A consulta pública sobre o uso de armas de fogo pela Guarda Municipal de Niterói, RJ

Por Talita  Tansheit.

“Duas considerações sobre a Consulta Pública em relação ao uso de armas de fogo pela Guarda Municipal de Niterói:

A primeira diz respeito à falsa concepção de que democracia direta gera mais democracia. Muito pelo contrário. Questões delicadas não devem ser decididas em segundos, com base em sim ou não e levada por sensações momentâneas da população (que tende a acreditar que o armamento da guarda geraria mais segurança). Para isso temos instâncias deliberativas, onde o debate pode ser mais qualificado e realizado amparado tanto em debates sobre a democracia direta quanto em evidências empíricas (que não faltam) em respeito ao armamento de guardas e polícias ao redor do mundo. Um exemplo emblemático de como a democracia direta não gera mais democracia é o plebiscito da paz na Colômbia realizado no ano passado, em que a população decidiu pela não reconciliação entre as FARC e o Estado colombiano, deixando ruir por terra e em poucas horas anos de debate e de mesas de diálogo em torno da temática. Por isso não considero responsável, em especial em um momento tão delicado e de tantos diálogos interditados no Brasil, que mecanismos de democracia direta sejam utilizados: dificilmente eles nos levarão à soluções inteligentes.

A segunda diz respeito às evidências empíricas. O debate sobre o armamento é um debate relativamente antigo na Ciência Social e Jurídica no Brasil e no mundo. Muito dinheiro de fundações internacionais e de agências públicas de fomento é gasto com vistas à verificar os efeitos do armamento/desarmamento das guardas e das polícias no Brasil e no mundo (em especial em países como EUA, Colômbia e México). E o que os dados nos mostram? Que ao contrário de reduzir a violência (roubos e furtos em especial) e os números de homicídios, o armamento de guardas e políticas aumenta a violência e os homicídios (!!!). Não à toa o Estatuto do Desarmamento e a campanha de devolução de armas vêm sendo considerados, por diversas pesquisas rigorosas metodologicamente, explicações consistentes para a reduçãoda violência no Brasil – o aumento verificado nos últimos anos é atribuído justamente à maior flexibilidade destas políticas. Ou seja: ele é um falso debate, que opera apenas no campo das sensações individuais, em especial da classe média estabelecida, mas que não trata a temática da segurança pública como uma política pública.

Por isso não apenas votei não, mas considerei incorreta e equivocada a realização desta Consulta Pública. Política pública deve ser pensada à longo prazo, e não no calor do momento, em especial em meio à crise econômica, em momentos de austeridade e de ascensão do conservadorismo no Brasil e no mundo.”

Copiado do Facebook de Jaqueline Quiroga.

Foto: PauloM/Pendotiba, Niterói. Bonita até embaixo de chuva.

Monturo fáscio faz política e desvia atenção caçando nus e injuriando, por Bob Fernandes

 

https://www.tvgazeta.com.br/videos/monturo-fascio-faz-politica-e-desvia-atencao-cacando-nus-e-injuriando/#

Jogos de Poder e disputa entre países. Critérios econômicos, culturais, geopolíticos definem os 20 países mais importantes no mundo. O Brasil entre eles.
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Nesse jogo a imagem é muito, quando não é tudo. O U2, uma das maiores bandas do planeta, está no Brasil. Ai Weiwei, artista e célebre dissidente chinês está no Brasil.
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Imagens do U2 e de Weiwei no Brasil cobrando “Censura nunca mais” correm o mundo. Weiwei protestou no vão do Masp.
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No Museu está a exposição “Histórias da sexualidade”.
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Dos mais importantes museus da América Latina, o Masp se acovardou. Só maiores de 18 podem ver a exposição…
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…Que tem Picasso, Francis Bacon, Manet, Gauguin. E, entre outros, os brasileiros Victor Meirelles e Adriana Varejão.
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A Constituição proibe Censura. O Estatuto da Criança e Adolescente, não pede censura. Menos ainda de menor acompanhado por um dos pais.
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Pede indicação e recomendação por faixa etária.
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Quem comanda essa ridícula caça ao nu? Grupelhos. Rostos visíveis, Alexandre Frota e MBL.
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Entendam o grotesco de mais essa Farsa: Frota é estrela nos 20 filmes pornográficos “Brasileirinhas”.
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Com o mesmo MBL, até outro dia Frota caçava “corruptos” usando discurso moralista… Esqueceram o tema.
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O MBL, no impeachment, foi financiado. Pelo PMDB, PSDB, DEM etc. O Site UOL, áudios e um ex-integrante relatam isso.
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MBL que, revelou a revista Piauí, agora recebe dinheiro de integrantes de bancos e corretoras. O tal “O Mercado”.
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Chamado de “pedófilo”, Caetano Veloso, e Paula Lavigne, estão processando o Casto Frota e o Puro MBL.
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Milton Hatoum, maior escritor brasileiro contemporâneo, resume:
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-Ressurgiu o perigosíssimo moralismo hipócrita (…). Voltamos ao ‘pequenino fascismo tupiniquim’ de que Graciliano Ramos falava em “Memórias do Cárcere”.
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Essa gente é um monturo de ressentimento, recalque, ódio. Não se enganem: o que eles estão fazendo é política. De novo disfarçados de moralistas.
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Enquanto o monturo chama atenção caçando nus, aprovam a volta do Trabalho Escravo. E tramam liberar geral para Plano de Saúde assaltar idosos.

Categoria(s): Bob Fernandes / Comentaristas / Jornal da Gazeta / Jornalismo

Planos de saúde para idosos podem ficar impraticáveis

Planos de saúde para idosos podem ficar impraticáveis
20 de outubro de 2017 Claudia Colucci / Folha de São Paulo

A proposta de nova lei de planos de saúde apresentada na Câmara dos Deputados no dia 18 de outubro é um desserviço aos usuários, não cobre necessidades de saúde, “rasga” o Estatuto do Idoso e só beneficiará o mercado.

A afirmação vem dos professores de saúde coletiva Ligia Bahia, e Mario Scheffer, que pesquisam políticas de saúde, planos e seguros privados.

“A urgência de uma lei tem as digitais das operadoras, assíduas financiadoras de campanhas eleitorais”, afirma Scheffer. Sobre o reajuste de planos dos idosos, defendido pelas empresas, Ligia, afirma que é um equívoco confundir velhice com doença. “O envelhecimento por si só não é o responsável pela elevação de custos na saúde.”

Folha de SP – Qual o impacto do relatório da revisão da leis dos planos, que está na Câmara?

Mario Scheffer – É das empresas de planos o relatório da comissão especial, que abre caminho para normatizar a segmentação de coberturas, prevê liberação do reajuste por faixa etária acima de 60 anos e a diminuição drástica do valor das multas aplicadas em função de atendimentos negados. Também propõe mudança radical no ressarcimento ao SUS, que passa a ter um formato de captação de recursos de hospitais e secretarias de saúde, o que na realidade se trata de claro incentivo à “dupla porta”, o atendimento diferenciado de clientes de planos em unidades públicas. Com a mudança, o SUS passa a ser um prestador de serviços dos planos de saúde.

Essa nova lei, claramente desfavorável às necessidades de saúde, um desserviço ao país, tem as digitais das operadoras, assíduas financiadoras de campanhas eleitorais e que recentemente foram acusadas de comprar a medida provisória do capital estrangeiro que as beneficiou. As negociações na comissão especial foram praticamente secretas. Nas poucas audiências públicas quem mais participou foi o setor privado.

O que achou da proposta da Câmara de reajuste acima de 60 anos? O mercado de planos alega que é importante em razão do aumento da longevidade e do alto custo das doenças crônicas. Há uma outra saída?

Ligia Bahia – A proposta da Câmara rasga o Estatuto do Idoso e ameaça a permanência dos idosos nos planos, ao prever aumentos em progressão geométrica. Serão dois tipos de reajustes, o anual no aniversário do contrato e a cada cinco anos acrescido por um fator multiplicador até o fim da vida. Ficarão impraticáveis as mensalidades que já são mais elevadas para quem tem acima de 60 anos. É um equívoco confundir velhice com doença. O envelhecimento por si só não é o responsável pela elevação de custos na saúde. No Brasil, os idosos frequentemente seguem trabalhando e pagando imposto e não são necessariamente doentes. Em muitos países as políticas são orientadas para a chamada “compressão de morbidade” que significa prevenir riscos e doenças de modo a permitir que se viva melhor e por mais tempo. Ironicamente, diversos planos especializados em população idosa dão lucro.

Entidades de defesa do consumidor defendem que planos coletivos tenham o mesmo reajuste dos individuais. As operadoras dizem que isso as quebraria. Há meio termo?

Mario Scheffer – São praticados índices de reajuste absurdos em contratos coletivos que não são feitos com empresas e, sim, por adesão a produtos fraudulentos. Corretores exigem um CNPJ ou a vinculação artificial a uma organização qualquer. Esses planos que têm natureza claramente individual foram falsamente coletivizados para expandir o mercado e escapar da regulamentação. É lógico que deveriam ser reajustados com os mesmos padrões dos individuais. Nos coletivos de verdade, a negociação entre as partes tende a ser mais equilibrada. Os falsos coletivos são uma aberração.

O mercado também se queixa que muito da judicialização advém de demandas não previstas em contrato. As pesquisas corroboram isso?

Nossas pesquisas evidenciam um aumento expressivo das ações judiciais contra planos de saúde. Em São Paulo, são mais de 120 decisões contra planos por dia. Na segunda instância, os julgamentos relativos a planos já superam as ações movidas contra o SUS.

A maior parte das demandas é motivada por exclusão de cobertura de procedimentos caros e por reajustes abusivos, que, segundo as interpretações dos juízes, são obscuras nas normas legais e em contratos pouco padronizados. Mais de 90% das reclamações dos clientes têm sido acatadas.

Planos populares podem desafogar o SUS?

Ligia Bahia – Os planos sempre foram impopulares, criticados por quem os tem e inacessíveis para a maior parte da população.

Hoje tem mais brasileiros com planos (27%) do que em 1998 (23%), segundo dados do IBGE, e nem por isso as demandas para o público foram reduzidas. Ao contrário, nestes 20 anos houve ampliação do acesso e utilização do SUS. Planos mais baratos farão com que o SUS fique mais “afogado” com procedimentos mais caros e complexos.

Desperdícios, desvios e fraudes são apontados como algumas das grandes causas do aumento do custo da saúde suplementar. O que é preciso para organizar esse sistema?

Fraudes e desvios que geram a fragmentação e desorganização da assistência privada decorrem em parte de estratégias de competição predatórias e em parte da inadequação da regulamentação. A polêmica sobre a responsabilidade sobre o aumento de gastos opõe planos de saúde e hospitais, produtores de medicamentos e médicos. A mesma empresa de plano também é grupo hospitalar e ainda possui unidades de diagnóstico. Há espaço para soluções buscadas internamente.

A mudança de modelo de remuneração ajudaria?

Mario Scheffer – Sem dúvida é bem vinda a introdução de modelos de remuneração que aproximem o pagamento dos melhores desfechos clínicos e resultados. Mas isso não é uma panaceia. Todas as modalidades têm problemas. Enquanto o pagamento por produção pode levar à sobreutilização de exames, assalariados podem se acomodar, atendem menos pacientes em menor dedicação e têm pouco compromisso com custos.

Se o pagamento é por número de pacientes, idosos e crônicos passam a ser evitados pelos prestadores, que também podem abandonar pacientes fora das metas no caso do pagamento por resultados. Nos países ricos os modelos não são únicos, dependem da organização dos serviços e dos profissionais.

