Economia: nem tudo é o que parece

Alguns se informam sobre economia pelas manchetes de jornais e das revistas semanais sensacionalistas, e pelos programas de rádio e TV.

Outros acompanham opiniões de leigos que se metem a dar opinião sobre o que não sabem nas redes sociais e em artigos de jornais e revistas. Pensam que estão informados e saem por aí compartilhando sua ignorância.

Peço perdão pelo comentário cáustico, mas não estou dando conta de tanta baboseira que ouço e leio. Não dá para fechar os olhos e tapar os ouvidos: o bombardeio midiático já contaminou muita gente. Estamos cercados por comentários estafúrdios sobre tudo, especialmente sobre economia.

Jornalistas de rádio e TV, membros de grupos de manifestantes, políticos, estão todos participando da mesma geléia geral que se transformou a análise econômica. Todos são cúmplices do processo de desinformação e de divulgação de soluções mirabolantes baseadas em diagnóstico falsos. São charlatães da análise econômica. Vendem peixe estragado como se fosse pescado hoje. Pintam suas guelras para enganar os trouxas. E os trouxas comem este peixe, gostam e saem por aí recomendando o cozinheiro e o restaurante. Uns de boa-fé, outros por falcatrua.

Um dos objetivos deste blog é postar artigos que ajudem a clarear um pouco a cena atual, separando o peixe podre do peixe próprio para consumo. O artigo do Bernardo Guimarães, doutor em Economia, explica a diferença entre câmbio real e câmbio nominal. É importante, pois os noticiários não explicam e, com suas notícias superficiais espalham pânico e desinformação.

Paulo Martins

Leia o artigo:

A taxa de câmbio nos diz quão caros são os produtos importados em relação aos produtos brasileiros. O dólar está custando cerca de R$ 4, batendo recordes. Nunca foram precisos tantos reais para comprar um dólar. Podemos então dizer que os preços nos Estados Unidos estão no nível mais alto da história para nós brasileiros?

A resposta é não. Para comparar o valor real do câmbio em 2 pontos do tempo, precisamos considerar a inflação.

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Por exemplo, há 25 anos, em 21/09/1990, o dólar custava o equivalente a R$ 0.0000298, mas isso não significa que os produtos importados estavam muito baratos, pois na época, o montante de 81,96 cruzeiros (o equivalente a R$ 0.0000298 hoje) tinha algum valor.

Da mesma maneira, nos Estados Unidos, um dólar em 2002 comprava um pouco mais que um dólar compra hoje. A inflação do dólar, apesar de pequena se comparada à inflação do real, também precisa ser levada em conta.

Como exemplo, em 28/10/2002, um dólar valia de R$ 3,74. Considerando a inflação do Real, temos que R$ 3,74 em outubro de 2002 valiam o mesmo que R$ 8,38 hoje. Mas 1 dólar de outubro de 2002 vale US$ 1,32 hoje. Assim, em 28/10/2002, a taxa de câmbio equivalia a 8,38 reais de hoje por 1,32 dólares de hoje — ou seja, R$ 6,37 por dólar considerando os valores de hoje dessas moedas.

O gráfico desse post mostra a evolução da taxa de câmbio observada desde que o câmbio começou a flutuar, em 1999. A linha verde (câmbio nominal) considera o valor que o dólar e o real tinham em cada ponto do tempo e é a taxa que estava no jornal naquele dia. A linha azul (câmbio real) atualiza a taxa de câmbio da época de acordo com as inflações do real e do dólar.

Quando consideramos a inflação, percebemos que, em termos reais, o dólar já foi bem mais caro. Sim, nunca chegou a custar R$ 4, mas isso comprava um belo carro em 1990.

Ainda assim, desde o final de 2004, o dólar nunca esteve tão valorizado perante ao real, mesmo considerando a inflação no período. Assim como o Índice Bovespa, o valor em dólar da nossa moeda está no nível mais baixo em mais de 10 anos.

Dados:

– Câmbio: peguei o dia 28 de cada mês (se não era dia útil, peguei logo antes ou depois). Inflação: IPCA para o Brasil e a CPI oficial dos Estado.

Publicado na Folha de São Paulo

Professor de economia da EESP-FGV, Bernardo Guimarães é autor do recém-lançado “A Riqueza da Nação no Século 21”.

Formado em Engenharia de Produção pela USP, fez mestrado em Economia pela Universidade de São Paulo e doutorado em Economia pela Yale University. Foi professor na London School of Economics.

Recebem ordens contra o Chile – Pablo Neruda

Recebem ordens contra o Chile

Pablo Neruda

Mas atrás de todos eles há que buscar, há algo

atrás dos traidores e dos ratos que roem,

há um império que põe a mesa,

que serve a comida e as balas.

Querem fazer de ti o que logram na Grécia.

Os señoritos gregos no banquete, e balas

ao povo nas montanhas: há que extirpar o vôo

da nova Vitória de Samotrácia, há que enforcar,

matar, perder, mergulhar o punhal assassino

empunhado em Nova York, há que romper

com fogo

o orgulho do homem que assomava

por todas as partes como se nascesse

da terra regada pelo sangue.

