O mito da neutralidade em economia e da receita de bolo neoliberal

No texto de apresentação do livro História do Pensamento Econômico, de E.K. Hunt, da Editora Campus, 2a. Edição, 2005, o professor M. C. Howard, do Departamento de Economia da Universidade de Waterloo, Canadá, destaca pontos relevantes da economia e a importância do estudo da História do Pensamento Econômico.

Nestes tempos de desonestidade intelectual e de golpes político-midiáticos perpetrados para viabilizar a implantação de uma agenda de cassação de direitos, de retrocesso social, de alienação do patrimônio público e de desnacionalização da economia – veja a notícia de hoje da venda de uma fatia do pré-sal para uma empresa norueguesa – é necessário, mais do que nunca, mostrar com fatos e argumentos que o que nos trouxe até a atual crise econômica foi a receita econômica “mainstream’, agravada pela política econômica ortodoxa de Joaquim Levy e sua equipe.

O governo golpista de Michel Temer tenta resolver o estrago causado pela política econômica desastrosa de Levy dobrando a aposta, como se houvesse somente uma verdade dogmática em economia, o tal mantra neoliberal.

O estudo de história e, em especial da história da economia política e dos sistemas econômicos, é fundamental para não repetirmos o erro primário de se combater incêndio jogando gasolina no fogo e para encontrarmos solução para as nossas mazelas de curto prazo sem empenhar nosso futuro e destruir a vida das pessoas.

Segundo o professor Howard não deve haver nenhum ramo da ciência no qual é suficiente consultar somente os estudos mais recentes. Se houver, este não é o caso da Economia. Esta ciência apresenta problemas analíticos crônicos. As estruturas e os sistemas econômicos mudam e as forças causais antes relevantes podem deixar de ser, exigindo novas análises e estudos.

O desenvolvimento da teoria econômica responde, historicamente, à influência dos interesses econômicos. Os grupos dominantes da sociedade em cada época promovem e incentivam análises que apresentam seus papéis sob uma luz favorável, enquanto bloqueiam as análises conflitantes com seus interesses. Não surpreende, portanto, que a teoria econômica hegemônica tenha orientação conservadora, de acordo com a ideologia dos grupos dominantes.

Observar como isto se manifesta na história do pensamento é fundamental, seja para conservadores, seja para progressistas. Todos serão beneficiados se puderem ter consciência do que os leva a acreditar naquilo que acreditam.

A questão da influência dos valores éticos sobre a análise econômica é, também, muito discutida. A maioria dos economistas de hoje afirma que fatos e valores éticos são questões logicamente separadas. Basta observar a realidade e verificar a paixão com que políticos, economistas, curiosos e espertos econômicos discutem Economia para concluir que a possibilidade de gerar resultados puros, totalmente livres de valores, em ciências humanas, é praticamente impossível.

Todas as teorias devem se concentrar em determinados aspectos das relações econômicas. A seleção do que entra, do objeto de determinado estudo, implica na escolha do que será neglicenciado. O silêncio sobre o que ficou de fora pode também, obviamente, ter significado valorativo, ético. O estudo da história do pensamento econômico ajuda a desnudar este processo “seletivo-excludente” e os valores subjacentes em cada análise. Antes de prescrever fórmulas prontas como se fossem os únicos remédios disponíveis, o formulador de políticas econômicas deveria, em nome da honestidade profissional, deixar claro quais são as opções à disposição dos gestores políticos, que são os verdadeiros portadores do voto.

A teoria econômica tem muitos pontos inconvenientes. Os economistas contemporâneos têm uma propensão esperta de “esquecer” estes pontos. Por exemplo, muitos teóricos ortodoxos preferem estudar as transações voluntárias do comércio internacional e deixar de lado a globalização da economia mundial resultante da expansão do imperialismo. O mesmo ocorre com as questões ambientais e com os desequilíbrios sociais provocados pelo funcionamento normal dos sistemas econômicos excludentes. Pontos inconvenientes são deixados de fora para não atrapalhar a lógica simplista dos modelos de análise tradicionais. Se a realidade incomoda o modelo, revoga-se a realidade.

Sem dúvida, a ignorância da história, prática de boa parte dos economistas das escolas hegemônicas, gera erros de análise sistemáticos. Se isto ocorre com economistas profissionais, imagine os erros cometidos pelos espertos econômicos que nem treinamento em metodologia de pesquisa e conhecimento suficiente da ciência têm.

O estudo da história do pensamento econômico é, portanto, fundamental para desmentir o mito da neutralidade científica e deixar claro que não existe um único remédio para cura de todos os males econômicos, como querem fazer crer os cultores do mantra ortodoxo.

 

 

“Por Falta De Repouso, Nossa Civilização Caminha Para A Barbárie” – Com Eliane Brum, Por Portal Raízes

Nos achamos tão livres. Como donos de tablets e celulares, vamos a qualquer lugar na internet, lutamos pelas causas mesmo de países do outro lado do planeta, participamos de protestos globais e mal percebemos que criamos uma pós-submissão. Ou um tipo mais perigoso e insidioso de submissão. Temos nos esforçado livremente e com grande afinco para alcançar a meta de trabalhar 24X7. Vinte e quatro horas por sete dias da semana. Nenhum capitalista havia sonhado tanto. O chefe nos alcança em qualquer lugar, a qualquer hora. O expediente nunca mais acaba. Já não há espaço de trabalho e espaço de lazer, não há nem mesmo casa. Tudo se confunde. A internet foi usada para borrar as fronteiras também do mundo interno, que agora é um fora. Estamos sempre, de algum modo, trabalhando, fazendo networking, debatendo (ou brigando), intervindo, tentando não perder nada, principalmente a notícia ordinária. Consumimo-nos animadamente, ao ritmo de emoticons. E, assim, perdemos só a alma. E alcançamos uma façanha inédita: ser senhor e escravo ao mesmo tempo.

Como na época da aceleração os anos já não começam nem terminam, apenas se emendam, tanto quanto os meses e como os dias, a metade de 2016 chegou quando parecia que ainda era março. Estamos exaustos e correndo. Exaustos e correndo. Exaustos e correndo. E a má notícia é que continuaremos exaustos e correndo, porque exaustos-e-correndo virou a condição humana dessa época. E já percebemos que essa condição humana um corpo humano não aguenta. O corpo então virou um atrapalho, um apêndice incômodo, um não-dá-conta que adoece, fica ansioso, deprime, entra em pânico. E assim dopamos esse corpo falho que se contorce ao ser submetido a uma velocidade não humana. Viramos exaustos-e-correndo-e-dopados. Porque só dopados para continuar exaustos-e-correndo. Pelo menos até conseguirmos nos livrar desse corpo que se tornou uma barreira. O problema é que o corpo não é um outro, o corpo é o que chamamos de eu. O corpo não é limite, mas a própria condição. O corpo é. (…)

La stevia, el dulce amargo de la biopiratería, por Diana Delgado Jiménez*

Publicado no ecoportal.net

Las multinacionales se han apropiado del saber de los guaraníes y usan la planta stevia para endulzar los refrescos. Sin embargo, la venta de esta planta, de uso ancestral entre los indígenas, está prohibida.

Mucho se habla estos días de la stevia, como el nuevo sustituto estrella, “sano y natural” del azúcar. ¿Pero sabemos de dónde viene? ¿Sabemos por qué está permitida su comercialización en latas de refrescos y sin embargo se prohíbe la venta de sus hojas? ¿Quién está detrás de este nuevo negocio que se vende como natural?

Un informe publicado a finales de 2015 por la Declaración de Berna, el Ceidra, Misereor, la Universidad alemana de Hohenheim, la ONG paraguaya SUNU y Pro Stevia Switzerland denuncia el entremado de biopiratería que se esconde en la comercialización de este edulcorante y exige que una parte de los ingresos generados por la venta de esta planta sea compartido de manera equitativa y justa con el pueblo guaraní como prevé la Convención sobre Diversidad Biológica y el Protocolo de Nagoya.