Proposta para planos de saúde inclui reajuste para idoso e multa menor para empresas em caso de infração

Proposta para planos de saúde inclui reajuste para idoso e multa menor para empresas em caso de infração
19 de outubro de 2017 Vilma Reis com informações de O Globo

Publicado em abraço.org.br

A Câmara dos Deputados deu nesta quarta-feira o primeiro passo para mudar a legislação que rege os planos de saúde. O relator do projeto, deputado Rogério Marinho (PSDB-RN) apresentou, em comissão especial que trata do assunto, o relatório da proposta, que reúne itens de 150 projetos diferentes relacionados a planos de saúde e que tramitavam no Congresso. Uma das principais mudanças refere-se ao modelo de reajuste dos planos para idosos. A ideia é diluir o aumento que marca a mudança de faixa etária. Hoje ele é aplicado de uma só vez, quando o beneficiário completa 59 anos. O projeto tramita em regime de urgência e pode seguir direto para o plenário, mas os parlamentares acordaram que haverá prazo para discussão e uma votação na própria comissão. Como a urgência também impede que haja emendas ao texto, o combinado foi que Marinho aceitará sugestões que poderão ou não serem incluídas por ele no relatório.

Ligia Bahia e Mario Scheffer, membros da Comissão de Política da Abrasco, opinaram para o jornal O Globo, sobre o relatório da proposta.

A intenção é votar a proposta na comissão em 8 de novembro. O projeto tramita em regime de urgência e pode seguir direto para o plenário, mas os parlamentares acordaram que haverá prazo para discussão e uma votação na própria comissão. Como a urgência também impede que haja emendas ao texto, o combinado foi que Marinho aceitará sugestões que poderão ou não serem incluídas por ele no relatório.

A questão do reajuste para idosos é apenas um dos aspectos que podem ser alterados na legislação. O texto prevê mudanças que interferem diretamente no cotidiano do consumidor, como a obrigação de oferta de planos de saúde individuais, que praticamente sumiram do mercado, e a redução de multas para operadoras em casos de negativa ou demora no atendimento, entre outras infrações.

Um dos aspectos polêmicos do relatório é que ele beneficia as empresas, à medida que diminui as multas aplicadas em casos de infração e tenta restringir em várias frentes a judicialização no setor, o que torna mais difícil ao consumidor conseguir a liberação de procedimentos na Justiça. O texto retira da lei o trecho que fixa um piso de R$ 5 mil para as multas. A penalidade máxima continua em R$ 1 milhão. Além disso, adota uma sistemática de gradação. No caso mais comum que leva os usuários à Justiça contra as operadoras, de negativa de procedimentos, por exemplo, a multa fica limitada a dez vezes o valor do procedimento. Se a empresa repetir o comportamento, essa proporção sobe a 30 vezes.

Na opinião de Mário Scheffer, professor da USP que acompanha o setor, um artigo inserido no relatório reforça que as operadoras são obrigadas a cumprir estritamente procedimentos previstos em contrato. Isso dificulta o questionamento de cláusulas contratuais consideradas desfavoráveis ao consumidor na Justiça. Além disso, estipula que, em casos de questionamento judicial em que não há urgência, o juiz fica obrigado a consultar uma junta técnica especializada no tema antes de emitir parecer.

Para Ligia Bahia, professora da UFRJ e membro da Associação Brasileira de Saúde Coletiva – Abrasco, o texto dá margem à regionalização da cobertura, ou seja, a oferta de serviço diferente de acordo com a estrutura disponível no local. Na prática, regiões com menor infraestrutura não seriam obrigadas a oferecer todos os serviços obrigatórios hoje.

— A redação deixa uma porta aberta aberta para a regionalização da cobertura, o que representa perda significativa para o consumidor — avalia.

O relator do projeto, no entanto, diz que o assunto não foi contemplado:

— Essa é uma situação que terá de ser enfrentada em algum momento, só acho que esse não é o instrumento, até porque a gente não teria uma condição política adequada para fazer a aprovação de um projeto como esse.

A proposta traz ainda alívio para empresas em dificuldade financeira. Os planos estão fora da Lei de Recuperação Judicial. Desde que a empresa faça acordo com dois terços dos credores, o texto permite que a operadora deixe de pagar obrigações que já venceram ou estão por vencer num período de até 12 meses. O benefício viria acompanhado de obrigações.

IDOSOS – Os idosos poderão ter reajustes escalonados nas mensalidades. Hoje, a regra prevê que a última faixa etária (acima de 60 anos) tenha uma mensalidade de no máximo seis vezes o valor pago pela primeira faixa etária (0 a 18 anos). Por isso, os planos atualmente costumam aplicar um reajuste altíssimo quando o cliente completa 59 anos, já que o Estatuto do Idoso restringe aumentos após essa idade. Pelo projeto em discussão na Câmara, esse percentual seria parcelado e aplicado em etapas, a cada cinco anos (aos 59 anos de idade, depois aos 64 anos etc.)

MULTA MENOR: Hoje, a multa para operadoras em caso de negativa de atendimento ou de descumprimento de prazos para a prestação do serviço é de, no mínimo, R$ 5 mil. O texto retira esse valor mínimo e determina que o montante não ultrapasse dez vezes o valor do procedimento. Assim, se uma consulta custa R$ 80, o valor da multa seria de até R$ 800.

PLANO INDIVIDUAL: Todas as operadoras de saúde terão de oferecer planos individuais e familiares. Hoje, não há essa obrigação e há muito pouca oferta desses planos. Quando um plano coletivo por adesão decidir não renovar o contrato, aos idosos, é garantida a oferta de um plano individual ou familiar.

NÚCLEO TÉCNICO: Quando houver disputa na Justiça entre planos de saúde e consumidores sobre autorização de procedimentos, o juiz precisará ouvir profissionais de saúde de um “núcleo de apoio técnico” antes de tomar sua decisão. Esse núcleo já existe em alguns tribunais hoje. Especialistas em defesa do consumidor temem que isso seja prejudicial aos beneficiários dos planos.

VACINAS: Os planos passam a cobrir vacinas solicitadas pelo médico, desde que estejam registradas e não constem do calendário nacional de vacinação.

 

 

RETROCESSOS EM SÉRIE: PROJETO GOVERNISTA EXPULSARÁ OS IDOSOS DOS PLANOS DE SAÚDE

RETROCESSOS EM SÉRIE: PROJETO GOVERNISTA EXPULSARÁ OS IDOSOS DOS PLANOS DE SAÚDE
TEREZA CRUVINEL

Colunista do 247, Tereza Cruvinel é uma das mais respeitadas jornalistas políticas do País

23 de Outubro de 2017
A agenda do retrocesso sob Temer é um poço que não tem fundo. O relatório apresentado em comissão especial da Câmara na semana passada, alterando a Lei dos Planos de Saúde, impõe regras de reajustes que acabarão expulsando dos planos milhares de pessoas com mais de 60 anos. Cada retrocesso beneficia um segmento empresarial. Se a portaria do trabalho escravo atende aos ruralistas, este projeto premia as operadoras de planos de saúde com a flexibilização das multas por descumprimento de obrigações, a redução dos ressarcimentos ao SUS pelo atendimento de segurados e a segmentação como princípio norteador do mercado. Contra mais este retrocesso, o Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) está lançando a campanha “Não mexam na minha saúde” e advertindo os deputados membros da comissão de que a proposta viola o Estatuto do Idoso e o Código de Defesa do Consumidor. Eles querem aprová-lo em regime de urgência, antes que a sociedade perceba a patranha e reaja.

A mudança na lei dos planos de saúde está sendo tocada na Câmara com apoio do governo, a partir do exame de 149 projetos sobre o assunto. Assim, não fica parecendo que proposta do Planalto. O relator é um queridinho da tropa de choque de Temer, o deputado Rogério Marinho (PSDB-RN). Hoje, a lei permite o reajuste anual dos planos para todos os contratantes, inclusive os idosos, mas proíbe que sejam impostos aumentos por faixa etária para os que já tenham completado 60 anos. O parecer acaba com esta garantia e permitirá que, a cada aniversário, o idoso tenha que pagar mais, afora o reajuste anual, que é sempre superior à inflação. Assim, como disse a professora da URFJ Lígia Bahia, em artigo publicado hoje em O Globo, “se a regra dos aumentos for aprovada, a partir de certa idade cada aniversário será uma ameaça e não uma celebração”. Para ela, o projeto “prevê a expulsão dos velhos e transforma o SUS em prestador de serviços para os planos”.

  • É fundamental que a população entenda quais mudanças estão sendo discutidas e que saiba que pode pressionar para que retrocesso tão grave não seja aprovado. É nosso direito ter informação e acompanhar a atuação dos parlamentares – diz a advogada e pesquisadora em Saúde do Idec, Ana Carolina Navarrete.

O Idec e outras nove organizações da sociedade civil, inclusive algumas defensorias públicas estaduais, enviaram carta ao relator pedindo acesso ao conteúdo de seu parecer e o adiamento da votação, para que a proposta possa ser amplamente discutida, inclusive em audiências públicas com representantes da sociedade.

“Neoliberalismo progressista”

Compartilho artigo de Alexande Valadares

Paulo Martins

Após a eleição de trump nos EUA, circulou pela internet um artigo de Nancy Fraser que assinalava esse triunfo desconcertante como o fim da era do “neoliberalismo progressista”. A autora definia essa tendência política – iniciada com clinton – como produto de uma aliança entre, de um lado, setores do alto empresariado ligado ao capital financeiro (wall street) e “simbólico” (hollywood) e, de outro, forças políticas progressistas (movimentos antirracistas, femininstas, multiculturalistas).

Empunhadas por esses movimentos, as bandeiras do empoderamento de minorias e da não-discriminação conferiram, acidentalmente, um verniz “moderno” à crescente dominação do capital financeiro sobre a economia norte-americana, um processo que devastou tradicionais redutos industriais do país, destruiu milhões de empregos de classe média e instalou uma forma contemporânea de capitalismo marcada pelo trabalho precário, pela desregulação do mercado e por uma austeridade fiscal que reduziu o papel social do Estado. Ao mesmo tempo, aponta Fraser, um discurso de matiz progressista, que enaltecia os exemplos individuais de sucesso a partir de uma lógica meritocrática, disseminava a ideia de que a “emancipação” política se realizava por meio da ascensão de mulheres, gays e negros “talentosos” na hierarquia social, construindo uma espécie de consenso espontâneo em torno do liberalismo de mercado como um sistema capaz de promover justiça social.

Embora as estatísticas ainda mostrassem, por exemplo, que, na média, mulheres e negros viviam e trabalhavam em condições mais desvantajosas que homens brancos, uma florescente variedade de filmes e programas de tv dedicados a romantizar as trajetórias pessoais daqueles que “tiveram uma chance e não a desperdiçaram” seguia iluminando as exceções do sistema como se fossem casos comuns e reiterando a visão de mundo segundo a qual cada indivíduo é responsável por sua própria condição. Assim, o que parecia uma celebração cultural da diversidade não deixava de ser uma homenagem ao Indivíduo; do mesmo modo, a defesa da liberdade como valor absoluto era subliminarmente uma defesa da liberdade mercantil, da liberdade de cada um para ser o que quiser, desde que aceite as regras do jogo do capitalismo e possa pagar por isso.

O “neoliberalismo progressista” que, para Fraser, morreu com a eleição de trump nos EUA parece querer renascer em terras brasileiras. Não me refiro só à tática neoliberal de representar as “reformas” econômicas como sopro de “modernização” capaz de criar novas oportunidades “emancipatórias”, mas, sobretudo, à estratégia pela qual certa direita “progressista” tenta agora se diferenciar dos conservadores. Veículos e colunistas da grande mídia que, alimentando um discurso conservador, denuncista e pró-mercado para desestabilizar os governos petistas, formaram ao longo da última década uma jovem e radical militância de direita, têm desde o início do ano assumido um tom moderado, mais “lúcido”, em relação a programas que atacavam violentamente até pouco tempo atrás.