Há que armar Chianga e o ínfimo Videla,

há que dar-lhes dinheiro para cárceres, asas

para que bombardeiem compatriotas, há que

dar-lhes

um pão velho, alguns dólares, fazem eles o resto,

eles mentem, corrompem, dançam sobre os

mortos

e suas esposas reluzem os visões mais caros.

Não importa a agonia do povo, deste martírio

necessitam os amos donos do cobre: há fatos:

os generais deixam o exército e servem

de assistentes no staff de Chuquicamata,

e no salitre o general “chileno”

ordena com sua espada quanto devem pedir

como aumento de salário os filhos do pampa.

Assim ordenam de cima, da bolsa com dólares,

assim recebe a ordem o anão traidor,

assim os generais se fazem de polícias,

assim apodrece o tronco da árvore da pátria.

Contas Públicas: contra a corrente

É possível equilibrar contas públicas sem atingir direitos sociais, como querem governo e direita. Veja como iniciar Reforma Tributária que obrigue ricos a pagar impostos

Por Célio Turino, em Outras Palavras

É fato que o Brasil precisa de um Ajuste Fiscal, pois não há como conviver com um déficit nominal de 8% do PIB (quase R$ 500 bilhões!) e, a continuar assim, o país quebra, levando junto conquistas e direitos e afetando principalmente os mais pobres. Mas não o “Ajuste” que está sendo apresentado pelo governo. Além de não ajustar nada, ele mantém intocados os privilégios dos bancos e dos mais ricos, exigindo sacrifícios apenas de quem já se sacrifica.

Mas antes de apresentar este ensaio com propostas alternativas para um Ajuste Fiscal, um esclarecimento para o público leigo. Quando governo, mídia e bancos falam em Superávit Primário, estão se referindo a uma abstração, uma ardilosa manobra para excluir dos gastos do Estado os pagamentos com Dívida Pública – como se apenas as despesas com Educação, Saúde e direitos sociais pudessem ser cortadas, enquanto o pagamento aos Bancos e rentistas (20 mil famílias) permanece intocável, sagrado. Por isso, se quisermos ajustar de fato as finanças públicas, é necessário olhar o orçamento público por inteiro, com o conjunto de despesas e receitas, daí a necessidade de colocar Juros e Dívida também na mesa de corte.

Em 5/5/2015 escrevi artigo analisando os planos de austeridade do governo federal. Já previa que o resultado seria este que aí está, agravando o endividamento do Estado brasileiro, quando o objetivo anunciado seria o oposto. O artigo começava assim: “‘Ajuste Fiscal’ que começa a ser votado hoje, é sacrifício inútil: juros consumirão toda ‘economia’ gerada pelo corte de direitos e investimentos. É hora de construir agenda alternativa”. Infelizmente minha análise, e de vários outros pensadores livres, estava correta. Neste texto, apresentei sugestões para uma série de medidas, que continuam atuais. Dada a correlação de forças e a tormenta que atravessamos, reapresento-as em formato mais moderado, simples e exequível, sendo que algumas medidas nem dependem de aprovação no Congresso. A elas:

a) Criar duas novas alíquotas de Imposto de Renda: de 35% sobre os rendimentos acima de R$ 30 mil mensais (R$ 390 mil/ano) e 40% acima de R$ 100 mil/mês (R$ 1,3 milhão/ano). Com isto haverá um pequeno acréscimo entre 7,5% e 12,5% no Imposto das pessoas muito ricas (1% da população que detém 40% da riqueza). Em contrapartida tributar Imposto de Renda somente a partir de R$ 4 mil/mês (ou R$ 52 mil/ano). Estas duas medidas devem ser apresentadas em conjunto, pois são complementares, de modo que a isenção aos mais pobre é compensada com o acréscimo aos mais ricos, produzindo Justiça Tributária. Além deste componente, a medida também vai liberar recursos para a economia popular e solidária, com impacto positivo na arrecadação tributária, evitando aumento do desemprego e ativando a recuperação da economia como um todo. Outro reflexo positivo será a elevação da renda dos aposentados. Antes que alguém tome as dores dos ricos, um lembrete: no mundo capitalista que se diz civilizado só se começa a tributar renda a partir de US$ 1.200, ou mais, e as alíquotas chegam a 45%. Estimativa de Receita: R$ 10 bilhões.

b) Taxar ganhos de Capital. Entre as economias organizadas do mundo, apenas Brasil e Estônia não tributam ganhos de Capital. A isenção no Brasil foi adotada ao final do século passado, sob o falso argumento da bitributação: alegou-se que as empresas já pagavam Imposto de Renda da Pessoa Juridia (IRPJ). Mas imposto de empresarial é custo repassado aos produtos, sendo que quem paga de fato são os consumidores; e ganho de dividendo é Renda Individual, que tem permanecida isento em privilégio injustificável. Até quando seguiremos na rabeira da civilização também em relação à renda dos milionários, mantendo regalias pré-Revolução Francesa? Junto a esta medida, o país também deve estabelecer uma justa taxação sobre a remessa de lucros ao exterior. Segundo estudos do IPEA, se houver tributação na ordem de 15%, haverá incremento de R$ 43 bilhões na arrecadação do Estado (ou 140% do total previsto com a CPMF). Mas cabe a pergunta: se um assalariado que ganha R$ 6 mil por mês paga 27,5% do seu salário em IRPF, por que um grande acionista só deveria pagar 15%?