La stevia rebaudiana, a la que los guaraníes llaman Kaá he’é, se dio a conocer fuera de Paraguay cuando un botánico suizo, Moisés Santiago Bertoni, aprendió de sus bondades por los yerberos guaraníes en 1887, quienes le dieron información sobre la planta y le enseñaron su uso como endulzante y planta medicinal. Bertoni dejó escrito también que las hojas de stevia no tenían efectos nocivos, al contrario, “sus efectos beneficiosos para la salud son conocidos desde hace tiempo, como lo atestiguan los estudios del químico Ovidio Rebaudi” [1].

Un saber milenario
Este saber milenario pertenece al pueblo guaraní, concretamente a los grupos Guaraní Kaiowá de Brasil y a los Pai Tavytera de Paraguay. Estos últimos conforman una población de 15.097 habitantes, divididos en 61 comunidades. La expropiación de sus tierras y la deforestación han hecho que los Pai Tavytera sólo utilicen una pequeña parte de su territorio tradicional.

Sus medios de subsistencia, otrora basados en la caza, la pesca y la recolección, dependen cada vez más de la agricultura a pequeña escala y de un mísero salario en las fincas de ganado. Catorce de estas comunidades se han quedado sin tierras. Lo que antes era su hogar es ahora un polvorín de violencia y abusos controlado por los señores de la droga.

En la parte brasileña, donde viven alrededor de 46.000 guaranís Kaiowá [2], el panorama no es mucho mejor. Territorios expoliados, fincas extensivas de ganado y cultivos intensivos de caña de azúcar. Muchos Kaiowás no tienen tierra y viven en improvisadas tiendas de campaña al lado de las carreteras. Aquí, el conocimiento ancestral de los usos de la stevia se ha perdido. No así su lucha para recuperar una tierra que legítimamente les pertenece.

Los ataques contra la comunidad guaraní se han intensificado en los últimos años, especialmente en Mato Grosso du Sul. En 2014, 25 miembros de la comunidad guaraní fueron asesinados sólo en este Estado brasileño. En agosto de 2015, la relatora especial de las Naciones Unidas sobre los derechos de los pueblos indígenas, Victoria Tauli-Corpuz, expresó su consternación al conocer de primera mano cómo la policía estaba expulsando a los Kaiowá de su tierra. Según sus informaciones, al menos 6.000 guaranís se niegan a abandonar sus tierras y han alertado ya de que piensan resistir “hasta la muerte” si es preciso.

De Paraguay a Japón
Aunque hoy en día el aditivo de alta pureza (E-960) extraído de la stevia puede encontrarse en casi cualquier sitio del mundo en cientos de bebidas y alimentos como cereales, infusiones, zumos, leche, yogurt o refrescos, lo cierto es que la planta salvaje de la stevia está virtualmente extinguida.

A principios de los años 70, dos expediciones científicas japonesas fueron al lugar de origen de la stevia y extrajeron 500.000 plantas salvajes para llevárselas a Japón. Otros edulcorantes, como el ciclamato y la sacarina, empezaban a denunciarse como cancerígenos, así que la industria necesitaba encontrar un nuevo producto libre de azúcar y “natural” con el que endulzar las comidas de sus cada vez más obesos y diabéticos consumidores. Tras los japoneses, llegaron multinacionales de la talla de Cargill, Coca Cola y PepsiCo. El negocio de los glucósidos de esteviol estaba en marcha. Por dar sólo algunas cifras, se cree que este mercado doblará sus beneficios entre 2013 y 2017, saltando de 110 millones de dólares a 275 millones de dólares [3].

En Paraguay, la planta de stevia la cultivan sobre todo pequeños agricultores tanto porque su producción es intensiva en mano de obra, como porque puede cultivarse en sistemas diversificados. Otro aspecto sostenible es que se cultiva en rotación con otros cultivos. Lo mismo sucede en China, el mayor país productor y exportador de stevia en la actualidad.

El problema es que la industria y las grandes corporaciones ejercen una gran presión internacional para que estos sistemas de cultivo desaparezcan.

Los estándares internacionales establecidos por la Organización de Naciones Unidas para la Alimentación y la Agricultura (FAO) y la Organización Mundial para la Salud (OMS) discriminan en favor de los glucósidos de esteviol purificados químicamente o de producción sintética.

Las hojas de stevia no pueden venderse en los mercados de Estados Unidos, Europa y España porque nadie quiere embarcarse en el largo y costoso proceso que supone su autorización reglamentaria. Y las multinacionales se libran así de los pequeños competidores.

Injusticia social y ambiental
El éxito comercial de la stevia se basa no sólo en una gran injusticia social y ambiental, sino también en una confusión que en ocasiones puede calificarse de estafa. Entre las hojas de stevia que cultivan sabiamente los guaraníes y los glucósidos de esteviol que produce la industria hay un abismo de laboratorios y manipulación genética. Además, el aditivo resultante suele representar no más de un 1%, y lo que se vende como stevia viene mezclado con otros edulcorantes.

La situación podría aún empeorar. Como apunta la Declaración de Berna en su informe: “en la actualidad, todavía es posible que Paraguay y otros países en desarrollo reciban por lo menos una pequeña proporción de las utilidades cultivando plantas de stevia como materia prima para el proceso de producción. Sin embargo, si prosiguen los planes para producir glucósidos de esteviol mediante biología sintética, desaparecería el mercado para las hojas de stevia”.

En este sentido, el portavoz de la Declaración de Berna, François Meienberg, alerta de los peligros de utilizar stevia derivada de la biología sintética. “No debería utilizarse la SinBio antes de que exista una evaluación positiva de su impacto en la salud humana y el medio ambiente -demanda-, y de hacerse, debe en todo momento informarse al consumidor de que proviene de la biología sintética”.

Al pueblo lo que es del pueblo
Impulsados por la Organización Mundial de la Propiedad Intelectual (OMPI), existen actualmente dos instrumentos jurídicos internacionales destinados, en teoría, a defender a los estados soberanos de la biopiratería, o lo que es lo mismo, de la apropiación por parte de las grandes empresas de los recursos genéticos [4] de un país.

Se trata de la Convención sobre Diversidad Biológica (CDB), ratificada en 1993 por 195 países y cuyo propósito es reconocer los derechos de los Estados sobre sus recursos genéticos; y del Protocolo de Nagoya, que está vigente desde 2014 y que pretende asegurar una distribución justa y equitativa de los beneficios económicos que emanan de los recursos genéticos y los conocimientos tradicionales relacionados.

En la práctica, estos dos instrumentos cargados de buenas intenciones, están sirviendo de muy poco a los pueblos originarios, sobre todo la parte que habla “vagamente” del reparto de beneficios. Además, en el Protocolo de Nagoya, y por raro que parezca, se define la “utilización de recursos genéticos”, en su artículo 2 como “realización de investigación y desarrollo sobre la composición genética y /o bioquímica de los recursos genéticos, lo que incluye la aplicación de la biotecnología, tal como se encuentra definida en el Artículo 2 de la Convención (…)”. Ello parecería excluir el uso directo de hojas de stevia como edulcorante, pero incluye los glucósidos de esteviol producidos mediante procesos de extracción o biología sintética.

Ante la ineficiencia de este paraguas que se aleja cada vez más de las regiones de lluvia, se pide desde la sociedad civil un cambio en el enfoque y que se incluya al pueblo guaraní en las negociaciones que se llevan a cabo entre los productores y usuarios de glucósidos de esteviol sobre el reparto de beneficios. Los autores del informe demandan también a los gobiernos de los países usuarios y proveedores (entre ellos, Paraguay), que implementen en todo el país de manera efectiva el Protocolo de Nagoya, con una legislación nacional que impida que se comercialicen sus recursos genéticos y conocimientos tradicionales relacionados cuando se obtienen de manera ilegal y no se comparten los beneficios.

En cuanto a los consumidores, el informe demanda a los gobiernos y empresas de los países consumidores que detengan el uso de publicidad engañosa. Que no se publiciten los glucósidos de esteviol como productos “tradicionales” o “naturales”.

El informe El sabor agridulce de la stevia [5] fue publicado, entre otros, por la asociación suiza La Declaración de Berna en noviembre de 2015. Según ha comentado a esta revista su portavoz en Zurich, François Meienberg, el informe fue distribuido en Paraguay y Alemania además de en Suiza. Esta asociación quiere publicar los resultados de sus demandas en julio, junto a una actualización de dicho informe.

  • Redacción. Revista Ecologista nº 89.