Na primeira semana de abril, por exemplo, a veja publicou o artigo “Mais Médicos: o tempo da sensatez”, elogiando a iniciativa de temer de manter um programa que, afinal de contas, funcionava bem; em 12 de agosto, a revista divulgou a reportagem “Cotas? Melhor tê-las”, defendendo os êxitos das politicas de ações afirmativas nas universidades (que, aliás, já eram conhecidos há anos). Essas matérias não atendiam apenas ao objetivo de convidar o público da revista a assumir posição mais moderada, “esclarecida”, nos debates sociais: o essencial era, após a consolidação do golpe, transmitir a ideia de que a revista (logo, seus leitores) não se movia por paixões ideológicas, mas somente pelo desejo de informar. A capa que, semanas atrás, a veja deu a bolsonaro, retratando-o como uma ameaça, é o complemento dessa estratégia.

A globo, por sua vez, atua em duas frentes. No jornalismo, sustenta contra temer o discurso anticorrupção, acumulando denúncia sobre denúncia para, agora, retratar toda a política partidária como uma prática intrinsecamente corrupta. Na grade de entretenimento, a emissora parece disposta, agora, a promover valores identificados com a diversidade e a expressão de minorias (antes, suprimidos de sua programação, a pretexto de não ofender a família brasileira nem criar divisões sociais em um país tão unido). O apelo à tolerância e o direito à diferença passaram a ser a tônica moral da programação.

No campo partidário, por vocação natural, o psdb tem assumido o discurso do neoliberalismo progressista: fhc e alckmin têm dado sucessivas declarações em favor da pacificação do debate político e, mesmo, reivindicado certa tradição de esquerda como um traço genético do partido. Em suas diretrizes principais, porém, o projeto político do neoliberalismo progressista e o projeto conservador representado por bolsonaro se parecem mais que se distinguem: ambos são privatistas e entreguistas, ambos são a favor da desregulação do mercado de trabalho e da redução do papel do Estado, ambos são punitivistas. O que tem feito a grande mídia e o setor financeiro do qual ela é porta-voz tender em favor do neoliberalismo progressista do psdb é a necessidade de desradicalizar o ambiente político para garantir que as reformas liberalizantes do governo temer possam prosperar em uma atmosfera mais estável.

O crescimento da extrema direita no cenário eleitoral se opõe a esse projeto, mas, ao mesmo tempo, permite ao neoliberalismo progressista projetar-se como uma opção “moderada” diante dos riscos imprevisíveis de um governo francamente autoritário.

Luís Felipe Miguel: claro como água pura

Só não entende quem não quer ou não pode.

Paulo Martins

Para que serve o populismo?

O pensador liberal residente da Folha de S. Paulo, Hélio Schwartsman, condena hoje a ideia – que Lula lançou na entrevista ao jornal espanhol El Mundo – de um referendo revogatório dos retrocessos do governo ilegítimo ora no poder. Proposta, diga-se de passagem, que, caso mantida e levada adiante de forma consequente, representa um passo claro do ex-presidente para garantir um perfil popular e à esquerda para sua candidatura.

Schwartsman reconhece que o governo Temer “é um horror”. No entanto, está pondo “ordem na barafunda econômica legada por Dilma”. O referendo anunciado por Lula ameaçaria isso, sendo, portanto, classificado na categoria “flertes com o populismo”.

A menção a uma “barafunda econômica” passa a ideia de que as decisões de política macroeconômica não são propriamente decisões, mas a adequação ou não a uma determinada ordem pré-estabelecida, que é o “certo”. Fugir dela é estabelecer confusão, caos, “barafunda”. É o mantra do neoliberalismo, emblematizado na doutrina TINA, de Margaret Thatcher: there is no alternative. O fato de que a aplicação da doutrina só tenha resultado em injustiça, privação e crise não abala seus defensores.

E o fato de que a receita para resolver a barafunda sejam as medidas antipovo de Temer mostra que essa ordem econômica única e natural é aquela que beneficia os proprietários e os ricos retirando qualquer proteção sobre a classe trabalhadora e as populações pobres em geral. Schwartsman gosta de ostentar seu ateísmo militante, mas em seu raciocínio é como se o capital reinasse por direito divino.

A cereja do bolo é a menção ao “populismo”. Na linguagem acadêmica, o conceito de populismo é complexo e disputado. No jornalismo, serve para isso: estigmatizar qualquer tentativa de ampliar o controle popular nas decisões coletivas ou de levar em conta os interesses das maiorias. “Populismo” é um escudo contra o risco de que haja algum grau de democracia.

Por Luis Felipe Miguel

Jessé Souza: É preciso explicar o Brasil desde o ano zero/entrevista

Da LT de João Lopes. Publicado pela Cult.

Jessé Souza: É preciso explicar o Brasil desde o ano zero .

O sociólogo Jessé Em A elite do atraso – Da escravidão à Lava Jato, Jessé Souza quer fazer o que, em sua opinião, nenhum intelectual da esquerda jamais fez: explicar o Brasil desde o ano zero. Isso porque se ideias antigas nos legaram o tema da corrupção como grande problema nacional – conforme defende no livro -, só mesmo novas concepções sobre o país e seu povo poderiam explicar, de uma vez por todas, que as raízes da desigualdade brasileira não estão na herança de um Estado corrupto, mas na escravidão.

Para tanto, o sociólogo confronta uma das principais obras do pensamento social brasileiro, Raízes do Brasil (1936), de Sérgio Buarque de Holanda – responsável por utilizar pela primeira vez a ideia de patrimonialismo para definir a política nacional. Jessé compreende que o conceito – segundo o qual o Estado brasileiro seria uma extensão do “homem cordial” que não vê distinções entre público e privado – serve para legitimar interesses econômicos de uma elite que manda no mercado, este sim a real fonte de corrupção e poder.

Doutor em sociologia pela Universidade de Heidelberg (Alemanha) e professor da UFABC, Jessé Souza é autor de 27 livros, incluindo A ralé brasileira: quem é e como vive (2009), A tolice da inteligência brasileira (2015) e A radiografia do golpe (2016). Presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) entre 2015 e 2016, coordenou pesquisas de amplitude nacional sobre classes e desigualdade social. Em entrevista à CULT, o sociólogo critica a existência de uma interpretação dominante sobre o Brasil e aponta os motivos pelos quais a sociedade brasileira em 2017 não passa de uma continuidade da sociedade escravocrata de 500 anos atrás.
Por Amanda Massuela-Revista CULT

No livro você afirma que Sérgio Buarque de Holanda inaugurou uma forma de pensar o brasileiro como negatividade que se estende ao Estado, visão que teria influenciado de Raymundo Faoro a Sergio Moro. Por que essa chave de leitura tem tanta força?

Essa ideia foi montada para defender interesses econômicos. Às vezes me espanto como não se percebeu isso antes. Quando a elite paulistana perde o poder político para Vargas em 1930 – e perde para um movimento de classe média, que estava se formando no país naquela época -, ela começa a organizar um poder ideológico para condicionar o poder político a atuar conforme as suas regras. Isso foi dito, articulado, pensado. Esse pessoal já tinha fazendas de café, as grandes indústrias em São Paulo, já tinha controle sobre a produção material e aí constroem as bases para o poder simbólico – e a sociedade moderna vive desse poder simbólico. Essa elite cria a Universidade de São Paulo, que vai formar professores de outras universidades e que vai produzir conceitos importantes para que essa elite, tirando onda de que está fazendo o bem, faça efetivamente todo mundo de imbecil para que seus interesses materiais e políticos sejam preservados.

Que conceitos são esses?

São duas ideias que nos fazem de imbecis. Uma delas é a do patrimonialismo, em que há uma distorção da fonte do poder social real, como se o Estado fosse montado para roubar, vampirizar e fazer o mal – e como se nada acontecesse no mercado. Embora seja uma instância de poder importante, no capitalismo quem comanda o poder é o mercado. Há uma tradição inteira, 99 de 100 intelectuais até hoje professam esse tipo de coisa. Sérgio Buarque inaugura [esse pensamento no Brasil], depois Raymundo Faoro dá uma profundidade histórica e Fernando Henrique Cardoso transforma isso em teoria; o programa político do PSDB é todo retirado de Raízes do Brasil. Mas também influenciou a esquerda. Sérgio Buarque foi um dos fundadores do PT, fez todo mundo de imbecil, da direita à esquerda. E como a esquerda não tem uma concepção autônoma de como a sociedade funciona, de como o Estado funciona, ela chega ao poder com um plano econômico alternativo, mais inclusivo, e acha que as pessoas por alguma mágica vão perceber que aquilo é bom pra elas. A esquerda nunca fez o que a direita e a elite fizeram.

Por que a esquerda nunca articulou uma narrativa contrária a essa?
Porque foi incapaz. Porque não foi inteligente, porque se deixou imbecilizar. Porque o tema do patrimonialismo é tratado como crítica social: “Olha, estamos descobrindo quais são as mazelas brasileiras, um gene da corrupção de 800 anos que nos toma a todos”. Isso significa que o Estado [teoricamente] vampiriza e não deixa as forças “emancipadoras” do mercado agirem – como se o mercado, em algum lugar do mundo tivesse sido emancipador por si próprio. Os países campeões do liberalismo como Inglaterra e Estados Unidos têm uma estrutura de Estado extremamente forte, foram protecionistas – e depois dizem a outros países serem o que eles mesmos nunca foram. Isso deu esse charme – o “charminho crítico”, como eu chamo – a esse tipo de ideia como o patrimonialismo, que muitas vezes a esquerda comprou.

O segundo conceito chave, também inventado na Usp, foi o populismo, que torna suspeito e criminaliza tudo aquilo que vem das classes populares – inclusive qualquer liderança associada a elas, que são também estigmatizadas e suspeitas de estarem manipulando a tolice “inata” dessas classes. Eu estudei por décadas os muito pobres e eles são muito mais inteligentes do que a classe média. Eles veem a política como o jogo dos ricos em que todo mundo rouba enquanto a classe média se deixa engambelar por esse tipo de coisa. A classe média foi montada para ser idiotizada, é uma espécie de capataz da elite entre nós.

Na história do pensamento social brasileiro nenhum intelectual chegou perto de romper com essas duas ideias, na sua opinião?

Florestan Fernandes saiu um pouco disso porque estudou dilemas e conflitos de classe; Celso Furtado foi outro genial que percebeu coisas importantes que não têm nada a ver com esses esquemas. Mas esses caras não reconstruíram a história do Brasil como um todo. Foi essa a ambição que eu tive nesse livro porque eu percebi que, para atacar esse negócio e dar nele um nocaute, é preciso fazer o que eles [a elite] fizeram: explicar o Brasil desde o ano zero. O que foi, como foi, por que somos hoje o que somos e o que isso implica para o nosso futuro. Eu tentei fazer o que esses caras não fizeram, apesar de termos tido críticos que discutiram aspectos parciais de modo extremamente importante. Mas se não reconstruirmos o todo, as lacunas do que construímos apenas parcialmente serão invadidas pela teoria dominante, daí Florestan usar o patrimonialismo e essa bobagem toda.

Esse pessoal diz que nosso berço é Portugal e que de lá vem a nossa corrupção – uma coisa que me dá raiva de tão frágil, já que corrupção é um conceito moderno que implica a noção de soberania popular que é coisa de 200 anos. O nosso berço é a escravidão, que não existia em Portugal a não ser para os muito ricos. Não era fundante, era marginal, nunca foi mais de 5%, enquanto nós fomos montados nela. Essa teoria sobre o Brasil, que se põe como científica, no fundo não vale um centavo furado. É montada a partir de ilusões do senso comum, como se a tradição cultural fosse transmitida pelo sangue. São instituições concretas que nos moldam, é a forma da família, da escola que faz com que sejamos o que somos.

No livro você comenta que um dos principais problemas do Brasil é que aqui não houve nenhum tipo de reflexão acerca da escravidão. Quais são os efeitos práticos disso na sociedade brasileira, hoje?