c) Taxar fortunas e heranças, conforme previsto na Constituição e nunca regulamentado. A tributação pode ocorrer a partir de determinado valor (R$ 4 milhões, com alíquotas entre 0,4% a 2,1%, conforme projeto da deputada Jandira Feghali, ou mesmo outras alternativas). Qualquer país capitalista, incluindo EUA, já faz isso há décadas — por que ainda não no Brasil? Seremos os últimos a taxar fortunas, como fomos os últimos a abolir a escravidão? Segundo estudos do economista Amir Khair, uma alíquota média de apenas 1% sobre o patrimônio dos muito ricos permitiria uma arrecadação suplementar de R$ 100 bilhões/ano; para efeito deste cálculo, melhor estimar em R$ 30 bilhões.

d) Fim de toda e qualquer isenção patronal ao INSS (principalmente Igrejas, que não pagam contribuição patronal de seus funcionários e sacerdotes). Em junho deste ano a mesma Câmara dos Deputados que agora exige cortes em direitos sociais, ampliou a isenção tributária a Igrejas, acarretando novo prejuízo ao Tesouro em R$ 300 milhões; no mínimo deveríamos revogar este privilégio injustificável. Estimativa de ganho de receita para a Previdência: entre R$ 500 milhões a R$ 1 bilhão, a depender da extensão da medida.

e) Retomar a CIDE (contribuição sobre domínio econômico) que incide sobre a gasolina, fixando-a em R$ 0,20 por litro de combustívels (estudos do governo chegaram a prever acréscimo de R$ 0,60). Estimativa de arrecadação: R$ 10 bilhões, a ser dividida com Estados e Municípios, de modo que a parte da União seria de R$ 5 bilhões. Em contrapartida isentar alimentos e produtos de higiene da cesta básica e cadeia produtiva de saúde e transporte coletivo de ICMS e IPI. Justificativa: não é moralmente aceitável que o Estado arrecade sobre a alimentação de seu povo e muito menos com tratamento de saúde. Se, de um lado a CIDE na gasolina pode aumentar a inflação, por outro, essas isenções terão forte impacto na redução inflacionária (muito mais que qualquer aumento na taxa de juros). A perda de receita decorrente destas isenções será compensada pela ativação da atividade econômica e ampliação de consumo em outras áreas, bem como na compensação a estados e municípios via participação na CIDE. Além disso, melhorará a relação de custos entre gasolina e etanol e reduzirá custos no transporte coletivo. Também em compensação aos estados, transferir o ITR (Imposto Rural) da União para os Estados;

f) Apoiar lei sobre repatriação de capitais, conforme intenção do governo, ainda não especificada em projeto. Estimativas otimistas falam em recuperação de até R$ 100 bilhões; mais realista prever R$ 10 bilhões em ganho de arrecadação;

g) Fim da Lei Kandir e retorno de cobrança de ICMS nas exportações de commodities. Instituída em 1997, a lei Kandir visava estimular exportações de bens primários via isenção de ICMS. Para compensar a isenção foi criado um Fundo de ressarcimento aos estados. Esta medida e este fundo, além de tere provocado rombo na conta de estados exportadores de commodities (na ordem de R$ 21,5 bilhões, no caso do Pará), também provoca um rombo anual no orçamento da União, na ordem de R$ 5 bilhões/ano. Além de provocar quebra de arrecadação do Estado, a lei também desestimula a industrialização (por mínima que seja, na forma de farelo ou óleo de soja, por exemplo) das matérias primas no Brasil e é um constante desestabilizador na relação entre Estados e União. Como resultado real, produz transferência de recursos do Estado para grandes exportadores — em sua maioria, multinacionais. É chegado o momento de acabar com esta distorção, e o momento é favorável, principalmente em função da expressiva alta do dólar.

Este conjunto de medidas representa um ganho de arrecadação para a União na ordem de R$ 100 bilhões, em valores aproximados. E sem a CPMF! Como efeito, também permite melhora na arrecadação de Estados e Municípios e ativação da economia. Antes que aleguem que R$ 100 bilhões representaria um forte incremento da carga tributária (1,65% do PIB), cabe ressaltar que estas medidas promovem Justiça Tributária, ao arrecadar a partir da Renda e do Patrimônio, evitando que o peso tributário se espraie pela sociedade como um todo. Nos próximos três anos será necessário um período de calibragem nestes impostos e em outros, para evitar o temor de elevação tributária excessiva. Ao mesmo tempo o Congresso deveria aprovar lei estipulando teto de arrecadação em 37% do PIB (atualmente está em 36,5%) a vigorar no quadriênio 2019/22.

Mas ainda cabe avaliar a CPMF. Há prós e contras, em relação a este imposto. O ponto positivo é que a CPMF além de atingir a todos, incluindo sonegadores, ainda permite que os mesmos sejam identificados; o negativo é que se espraia para toda a economia e, ao repassar custos na cadeia produtiva, é um imposto regressivo, com maior impacto sobre os mais pobres. Mas há como eliminar este efeito, prevendo o abatimento da CPMF no Imposto de Renda e/ou reduzindo custos de transações eletrônicas (cartões de crédito e débito) que, no Brasil, são abusivos (entre 3% e 6% por transação, sendo que a CPMF seria de 0,2%). Enfim, a CPMF pode até auxiliar na cobertura de rombos do Estado, mas desde que não venha acompanhada do cinismo de colocar a culpa nos aposentados. Mas como este conjunto de sugestões demonstra, pode ser dispensável.

