O nazismo está entre nós

Por Rogério Godinho

O nazismo entre nós.
Boa parte de meus colegas nesta rede tem uma definição bastante restrita do que seria um nazista.
Precisa ter um histórico consistente, preencher todos os requisitos e, no mundo ideal, fazer a saudação e usar a suástica.
Em alguns casos, vão dizer que mesmo o sujeito que faz tudo isso (exceto a suástica) não é um nazista.
Ele só está “brincando”.
Como se as táticas nazistas tivessem sido sempre honestas, explícitas, diretas.
Hitler ascendeu ao poder em um jogo de recuos e mentiras. Escreveu em detalhes tudo que faria, depois negou e negou e negou. Fanático pela guerra como solução, disse que era amante da paz.
Se o Hitler viajasse no tempo, como no romance de Timur Vermes, e viesse ao Brasil, diriam dele:
“Este homem de bigodinho? Não pode ser nazista. Ele é um pacifista!”
Nos lugares certos e nos momentos escolhidos, evitou falar de judeus.
“Este homem de bigodinho? Não pode ser nazista. Seu discurso não falou de judeus!”
No caso do homem de bigodinho, havia um histórico, um livro que dizia tudo que ele queria fazer.
O restante dos nazistas não eram tão consistentes. Uns se importavam mais com o antissemitismo, outros com a repressão aos comunistas, outros ainda só queriam aniquilar inimigos e obter poder. Exigir um histórico consistente poderia excluir até uma parte dos que serviam ao Reich de serem chamados de nazistas.
Hoje, é ainda mais difícil. O ambiente político e mesmo a legislação dificultam bastante que alguém seja explicitamente nazista. O levantamento de células nazistas no Brasil enfrenta essa dificuldade. Sabemos que são mais de 500 células no Brasil, mas seus membros negam que sejam nazistas. Óbvio, ser nazista é um crime.
Por isso, é bobagem esperar que uma personalidade pública se reconheça nazista. Ninguém vai fazer isso, por mais que algumas de suas ideias e táticas sejam semelhantes.
Agora, vale fazer algumas perguntas.
Em quem vocês acham que os membros das células nazistas votaram e que meios de (des)informação eles usam?
Por qual razão você acredita que elas escolheram essas pessoas?Será que é porque suas ideias são próximas?
Talvez porque seus atos e posições tornam mais próxima a existência de algo parecido ao nazimo no Brasil?
Responder essas perguntas não é simples. Hoje, as ideias nazistas encontraram outros caminhos, por meio dessa extrema-direita que avançou um grau no jogo, que usa o argumento do suposto humor, do comentário “sem consequências”, do tongue in cheek.
Assim, eles podem avançar o nazismo, mentir e distorcer de maneira semelhante ao que os jornais de extrema-direita faziam antes da ascensão de Hitler (a semelhança de tática é incomparável, nenhum outro modelo é tão parecido, nem a imprensa stalinista). Podem defender a existência de subclasses. Podem atacar minorias. Podem negar a ciência. Podem constantemente distorcer e mentir sem que seus leitores vejam problema nisso. Podem promover o uso da força como elemento organizador da sociedade e fazer com que a vida deixe de ser o valor máximo. Podem fazer tudo isso com um sorriso no rosto e não vamos poder chamá-los de nazistas.
Estão só promovendo o “debate”.
São “despreparados”.
São “libertários”.
São “ancap”.
Assim, mais do que nunca, se definir direitinho, ninguém é nazista. No sentido estrito, ninguém. Nem Monark, nem Olavo, nem Bolsonaro.
Acho que precisamos reconhecer isso e reagir à altura.
A dissimulação não pode salvar esses caras de serem chamados do que são. Se tocam no fruto, se querem relativizá-lo, trazê-lo de volta, enquanto simultaneamente usam as mesmas táticas e valores equivalentes, então temos uma palavra para eles.
Nazistas.

Monark, Kataguiri e o Nazismo

Do professor Luis Felipe Miguel

Até ontem, eu não sabia quem era Monark. (Certamente virá alguém dizer que sou elitista e alienado por causa disso, mas a vida é curta demais para que eu me imponha a obrigação de conhecer todos os influencers direitistas e mentecaptos do mundo.)

Não vi o podcast com Tabata Amaral e Kim Kataguiri, no qual ele, secundado pelo deputado do MBL, defendeu o direito de organização dos nazistas. Pelos resumos que li, tendo a concordar com a apreciação de Carlos Reiss, coordenador do Museu do Holocasto em Curitiba: “Eu não vejo, a partir da fala dele, explicitamente, uma apologia do nazismo. Acho que existe uma deturpação do que é a liberdade”.

É importante fazer esta distinção, porque o não enquadramento dele no crime de apologia não significa, de forma nenhuma, que sua fala não foi nociva.

Da forma como vejo, o centro do discurso seja de Monark, seja de Kataguiri, é a equiparação entre nazismo e comunismo. Uma tese que aparentemente é tão forte que até o PCO acredita nela.

Monark e Kataguiri fingem ir no caminho contrário, mas na verdade estão no mesmo diapasão daquele projeto do Eduardo Bananinha, de criminalização da defesa do comunismo.

Comunismo e nazismo são apresentados como simétricos. Se um é proibido, o outro deve ser. Ou: se um é permitido, também é preciso permitir o outro. Tudo isso em nome de um pretenso “fair play” na disputa ideológica, tal como explicitado pelo pseudo-bêbado no podcast.

Uma versão, para consumo do grande público, da velha tese ideológica do “totalitarismo”.

Já escrevi várias vezes sobre isso, então vou repetir mais uma vez: comunismo e nazismo são duas correntes antagônicas. Um liberal honesto deveria ser capaz de admitir isso.

A utopia comunista é uma sociedade de igualdade, de liberdade plena e de cooperação. Já o nazi-fascismo prega abertamente a hierarquia, a violência e a submissão ou mesmo o extermínio daqueles apresentados como inferiores.

São esses os valores básicos que orientam cada projeto político, os afetos que eles buscam mobilizar. Não poderiam ser mais diversos.

Não é preciso negar o caráter assassino do regime stalinista para chegar a esta conclusão.

Sim, a experiência histórica do regime que se afirmava comunista (ou ao menos voltado à construção do comunismo) foi marcada pela violência em larga escala – assim como, aliás, foi a experiência histórica das sociedades que se proclamam liberais, responsáveis, por exemplo, pelos crimes do colonialismo e pela pauperização da classe trabalhadora.

Mas o holocausto dos povos judeu e roma (“ciganos”) é uma consequência lógica, uma derivação do mito hitlerista da raça ariana. Poderia não ter ocorrido, pelo menos não da forma que ocorreu; mas estava contido, em semente, em toda a pregação nazista, desde antes da conquista do poder.

Já o gulag, ao contrário, não está incluído no marxismo, no discurso comunista ou na Revolução de 1917: é uma degeneração, uma aberração ou, quando muito, uma virtualidade não necessária.

Vetar a difusão de propaganda nazista é uma forma de garantir que os direitos de vastas parcelas da população não sejam ameaçados. Já criminalizar o comunismo é bloquear a discussão sobre que mundo queremos construir.