Literalmente tudo. Primeiro há a naturalização da miséria e do sofrimento alheio. Todas as sociedades já foram um dia escravocratas, apenas a Europa, no Ocidente, quebrou com a herança escravista do mundo antigo. Isso significa que embora a pessoa seja socialmente inferior a você, ela não será tratada como uma coisa, mas como um ser humano. E com as lutas sociais por igualdade, são produzidos processos coletivos de aprendizado na qual a dor e o sofrimento do outro podem ser revividos em cada um. Nós, por outro lado, mantivemos essa subhumanidade. Nós não nos importamos com a dor e com o sofrimento dos pobres, as evidências empíricas são claríssimas como a luz do sol, inegáveis para qualquer pessoa de boa vontade. A polícia mata pobres indiscriminadamente – e faz isso porque a classe média e a elite aplaudem. Houve recentemente essa coisa completamente absurda e bárbara das matanças nos presídios, e a classe média aplaudiu. São provas de que temos, como sociedade, ódio aos pobres. Isso veio da escravidão, em que havia uma distinção muito clara entre quem é gente e quem não é. Por isso, não nos importamos com o tipo de escola e de hospital que essa classe vai ter, por exemplo, o que é uma enorme burrice porque estamos criando inimigos, ressentimento. A Alemanha fez um esforço extraordinário para incorporar os 17 milhões que viviam na Alemanha Oriental, tornando seu mercado mais forte, mas aqui a gente simplesmente joga no lixo esse tipo de coisa porque nunca criticamos a nossa herança escravocrata, porque acreditamos nessa baboseira de herança portuguesa da corrupção. Raymundo Faoro tratava a existência de senhores de escravos como algo banal, quando na verdade o senhor de escravo deve estar no centro [da análise], já que todas as outras instituições vão se montar a partir daí. É uma continuidade absurda de 500 anos e nós somos cegos a isso.

Como essa continuidade aparece?

A família dos muito pobres repete há 500 anos a família dos escravos e eles ainda fazem o mesmo tipo de serviço que faziam antes, são escravos domésticos. Fazem parte de famílias desestruturadas, uma vez que na escravidão não se estimulava que o escravo tivesse família porque era preciso humilhá-lo, abatê-lo. Exatamente como acontece hoje. A escravidão só prospera com o ódio ao escravo e o Brasil de hoje é marcado por uma coisa central que só um cego não vê, o ódio ao pobre. A humilhação do pobre. O PT caiu não por causa da corrupção – que pode ter existido, é bom ver as provas -, mas porque tocou no grande pecado de ter diminuído um pouquinho a distância entre as classes. A distância desses 20% para os 80% é a pedra de toque para esse acordo de classes absurdo no Brasil.

O único país que se assemelha a nós no planeta é a África do Sul. Vivemos um apartheid aqui. Governos de esquerda caem, acontecem golpes de Estado toda vez que tentam diminuir essa distância entre as classes. Com isso você constrói dois planetas dentro de um mesmo país, é isso o que temos hoje. Como a classe média não pode transformar esse seu ódio ao pobre em mensagem política – porque isso seria canalhice e temos essa influência cristã -, ela utiliza o pretexto da corrupção já dado pelos nossos intelectuais no tema do patrimonialismo. Todas as elites estudaram em todas as universidades essa mesma bobagem, todo jornal repetiu e repete em pílulas essa mesma imbecilidade, fazendo com que as pessoas internalizem isso como uma verdade absoluta.

Você afirma no livro que a crise atual do Brasil é “também e principalmente uma crise de ideias”. Partindo disso, quanto dessa crise a gente pode colocar na conta da própria esquerda, já que ela nunca se mobilizou para produzir outra interpretação do Brasil?

Ela nunca se mobilizou, isso é uma fraqueza e eu acho que temos que mudar isso. Eu decidi transformar a minha vida nisso, por exemplo. Tem que começar em algum momento. Eu tive sorte porque morei muito tempo fora do Brasil e de algum modo peguei um olhar externo. Tem um grande filósofo que diz que o que propicia o conhecimento é o fato de você conhecer aquele lugar, mas estranhá-lo, ou todas as coisas viram naturais. E se tudo é natural você não interroga, não há dúvida.

Um estudo recente do Instituto Fórum Brasileiro de Segurança Pública e do Instituto Datafolha mostra que, numa escala de 0 a 10, a sociedade brasileira chega num índice de 8,1 na predileção por posições autoritárias, principalmente entre jovens de 16 a 24 anos. Como interpreta esse dado?

É de fácil explicação. A partir de 1980 há um partido que nasce de baixo para cima. Nunca havia existido isso entre nós, um partido que congrega trabalhadores rurais e urbanos – eu tenho muitas críticas ao PT, mas é inegável que ele foi uma inflexão importante nessa história da escravidão. E ele passa a representar uma demanda por igualdade nessa sociedade perversamente desigual. Quando você afirma que esse partido é uma organização criminosa – usando no fundo aquela ideia do populismo, de que tudo o que vem das classes populares é estigmatizado – você está afirmando que a igualdade não é um fim, mas um mero meio, uma estratégia de assalto ao Estado. Ora, para onde vai a raiva justa dos 80% dos excluídos se ela não pode ser expressa de modo político e racional? Vai ser expressa de modo pré-político, ou seja, violência pura. A Globo e a Lava Jato criaram Jair Bolsonaro, só o cego ou o mal intencionado não vê. Esse namoro com o autoritarismo tem a ver com o ataque midiático, esse conluio entre Rede Globo e Lava Jato, e eu espero que esse pessoal pague por isso um dia.

No limite, essa chave de leitura inaugurada por Sérgio Buarque serve para justificar golpes de Estado e a Lava Jato, por exemplo?

Sim, a Lava Jato não tem nada a ver com acabar com a roubalheira. Até porque a roubalheira aumentou, isso é visível agora que temos no governo uma turma da pesada. É claro que a corrupção dos políticos existe, mas é uma gota no oceano. Esses caras são meros lacaios do mercado, os office-boy, é o que o nosso presidente é. Se você disser que o sistema inteiro é corrupto e que ele foi montado assim para que o mercado pudesse comprá-lo, aí você estaria esclarecendo alguma coisa, mas quando se diz que apenas um partido, aquele das classes populares, rouba, isso é uma mentira e um crime.

Vê saídas para essa tendência autoritária observada na sociedade brasileira?

Não tem nenhum outro modo, os seres humanos precisam ter ideias, sem ideias não dá para ir a lugar algum. É claro que isso tudo pode ficar ainda pior, a gente pode chegar a formas fascistas, mas o que a elite quer é dinheiro, se for por uma ditadura militar, se for matando gente, não tem nenhuma importância.
Fato é que nesse instante de crise estamos com as vísceras à mostra e isso é uma oportunidade de vermos a podridão desse esquema que foi montado por essa elite usando e imbecilizando não só a classe média, e retirando a possibilidade de levarmos a vida de modo reflexivo. O que esse pessoal nos tirou foi a possibilidade de aprendizado da sociedade brasileira baseado na reflexão. E isso é impagável.”

Políticas do sofrimento, por Christian Dunker

Politicas do Sofrimento !
Por Christian Dunker

“Há gente que sofre calada e sozinha. Há outros que tornam sua insatisfação fonte e origem para a transformação de si ou do mundo. Há ainda aqueles que, no desprezo por seu próprio mal-estar, dedicam-se a explorar o sofrimento alheio.
Não faz muito que o Brasil constituiu uma nova valência política para o sofrimento, deslocando seu circuito de afetos do medo e da inveja, típicos da cultura de condomínio, para o ódio e a intolerância.

O investimento na indiferença e na individualização do sofrimento é agora colhido na forma da violência. Reagimos a isso empobrecendo nossa imaginação política, apelando por mais e melhores leis, por instituições mais fortes e mais duras ou ainda por líderes melhores e mais poderosos.

Há outra resposta possível. Trata-se de advogar uma política menor, que começasse no cotidiano miúdo da recuperação da escuta e da fala e que seja capaz de reinventar a experiência da intimidade como partilha do desconhecido.
Um retorno dessa paixão pela ignorância criadora tem como tarefa reverter a ascensão do novo irracionalismo brasileiro e sua alergia de arte, cultura e debate intelectual.

Contra a soberba dos convictos e a guerra das identidades que fermentam um fundamentalismo à brasileira é preciso uma retomada do comum. Descobrir que o mais íntimo está fora de nós. Lembrar que nossa identidade não é o último capital humano que nos resta. Suspender a equação que nos faz pensar que o Estado é o dono do espaço público, assim como o mercado é a única lei dos espaços privados.

Entre o desabrigo de um e a precarização do outro é necessária uma nova política para o sofrimento. Ela começa pelo reconhecimento do comum e da intimidade. Diante do imperativo de felicidade e do conformismo de uma vida em estado de risco, exceção e sobrevivência, é preciso levar mais a sério o potencial transformativo dos que sofrem. Reconhecer o fragmento de verdade que existe nas contradições de nossos desejos.

Podemos nos manter indiferentes diante da sua depressão, da sua hiperatividade, da sua anorexia. Desde que ela não aconteça na sua família, na sua escola ou na sua empresa. Desde que ela não atinja quem você ama, daí então perceberemos como o sofrimento nos faz comuns.

Esquecemos de ser “comuns” uns aos outros porque agora todos somos “alguém”. Alguém especial, diferenciado e cheio de talentos. Todos com exceção dos invisíveis e dos zumbis. Todos com exceção das mulheres seviciadas nos ônibus, dos marrons, gays, negros de periferia, craqueiros, desempregados, vítimas do Estado, jovens suicidas, vítimas do mercado, portadores de neurodiversidades, ribeirinhos desalojados por construções de hidroelétricas.

Pensando bem, todos nós podemos entrar nesta lista. Como dizia Lacan, o universal são as exceções. Mas o sofrimento não torna ninguém pior ou melhor por si mesmo. Ele não é desculpa nem mérito.
Consumidos por uma lógica judicialista, para a qual tudo é contrato e propriedade, só conhecemos vítimas e carrascos, senhores e escravos.

Nós nos tornamos revolucionários indignados, purificadores de almas, alheias e próprias. Mães de Whatsapp perseguindo filhos alheios. Pais protegendo seus filhos da nudez artística. Filhos para os quais todo o mal vem de fora. Todos unidos em torno da ideia de que a contrariedade é injustiça contra o consumidor.
Nossos pacientes queixam-se cada vez mais da rarefação da intimidade, da ausência da experiência comum, seja no amor, seja na política.

Entre sofrer calado, sozinho e em pílulas ou se reunir ao coro dos descontentes, indignados e purificadores, precisamos de outra política para o sofrimento. Escolher o que fazer com seu sofrimento é uma escolha ética e também política”.

CHRISTIAN INGO LENZ DUNKER, psicanalista e professor-titular do Instituto de Psicologia da USP, é autor de “Reinvenção da Intimidade: políticas do sofrimento cotidiano” (editora Ubu)

Do Facebook de João Lopes, que sempre compartilha excelentes artigos.

A deformação jurídica e moral da CLT, por Mauro de Azevedo Menezes

A deformação jurídica e moral da CLT.
Do site JUSTIFICANDO da CARTA CAPITAL.

“considera-se tanto mais civilizado um país, quanto mais sábias e eficientes são suas leis que impedem ao miserável ser miserável demais, e ao poderoso ser poderoso demais.”

– Primo Levi, “É isto um homem?”

Para boa compreensão das alterações introduzidas na legislação trabalhista brasileira pela Lei nº 13.467/2017, convém assistir a uma das palestras do autoproclamado pai da reforma trabalhista, juiz do trabalho na primeira instância no Paraná, Marlos Augusto Melek. Sua única obra publicada é um manual de autoajuda para empresários sonegadores de direitos trabalhistas (“Trabalhista! E agora?”, 2. ed. Estudo Imediato, 2016). Mesmo assim, propala a autoria intelectual de 90% dos novos artigos da CLT e se apresenta como redator-geral não apenas das mudanças legais já operadas, como também de uma medida provisória a ser editada para corrigir pontos da reforma recém-aprovada.