Corte de despesas sem atingir investimentos e direitos sociais

Porém, de nada adianta elevar a arrecadação se não houver corte em despesas. Não na forma apresentada pelo governo, com cortes em investimentos essenciais (R$ 3,8 bilhões no PAC), no Minha Casa Minha Vida (R$ 4,8 bilhões), na Saúde ( R$ 3,8 bilhões) e na Agricultura (R$ 1,1 bilhão – neste caso, já que o governo considera o recurso dispensável, ele deveria ser realocado para regularização das Terras Indígenas). Mesmo em relação a reajuste de salários de servidores, concursos públicos e abono de ermanência, em que o governo estima uma economia de R$ 9,7 bilhão, talvez fosse mais adequada a previsão de um corte de R$ 4,2 bilhões. Quanto à implementação do teto remuneratório, medida que surpreende por ainda não estar plenamente implantada, sem dúvida, há que instituir já, resultando em economia de R$ 800 milhões. Somados à redução de R$ 2 bilhões no custeio administrativos, haveria uma economia de R$ 7 bilhões – o que é pouco, ante a previsão inicial de R$ 26 bilhões de corte. Portanto, há que cortar mais, só que em outros lugares e com alcance muito mais significativo e sem que represente dano em Investimentos Públicos ou Direitos Sociais:

a) Baixar em três pontos percentuais na taxa de juros paga pelo Estado a seus credores (SELIC), reduzindo-a dos atuais 14,25% para 11,25%). Ainda assim seguiríamos com o maior juro real do mundo, mas em padrão mais civilizado. Economia: R$ 45 bilhões (uma vez e meia a arrecadação prevista para a CPMF). Forma de cálculo: Dívida Bruta próxima a R$ 4 trilhões, sendo pouco menos de 40% em títulos pós-fixados, com incidência da SELIC, resultando em pouco mais de R$ 15 bilhões (R$ 500 milhões por dia, incluindo domingos e feriados!) a cada 1% na taxa de juros. Antes que aleguem que redução na taxa de juros provoca alta na inflação, há que deixar bem claro que esta é a maior mentira que vem sendo contada ao povo brasileiro (tratei sobre este tema em artigo recente);

b) Cumprir a constituição e realizar Auditoria da Dívida Pública;

c) Cortar subsídios estatais: não os sociais, mas os subsídios indecentes do capitalismo de compadrio, para empresas como Friboi, grupo do Eike Batista (R$ 10 bi!) Odebrecht e outras, via BNDES. Estas empresas deveriam receber empréstimo de longo prazo ao custo de inflação mais juros de 0,5%, o que já é bem mais vantajoso em relação à média de juros para pelos brasileiros comuns. Economia ao Estado: R$ 26 bilhões ao ano (de novo, quase uma CPMF);

d) Realizar uma Reforma Ministerial de fato, reduzindo o número de ministérios para 20 a 22. Esta medida é absolutamente necessária, não somente para redução de despesas, como em ganho de eficiência. O que o governo está a propor não passa de mudança cosmética. Junto à redução dos ministérios há que reduzir os cargos de Direção, Gerência, Coordenação e Assessoria dos atuais 22.000 para 18.000, sendo que, destes, 15.000 a serem ocupados exclusivamente por servidores públicos, restando 3.000 para nomeação de profissionais de fora do quadro de carreira. Para efeito de comparação: no Reino Unido, país com PIB pouco superior ao Brasil e um terço da nossa população, os cargos de Livre Nomeação são 300. E mais: Quadro de Requisitos e Qualificação para ocupação de qualquer cargo público, até ministro de Estado. Para comparação: nos EUA há legislação assim, escrevi artigo sobre isso há alguns anos. Redução de Custo: R$ 1 bilhão.

e) Limitar as Emendas Parlamentares Individuais. Há casos em que as Emendas parlamentares individuais podem ter um bom papel, mas na maioria das vezes distorcem e paroquializam as políticas públicas, transformando direitos em dádivas. Em um parlamento a serviço do Bem Comum, o ideal seria que só houvesse emendas coletivas, via Comissões do Orçamento. Porém, dada a correlação de forças no Congresso, será difícil alterar esta situação. Mas, convenhamos, em tempos de crise e cortes orçamentários, reservar R$ 9,5 bi para emendas individuais é um absurdo. Há que fazer um corte de R$ 5 bilhões, no mínimo.

f) Reduzir os custos do Congresso e Judiciário. O custo do Congresso brasileiro é o maior do mundo, só igualável aos EUA, que tem população 50% maior que a nossa. Há alguns anos venho tratando deste tema. Não faz sentido um orçamento de quase R$ 10 bilhões para as atividades da Câmara e Congresso: há que cortar no mínimo R$ 1 bilhão para 2016 e congelar o valor para os anos seguintes, até que alcancemos um custo da atividade parlamentar mais equilibrado com a realidade mundial. E junto com esta redução, cortar em R$ 500 milhões a verba destinada aos partidos políticos, que foi aumentada em mais de 200% neste ano.