Notas

[1] Bertoni, M. S., 1918. Anales Científicos Paraguayos – Serie II, 6 de Botánica, Núm. 2, Puerto Bertoni, Paraguay.

[2] Datos de 2010.

[3] Mintel, 2014. Stevia set to steal intense sweetener market share by 2017, reports Mintel and Leatherhead Food Research, 13 January 2014;www.mintel.com/, acceso el 05.05.2016.

[4] Según la definición de la OMPI, el término de recursos genéticos “se refiere al material genético de valor real o potencial. El material genético es todo material de origen vegetal, animal, microbiano o de otro tipo que contenga unidades funcionales de la herencia. Como ejemplos cabe citar material de origen vegetal, animal o microbiano como puedan ser las plantas medicinales, los cultivos agrícolas y las razas animales”.

[5] Puede encontrar le informe completo, en castellano, en el sitio web: http://www.bernedeclaration.ch

Ecoportal.net

Ecologistas en Acción

http://www.ecologistasenaccion.org/

Sociedades também adoecem

Está seriamente enferma uma sociedade na qual indivíduos e grupos acham legítimo defender seus privilégios atacando direitos legítimos dos demais indivíduos e grupos.

E está mais doente ainda a sociedade na qual grande parte dos indivíduos e grupos que perderão seus legítimos direitos e liberdades se unem aos grupos de privilegiados para tomar o poder político , acabar com seus próprios direitos e aumentar os privilégios de quem não precisa.

 

 

Pintados à lama, retratos de vítimas de Mariana são espalhados em Brasília

Pintados à lama, retratos de vítimas de Mariana são espalhados em Brasília
Por Mariana Ribeiro – maio

Publicado em http://www.revistapazes.com

Em novembro de 2015, por irresponsabilidade de empresas multimilionárias, a barragem de Fundão (Mariana-MG) se rompeu, trazendo com ela morte e destruição. Além das milhares de vítimas, a lama afetou toda e qualquer forma de vida na região.

Um artista foi enviado para lá, com o objetivo de conhecer as centenas de histórias desesperadoras que a onda de lama provocou. Nesta visita, o artista recolheu um pouco daquela maldita lama com um objetivo emocionante: pintar com ela retratos das pessoas falecidas na tragédia.

Então, mais uma bonita ação foi realizada, espalharam estes retratos pelo caminho percorrido pelos parlamentares até o Congresso, que, por falta de quórum, haviam suspendido a sessão da Comissão Parlamentar que investigava a tragédia de Mariana.

Assista ao vídeo:

 

Fábula dos nossos dias: o corvo e o tucano

Diálogos Essenciais

Lembro-me, de minha infância, da fábula do corvo e do tucano. Bom, esta fábula tem mais de cinquenta anos e não posso assegurar que a contraparte do corvo era, na fábula original, um tucano. Corvos lembram morcegos, morcegos lembram vampiros e, assim, a fábula se encaixa como uma luva no atual momento político nacional. Como sou economista por formação básica, vou assumir que a contraparte era mesmo um tucano de alta plumagem.

Vamos à fábula, sem mais delongas …

Era uma vez um corvo, velho de guerra e muito, muito vaidoso. Estava o corvo empoleirado em um alto galho de árvore com um belo pedaço de queijo em seu bico. O tucano, ardiloso, rei das manhas e artimanhas, tinha feito quatro tentativas, nos últimos doze anos, de apossar-se de tão desejada iguaria. Gastou rios de dinheiro, subornou, propagandeou, comprou apoios em rádios e TVs e nada de conseguir a posse…

Ver o post original 185 mais palavras

Adam Smith e o eco-suicídio coletivo

Por que a teoria econômica de Adam Smith – baseada na suposta virtude social dos atos egoístas – só pode produzir desigualdade incessante e colapso ambiental do planeta

Por Richard Smith | Tradução: Inês Castilho e Antonio Martins | Imagem: Klee Benally

Publicado em Outras Palavras.


O texto a seguir é um fragmento resumido do ensaio “A economia eco-suicida de Adam Smith”, parte do livro Green Capitalism: The God That Failed [“Capitalismo Verde, o deus fracassado”]

Embora o capitalismo tenha produzido um desenvolvimento sem precedentes, esse mesmo motor está agora nos conduzindo em direção ao colapso ecológico, ameaçando destroçar-nos a todos. A economia capitalista de Adam Smith não pode oferecer solução para a crise porque a crise é o produto da própria dinâmica de produção movida pela competição por mercado que gera a crescente acumulação de riqueza e consumo, celebrada pelos economistas smithianos. Em seu livro O Futuro do Capitalismo, de 1996, Lester Thurow lucidamente captou o impacto socialmente suicida de transferir as decisões econômica aos indivíduos:

“Em nenhum outro aspecto da vida, o horizonte de tempo do capitalismo é um problema mais agudo do que na área do ambiente global… O que poderia fazer uma sociedade capitalista sobre problemas ambientais de longo prazo, como o aquecimento global ou a redução da camada de ozônio?… Usando as normas de resolução do capitalismo, a resposta ao que deveria ser feito hoje para prevenir tais problemas é muito clara – não fazer nada. Por maiores que possam ser os efeitos negativos, daqui a cinquenta ou cem anos, o preço que se paga por provocá-los, no presente, é zero. Se o valor corrente das consequências negativas futuras é zero, então, segundo a lógica econômica vigente, nada deveria ser gasto hoje para prevenir que emerjam aqueles problemas distantes. Mas se os efeitos negativos forem muito grandes daqui a cinquenta ou cem anos, então será tarde demais para fazer qualquer coisa capaz de melhorar a situação, já que qualquer coisa a ser feita naquele tempo poderia somente melhorar a situação num futuro distante, de cinquenta ou cem anos. De modo que, se forem bons capitalistas, os que viverem no futuro também decidirão não fazer nada, não importa quão graves sejam seus problemas. Finalmente, chegará uma geração que não poderá sobreviver no ambiente alterado da Terra – mas a essa altura será muito tarde para fazerem qualquer coisa e prevenir sua própria extinção. Cada geração toma boas decisões capitalistas, embora o efeito em rede seja o suicídio social coletivo.”

Lester Thurow, quase sozinho entre os economistas mainstream, reconhece essa contradição fatal do capitalismo – embora ele não seja anticapitalista e tenha escrito o livro do qual foi retirado o trecho acima na esperança de encontrar um futuro para o sistema. Até muito recentemente, os livros didáticos padrão de economia ignoravam completamente o problema ambiental. Ainda hoje, as obras padrão de teoria econômica não fazem quase nenhuma menção a meio ambiente ou ecologia e virtualmente nenhuma consideração séria sobre o problema. Isso reflete a crescente virada para a direita da ciência econômica, desde os anos 1970. Em países como os Estados Unidos, a profissão de economista abandonou desde então a prática do pensamento científico crítico de visões dissidentes. Hoje, um dogma religioso “neoliberal” neo-totalitário domina a disciplina. O keynesianismo, o velho liberalismo, para não mencionar o marxismo, são todos desprezados como incuravelmente antiquados; a economia ecológica é suspeita e aconselha-se o estudante de graduação prudente a manter-se longe de tais interesses, se deseja encontrar um emprego. Como propôs Francis Fukuyama nos anos 1990, depois do colapso do comunismo, a história teria atingido seu apogeu no capitalismo de livre mercado e democracia liberal. A ciência da economia, declarou Fukuyama, foi estabelecida com o feito de Adam Smith. O futuro traria não mais do que “ajustes técnicos infinitos”. Nenhum outro pensamento teórico seria necessário ou precisaria ser solicitado.