Durante debate na Escola Judicial do Tribunal Regional do Trabalho de Santa Catarina (TRT12), no dia 1º/9 passado, o eixo do seu discurso consiste em justificar a reforma trabalhista como reação ao ambiente de suposta “hostilidade ao empreendedor” que emergiria de excessivos encargos da CLT. Na visão “prática” do arauto da nova lei trabalhista, contraposta à “teoria com óculos na ponta do nariz” dos críticos da reforma, os cidadãos protegidos pelo novo direito do trabalho passarão a ser os “empreendedores”, agora habilitados à plena liberdade de exploração do trabalho como fator essencialmente mercantil. Em uma lógica erigida sob o enganoso signo da “modernização”, Melek considera plausível, por exemplo, oferecer ao trabalhador um contrato de trabalho intermitente, sem salário mínimo nem férias, ao pressuposto de que a aceitação dessas condições não seria obrigatória e sua recusa não geraria penalidade. Para ele, a relação intermitente não precariza o trabalho, afinal ela assegura que o trabalhador possa “receber por quanto trabalha”.

O empenho do palestrante consiste em despertar a empatia dos seus colegas juízes com as angústias de empregadores levados a responder por suas más condutas nas relações de emprego. Haveria, diz ele, custos exagerados com advogados, rigor nas condenações impostas e demandas abusivas dos empregados. Tudo sobre o quanto os sacrificados empreendedores teriam que suportar em sua missão de contratar trabalho, tida como magnânima e patriótica. Melek considera a própria justiça que integra “desequilibrada” e a ela atribui parcela de responsabilidade pela falência das contas nacionais e pelo quadro de desemprego crescente.

Nessa trilha de argumentação, emerge a defesa dogmática da liberdade de “cidadãos” pretensamente lesados pelo imperativo de obediência às regras de proteção dos trabalhadores. Melek aponta a máxima liberalização das relações trabalhistas como caminho para a resolução dos “velhos problemas do Brasil”, prometendo segurança jurídica e simplificação na vida das “pessoas”. Algo destituído de “ideologias e cores partidárias”, conduzindo ao que define como “uma das melhores e mais modernas leis trabalhistas do mundo”: a nova CLT pós-reforma trabalhista.

O esforço do orgulhoso genitor da nova lei se justifica. Aprovado o texto da reforma, os mais respeitados conhecedores do direito do trabalho em nosso país passaram a criticá-la com veemência. Em paralelo, vozes acatadas no âmbito da Justiça do Trabalho têm alertado para deficiências técnicas insuperáveis no plano da harmonização jurídica e, sobretudo, da constitucionalidade. As circunstâncias apontam para a virtual inviabilidade de aplicação da nova lei, cujas diretrizes ofendem gravemente e subvertem princípios jurídicos essenciais, tanto do direito do trabalho quanto da Constituição.

Na esfera processual, os sérios obstáculos criados pela reforma para dificultar deliberadamente o ajuizamento de ações pelos trabalhadores, especialmente os mais pobres, conflitam diretamente com o texto constitucional, que assegura a universalidade da jurisdição e o acesso efetivo à justiça como direitos fundamentais. Por outro lado, as normas de direito individual foram contaminadas com benefícios paradoxalmente protetores dos empresários, inclusive no sentido de dificultar a execução de créditos trabalhistas reconhecidos judicialmente e favorecer o acobertamento de posturas fraudulentas, em prejuízo aos trabalhadores. Além disso, as novas disposições sobre direito coletivo conduzem à asfixia material das entidades sindicais e ao seu enfraquecimento, subtraindo-lhes fontes de receita sem perspectiva de compensação e atribuindo-lhes um triste e desolador papel de chancela a renúncia de direitos dos seus representados.

Embora integre a Justiça do Trabalho, o juiz Melek declara expressamente não “conseguir entender” o conceito de justiça social. Seu discurso veicula orgulhosamente o autoritarismo implacável de uma certa elite que jamais aceitou o imperativo da superação das desigualdades sociais em nosso país. A certa altura, ele ridiculariza a teoria dos direitos humanos, ao defender a desnecessidade de negociações prévias para que sejam realizadas dispensas coletivas, afinal, segundo ele, “empregos não caem do céu”, pois pertenceriam ao empresário-empreendedor, podendo ser encerrados de acordo com suas conveniências, sem ofensa sequer “à nona geração dos direitos humanos”.

Há nessa concepção um recuo assustador ao critério censitário de consideração legal, mediante o qual a propriedade constitui requisito para o reconhecimento e fruição de direitos e para a habilitação jurídica como “cidadão” e como “pessoa”. O desemprego seria causado pelo próprio trabalhador, titular de direitos onerosos e, portanto, culpado pelo seu próprio descarte sócio-econômico. Nesse discurso, entre distorções grosseiras, tais como dizer que os empregadores processados na Justiça do Trabalho são obrigados a “gastar pelo menos uns trinta pau (sic)”, Melek expressa uma pretensão liberal selvagem, sob a forma de rasteiro populismo, destituído de compromisso social e com desprezo solene ao regime de garantias da Constituição.

A glorificação do apoio ao empreendedorismo como eixo da política trabalhista, em detrimento da tutela dos direitos do trabalhador, apresentada por Melek como criação original de sua obra, nada mais representa senão a reprodução medíocre e oportunista de uma tendência errática adotada nos EUA pelo governo Trump, como noticia The New York Times, em 3/9 passado, na matéria intitulada “Trump Shifts Labor Policy Focus From Worker to Entrepreneur”. O tema do artigo assinado por Noam Scheiber consiste justamente na paradoxal e injustificada reversão de posicionamento do governo estadunidense perante a Suprema Corte daquele país em caso envolvendo direitos trabalhistas, de modo a passar a sustentar a tese empresarial em prol da cláusula de renúncia prévia pelos trabalhadores de direitos potencialmente defensáveis em ações coletivas (class actions), num curso diametralmente oposto àquele assumido pela administração Obama.

O modismo ultraliberal e seu proselitismo soam absolutamente inadequados no contexto de uma sociedade brutalmente desigual como a brasileira, o que se reflete em diretrizes constitucionais precipuamente voltadas a assegurar o exercício dos direitos sociais, o bem-estar, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna. Ademais, a coisificação do trabalho e a redução do trabalhador à mera condição de engrenagem descartável do processo produtivo – inerentes à ideologia reformista que aniquila direitos, proclama a irresponsabilidade do empregador com a saúde e a integridade dos seus empregados e fomenta a libertinagem predatória das formas anômalas e debilitadas de vínculos trabalhistas – atuam na contramão de princípios essenciais proclamados pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) desde 1919 e reafirmados expressamente em 1944.

A constrangedora pregação do juiz Melek, ávido por patentear a autoria de uma obra macabra, finge ignorar o caráter sistêmico do mercado de trabalho e a consequente redutibilidade das condições contratuais admissíveis como mínimas, uma vez que sejam diminuídos os padrões de proteção básica. Tal propaganda fracassa em demonstrar a imprescindível compatibilidade das alterações da CLT com normas e preceitos da Constituição. Ao contrário, escancara a negação frontal do Estado Democrático e Social de Direito representada pela reforma trabalhista.

A cínica justificativa da nova lei trabalhista não será suficiente a produzir a pretendida assimilação de tais deturpadas modificações em nosso ordenamento jurídico. Pouco importa que os defensores da reforma encarnem a prepotência do colonizador desejoso de retomar sua hegemonia ameaçada por princípios humanistas. Não haverá de prevalecer no meio judiciário o escárnio assumido e autoritário, a impingir a noção de que os oprimidos não tenham caráter e sejam responsáveis por seus infortúnios. Muito menos deve predominar o intento de “normalizar” a truculência da exclusão social.

Os empreendedores do Brasil não precisam de mais liberdade para oprimir. Em vez disso, talvez tenham que se livrar da sua vocação patrimonialista e de sua ética incoerente, ao defenderem ideias liberais enquanto detestam concorrência, adoram subsídios governamentais e corrompem ativamente em proporções gigantescas. Haverá mesmo hostilidade aos empreendedores do nosso país ou somos testemunhas do triunfo da ganância como valor subjacente a um sistema econômico perverso?

Eis o cenário da deformação jurídica e moral da CLT, que tem sido por décadas o grande código promotor de alguma justiça social num país ainda indecentemente desigual. A matriz filosófica dessa postura patologicamente insensível evoca o frio sistema de desumanização experimentado no cenário de horrores dos campos de trabalhos forçados de meados do século XX. E sua decodificação produz um discurso sórdido, que talvez esconda a crença íntima e sombria segundo a qual “O Trabalho Liberta (ARBEIT MACHT FREI)”.

Mauro de Azevedo Menezes é advogado em Brasília, graduado em Direito pela UFBA, mestre em Direito Público pela UFPE e professor de pós-graduação em Direito do Trabalho do IESB. Autor do livro Constituição e Reforma Trabalhista no Brasil. Interpretação na perspectiva dos Direitos Fundamentais (LTr, 2004).

Advogada de ex-reitor da UFSC diz que suicídio foi ato de extrema coragem e revolta

Advogada de ex-reitor da UFSC diz que suicídio foi ato de extrema coragem e revolta
4 de outubro de 2017 1006 0

Nívea Dondoerfer Cademartori esclarece que, ao contrário do que vem sendo noticiando, os supostos desvios apontados são de R$ 300 mil e não de R$ 80 milhões, valor total repassado ao programa de Ensino a Distância.

Por Lucas Vasques

A prisão de Luiz Carlos Cancellier de Olivo, então reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, na visão de sua advogada de defesa, foi arbitrária e totalmente desnecessária. “Bastaria que a Policia Federal intimasse o reitor para prestar esclarecimentos, o que de pronto seria atendido, mas jamais a prisão”, destaca Nívea Dondoerfer Cademartori.

Ela explica que no direito, especificamente o penal e processual penal, a prisão é medida de último recurso, que deveria ser aplicada somente em casos extremos. “Atualmente, há uma verdadeira banalização da aplicação das prisões temporárias (no caso do reitor) e preventivas, o que causa danos nefastos a todos que possam vir a ser suspeitos de cometimento de condutas ilícitas, mesmo sendo inocentes. Assim, ao se tratar da pessoa de Luiz Carlos Cancellier de Olivo, reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, a prisão foi devastadora, pois ao comprometer sua imagem, gerou dano irreparável a todo um curriculum impecável construído com muito sacrifício e comprometimento ao longo de anos”, ressalta.

Fórum – A sra. era advogada do reitor Luiz Carlos Cancellier de Olivo. O que, de fato, aconteceu durante o processo, que terminou com essa tragédia?