Custo do Judiciário: se o tempo é para cortes, tem que ser para todos. Até para que o Judiciário ganhe respeito da população é preciso cortar mordomias e vantagens, como auxílio moradia mesmo quando juízes tem casa na mesma cidade, ou verbas para transporte, livros, educação dos filhos; afinal, juízes e promotores já ganham muito, até em comparação a países da Europa ou EUA. No mínimo, um corte de R$ 1 bilhão.

Corte de Despesas: R$ 86,5 bilhões (sem cortar nenhum direito social ou investimentos)

Como resultado, um Ajuste Fiscal Cidadão permitirá reduzir o Déficit Público dos atuais 8% do PIB para 5,5% (elevação de receitas em R$ 100 bilhões e Corte de Despesas em R$ 86,5 bilhões), permitindo que o país atravesse esta crise com muito menos dano à população. Se continuado nos anos seguintes, poderemos chegar em 2018 com um déficit bastante aceitável (3% ou menos), além de permitir a imediata reativação da economia. Sei que este estudo é apenas um ensaio e os que estão no poder (sejam do governo, sejam da oposição conservadora) darão os ombros a estas ideias, mas fica a sugestão. E o desejo para que, quem sabe um dia, o Estado brasileiro seja administrado com justiça e de acordo com as necessidades do povo brasileiro.

Salvador Allende: 42 anos de um golpe

Em 11 de setembro de 1973 eu cursava a Faculdade de Economia da Universidade Federal Fluminense e tomei conhecimento, chocado, do brutal golpe militar que derrubou e assassinou o presidente eleito Salvador Allende. Muitos, artistas, políticos e pessoas comuns, foram presos, torturados e assassinados pela ditadura de Augusto Pinochet.

Lamentavelmente, observo que está sendo feita uma deliberada opção pelo “esquecimento” de fato tão grave para a história da América Latina.

Uns poucos blogs lembraram. Cynara Menezes publicou em seu blog o texto abaixo, de autoria de Darcy Ribeiro. Tomei conhecimento do post no blog do Miro. Considero o texto uma homenagem a Salvador Allende.

A “inviabilização do governo de Salvador Allende começou no mesmo dia de sua eleição e terminou com sua deposição por um golpe militar que, em suposta defesa da democracia, implantou uma ditadura sanguinária.

Na América Latina a história sempre se repete: governos que procuram governar para a maioria desassistida sempre vão ter que enfrentar, mais cedo ou tarde, a oposição dos grupos privilegiados que não aceitam repartir seus privilégios. E, se o resultado das urnas não lhes é favorável, estes grupos derrotados inventam alguma forma de tomar o poder, seja por meio de um golpe militar ou, como nos dias atuais, de um golpe midiático.

Paulo Martins

Salvador Allende e a esquerda desvairada
Por Darcy Ribeiro, Lima, setembro de 1973

Escrevo sobre um estadista. O mais lúcido com quem convivi e o mais combativo. Um estadista que deixa como legado para nossa reflexão a experiência revolucionária mais generosa e avançada do nosso tempo: edificar o socialismo em democracia, pluralismo e liberdade.

(…)

Conheci Salvador Allende em 1964, quando ele nos foi visitar, a João Goulart e a seus ex-ministros, exilados no Uruguai. Sempre me recordarei das longas conversas que tivemos então. Recordo, sobretudo, o deslumbramento com que ouvi – eu era, então, um provinciano brasileiro, que só depois aprenderia a ser latino-americano – a lucidez e a paixão com que ele analisava e avaliava nosso fracasso.

Através de suas palavras, percebi, pela primeira vez, claramente, as dimensões continentais e mundiais do nosso fracasso e o seu terrível impacto sobre a luta de liberação da América Latina.

(…)

Meu sentimento sempre foi – e o é, desde agora – o de que Allende, no plano ideológico, era um homem só, sem ajuda. Incompreendido. Mesmo os chilenos mais próximos dele se surpreendiam a cada dia com a grandeza do homem que os incitava e comandava. Não lhes era fácil substituir a imagem corrente do senador, tantas vezes candidato à presidência, pela figura do estadista que nele reconheciam agora, surpresos e às vezes duvidosos. Mais difícil ainda, para muitos, era aceitar a sua liderança de estadista, dentro de um processo político, quando o que aspiravam na realidade era um comandante à frente de um grupo de ação direta.

Aquele homem sozinho encabeçava, delineava e dirigia o processo mais generoso e complexo do mundo moderno, elevando o Chile a alturas incomparáveis de criatividade teórica e a impensáveis ousadias de repensar tudo o que as esquerdas tinham como dogmas. Sua tarefa era nada menos que abrir uma rota nova – evolutiva – ao socialismo.

(…)

Para esta gigantesca tarefa político-ideológica, Allende estava só. Para uns, os ortodoxos, a via chilena era uma espécie de armadilha da história que punha em risco conquistas e seguranças duramente conquistadas em décadas de lutas. Apesar disso, foram eles os que melhor compreenderam o processo em sua especificidade e os que mais ajudaram , tanto a realizar suas potencialidades, como a reconhecer suas limitações. Mas isto é dizer muito pouco ainda quando, na realidade, os comunistas chilenos foram o único apoio sólido e seguro com que Allende contou em seus três anos de luta.

