acessórios para carros, papelaria, aviário, pães-de-queijo
Terão endoidecido esses meus santos e a dolorida mãe de Deus? Ou foi em nome deles que pastores deixam de pastorear para faturar? Não escutem a voz de Jeremias (e é o Senhor que fala por sua boca de vergasta): “Eu vos introduzi numa terra fértil, e depois de lá entrardes a profanastes. Ai dos pastores que perdem e despedaçam o rebanho da minha pastagem! Eis que os visitarei para castigar a esperteza de seus desígnios”.
Fujo da ignóbil visão de tendas obstruindo as alamedas do Senhor. Tento fugir da própria cidade, reconfortar-me em seu austero píncaro serrano. De lá verei uma longínqua, purificada Belo Horizonte sem escutar o rumor dos negócios abafando a litania dos fieis. Lá o imenso azul desenha ainda as mensagens de esperança nos homens pacificados – os doces mineiros que teimam em existir no caos e no tráfico. Em vão tento a escalada. Cassetetes e revólveres me barram a subida que era alegria dominical de minha gente. Proibido escalar.
Proibido sentir o ar de liberdade destes cimos, proibido viver a selvagem intimidade destas pedras que se vão desfazendo em forma de dinheiro. Esta serra tem dono. Não mais a natureza a governa. Desfaz-se, com o minério, uma antiga aliança, um rito da cidade. Desiste ou leva bala. Encurralados todos, a Serra do Curral, os moradores cá embaixo.
Jeremias me avisa: “Foi assolada toda a serra; de improviso derrubaram minhas tendas, abateram meus pavilhões. Vi os montes, e eis que tremiam. E todos os outeiros estremeciam. Olhei terra, e eis que estava vazia, sem nada nada nada”.
Sossega minha saudade. Não me cicies outra vez o impróprio convite. Não quero mais, não quero ver-te, meu Triste Horizonte e destroçado amor”.
Maria Cristina Bahia Vidigal é jornalista e Relações Públicas, com especialização em gestão e planejamento de Comunicação

A democracia ou serve para todos ou não serve para nada

image

HOMENAGEM A HERBERT DE SOUZA (BETINHO)

Em 03 de novembro comemora-se o aniversário de Betinho. E, neste ano, ele completaria 80 anos. Betinho foi um exemplo de cidadão na mais pura acepção da palavra. Esta é uma singela homenagem.

Aliás, a palavra singela é outra que ajusta-se perfeitamente à pessoa.

Por uma incrível e feliz coincidência nosso blog também nasceu em 03 de novembro.  No ano passado.  Betinho é um dos inspiradores do nosso blog e seu trabalho segue sendo um norte.

Aos mais jovens, que não tiveram o prazer de conviver com este ser humano iluminado, sugiro pesquisar na internet e ler sobre sua vida e o seu trabalho.

Nestes tempos difíceis, pensar sobre o papel de cidadão e na luta do saudoso Betinho reconforta e dá a necessária motivação para vencermos os desafios.

Paulo Martins

image

image

image

image