Nívea Dondoerfer Cademartori – Atuei desde o início do inquérito em conjunto com o dr. Hélio Brasil, do escritório Galli, Brasil e Prazeres. A investigação movida em desfavor do reitor e demais professores relacionados aos Projetos de Ensino a Distância (EAD) teve início com denúncia anônima, da qual o reitor só tomou ciência no final do ano de 2016. As divergências administrativas entre o corregedor (Rodolfo Hickel do Prado, nomeado pela administração anterior) e o reitor, começaram logo no início do mandato. Em verdade, inicialmente, o reitor teve conhecimento de boatos sobre uma investigação sigilosa do corregedor referente a supostas irregularidades em EAD, mas como não podia ter acesso ao processo investigativo, por negativa do próprio corregedor, não tinha condições de saber o que realmente ocorria. Por essa razão, estavam contingenciados os repasses do MEC para esses cursos, fato que estava lesando o interesse de todos os estudantes nesse projeto. Inclusive, ressalte-se que representantes do MEC estiveram na UFSC tentando ter acesso a essas informações, como condição de liberação, o que também foi negado pelo corregedor. Ou seja, a responsabilidade maior na gestão desses projetos, assim como de todo o funcionamento quanto aos objetivos da universidade, estava sendo comprometidos nessa área. O reitor, além de hierarquicamente superior, tem competência concorrente com o corregedor para apuração de irregularidades, consoante à Resolução nº 42 CUn/2014 da universidade, que estabelece a subordinação hierárquica do corregedor ao reitor em todas as matérias administrativas, no parágrafo único do seu artigo terceiro. Ora, é curial no direito administrativo que uma das decorrências do poder hierárquico é a possibilidade de avocação de atos do subordinado pelo chefe. Com base nisso, o reitor exarou ato de avocação totalmente embasado em normativas e doutrina, chancelado pela procuradoria junto a UFSC, visando tomar ciência sobre esse processo para não causar mais prejuízos ao funcionamento dos projetos EAD. O corregedor se rebelou contra este ato e a CGU decidiu avocar o próprio ato do reitor para decidir se o reitor teria ou não essa competência. Portanto, pendia de uma interpretação da CGU tal possibilidade, e esta questão interpretativa, infelizmente, foi aceita e criminalizada pela Polícia Federal e acatada pela Justiça Federal. Ademais, impende salientar, que os projetos EAD, regra geral, são geridos pelas fundações de apoio, entes privados junto à UFSC, regulados por Lei, que possuem sistema próprio de controle interno, além do rigoroso controle externo realizado pelo Ministério Público. Sendo assim, a abordagem da PF deveria ser setorizada nas fundações onde tais projetos ocorrem e cujo conhecimento detalhado é impossível que o reitor detenha, pelo fato de que as universidades são estruturas descentralizadas. Isso tudo culminou com mandados de prisão e busca apreensão requeridos pela Policia Federal e acolhidos pela Justiça Federal.

Fórum – Em sua opinião, portanto, a corregedoria Interna e independente, criada para investigar possíveis irregularidades na UFSC conduziu de forma equivocada todo esse processo?

Nívea Dondoerfer Cademartori – A corregedoria não é independente, mas sim autônoma em termos de atuação correicional, embora subordinada, em termos finalísticos, ao reitor na medida em que é ele que profere o julgamento dos processos enviados pela corregedoria, mas além disso, como já dito, há competência concorrente com a reitoria para instauração e investigação em matéria administrativa. Mas houve o sigilo e insubordinação do corregedor. E, sim, acredito que a forma foi realmente equivocada e mais, foi infinitamente prejudicial a todos os envolvidos. Há visivelmente desvio de finalidade, divergências administrativas que infelizmente resultaram em uma tragédia. Importante frisar, que o reitor sequer sabia de uma possível investigação interna contra a sua pessoa, até porque seria competência de órgão superior (Ministério da Educação) e em nenhum momento foi chamado para prestar esclarecimentos, seja na esfera administrativa ou mesmo judicial.

Fórum – Dessa forma, como classifica a prisão do reitor?

Nívea Dondoerfer Cademartori – Ao meu ver, a prisão foi totalmente e, portanto, desnecessária. Isso porque, bastaria que a Policia Federal intimasse o reitor para prestar esclarecimentos, o que de pronto seria atendido, mas jamais a prisão. Isso porque todos que conhecem o direito, especificamente o direito penal e processual penal, sabem que a prisão é medida de última ratio (recurso), que deveria ser aplicada somente em casos extremos. Ou seja, atualmente, há uma verdadeira banalização da aplicação das prisões temporárias (no caso do reitor) e preventivas, o que causa danos nefastos a todos que possam vir a ser suspeitos de cometimento de condutas ilícitas, mesmo sendo inocentes. Assim, ao se tratar da pessoa de Luiz Carlos Cancellier de Olivo, reitor eleito da Universidade Federal de Santa Catarina, o qual possui brilhante carreira acadêmica, e mais, admirado e respeitado pela comunidade universitária e juristas de todo o País, a prisão foi devastadora, pois ao comprometer sua imagem, gerou dano irreparável a todo um curriculum impecável construído com muito sacrifício e comprometimento ao longo de anos.

Fórum – A juíza Janaína Cassol Machado, que autorizou a prisão do reitor fez duras críticas à juíza substituta, Marjôrie Cristina Freiberger, que acabou liberando a soltura. Por que razão a sra. acredita que houve essa imensa diferença de interpretação entre ambas?

Nívea Dondoerfer Cademartori – Em princípio, a possibilidade de conflitos entre representantes da mesma instituição não é descartada, contudo soa de fato estranho uma colega magistrada externar publicamente críticas a outra colega, pois sabe-se que a função do Juiz sempre evocou, ao menos em ordenamentos republicanos e democráticos, uma aura quase monástica, discreta e só publicizável dentro dos autos quanto a opiniões de processos ou investigações sob sua guarda. Aliás, a LOMAN e o Código de Ética da magistratura (CNJ) vedam que o juiz se manifeste sobre processos em andamento e de criticar decisões de seus colegas. No mais, a defesa do reitor reafirma e avalia como correta a decisão da juíza Marjôrie que, após ouvir a outra parte, ou seja, os argumentos da defesa, entendeu ser a prisão desnecessária.

Fórum – Para a situação em que ele se encontrava no processo, onde não pôde exercer pleno direito de defesa, segundo o que se pode observar, o abuso de autoridade fica mais evidente na medida que o reitor foi, inclusive, proibido de ingressar nas dependências da universidade e de falar com amigos?

Nívea Dondoerfer Cademartori – Certamente. A Universidade Federal de Santa Catarina era o verdadeiro lar do reitor Cancelier, e seu afastamento lhe causou dor imensa, o que culminou com o fatídico ato por ele cometido na manhã desta última segunda-feira. A medida aplicada era de não adentrar nas dependências da Universidade Federal e não ter acesso a possíveis documentos e provas relacionadas à investigação, ou seja, não havia uma proibição de real contato com demais pessoas relacionadas à UFSC. Contudo, da forma midiática com que tudo foi apresentado e como qualquer contato poderia ser interpretado de forma desfavorável, como tentativa de tumultuar a investigação, pareceu mais apropriado um distanciamento maior das pessoas ligadas à universidade. E infelizmente, desde o momento de sua prisão, até a presente data, nenhuma possível prova ou mesmo depoimentos foram sequer juntados aos autos pela Polícia Federal, o que sim, impossibilitou uma prévia defesa do reitor.

Fórum – A sra. que conviveu muito próxima a ele, por força do ofício, sentiu que o desgaste emocional estava tomando conta do reitor, a ponto dele dizer que sua prisão representava a própria morte?

Nívea Dondoerfer Cademartori – Não apenas por força do oficio, porque além de minha pessoa, o dr. Hélio Brasil estava comprometido com a defesa do reitor. Mas, mais que isso, Cancellier era meu amigo pessoal, e a dor dele é minha dor! Ele estava, sim, muito abatido, a prisão dele, a violação de seus direitos e de sua dignidade, a sua revista vexatória foi algo que ele jamais imaginou passar em sua vida. Ser colocado em estabelecimento prisional, ser despido de suas vestes, ser “vistoriado” em suas partes íntimas, como ele mesmo disse, foi algo que ele jamais poderia superar. Contudo, a frase encontrada com ele dizia “ Minha morte foi decretada quando fui banido da universidade”, e sendo assim, mais do que a prisão, sua proibição de entrar na UFSC, sua casa, foi por demais humilhante e irreparável. Impõe salientar que o ato por ele cometido, de tirar a própria vida, ao contrário do que colocado por pessoas que não o conheciam verdadeiramente, não foi uma assunção de culpa ou ato de covardia, ao contrário, foi um ato de extrema coragem e revolta ante a deformação de um direito do qual ele se sentia um dos seus porta-vozes, e acima de tudo um ato de grande relevância política, do qual esperamos sinceramente que não tenha sido em vão, mas seja avaliado e compreendido como deve ser, uma séria avaliação de como estamos vivendo em um estado de exceção, sem respeito às garantias fundamentais de cunho penal e, por conseguinte, lesivas ao mais básico sentido de dignidade do ser humano! É preciso proteger as pessoas! Foi sempre seu lema

Fórum – A sra. percebeu que o comportamento dele foi mudando até precisar de tratamento psicológico?

Nívea Dondoerfer Cademartori – Desde o início percebemos, eu e meus colegas, a necessidade de tratamento, seja decorrente de seu problema cardíaco, seja de abalo psicológico/emocional, ele estava sendo acompanhado por profissionais da saúde, mas infelizmente não foi o suficiente para impedi-lo de cometer suicídio. E isso se entende, lhe foi tirado tudo, principalmente a honra e dignidade pela qual sempre zelou.

Fórum – Pelo que se sabe, a denúncia era de desvio da ordem de R$ 80 milhões do programa de Ensino a Distância. No entanto, o valor integral do programa, pelo que consta, era de R$ 80 milhões. Como é possível que o desvio seja referente ao valor total do programa? Isso foi abordado durante o processo?

Nívea Dondoerfer Cademartori – Exatamente, o valor de R$ 80 milhões era o total repassado ao programa, e o suposto desvio, cuja apuração ainda não foi concluída, estima-se em R$ 300 mil. Reforço que o reitor não era investigado por participação em nenhum desvio. Ademais, foram mobilizados, pelo que foi dito na entrevista coletiva da delegada da PF, mais de 100 policiais de todo Brasil, por exemplo, o delegado que ouviu o reitor veio do Maranhão exclusivamente para a operação, sendo crível que o custo desta midiática operação (diárias, deslocamentos, hospedagem, alimentação etc.) tenha superado eventual dano ao erário.

Fórum – Essa espetacularização de prisões, com ampla cobertura da mídia, vem se disseminando ao longo dos anos no Brasil, mesmo que frequentemente acabem em absolvições. Temos vários exemplos notadamente durante as últimas operações deflagradas pela Polícia Federal em conjunto com o Ministério Público. Como observa essa questão?

Nívea Dondoerfer Cademartori – Esse fenômeno, na realidade, implica uma nova agenda quanto às ações dos sistemas de justiça agora, não mais pautados pelo aspecto contramajoritário que um direito democrático sempre deveria ter, e sim, pelo que uma suposta opinião pública transmite aos meios de comunicação e redige o agendamento das atuações dos operadores do direito. A busca por holofotes é, portanto, o reflexo direto da deformação da imparcialidade e imunidade da justiça frente a maiorias contingentes e seus arroubos emocionais nos diversos contextos políticos pelos que passa a sociedade. É preciso lembrar ainda que os inquéritos policiais, em especial, com pedidos de quebra de sigilo e prisões provisórias, são, por força de lei, sigilosos, com acesso restrito inclusive para os advogados, causando estranheza que a imprensa tenho acompanhado as prisões desde o momento de suas realizações.

Fórum – Não acha que está na hora da comunidade jurídica repensar os critérios de prisões preventivas e se esse é o caminho correto?

Nívea Dondoerfer Cademartori – Com certeza. É necessário com a máxima urgência uma revisão da forma como esses institutos estão atualmente sendo utilizados. Infelizmente, o princípio constitucional da presunção de inocência tem sido esquecido, ou melhor, ignorado, e em contrapartida nasce um novo princípio, da “presunção de culpabilidade”, o que jamais pode ser aceito, e mais, deve ser amplamente combatido.

Fórum – Acredita que essa prática pode destruir reputações injustamente, assim como ocorreu com o reitor da UFSC?

Nívea Dondoerfer Cademartori – E isso já não tem acontecido? Quantas pessoas têm suas vidas destruídas por processos criminais, que têm início de forma irregular, desproporcional e sem no mínimo indícios suficientes? E aqui não falamos apenas de casos como o do reitor que teve alcance nacional, mas sim de todos os marginalizados que acusados por uma polícia muitas vezes despreparada e ávida por holofotes e, pior, encontrando respaldo em magistrados igualmente equiparados destroem vidas, reputações e famílias. Precisamos de forma urgente dar um basta aos abusos institucionais, e preservar as pessoas de desmandos e medidas autoritárias.