Para outros, os desvairados, não existia nenhuma via chilena. Na cegueira de seus olhos cegados por esquemas formalistas e no sectarismo de sua disposição unívoca para um voluntarismo, tão heróico quanto ineficaz, eles só queriam converter o Chile em cuba, concebida como único modelo possível de ação revolucionária. Além de visivelmente inaplicável às circunstâncias chilenas, o modelo que tinham em mente não era mais que uma má leitura teórica da experiência cubana. E, como tal, inaplicável em qualquer parte, porque si via nela a ação armada, fechando os olhos à complexa conjuntura política dentro da qual a ação guerrilheira teve ali, e só ali, lugar e eficácia.

(…)

Os socialistas, membros de um partido eleitoreiro, viviam do antigo, renovado e crescente prestígio popular de Allende: mas, vazios de uma ideologia própria, passaram a funcionar como uma caixa de ressonância dos desvairados, criando com o seu radicalismo verbal a sua inflexibilidade tática os maiores obstáculos à política do governo. De fato, a maioria de suas facções atuou mais contra Allende – através de denúncias despropositadas, de exigências infantis e de propostas provocativas – que contra o inimigo, jamais reconhecendo o caráter gradualista do processo chileno ou ajustando-se a seus requisitos específicos. Entregues a disputas estéreis com os comunistas, o socialistas punham nelas mais energias do que na luta concreta contra o inimigo comum.

(…)

O que vi foram muitos dos “melhores teóricos” – porque haviam lido e escrito mais esta tolice exegética que se autodenomina marxismo de vanguarda – vagando pelo Chile como se estivessem na lua, incapazes de perceber e de entender o processo revolucionário que tinham diante deles, porque para seus olhos cegos tratava-se de um mero “reformismo”.

(…)

Desde o primeiro momento, Allende percebeu com toda lucidez que eram falsos ou que não se aplicavam à via chilena alguns dos célebres dogmas das esquerdas desvairadas. Entre eles o de que se avança para o socialismo exclusivamente pela luta armada; o de que o socialismo se constrói sobre o caos econômico; e o de que é necessário derrubar primeiro toda a legalidade “burguesa” para abrir caminho para o socialismo.

O primeiro destes dogmas pressupunha a convicção de que entre o status quo e o socialismo estaria uma vitória militar sobre as forças armadas. Allende sabia que não podia enfrentá-las diretamente, e as via com maior objetividade. Primeiro, como uma burocracia tão disciplinada e hierarquizada que poderia, talvez, ser submetida aos poderes institucionais se se mantivesse a ordem constitucional. Segundo, como uma instituição eminentemente política, com tendências fascistas – por lealdades classistas, por sua constituição gerontocrática e seu doutrinamento anti-revolucionário – mas suscetível de ser ganha ou anulada politicamente pela ação disciplinada do povo organizado dentro de um movimento ao socialismo em democracia, pluralismo e liberdade.

(…)

Entretanto, para prosseguir neste controle institucional das forças armadas, seria necessário preencher um requisito indispensável: o de que Allende tivesse, efetivamente, o comando unificado sobre as esquerdas militantes e as pusesse em ação dentro do processo de transição pacífica ao socialismo. Isso ele jamais conseguiu. Os atos desesperados da esquerda desvairada, somados à inércia e à demagogia dos confusos líderes socialistas, contribuíram para minar estas condições, facilitando assim a conspiração de uma direita unida, francamente entregue à contra-revolução, e para isso apoiada internacionalmente através de toda ordem de sabotagens econômicas e financeiras, articuladas e desencadeadas com rigor científico para inviabilizar seu governo.

Nestas condições, as lideranças democratas-cristãs, aliadas à extrema direita, fizeram do Parlamento um órgão de provocação, chantagem e bloqueio ao poder executivo; ao mesmo tempo em que as altas hierarquias do poder judiciário questionavam a legalidade dos atos do governo. Simultaneamente seus aparelhos ideológicos levavam as camadas médias ao desespero, pelo terror de perder, não o que tinham –que era bem pouco– mas suas esperanças de enriquecimento e prestígio que, segundo se dizia, em um regime socialista lhes seriam completamente negadas.

(…)

Há muito o que aprender desta experiência única de repensar com originalidade os princípios da política econômica para conduzir um processo de transição ao socialismo, dentro da institucionalidade vigente. Entre suas vitórias estão: a de haver acabado com o desemprego; a elevação substancial do padrão de vida das camadas mais pobres; o aumento ponderável da produtividade industrial; a ativação da Reforma Agrária; a imposição do controle estatal sobre os bancos privados e o comércio exterior; a socialização das empresas-chave e, sobretudo, a recuperação para os chilenos das riquezas nacionais, começando pelo cobre, sujeito desde sempre às mãos estrangeiras.

Em três anos, Allende conseguiu mais por esta via, do que qualquer revolução socialista em igual período. Por isto é que, mesmo sendo governo, ganhou eleições, o que jamais havia ocorrido no Chile. Mas também levou ao desespero os privilegiados, desafiando-os a promover a contra-revolução como único modo de garantir a sua sobrevivência como classe hegemônica. Para isso, eles atuaram principalmente sobre os militares e sobre as classes médias cuja alianças lhes garantiria a vitória.