Teologia econômica e negação da realidade

Para os economistas que seguem de Adam Smith, a noção de que há, ou deveria haver, limites ao crescimento econômico é quase impensável. Porque admitir que crescimento é um problema seria permitir uma rachadura fatal em todo o sistema e abriria portas para um desafio a partir da esquerda. Apesar de suas importantes divergências, os economistas smithianos, ainda filiam-se, todos, a uma mesma religião: a do “Não é Possível Parar de Comprar”. Adoram os mesmos ídolos – o crescimento e o consumo. Na extrema direita, os fundamentalistas de mercado como Milton Friedman, Gary Becker e adeptos da escola de Chicago simplesmente negam que haja qualquer problema ambiental – para eles, certamente não é nada que o mercado não possa resolver. Numa entrevista de 1991, Milton Friedman tentou ridicularizar os ambientalistas com sua acidez característica:

“O movimento ambientalista é composto de duas partes muito distintas. Uma é formada pelos grupos de conservação tradicionais, que desejam proteger recursos. A outra é um grupo de pessoas que não estão fundamentalmente interessadas em poluição. São somente anti-capitalistas de longo prazo, que aproveitarão cada oportunidade para destruir o sistema capitalista e a economia de mercado. Costumavam ser comunistas ou socialistas, mas a história foi ingrata com eles e agora tudo o que podem fazer é reclamar da poluição. Mas sem a moderna tecnologia, a poluição seria muito pior. A poluição dos cavalos foi muito pior do que a dos automóveis. Se você ler descrições das ruas de Nova York no século dezenove…”

E em sua arenga sado-econômica, Free to Choose [“Livres para escolher”], o agressivo anti-comunista queixou-se de que:

“quaisquer que fossem seus objetivos declarados, todos os movimentos das últimas duas décadas – o movimento dos consumidores, o dos ambientalistas, o que propõe o retorno à terra, o que defende a vida selvagem, os hippies, os que não querem o crescimento da população humana, o “small is beautiful”, os anti-nucleares – tiveram sempre algo em comum. Eles opuseram-se a mais desenvolvimento, à inovação industrial, ao uso ampliado dos recursos naturais. Em resposta a estes movimentos, as agências reguladoras impuseram medidas de alto custo para cada vez mais ramos da produção”…
O negacionismo caipira de Friedman modela, há muito tempo, a extrema direita da teologia econômica, mas sua afirmação confiante de que o crescimento infinito é sustentável é compartilhada por todo o espectro dos economistas mainstrem, ainda que com nuances. Se examinarmos a extrema esquerda do pensamento econômico “aceitável” – por exemplo, Paul Krugman –, encontraremos o mesmo mantra segundo o qual “não se pode interromper o progresso”. Em sua coluna no New York Times, Krugman especula “se não há algo maníaco no ritmo de acumulação – e sobretudo consumo – de riquezas, nos Estados Unidos fin de siècle:

“Mas há um argumento muito poderoso a lançar, em favor do recente consumismo norte-americano: o de que ele pode não ser bom para os consumidores, mas é útil aos produtores. Consumir pode não produzir felicidade – mas cria empregos, e o desemprego é muito eficiente na criação de miséria. É melhor ter consumidores maníacos, no estilo dos Esados Unidos, do que os consumidores depressivos do Japão. Há um forte elemento de disputa entre ratos, no boom econômico dos EUA, impulsionado por consumo, mas são estes ratos disputando em suas gaiolas que mantêm as rodas do comércio em movimento. E embora seja uma vergonha que os norte-americanos continuem a competir sobre quem é capaz de possuir mais brinquedos, o pior de tudo seria a interrupção abrupta de tal competição.”
Krugman é um economista brilhante, mas as premissas smithnianas de sua estrutura teórica não lhe permitem enxergar que podemos não ter mais recursos para produzir todos estes brinquedos.

Aqui está a questão: o crescimento insaciável e o consumo estão destruindo o planeta e condenarão a humanidade a longo prazo – mas sem crescimento incessante da produção e aumento insaciável do consumo, teríamos colapso, no curto prazo.

Quem se importa pelo Bem Comum

A teoria econômica de Adam Smith é uma ideia cujo tempo passou. A especialização, a ausência de planejamento, a produção anárquica para o mercado, o pensamento focado na maximização dos lucros, às custas de quaisquer outras considerações, foram um motor que gerou enormes avanços na produtividade industrial e agrícola – e também a maior acumulação de riquezas a que o mundo já assistiu. Mas o mesmo motor do desenvolvimento, agora imensamente maior e funcionando a todo vapor, está hiperdesenvolvendo a economia do mundo, sobreconsumindo os recursos, envenenando as águas e a atmosfera com contaminação e aquecimento e conduzindo-nos ao abismo do colapso econômico – ou da simples extinção. O erro fatal de Adam Smith – fatal para nós – foi sua ideia segundo a qual o meio “mais efetivo” de promover o interesse público, o bem comum da sociedade, é simplesmente ignorá-lo e confiar exclusivamente na busca dos interesses egoísticos individuais.

Em relação ao interesse público na riqueza econômica da sociedade, Smith afirmava que o mercado automaticamente produziria “opulência universal, que se estende às camadas mais baixas do povo”, já que “uma abundância geral difunde-se por todos os níveis da sociedade”. Dificilmente esta tese poderia mostrar-se mais equivocada. Mais de duzentos anos depois, o desenvolvimento do capitalismo global produziu a sociedade de desigualdade mais obscena da História, com metade da população mundial vivendo com menos de dois dólares por dia, bilhões submersos em miséria desesperadora – muitas vezes mais que toda o população da Terra ao tempo de Smith – e uma minúscula elite global, algumas poucas centenas de indivíduos, concentrando uma fatia cada vez maior da riqueza do mundo e esbanjando-se numa riqueza nunca antes imaginada. Este fracasso assustador de previsão científica deveria ser suficiente para ter ridicularizado a teoria econômica de Smith há muito. Isso inevitavelmente ocorreria nas ciências naturais, diante de equívoco comparável.

No que diz respeito ao interesse público por preocupações sociais mais amplas, que incluem hoje o ambiente, a filosofia de Smith, baseada no individualismo como meio para maximizar o interesse público – o bem comum da sociedade – é, além de um completo equívoco, um convite ao suicídio. E está em total confronto com os cientistas e corpos científicos de todo o mundo, que pedem um plano – um plano para interromper o aquecimento global, para salvar as florestas e oceanos, para descontaminar o planeta, salvar milhares de espécies da extinção etc. Mas os economistas capitalistas – mesmos os mais humanos, como Paul Krugman e Joseph Stiglitz – são hostis à ideia de planejamento econômico.

As corporações não são necessariamente más. Mas o problema é que as decisões críticas que afetam o ambiente – decisões sobre o que e quanto produzir, sobre o consumo dos recursos, sobre a poluição – não estão hoje nem nas mãos da sociedade, nem nas dos governos. Estão em mãos privadas, principalmente a das grandes corporações. A partir da lógica que os orienta, os executivos não têm outra escolha, exceto tomar decisões sistematicamente erradas. No tempo de Adam Smith, isso não importava tanto, porque as empresas eram muito pequenas e suas ações tinham pouco impacto sobre a natureza. Mas hoje, quando enormes corporações têm o poder, a tecnologia e todo incentivo para derreter as camadas de gelo, este tema importa. Deixar a economia global nas mãos das corporações privadas, sujeitas às demandas do mercado, é o caminho para o eco-suicídio coletivo.

Novo site proporciona viagem musical no tempo e no espaço

Novo site proporciona viagem musical no tempo e no espaço.

Compartilho artigo da dw.com.

Basta escolher um país e uma década, e deixar a música rolar através de uma plataforma parecida com uma máquina do tempo. Na plataforma radiooooo.com, usuários podem cavar tesouros musicais de hoje e de ontem.

O site radiooooo.com tem uma concepção bem simples, apresentando um mapa-múndi com uma linha cronológica logo abaixo. Após escolher um país e uma década entre 1900 e “agora”, o usuário está pronto a embarcar numa viagem musical no tempo – da bossa nova brasileira da década de 1960 à música o Congo na época em que era colônia da Bélgica; de canções populares russas de 1920 a sucessos atuais do Canadá.

A plataforma é uma verdadeira ilha encantada para os caçadores de tesouros musicais, já que o universo da world music é aparentemente inesgotável. Mesmo para os fãs ardorosos do violonista brasileiro João Pernambuco (1883-1947), o combo E. T. Mensah & The Tempos, de Gana, é possivelmente inédito. E quem já ouviu falar da banda Yalla, do Uzbesquistão, ou da sul-africana Die Antwoord?

Mil possibilidades de escolha – para quem quiser
O DJ francês Benjamin Moreau teve a ideia inicial para o ambicioso projeto ao entrar no carro oldtimer de seu pai: ele se deixou escorregar nos assentos de couro vermelho, acariciou amorosamente o volante.