Fórum – Em sua opinião, o que pode estar por trás desse processo tão malconduzido?

Nívea Dondoerfer Cademartori – Acredito em vários fatores, que vão de conflitos típicos de ambientes profissionais, tais como os de universidades, à necessidade de novo espetáculo midiático por parte de certas autoridades inebriadas pelo estrelato e que não suportam quando perdem protagonismo.

Foto: Arquivo pessoal

Os ditadores de espírito nunca morrem …

Texto emocionante do desembargador Lédio Rosa de Andrade, amigo de infância, sobre a morte do reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, professor Luiz Carlos Cancellier.

Compartilho, do Facebook de João Lopes.

Paulo Martins

“Eu hoje, como professor da UFSC, sou uma pessoa que tem orgulho e alegria. Como desembargador, tenho vergonha. Porcos e homens se confundem.”
“Fascistas e democratas usam as mesmas togas.”
O desembargador Lédio Rosa de Andrade, amigo de infância do reitor, seu colega no Centro de Ciências Jurídicas, sobe ao palco. Ele manca de uma perna e segura na mão de uma jovem, talvez aluna.
Um gigante na tribuna. Ele chama o reitor pelo apelido de infância, Cal. Transcrevo toda a fala, pela força da mensagem: “Tentarei, num esforço muito grande, manter o mínimo de racionalidade, porque, confesso, que, neste momento, o sentimento, a emoção me toma. Uma tristeza profunda me corrói por dentro. Uma raiva forte. Uma indignação maior ainda diz que nós temos que ir adiante, que não podemos parar, porque o momento por que o nosso país passa é grave, é perigoso e precisa de ação.
Acioly, Julinho, que saudade da rua Santos Dumont, onde morávamos como crianças, onde passamos nossa juventude, onde jogávamos bola na rua e xadrez dentro de casa, tênis de mesa nos dias de chuva, onde cometemos nossos primeiros crimes, temos que confessar, pois ali furtamos umas goiabas, também rosas para nossas namoradas. Todos nós juntos, você era pequeno, Julinho, Acioly um pouco mais adulto, eu e o Cal da mesma idade.
Frequentamos o Colégio Deon (grafia pode não estar correta), brincamos, brigamos, estudamos, porque éramos de famílias humildes. Só tínhamos a nós e a nossa capacidade. E assim seguimos adiante.
Chegamos a esta universidade como alunos. Alunos de direito. E enfrentamos a ditadura militar, a arma no governo. O reitor Ernani, que há pouco falou, administrava tendo que aturar, na marra, um sala para os agentes da polícia que fotografavam, que nos espionavam, que poderiam nos prender se escutássemos o Chico Buarque ou o Vandré.
E que ironia da história e do destino, porque foi naquele hall da reitoria que eu, o Cal e tantos outros líderes estudantis, como o Adolfo, já falecido, o Jailson Lima, que jantamos juntos, e o Julinho, esta semana lá em casa com o Cal. Ali, naquele hall, nós fizemos as maiores assembleia do tempo da ditadura. Milhares e milhares de alunos sentamos no chão e nós usávamos a escada como palanque para denunciar a prepotência e para defender a autonomia e a liberdade da universidade pública e gratuita.
Nós sabíamos que nós não estávamos no estado democrático de direito.
Nós sabíamos que poderíamos ser presos. Nós sabíamos que tivemos colegas e amigos presos, torturados e alguns assassinados, porque aquele era o regime que nos administrava.
Mas não esmorecemos, fizemos a nossa luta. E ganhamos, porque acabamos com a ditadura. Ela terminou. A vida seguiu.
O Cal foi para Brasília acompanhar o combatente senador Wedekin. Voltou e terminou seu curso de direito.
Fez metrado, fez doutorado, e eu tive a honra de estar nas duas bancas dele. Discutíamos, conversávamos, estudávamos, pesquisávamos, porque sempre fomos contra o fundamentalismo, sempre fomos contra os argumentos fáceis, néscios, cheios de verdade, mas ocos, vazios, fórmulas vazias.
Trocamos de lado.
De estudantes passamos a professores desta casa. E como Cal se orgulhava disso. Como ele gostava disso. Como ele tinha nisso a sua vida. E da vida humilde da rua Santos Dumont, do nosso querido Tubarão, construiu outra vida, típica de professor aqui em Florianópolis. Apartamento de professor. Nem carro tinha. Vida de professor, prática de professor.
E foi nestas condições que chegou a seu maior sonho, a reitoria desta universidade.
Claro que todos nós temos vaidade, todos nós temos um ego e precisamos dele para viver o dia a dia. É claro que chegar a reitor tem um pouco de ambição, de todos que lá chegaram. Mas, acima de tudo, Cal tinha vocação, tinha o desejo pelo ensino, tinha a vontade de fazer da UFSC o que estava fazendo, com sua equipe, uma das maiores universidades deste país.
E vejam que coisa: a ditadura não nos prendeu. E nós achávamos que tínhamos derrubado. Cometemos um erro porque os ditadores de espírito nunca morrem. Estão sempre aí, estão aqui, neste momento, alguns deles, esperando a hora de voltar. Sempre.
Esta luta não acaba. Nunca acaba esta luta. E se nós descansarmos, eles voltam. Eles voltam. Quando se fala em estado democrático de direito, nós estamos falando de muito sangue, de muita guerra, de conquistas feitas com suor e com esforço de nosso antepassados.
Quando se fala em ampla defesa, estado democrático de direito, contraditório, isso não é brincadeira.
Esse néscios que estão por aí dizendo bobagem não sabem o que é uma ditadura. Não sabem que eles serão os primeiros a clamar por estado democrático de direito daqui a pouco.
E foi dentro dessas condições que o Cal se deparou com a mais perfeita ditadura, que é a ditadura feita em nome da moral, a ditadura feita em nome da justiça, a ditadura feita em nome da democracia.
É claro que estado democrático de direito precisa de imprensa livre, é claro que estado democrático de direito precisa de independência do Judiciário, para que o Judiciários e os juízes julguem livremente, sem pressão.
Só que também é claro que essas instituições, absolutamente importantes para a democracia, a cada dia, a cada momento, são deturpadas.
Em nome da liberdade de imprensa, se exerce a liberdade de empresa, privada, para impor desejos privados à coletividade.
Em nome da liberdade de julgar, neofascistas humilham, destroem, matam.
Como professor de criminologia, eu levei meus alunos para a penitenciária. E me levaram no setor de segurança máxima, onde o Cal passou uma noite. Eu tive uma crise de pânico pela opressão arquitetônica. Não entrei. Saí correndo lá de dentro.
E fique a imaginar — eu estava por livre e espontânea vontade, com meus alunos —: e se tivessem tirado minha roupa? E se tivessem me feito uma revista íntima? E se tivessem me acorrentado nos pés e nas mãos? Eu morreria lá naquela noite. Eu não sairia de lá vivo. E o Cal saiu.
O Cal, que sempre lutou com flores na mão contra canhões, que sempre usou a palavra contra a insensatez, que sempre conversou e que nunca causou mal a ninguém, acabou encontrando a pior das ditaduras e oprimido. Acabou encontrando aquilo por que nenhum de nós quer passar.
E eu termino falando: o Cal sempre foi um professor e morreu como professor, nos dando a última lição.
A última lição do nosso mestre foi de que contra a mais absoluta injustiça, que contra o terrorismo de estado, só a tragédia pode chamar a atenção de uma população que vive uma histeria coletiva. Só a tragédia… só a tragédia…
Esta noite, com dificuldade de dormir, eu fiquei a pensar: quando a humanidade errou e não parou Hitler no momento certo? Quando a humanidade errou e não parou Mussolini no tempo certo? E fiquei pensando: eles estão de volta. Será que nós vamos errar de novo e deixá-los tomar o poder, para nós termos que trocar as flores e pegar de novo em armas para fazer outra guerra e derrubá-los?
Será que já não basta? Será que não é hora de nos unirmos e exigirmos consequências, se a família assim quiser? De irmos até as últimas consequências pedindo que sejam apurados esses atos de arbitrariedade?
Já não é hora?
Bertold Brecht já nos disse. Já prenderam não só nossos vizinhos. Já estão levando nossos amigos próximos e vão nos levar.
A vida é isso, companheiros. É luta permanente. E a democracia não permite descanso. Não permite descanso.
Eu hoje, como professor da UFSC, sou uma pessoa que tem orgulho e alegria. Como desembargador, tenho vergonha.
Porcos e homens se confundem. Fascistas e democratas usam as mesmas togas. Eles estão de volta. Temos que pará-los. Vamos derrubá-los novamente.”
Outra imagem me vem à mente. O homem alto Marcelo Bretas com a mulher, ao lado de Sergio Moro com a mulher, andando sobre o tapete vermelho da estréia do filme sobre a Lava Jato.
Eles estão de volta.
Usam toga e são incensados pelas empresas de jornalismo e de entretenimento, numa aliança que destrói reputações e mói ossos, com gritos de dor e desespero que começam a se tornar audíveis.
A imagem que agora me vem à mente é de outra natureza. Elis Regina cantando:
“Uma dor assim pungente não há de ser inutilmente.”
Desembargador Lédio Rosa de Andrade

O novo surto fascista da Folha, por Miguel do Rosário

A fórmula já é velha. A Folha de São Paulo, O Estado de São Paulo, a Rede Globo, a Rede Bandeirantes, a Revista Veja, a Revista Época, a Revista Isto é e outros meios de comunicação juntos com o mesmo objetivo maléfico: destruir um partido e seu principal líder político. No fundo, parece que a associação destes meios de comunicação visa destruir qualquer possibilidade da alta política operar no país e colocar no seu comando a soberania popular.

Em um país onde prevalece a soberania popular e a alta política, os meios de comunicação perdem seu poder manipulador e assumem um papel responsável e fundamental em qualquer democracia. Talvez sejam estes os motivos que os fazem praticar o jornalismo de forma tão abjeta: interesse de classe e desejo de continuar manipulando os cordões do poder.

Se houvesse interesse seria possível para estes meios de comunicação prestarem um serviço essencial ao país. Somos carentes de informação de alto nível e, dado o baixo nível de alfabetização, educacional e cultural no Brasil, a importância dos meios de comunicação é ainda maior. Tem espaço para um belo, nobre e lucrativo trabalho. Mas os meios de comunicação deveriam cultivar seus leitores, ouvintes e telespectadores em vez de deformá-los, como fazem.

Bastam sair resultados de pesquisas favoráveis ao candidato Luís Ignácio Lula da Silva e, como um ato de desespero, os tais meios de comunicação escalam seus jornalistas mais abjetos para preparar manchetes com baixarias e sordidez sem limites. O jogo está claro e não nos enganam. imagino as reuniões de pauta nestes meios de comunicações e a divisão de tarefas neste jogo sujo.

Informação honesta e de qualidade é direito essencial. Os órgãos que prestam informação têm responsabilidade social. Por isso, meios de comunicação são  concessão pública, sujeitas ao controle da sociedade, visando o bem comum. No Brasil, organizados em oligopólios, transformaram-se em um poder paralelo, com traços de organização criminosa, unidas para manipular e, em alguns casos, delinquir. Entendam: o dinheiro e o poder corrompem.

Todos que temos experiência com pesquisas e com estatísitica sabemos como é fácil manipular dados se o contratante da pesquisa tiver interesses escusos no seu resultado. Ora, somos 208 milhões de brasileiros. Apresentar uma pesquisa com pergunta dirigida a um objetivo e “interpretar” o resultado como se pudesse representar a opinião de TODOS os brasileiros é um absurdo. Mas não é um erro. É uma premeditação.