(…)

Este artigo é uma incitação para que meditemos sobre esta lição com o devido respeito por sua grandeza e com a coragem necessária à autocrítica. Todos nós, as esquerdas da América Latina e do mundo, fomos derrotados no Chile. Cada um de nós tem, consequentemente, a sua autocrítica a fazer, tanto pelo que fizemos de danoso ao processo chileno, como pelo que deixamos de fazer em seu apoio. Acusar apenas ao inimigo que nos venceu pela enumeração minuciosa de seus atos, apenas reitera a convicção generalizada sobre sua eficiência. Nossa tarefa é vencê-lo.

O que não pode ser posto em dúvida é que Allende explorou até os últimos limites as possibilidades que a história abriu aos chilenos de edificar o socialismo em democracia, pluralismo e liberdade. E que a Unidade Popular teve possibilidades de vitória com respeito às quais a direita chilena e o imperialismo jamais duvidaram. Sua lição é ter nos indicado um caminho duro e difícil. Um caminho que exigirá, amanheça, dos que o retomarem, a mesma lucidez, inteireza, retitude e coragem com que Allende marchou para ele até a morte, com o propósito de, sobre sua derrota, abrir uma via vitoriosa ao socialismo. A via evolutiva, participatória, pluralista, parlamentar e democrática, apesar de tão dificultosa é a mais praticável em muitas conjunturas no mundo de hoje.

Com Che Guevara a história nos deu o herói-mártir do voluntarismo revolucionário que dignificou a imagem desgastada das lideranças da velha esquerda ortodoxa. Com Allende, a história nos dá o estadista combatente que chega à morte lutando, em seu esforço por abrir aos homens uma nova porta para o futuro, um acesso ao socialismo libertário que pode e que deve ser.

Ele será o inspirador dos que terão futuramente que lutar pelo socialismo, sob oposição parlamentar e debaixo do risco de um golpe militar. Oxalá, onde e quando isso ocorra, exista uma esquerda por fim politicamente madura e dessacralizada de dogmatismos, tão combativa quanto lúcida e sobretudo capacitada para ver objetivamente a situação em que atua e para aceitar e enfrentar as tarefas que a história lhe proponha.

As crianças mortas na praia

Difícil e corajosa a decisão de alguns jornais e sites de publicar a foto do menino, refugiado do horror da guerra na Síria, morto na praia. É a foto do ano. É a foto que sintetiza, sem palavras, a falência do ser humano. É, entre zilhões de fotos e imagens que nos bombardeiam diariamente, a prova da degradação da natureza humana.

Eu não tenho a coragem de publicar a foto, mas acho que ela poderá ajudar a chamar a atenção dos líderes globais para as guerras insanas que assolam o mundo e para necessidade de se procurar uma solução para a crise humanitária na Síria, na Ucrânia, no Oriente Médio, no mundo todo.

Quando critiquei os assassinatos (penas de morte) praticados na Indonésia – apoiados por muitos – meus  argumentos eram em favor da humanidade e da paz. Gentileza gera gentileza. Ódio gera crianças mortas.

O massacre do Charlie Hebdo já está, na maior parte do mundo, em processo de esquecimento. As execuções e os assassinatos em massa aparecem nas TVs de todo o mundo diariamente. Normalmente.

Espero que estas mortes não caiam no esquecimento, nem sejam consideradas normais nestes tempos de barbárie e insensibilidade.

Espero que a morte do menino, que chocou o mundo não seja apenas uma comoção de poucos minutos, mais uma chocante imagem no computador ou uma foto absurda no jornal, que logo será esquecida.

Publico a imagem do luto; o afogamento da humanidade; o desespero de ver os filhos morrendo de fome, sufocados em carrocerias de caminhão ou morrendo afogados na praia.

Publico a insanidade coletiva; a crise da austeridade assassina; a ignorância do orçamento superavitário às custas de desemprego e fome.

Publico a inviabilidade da vida robotizada, sem emprego e sem salário.

Publico a dor e o desespero dos milhões que perdem, para que um pequeno grupo de privilegiados possam manter suas vidas de futilidades, neuroses e egoísmo.

Publico meu horror aos semeadores de crises e fomentadores de ódio e fobias.

Publico a dor do pai e marido desesperado.

Homenageio o menino morto, no inocente sorriso das crianças felizes. Que aprendam a repartir sua felicidade, é só o que eu peço.

Paulo Martins

Bancos: a apropriação da riqueza social

Livro de Ellen Brown revela como bancos organizam, dia a dia, apropriação da riqueza social. Sua alternativa: reinventar um sistema bancário público

Resenha de Ladislau Dowbor

Publicado em outrapalavras.com
Resenha de:
The Public Bank Solution: from Austerity to Prosperity
Por Ellen Brown
Third Millenium Press, Baton Rouge, 2013, 471p.
Disponível (em inglês) na Amazon ou (diversos capítulos) no site da autora

Ellen Brown vai direto ao ponto: “Os bancos são de propriedade e controle privados, com o mandato de servir aos interesses limitados dos seus acionistas; e esses interesses e o interesse público frequentemente entram em conflito. O que é bom para Wall Street não é necessariamente bom para a economia…O edifício bancário privado constitui uma máquina massiva cujo objetivo principal é o de se manter a si mesmo. O que está sendo preservado é uma forma extrativa de atividade bancária que está se provando ser insustentável, e que atingiu os seus limites matemáticos. Um parasita que devora a sua fonte de alimentação e que perecerá junto com a sua fonte de alimentação”.(419) Quando vemos no Brasil o Banco Itaú aumentando em 22% nos últimos 12 meses os seus lucros já fenomenais, numa economia parada, temos de prestar atenção. Este enriquecimento vem de onde?