Mas, ao ligar o antigo aparelho de rádio, as batidas de música tecno o arrancaram violentamente de sua nostalgia. Assim nasceu o impulso para criar uma máquina do tempo musical.
Moreau realizou o projeto junto com amigos, todos DJs e amantes da música. Alguns anos antes, à procura de uma identidade musical própria para o frequentado clube parisiense Le Baron, eles haviam acumulado uma grande discoteca de “música do mundo”, incluindo os mais diversos gêneros e países.

Para reunir o capital inicial, recorreram ao sistema de crowdfunding Indiegogo – uma plataforma de financiamento coletivo onde startups, artistas, pequenos empresários e comunidades criativas apresentam seus projetos, convidando os visitantes a contribuírem. Alguns realizadores retribuem cada doação com um brinde, seja o CD da produção musical ou um ingresso para o preview do filme financiado.
Mil possibilidades de escolha – para quem quiser.

Normalmente, o rádio é o contrário de um meio interativo. A emissora decide a programação, e o ouvinte tem a opção de ficar sintonizado, mudar de estação ou desligar o aparelho, sem possibilidade de escolher ou de realizar buscas por gêneros musicais ou artistas preferidos.

Para Moreau e seus amigos, é justamente essa relação relaxada que constitui o encanto especial do rádio: em seu “laboratório” – como define o site – os ouvintes deles podem se recostar e simplesmente se deixar levar pelos mundos musicais de 11 décadas.
Na prática, porém, radiooooo.com implica um certo grau de interatividade: além de definir a época e o país, o usuário pode escolher um ou mais estilos, entre slow (lento), fast (rápido) e weird (esquisito). A partir daí, a plataforma se encarrega de gerar a playlist.

No modo “táxi”, o usuário seleciona um grupo de países e décadas por queira ser livremente transportado. Além disso, o mapa possui ilhas secretas, como a “Neverland”, para crianças pequenas e grandes; a “Lazyland”, para que têm preguiça de fazer descobertas. As “Discovery Islands” incluem todas as canções recém-adicionadas à plataforma. E a “Fornication Island” se propõe como apoio certeiros para os encontros românticos.

As músicas podem ser compartilhadas, curtidas, postadas ou compradas. Além disso a audioteca está em expansão, pois qualquer usuário pode contribuir, também carregando novas músicas. Moreau explica: “É mais fácil um cazaque de 65 anos apontar o melhor da música da década de 50 no seu país, do que para um francês na casa dos 30.”
A quem interessar possa: enquanto escrevia este artigo, o autor empreendeu uma viagem musical pela Guiné Equatorial, Brasil, México, Jamaica, Cuba, Espanha, Uzbequistão, Congo, Gana, Índia, Rússia, Canadá e Coreia do Norte. Não de avião ou navio, claro, mas com a máquina do tempo digital da radiooooo.com.

Escola sem partido: projeto de lei é inconstitucional, diz MPF

Qual a novidade? Temer e seu governo e ministros também são inconstitucionais, Gilmar Mendes também é, o golpe também é, e estão aí, nestes tempos de obscurantismo e retrocesso, tomando decisões e levando o Brasil para a idade das trevas. No Brasil, não basta ser inconstitucional para deixar de ser feito.

Compartilho mais um texto de posicionamento claro contra este projeto que é uma verdadeira insanidade e jogará o país em uma perseguição e intolerância política que, em vez de pacificar, radicalizará as posições e tornará qualquer diálogo impossível.

Paulo Martins

#EscolaSemPartidoInconstitucional

A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) do MPF encaminhou ao Congresso uma nota técnica que aponta a inconstitucionalidade do Projeto de Lei 867/2015, que inclui o Programa Escola sem Partido entre as diretrizes e bases da educação nacional.

A proposta do Escola sem Partido defende que o professor não é um educador e traz uma série de restrições sobre o que pode ou não ser dito em sala de aula.

Para a procuradora federal dos direitos do cidadão, Deborah Duprat, o projeto está na contramão dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, especialmente os de “construir uma sociedade livre, justa e solidária” e de “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.

Leia a íntegra da nota: http://pfdc.pgr.mpf.mp.br/temas-de-atuacao/educacao/saiba-mais/proposicoes-legislativas/nota-tecnica-01-2016-pfdc-mgf

#PraCegoVer: imagem de um quadro negro ao fundo com o texto “Para a PFDC, o projeto Escola Sem Partido é inconstitucional porque: coloca o professor sob constante vigilância, nega a possibilidade de ampla aprendizagem, confunde a educação escolar com a fornecida pelos pais, contraria o princípio do Estado laico, impede o pluralismo de ideias e de concepções ideológicas e nega a liberdade de cátedra.”

O desmanche do direito e da justiça do trabalho

Compartilho artigo publicado em dmtemdebate.com.br.

14/07/2016em: Opinião
Valdete Souto Severo
Em curso que estou acompanhando na Itália, tenho escutado, aula após aula, o relato de um processo de desmanche do Direito do Trabalho italiano, que é a culminância de um caminho que vem sendo trilhado já há algum tempo. Enquanto isso, na França fervilham atividades de protesto contra uma reforma que se encaminha no mesmo sentido e que o governo aprovou contra a maioria do parlamento.

Na verdade, a Assembleia Nacional Francesa teve de aceitar a reforma do Código do Trabalho porque o governo, não dispondo de apoio da própria maioria parlamentar que o sustenta (Partido Socialista), invocou o art. 49.3 da Constituição, impondo a sua adoção. Esse dispositivo permite, em casos excepcionais, que o Presidente, após consulta ao Conselho de Ministros, imponha ao parlamento as medidas que entende necessárias à consecução da sua política de governo. O parlamento tem a possibilidade de opor uma moção de censura ao governo, por essa imposição, mas precisa fazê-lo dentro de 48 horas após sua apresentação. Como não obtiveram o número mínimo de votos necessários (58) para isso, não houve moção de censura.

O interessante é que, em notícia veiculada esta semana em jornal francês, lê-se a afirmação de que “o FMI considera insuficiente o pacote de medidas da reforma francesa do direito do trabalho” e ainda considera o mercado laboral francês “pouco adaptável à evolução da economia global”. Ou seja, não é suficiente acabar com a reintegração, o que a Itália já fez, nem precarizar o trabalho ou majorar a jornada. O que seria suficiente então? Talvez, acabar com o Direito do Trabalho.

Voltando à realidade brasileira, temos um pacote extenso de medidas legislativas que promovem um desmanche tão grande quanto aquele proposto na França e já levado a efeito na Itália. Mas aqui estamos resistindo. Desde 2004 o projeto de lei acerca da terceirização tem sido insistentemente levado à discussão no Congresso e, se até agora não foi aprovado, é porque existe uma resistência ativa importante.

Se fizermos um quadro comparativo aproximado das principais alterações havidas (ou pretendidas) aqui, na Itália e na França, veremos que constituem variações de um mesmo tema, por vezes com similitudes que impressionam. O trabalho intermitente, a criação de novas formas de contrato por prazo, a majoração da jornada (inclusive com redução de salário), a terceirização, a desconstrução das normas de proteção contra a despedida e o privilégio das normas coletivas em detrimento da lei (mesmo quando suprimem direitos) são as principais questões enfrentadas nessas três realidades tão diversas.

As normas processuais não escapam. A Itália está ultimando uma reforma muito parecida, em sua coluna vertebral, com o NCPC: incentivo à mediação e à conciliação, previsibilidade nas decisões, necessidade de reduzir o tempo e o número de processos em tramitação e o incentivo à completa informatização dos procedimentos. Tudo na linha das recomendações do Documento 319 do Banco Mundial. O problema é que na Itália, ao contrário do Brasil, as reformas atingem em cheio o processo do trabalho, que nada mais é do que um capítulo do Código de Processo Civil italiano. Aqui, ainda podemos resistir à aplicação das normas do CPC ao processo do trabalho.

Enquanto na Itália o desmanche quase completo do Direito do Trabalho já é realidade e na França está em vias de tornar-se, no Brasil ainda temos a chance de desviar o curso e preservar alguns institutos importantes para a regulação minimamente decente da exploração do trabalho pelo capital.