E, o pior, a nova moda do país insuflada pela mídia do jornalismo abjeto é o direito penal dos esgotos, da sarjeta. Neste novo direito penal de perseguição do inimigo de classe, pessoas são condenadas sem direito de defesa e sem o devido processo legal porque outras pessoas, que não são juízes, não conhecem as provas e os argumentos das defesas, insufladas por esta mídia mal-intencionada, pretendem julgar e condenar pela TV ou pelas pesquisas.

Leia a matéria do Miguel do Rosário, de O Cafezinho, sobre o assunto e vocês entenderão os motivos da indignação. Os jornais da Globo, em dobradinha com a Folha de São Paulo, enfatizaram o assunto, sem explicar os detalhes.

Paulo Martins

Por Miguel Do Rosario

O novo surto fascista da Folha -2 de Outubro de 2017

Não existe limites para a sordidez e o fascismo da imprensa brasileira.
A Folha de São Paulo publicou manchete hoje, dizendo que: “brasileiro quer Lula preso”.

Aí você vai ler a matéria e vê que 40% dos brasileiros NÃO querem Lula preso.

A Folha pensa que esses 40% NÃO sejam brasileiros?

Sem contar que a Folha nunca fez pesquisa para saber se o brasileiro “avalia” se o Serra deve ser preso, se o FHC deve ser preso, se Aécio deve ser preso.

É uma pergunta típica de um pensamento fascista, pois evidentemente ninguém pode ser preso com base em “pesquisa”.

Além do mais, estamos falando de pesquisa, meu Deus! Não tem nada exato aí. A gente pode até especular sobre quem tem mais ou menos intenção de voto, mas usar isso para tirar a liberdade de um cidadão, aí é dar um uso puramente fascista às pesquisas?

Esses 40% que NÃO querem Lula preso podem ser, na verdade, 50%, ou mesmo 60%.

A pesquisa da Folha mostra exatamente o contrário da manchete:
há uma tendência crescente, entre brasileiros, de achar que Lula NÃO apenas NÃO deve ser preso, como deve voltar a governar o país. A rejeição a Lula vem caindo rapidamente e a quantidade de brasileiros determinada a votar nele também aumenta.

Como assim, portanto, o “brasileiro quer Lula preso”?

A Folha é profundamente irresponsável porque essa é uma manchete que insufla o fascismo, a turma do Bolsonaro, do MBL, dos maçônicos, da turma da intervenção militar.

Quando os historiadores analisarem a evolução do fascismo no Brasil, não poderá esquecer o papel fundamental da Folha e da imprensa brasileira, em geral, nesse processo.

Falecimento do Reitor Cancellier – nota de pesar

NOTA OFICIAL
A Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), profundamente consternada, comunica o trágico falecimento do Prof. Dr. Luiz Carlos Cancellier, Reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, ocorrido na manhã desta segunda-feira.
O sentimento de pesar compartilhado por todos/as os/as reitores/as das universidades públicas federais, neste momento, é acompanhado de absoluta indignação e inconformismo com o modo como foi tratado por autoridades públicas o Reitor Cancellier, ante um processo de apuração de atos administrativos, ainda em andamento e sem juízo formado. É inaceitável que pessoas de bem, investidas de responsabilidades públicas de enorme repercussão social tenham a sua honra destroçada em razão da atuação desmedida do aparato estatal. É inadmissível que o país continue tolerando práticas de um Estado policial, em que os direitos mais fundamentais dos cidadãos são postos de lado em nome de um moralismo espetacular.
É igualmente intolerável a campanha que os adversários das universidades públicas brasileiras hoje travam, desqualificando suas realizações e seus gestores, como justificativa para suprimir o direito dos cidadãos à educação pública e gratuita. Infelizmente, todos esses fatos se juntam na tragédia que hoje temos que enfrentar com a perda de um dirigente que por muitos anos serviu à causa pública.
A ANDIFES manifesta a sua solidariedade aos familiares e amigos do Reitor Cancellier e continuará lutando pelo respeito devido às universidades públicas federais, patrimônio de toda a sociedade brasileira.
Brasília, 02 de outubro de 2017.
Por Gisele Cittadino

A justiça eleitoral é um porrete burocrático sobre o livre debate democrático, por Eugênio Aragão

A justiça eleitoral é um porrete burocrático sobre o livre debate democrático.
Por Diario do Centro do Mundo – 1 de outubro de 2017

POR EUGÊNIO ARAGÃO, ex-ministro da Justiça.

“O Brasil é um país estranho. Ejacular no pescoço de uma mulher não causa constrangimento, segundo seu judiciário; mas, exposição de arte que tematiza o homossexualismo ofende a paz pública, segundo um banco que retira seu apoio” (anônimo em rede social).

Leio hoje sobre palestra proferida pelo Ministro Herman Benjamin, corregedor do Tribunal Superior Eleitoral, para magistrados gaúchos, na agradável Bento Gonçalves. Disse Sua Exª., em inegável tom catastrófico, que eleições são, no Brasil, a dramática alternativa para a guerra civil e que o aprimoramento do sistema, apesar das supostas qualidades da justiça eleitoral, que seria uma das “melhores” instituições de controle de pleitos “no mundo”, seria a questão mais urgente no momento político que o país vive, para resguardar a credibilidade das eleições e a esperança da sociedade por dias melhores.

Uma bela construção retórica, mas matreiramente incompleta.

Salta aos olhos a cegueira do judiciário brasileiro para sua parcela substancial de responsabilidade pelo caos por que o Brasil passa. Em todo discurso de congraçamento de meritíssimos magistrados repete-se a lengalenga: nós somos espringuelingueabauti, mas o problema são os outros.

É como se os autofestejados juízes quisessem enfeitar seu bolinho com um daqueles guarda-chuvinhas de papel de seda que tanto faziam nossos olhos brilharem na infância, pensando em se protegerem, por debaixo dele, da chuva de excrementos que cai sobre sua instituição. Seria engraçado se não fosse trágico. No mais das vezes, só não vê quem é togado, com raríssimas exceções.

A justiça eleitoral não é essa última Coca-Cola no deserto na qual o discurso do Ministro Herman Benjamin quer que acreditemos, ou melhor, quer que os magistrados acreditem para sua salvação. Palavras do Senhor. Ela teve sua chance na década de trinta do século passado, quando foi imaginada para dar fim às correntes práticas de voto de cabresto e outras de corrompimento da vontade popular. Falhou escandalosamente. Até hoje temos uma sistema político que resguarda os interesses do caciquismo partidário, irrespectivo do clamor por mudanças sociais. E a justiça eleitoral é parte visceral dele.

Essa tutela da política pelo judiciário foi a pior invenção da elite tupiniquim. A justiça eleitoral é um porrete burocrático sobre o livre debate democrático. Tem a mania de ver chifre em cabeça de cavalo. Suas sessões se estendem por horas e horas de debate amorfo sobre filigranas do abuso disso ou daquilo. E ninguém perguntou aos contendores se as regras dessas filigranas correspondem a seu consenso sobre como a disputa deva ser, de modo a realizar justiça e equilíbrio. O tribunal baixa resoluções (muitas das quais atropelam o legislativo) depois de uma burocrática e rasteira audiência pública e as aplica a ferro e fogo. Summum ius, summa iniuria.

Criminaliza-se tudo. Inovam-se opiniões a cada pleito para adaptar a prática do tribunal à fugaz conjuntura. Faz-se tábula rasa da segurança jurídica e não se consegue disfarçar o fato inexorável de cada magistrado seguir, consciente ou inconscientemente, uma agenda política, em favor desse ou daquele contendor.

A prestação de contas da chapa de Dilma Rousseff, que esteve no vórtex do golpe judiciário-parlamentar, foi uma dessas pérolas da casuística da justiça eleitoral. O Ministro Herman Benjamin, como relator, assimilou o discurso raivoso pós-pleito de seu colega Gilmar Mendes e tratou de julgar o que as partes não tinham pedido.

As ações propostas pelo PSDB não passavam de uma revisitação das reclamações aforadas durante a campanha. Uma clara tentativa de estabelecer um terceiro turno na eleição presidencial em que o candidato desse partido foi derrotado.

Mas o Ministro Gilmar Mendes, seguindo a Sua agenda, com “s” maiúsculo mesmo, não respeitou a coisa julgado sobre a aprovação das contas e manteve-se “relator” de um processo encerrado. Promoveu uma devassa a posteriori nas verbas de campanha da chapa Dilma-Temer e, para seu desgosto e tristeza da mídia rastaquera dos Antagonistas da vida, nada achou de sólido.

Quando, porém, eclodiu o escândalo midiático do chamado “Petrolão”, com suas delações premiadíssimas sem compromisso com a verdade provada, viu nelas uma fonte de destruição da legitimidade do pleito e fez introduzir, em ativa parceria com a República de Curitiba, informações nas ações do PSDB em curso, que não tinham absolutamente nada a ver com sua causa de pedir. E o Ministro Herman Benjamin fez que não viu a inadmissível inovação temática das ações.

Enquanto Gilmar Mendes trabalhava descaradamente pela cassação dos votos de Dilma, ainda Presidenta, o Ministro Herman Benjamin conseguiu se tornar celebridade na guerra política sem trégua que era movida pela oposição derrotada ao governo popular. Gilmar e Herman, ainda que por razões diversas, acabavam por trabalhar em perfeita unidade de desígnios: a invalidação da vitória de Dilma.

Deu-se, contudo, o golpe parlamentar. Tudo que antes valia não valia mais. Gilmar, um dos articuladores da aventura, não via mais sentido na cassação da chapa, já que, agora, Temer, mero vice, conseguiu, na traição, tomar o posto da titular. E Temer, como o próprio tem feito questão de tornar público, é, de longa data, amigo in pectore de Gilmar.

O Ministro Herman Benjamin preferiu, no cultivo de sua reputação e de sua imagem, manter-se firme na heresia processual. Não desviou para acudir Temer. O erro queria vencer a trapaça. Mas a trapaça venceu o erro e a chapa Dilma-Temer se salvou. Não para fazer justiça e consertar o abuso jurisdicional e, sim, para trair a democracia. Durma-se com um barulho desses!

E, depois, o Ministro Herman Benjamin ainda insiste que a nossa justiça eleitoral é a melhor coisa do mundo…

As eleições comandadas pelo judiciário não têm sido alternativa para a guerra civil. Têm sido seu combustível. Ao invés de garantir o mandato de quem ganhou, liderou o coro dos que violentavam o voto popular. Com isso, tornou-se um instrumento da polarização política.

Logo, essas eleições, com essa justiça eleitoral, não são garantia de nada, muito menos contra conflito que pode descambar em guerra civil. Não nos iludamos. Se o TSE mantiver sua performance pós-2014, o pleito de 2018, acaso tenha lugar, não será o beijo do príncipe encantado a acordar nossa bela, adormecida democracia. Será a maçã envenenada da Rainha-Bruxa, dada a Branca de Neve.

Em democracias consolidadas, política não é coisa de judiciário. Hands off! Juízes não têm legitimidade para, como tais, se imiscuirem nas contendas partidárias. São agentes públicos que não contam com a consagração pelo voto popular. Passam por um processo de recrutamento em que se afere, apenas, sua qualidade técnica e sua integridade moral.

Isso, lá! Aqui, por vezes nem isso. Mas, de qualquer maneira, se pressupõe deles que tenham a destreza para decidir casos complexos. Tão é só. Sua legitimidade, longe de ser política, é quando muito burocrática, no sentido weberiano de burocracia, como racionalização do exercício do poder. Eles podem ser reconhecidos pela qualidade de suas decisões, não, porém, por sua popularidade ou sua representatividade.

Logo, é bom que deixemos a política aos políticos. Eleições devem por eles ser coordenadas e comandadas, num Conselho Eleitoral que os congregue todos, em todo o espectro partidário. É assim que se constroem eleições como resultado de consenso entre os contendores e, por isso, mais difíceis de serem deslegitimadas por esse ou aquele mau perdedor. E são os maus perdedores que protagonizam golpes que levam à guerras civis.