O caos planetário gerado pelos sistemas financeiros privados, tal como existem desde a desregulação a partir dos anos 1980, só não vê quem não quer. E também – isto é crucial – quem não tem acesso a informações sobre como funcionam, e isto significa a imensa maioria da população. Professores, advogados, engenheiros, políticos dos mais variados tipos, com algumas honrosas exceções, simplesmente não entendem. Na realidade, não há tanto mistério nisto, pois apesar do dinheiro sob suas diversas formas ser na era moderna o principal vetor de organização da sociedade, por alguma razão os seus mecanismos não figuram em nenhum currículo escolar. Mesmo nos cursos superiores, simplesmente não figura, a não ser em economia, e ainda assim na versão assexuada, ou seja, aquela que não implica entender quem efetivamente se apropria do dinheiro e de que maneira, pois isso já seria política.

Depois de ter deixado a sua forma material – ouro ou outra expressão que tem valor em si – e depois de ter abandonado até o papel-moeda que hoje tem importância marginal, o dinheiro passou a ser apenas uma notação magnética, imaterial, com imensa volatilidade, podendo ser criada e transferida na velocidade da luz. Os mecanismos deste universo planetário são dominados por grandes corporações, em particular os 28 bancos “sistemicamente significativos”, onde trabalham especialistas que estes sim entendem tudo deste novo universo, onde o enriquecimento não se atinge produzindo riquezas, como no bom velho capitalismo, mas gerando sinais magnéticos que dão aos seus detentores direitos sobre o produto dos outros.

Joseph Stiglitz chamou justamente a atenção para a importância desta “assimetria de informação”. Um número crescente de instituições hoje trabalham para cobrir o fosso, como o Tax Justice Network, o Global Financial Integrity e muitas outras, além de pesquisadores como o hoje indispensável Thomas Piketty. O sucesso deste último, aliás, não se deve a qualquer genialidade particular, mas ao fato de ter explicitado como o sistema funciona. E quem leu, passa a entender, e esta coincidência entre a explicação e o universo que vemos é que gera o sucesso. Passamos a entender. Isto é boa ciência.

Piketty explica uma dimensão global: quando os ricos, em vez de investir, passam a fazer aplicações financeiras, ganhando dinheiro com dinheiro e não com a produção de sapatos, e quando esta forma de ganhar dinheiro permite inclusive se apropriar do lucro de quem produz, o sistema se desequilibra. É a tal da financeirização. A importância de entender os mecanismos não se deve a um preciosismo intelectual, mas ao fato de que deveremos cedo ou tarde por ordem no sistema. Hoje 85 famílias detêm (essencialmente sob forma de sinais magnéticos que são “direitos”) mais riqueza do que a metade mais pobre da humanidade, 3,5 bilhões de pessoas que labutam seriamente. Não é mais possível não ver o elefante no meio da sala.

O aporte de Ellen Brown é diferente do de Thomas Piketty: ela destrincha o funcionamento concreto dos bancos, de como se organiza no dia a dia esta apropriação de riqueza por quem não produz. A orientação dela é clara: o setor público tem de recuperar o controle da emissão desses “direitos”, e assegurar que o financiamento sirva a financiar o desenvolvimento. Subversivo? O artigo 192 da nossa constituição determina que o sistema financeiro nacional seja “estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e servir aos interesses da coletividade”, fixando ainda um limite às taxas de juros reais, sendo que “a cobrança acima deste limite será conceituada como crime de usura, punido, em todas as suas modalidades, nos termos que a lei irá determinar.” A lei, evidentemente, não determinou nada, pois as eleições são financiadas livremente pelas corporações, segundo lei de 1997, aliás rigorosamente inconstitucional.

Nesta era de caos financeiro, o livro de Ellen é muito bem-vindo. A primeira parte é um resgate do processo histórico, de Wall Street a Beijing, o que ajuda a entender como se articulam as instituições criadas e os grandes grupos de interesses. Os inúmeros exemplos tanto das iniciativas de regulação como da organização diferenciada segundo os países – a Alemanha com os seus sparkassen, a Polônia com as suas cooperativas de crédito, a China com os seus sistemas descentralizados de gestão financeira, o próprio papel da nossa Caixa Econômica Federal e muito outros – ajudam a entender que este universo pode sim ser resgatado aplicando soluções de comprovada eficiência. O estudo fecha com propostas de uma nova teoria monetária, o que ajuda muito.

Uma belíssima leitura, tapando um imenso buraco negro de informação não só na academia como na população instruída em geral. Um amplo glossário dos termos técnicos ajuda muito. Não é um livro para economistas, e sim para qualquer pessoa com boa formação que queira entender para onde vamos.