Esse panorama permite que lancemos duas conclusões parciais, sujeitas à análise mais profunda. A primeira hipótese é de que estamos enfrentando uma crise de instituições em que o próprio modelo de Estado tripartite revela traços de esgotamento. O exemplo do Poder Judiciário no Brasil é eloquente, pois cria suas próprias leis (as súmulas vinculantes) e o faz com autorização dos demais poderes, que não apenas permitiram a criação dessas súmulas com superpoderes, através da EC 45, como ainda, recentemente, concederam praticamente a mesma força a todas as decisões proferidas pelos órgãos de cúpula, através da redação de artigos como o 332 e o 927 do CPC. E, ao mesmo tempo em que a magistratura das altas cortes ganham um poder de tamanha dimensão, os juízes de primeiro e segundo graus veem esvaziadas suas atribuições e decididamente comprometida a sua independência. A perda da independência judicial implica o comprometimento da própria possibilidade de exercício da democracia.

É certo que podemos compreender essa crise como algo positivo, por conferir a possibilidade de superação do sistema que hoje adotamos. E também por permitir que reflitamos sobre a função do Direito do Trabalho e da Justiça do Trabalho, especialmente em nosso país.

Desse modo, chego a segunda hipótese. Parece-me que a resistência que no Brasil conseguimos exercer, e que certamente explica-se por fatores complexos, é de certo modo potencializada pela existência de uma Justiça do Trabalho.

A Justiça do Trabalho é o ambiente em que as normas fundamentais de proteção ao trabalho encontram espaço para serem exigidas, para serem respeitadas. Como bem observou Mozart Victor Russomano, em obra de 1956, a Justiça do Trabalho pressupõe o reconhecimento de que a racionalidade liberal do processo comum não serve de instrumento à realização de um direito que é ditado pela premissa de que a “fome não respeita prazos processuais”.

Note-se que, enquanto o Brasil tem Justiça do Trabalho, na Itália e na França o que temos são apenas varas especializadas dentro de uma mesma estrutura de poder, o que torna bem mais palatável a aproximação das normas de regulação da relação de trabalho com normas de direito civil, que partem de premissa inversa (de igualdade entre os “contratantes”).

É por isso que o corte orçamentário, que não disfarça o objetivo de sucatear e com isso acabar com a Justiça do Trabalho, tem especial gravidade no quadro de flexibilização do Direito do Trabalho e de retrocesso social que enfrentamos e que não é algo que decorre da nossa crise política ou econômica. É um fenômeno do mundo ocidental capitalista.

Suprimir esse espaço – é disso que se trata e é essa a consequência do corte de orçamento chancelado pelo STF – é retirar dos trabalhadores a possibilidade de exercício de sua cidadania, de exigência do respeito às normas constitucionais. Se isso importa para a manutenção da sociedade do capital, importa ainda mais para quem crê nas possibilidades de superação do sistema. Sem a garantia dos direitos sociais, dentre os quais sem dúvida o Direito do Trabalho figura como ator principal, não há como construir alternativas viáveis.

Essas alternativas dependem de pessoas que tenham tempo para ler, discutir, pensar, sonhar e agir para que as mudanças ocorram. É um equívoco pensar que fazer “terra arrasada” seja um caminho interessante para mudanças radicais. Pessoas sem trabalho, sem comida, sem casa, sem tempo e sem esperanças não constroem novos caminhos. Ao contrário, vivem para satisfazer suas necessidades fisiológicas. Reduzidos à condição de coisa durante o trabalho, tornam-se animais em luta pela sobrevivência no que resta de seu tempo de vida.

Hoje existem dois discursos que convivem nos ambientes de interpretação e aplicação do Direito do Trabalho. De um lado o discurso da fundamentalidade dos direitos sociais trabalhistas, que nada mais é do que o resgate da noção de proteção e o reconhecimento de que essa noção remete à preservação da dignidade de quem trabalha, através de garantias que devem ser sempre maiores para o trabalhador.

De outro, o discurso da flexibilização, que também é de certo modo a reedição de discursos antigos, sempre embalados pela mesma toada, de que os direitos trabalhistas atrapalham a economia, e que se reflete nessas alterações antes referidas. Ambos podem e já foram historicamente invocados como resposta possível à crise que hoje enfrentamos.

O que precisamos perceber é que o desmanche dos direitos trabalhistas e da Justiça do Trabalho não serve à estabilização da sociedade dentro dos padrões do capitalismo, nem aos trabalhadores ou aos empregadores que estão interessados em produzir e alavancar a economia brasileira. Também não serve a quem acredita na possibilidade de superação do sistema. A quem serve então? Não é uma resposta difícil. Mais do que respondê-la, porém, é indispensável que, nesse momento de franco retrocesso em relação a algumas conquistas sequer efetivadas (como a garantia contra a despedida arbitrária no Brasil), compreendamos a importância de preservar a Justiça do Trabalho, que precisa ter condições concretas de funcionamento, para continuar contribuindo para a realização do Direito do Trabalho e, com isso, para a criação de condições de mudança de uma realidade que já há algum tempo revela-se insustentável.

Valdete Souto Severo é juíza do Trabalho no Tribunal Regional do Trabalho da Quarta Região. Professora, Coordenadora e Diretora da FEMARGS – Fundação Escola da Magistratura do Trabalho do RS. Doutora em Direito do Trabalho pela USP/SP. Especialista em Processo Civil pela UNISINOS, Especialista em Direito do Trabalho, Processo do Trabalho e Direito Previdenciário pela UNISC, Master em Direito do Trabalho, Direito Sindical e Previdência Social, pela Universidade Europeia de Roma – UER (Itália). Especialista em Direito do Trabalho e Previdência Social pela Universidade da República do Uruguai. Mestre em Direitos Fundamentais, pela Pontifícia Universidade Católica – PUCRS. Pesquisadora do Grupo de Pesquisa Trabalho e Capital (USP) e RENAPEDTS – Rede Nacional de Pesquisa e Estudos em Direito do Trabalho e Previdência Social.

Todos dependem de todos

Compartilho artigo publicado no site materiaincognita.com.br. Embora seja um artigo antigo, ajuda a esclarecer a confusão em que estamos metidos neste nosso país desigual, preconceituoso e escravocrata.

Trata-se de uma observação de pequenos detalhes simples, do dia-a-dia, mas que ajudam a escancarar as mazelas de nossa sociedade.

Tomei conhecimento do texto que me foi compartilhado por amigo de Facebook. Acho que merece leitura atenta e reflexão. Nestes tempos de “surdos que gritam”, de fiéis que perseguem, de crentes que prendem e de preconceituosos ungidos, talvez um texto bem simples e claro faça algum efeito. Talvez …

Paulo Martins

“Algumas pessoas idealizam a Holanda como um lugar paradisíaco. Nada mais longe da verdade; as ‘terras baixas’ não são nenhum paraíso e têm diversos problemas. E nada, também, comparável ao que acontece com o Brasil e em relação ao resto do mundo, de uma maneira geral. Por isso, é tão didática (e deliciosa) essa narrativa de Daniel Duclos, o Daniduc, um ‘brazuca’ que vive por aquelas bandas.

LIMPE VOCÊ MESMO O SEU BANHEIRO

A sociedade holandesa tem dois pilares muito claros: liberdade de expressão e igualdade.

Claro, quando a teoria entra em prática, vários problemas acontecem. Há censura e desigualdade, em alguma medida, mas esses ideais servem como Norte na bússola social holandesa.

Um porteiro na Holanda não se acha inferior a um gerente. Um instalador de cortinas tem tanto valor quanto um professor “doutor”. Todos trabalham, levam suas vidas normalmente e cada profissão é tão digna quanto a outra.

Fora do expediente, nada impede de sentarem-se todos no mesmo bar e tomarem suas Heinekens juntos. Ninguém olha pra baixo e ninguém olha por cima.

A profissão não define o valor da pessoa – trabalho honesto e duro é trabalho honesto e duro, seja cavando fossas na rua, seja digitando numa planilha em um escritório com ar condicionado. Um precisa do outro e todos dependem de todos.

Claro que profissões mais especializadas pagam mais. A questão não é essa. A questão é “você ganhar mais porque tem uma profissão especializada não te torna melhor que ninguém”.

COXINHAS CONFUSOS

Profissões especializadas pagam mais, mas não muito mais. Igualdade social significa menor distância social: todos se encontram no meio. Não há muito baixo, mas também não há muito alto.

Um lixeiro não ganha muito menos do que um analista de sistemas. O salário mínimo é de 1.300 euros por mês. Um bom salário de profissão especializada fica de uns 3.500 a 4.000 euros mensais.

E ganhar mais do que alguém não torna esse alguém teu subalterno: o porteiro não toma ordens de você só porque você é gerente de RH. Aliás, ordens são muito mal vistas. Chegar dando ordens abreviará seu comando.

Todos ali estão em uma equipe, da qual você faz parte tanto quanto os outros, mesmo que a sua função dentro do time seja o de tomar decisões.

Esses conceitos são basicamente inversos aos conceitos da sociedade brasileira, fundada na profunda desigualdade.

Entre os brasileiros que aqui vêm para trabalhar e morar é comum – há exceções – estranharem serem olhados no nível dos olhos por todos. O chefe não te olha de cima e o garçom não te olha de baixo.

Brasileiros quando dão ordens ou ignoram socialmente quem tem profissão menos especializada do que a sua, ficam confusos ao encontrar de volta hostilidade em vez de subserviência. Ficam ainda mais confusos quando o chefe não dá ordens – o que fazer, agora?

DESCENDO DO PEDESTAL

Os salários pagos para profissões especializadas no Brasil conseguem tranquilamente contratar ao menos uma faxineira diarista, quando não uma empregada full time.

Os salários pagos à mesma profissão na Holanda não são suficientes pra esse luxo e é preciso limpar o banheiro sem ajuda – e mesmo que pague bem mais do que pagaria a um ajudante no Brasil, ele não ficará o dia todo a te seguir limpando cada poerinha sua, servindo cafezinho.

É assim: eles vêm, dão uma ajeitada e se mandam para cuidar de suas vidas fora do trabalho, tanto quanto você.

De repente, a ficha do que realmente significa igualdade cai: todos se encontram no meio e, pra quem estava no Brasil na parte de cima, encontrar-se no meio quer dizer descer de um pedestal que julgavam direito inquestionável – seja por mérito de ter “estudado mais” ou “meu pai trabalhou duro e saiu do nada” ou qualquer outra justificativa pra desigualdade.

Porém, a igualdade social holandesa tem um outro efeito que é muito atraente pra quem vem de uma sociedade profundamente desigual como a do Brasil: a relativa segurança.

IGUALDADE SOCIAL

É inquestionável que a sociedade holandesa é menos violenta do que a brasileira. Claro que aqui há violência – pessoas são assassinadas, há roubos. Nessa comparação, “menos violenta” não quer dizer “não violenta”.

O curioso é que aqueles brasileiros que queixam-se amargamente de limpar o próprio banheiro elogiam incansavelmente a possibilidade de andar à noite sem medo pelas ruas, sem enxergar a relação entre as duas coisas.

Violência social não é fruto de pobreza; violência social é colheita da desigualdade social.

A sociedade holandesa é relativamente pacífica não porque é rica, não porque é “primeiro mundo”, não porque os holandeses tenham alguma superioridade moral, cultural ou genética sobre os brasileiros, mas porque a sociedade deles tem pouca desigualdade.

Há uma relação direta entre a classe média holandesa limpar seu próprio banheiro e poder abrir um MacBook de 1.400 euros no ônibus sem medo.

VÁ LIMPAR SEU BANHEIRO!

Eu, pessoalmente, acho excelente os dois efeitos. Primeiro porque acredito firmemente que a profissão de alguém não tem qualquer relação com o valor pessoal. O fato de ter “estudado mais”, ter doutorado ou gerenciar uma equipe não te torna pessoalmente melhor que ninguém, sinto muito.

Não enxergo superioridade moral num trabalho honesto sobre outro, não importa qual. Por trabalho honesto não quero dizer “dentro da lei”, pois não considero honesto matar, roubar, espalhar veneno, explorar ingenuidade alheia, espalhar ódio e mentira, não me importa se seja legalizado ou não.

O quanto você estudou pode te dar direito a um salário maior mas não te torna superior a quem não tenha estudado – por opção, ou por falta dela. Quem seu pai é ou foi não quer dizer nada sobre quem você é. E nada, meu amigo, nada te dá o direito de ser o dono da cocada preta.

Um doutor que é arrogante e desonesto tem menos valor do que qualquer garçom que trata direito as pessoas e não trapaceia ninguém. Profissão não tem qualquer relação com valor pessoal.

Não gosto mais do que qualquer um de limpar banheiro. Ninguém gosta – nem as faxineiras no Brasil, obviamente. Também não gosto de ir ao médico fazer exames. Mas é parte da vida, e um preço que pago pela saúde.

Limpar o banheiro é um preço a ser pago pela saúde social. E um preço bastante barato, na verdade”.

Espantalho da esquerda com alma de pato da FIESP, por Laura Carvalho

No domingo passado (17), os economistas Marcos Lisboa e Samuel Pessôa malharam, com razão, o Judas da vez: a tal da Nova Matriz Econômica (NME).

Na entrevista em que criou o termo, em 2012, o então secretário de Política Econômica, Márcio Holland, enumerou os pontos de ruptura com as políticas vigentes entre 2006 e 2010: “Essa matriz combina juro baixo, taxa de câmbio competitiva e uma consolidação fiscal ‘amigável ao investimento'”, o que, junto à “intensa desoneração dos investimentos e da produção”, garantiria a retomada do crescimento.

Em seu artigo, Marcos Lisboa e Samuel Pessôa elencam 12 medidas que distinguiriam os governos petistas desde 2009, após a saída do ministro Palocci da Fazenda. Para não apagar da história o caseiro Francenildo, lembremos que a saída de Palocci se deu em 2006, quando se iniciou um momento ímpar na trajetória de crescimento do país, com forte expansão do emprego e diminuição das desigualdades salariais.

A periodização proposta pelos economistas maximiza a importância da NME –que prefiro chamar de Agenda Fiesp– e minimiza o que deveriam ser os pilares de uma política econômica bem-sucedida: investimentos públicos em infraestrutura física e social com estímulo ao mercado interno pela redistribuição da renda. Pilares que, em vez de fortalecidos por uma reforma tributária progressiva e políticas para a elevação da produtividade do trabalho e diversificação da estrutura produtiva, foram negligenciados a partir de 2011.

A expansão dos investimentos públicos desabou de 21,4% no segundo governo Lula para 0,5% no primeiro mandato de Dilma. Em 2015, caíram mais de 30%.

Pior, os economistas escolhem os materiais com os quais costuram um espantalho e, suprema injustiça, passam a chamar o boneco criado de “A Esquerda” ou “Os governos petistas”. Os autores têm toda a razão quando afirmam que “não há nada de social-democrata nessas medidas”. Só mesmo um espantalho da esquerda teria a alma de um pato da Fiesp.

Kant distingue o númeno, que designa a realidade considerada em si mesma, dos fenômenos, que tratam das coisas segundo nossos esquemas mentais.

O fenômeno “esquerda hetero- doxa” tratado pelos autores teria mesmo de ser malhado, por seu desprezo pela matemática e evidências empíricas e seu prazer mórbido pela inflação, contas públicas destrambelhadas, desonerações sem critérios, pedaladas fiscais ou erros no tratamento de juros, câmbio e preços administrados. Concordo com 7 entre as 12 críticas elencadas pelos autores do artigo. Três outros destaques nem sequer foram implementados.

Não posso, entretanto, deixar de registrar minha satisfação ao ler que “há, no Brasil, amplo consenso de que devemos construir um abrangente Estado de bem-estar social, à imagem dos vigentes na Europa continental, como sistematizado na Constituição de 1988 e referendado em todos os pleitos eleitorais posteriores”.

Em tempos de ataques ferozes à Constituição e de keynesianismo fisiológico de baixíssimo efeito multiplicador –só não inferior ao das vultosas despedaladas de 2015, que podem estar na origem dos resultados de Zeina Latif e Tatiana Pinheiro citados pelo autores–, um consenso como esse seria muito bem-vindo. Facilitaria, por exemplo, o enterro das desonerações, da famigerada PEC 241, e, quiçá, de nossa injusta estrutura tributária.

“Escola com antolhos”, projeto do governo usurpador

Compartilho post da amiga de Facebook, Mara Teles.

Também acho que a “Escola sem partido” é um projeto perverso e perigoso, pelos seus efeitos monstruosos que irão perpetuar-se. Atingirão o médio prazo e comprometerão nosso futuro, transformando-nos em um país refém da monocultura retrógrada dos  valores sociais estreitos e curvado a credos religiosos e filosofia política mesquinhos.

Nas escolas e nas universidades, precisamos exatamente o contrário disso:  precisamos da ampliação dos saberes, sem novos preconceitos e  dogmas. Sem novas teorias obscurantistas e medievais. Precisamos de liberdade de cátedra e de pesquisa. Não precisamos de censores políticos, religiosos ou de costumes. Não precisamos de moralistas cívicos. A escola e a universidade definham quando tentam fazê-las usar antolhos. No final, todos emburrecem.

Propõem a volta ao passado medieval e ficam por aí endeusando os milagres da inovação. Não precisa ser nenhum gênio para perceber que as peças desse quebra-cabeças  não encaixam. O “cérebro” do projeto “Escola sem partido”, por incrível que possa parecer, não sabe do que está falando, pois não frequentou por um tempo razoável qualquer escola. Nosso país perdeu o senso de ridículo. Qualquer um fala sobre educação e apresenta projetos estapafúrdios. Ainda bem que os saudosos Paulo Freire, Milton dos Santos e Anísio Teixeira não tiveram que aturar tanta ignorância.

Paulo Martins

Leia o post compartilhado:

“O memorial “Os sapatos às margens do Rio Danúbio”, feito de sapatos de bronze, fica em Budapeste, na Hungria, às margens do Danúbio. Uma homenagem aos judeus que durante a Segunda Guerra Mundial eram obrigados a retirarem seus sapatos, antes de pularem na água gelada. Antes, os fascistas pediam que eles removessem seus sapatos, já que este item era valioso na época. Em seguida, eram executados com um tiro na nuca. Os corpos caíam na água e eram levados pela correnteza. Os sapatos ficavam na terra, os corpos desapareciam. Há um tempo atrás, fiz com minha filha um cruzeiro em Budapeste, no Rio Danúbio, e naveguei sobre restos de corpos que jamais foram encontrados. Hoje eu despertei me lembrando muito deste memorial. Eu tenho navegado muito sobre mortos e voado sobre países que exterminaram povos. Quito me fez mal físico: é a capital de um país em cujo litoral se encontrou o maior e mais antigo cemitério indígena do continente. Esse contato com a violência e com a crueldade é, contudo, necessário: um país sem memória repete seus erros. Não há memória no Brasil. Quando ela existe, ela é chamada de “Doutrina”. O projeto de “Escola sem Partido” não quer eliminar a “ideologia” nem a “doutrinação”: ele quer eliminar a memória, a política e a história. É do meu ponto de vista o projeto mais perverso que circula neste país que, antes de ser uma promessa de Gigante, aprende a ser nanico dia a dia. E sua pequenez não vem só dos seus políticos: vem também de parte de uma classe média letrada e de grupos religiosos, que preferem deliberadamente esquecer. O Brasil é um país cruel. Não há um pingo de bondade nestes dias nas instituições e nas pessoas que querem promover o esquecimento. Quem quer esquecer a violência, os conflitos e a crueldade quer apenas voltar a praticar a violência”.

É golpe: análise completa e definitiva confirma, por Pablo Holmes

Por que foi um golpe.

Por Pablo Holmes*

É adequado chamar de ‘golpe de estado’ a deposição da Presidenta[1] da República Federativa do Brasil, ocorrida em maio de 2016? Ou a expressão deve ser dispensada de plano, como mera manifestação ideológica sem qualquer significado? Essa questão fundamental certamente estará por muito tempo presente na história política brasileira, marcando toda uma geração. Mas será mesmo fácil respondê-la?

Pensamos que é necessário, primeiramente, levar a sério a pergunta, se queremos respondê-la com sobriedade, seja positiva ou negativamente. Dispensá-la de antemão significa nada menos que uma decisão ideológica prévia, normalmente a atitude dos que apoiaram cegamente a deposição.

Afinal de contas, a palavra golpe foi utilizada não apenas pelos setores da sociedade que apoiavam a presidenta deposta. Além de setores da oposição ao governo, importantes e insuspeitos veículos de imprensa, como jornais reconhecidamente liberais, publicaram artigos e reportagens em que a palavra golpe foi utilizada para se referir aos acontecimentos no Brasil. Sem falar em jornais como o New York Times que, mesmo sem usar a palavra, referiu-se ao impeachment, em forte editorial, como um mecanismo com frágeis bases jurídicas, articulado por políticos sabidamente corruptos, para depor uma presidenta que não havia cometido crimes.

O Tagesspiegel, veículo que nem de longe pode ser chamado “esquerdista”, chegou a dizer que não importavam mais os motivos,“as elites econômicas, o conglomerado Globo e a classe alta branca querem que Dilma saia”, de modo que “não seria exagerado falar em um golpe frio” no Brasil. O Zeit, um dos mais importantes jornais alemães, de conhecida inclinação liberal e de centro-direita, chamou a deposição presidencial de “o complô de Brasília” (das Brasilia-Komplott).

O Guardian, dos mais importantes jornais do mundo, publicou vários artigos em que articulistas tratavam o impeachment como um golpe em curso, arquitetado por grupos econômicos de mídia e setores da oposição que haviam perdido as eleições. E, em editorial, o jornal afirmou que o impeachment era um paradoxo, pois a “presidenta não havia sido implicada no escândalo da Petrobrás” e “os fundamentos para seu impeachment” eram nada menos que o padrão de comportamento de todos os governantes no Brasil.

Vários outros jornais seguiram a mesma linha de raciocínio. E alguns entre os mais importantes jornais alemães, suíços, austríacos e espanhóis utilizaram a palavra golpe para descrever os acontecimentos. O El País, mais importante diário espanhol, chegou a afirmar, também em editorial, que a presidenta teria sido deposta por um “processo irregular”. E jornais norte-americanos, como o Washington Post, entre outros, chamaram a atenção para o fato de que o processo de impeachment era extremamente frágil e preocupante diante do longo passado de golpes do país.

Também diversas organizações internacionais usaram a palavra golpe para se referir aos fatos. Em vista da longa história de golpes e rupturas democráticas da América Latina, instituições como a CEPAL (ONU) e as secretarias gerais da OEA e da UNASUL expressaram suas fortes dúvidas sobre a legalidade do processo. E até mesmo o governo conservador da Argentina levantou a hipótese de que o impeachment era uma ruptura democrática capaz de ocasionar a suspensão do Brasil do MERCOSUL.

Por fim, também o Papa Francisco revelou temor de que estivesse a acontecer no Brasil o que ele chamou de “golpe de estado branco”.

Apesar disso, os que apoiaram a deposição da presidenta no Brasil insistem em que a palavra golpe é inaplicável. E até mesmo ministros do Supremo Tribunal Federal difundiram o argumento de que falar em golpe seria uma ofensa às instituições, um gravíssimo erro.

Mas o que é um golpe? Será mesmo que o uso da palavra à situação brasileira é assim tão absurdo como alguns querem fazer crer?

O que é um golpe?

De fato, pode ser um problema banalizar o uso da palavra golpe, utilizando-a em toda e qualquer ocasião como sinônimo de “deposição” de líderes eleitos. Perder-se-ia, assim, a especificidade do termo, levando-se a uma banalização que o poderia fazer coincidir com formas legítimas de mudança de governo. Afinal de contas, há mecanismos constitucionais e legais de deposição presidencial. Faz-se então necessário um esclarecimento do significado da palavra, sobretudo em seu contexto político contemporâneo.

Uma definição vernacular mais simples aponta que um ‘golpe de estado’ ocorre quando há uma mudança de governo realizada sem participação popular. O Dicionário Houaiss, por exemplo, define o golpe de estado como a “tomada inesperada do poder governamental pela força e sem a participação do povo”. Ou ainda como o “ato pelo qual um governo tenta se manter no poder além do tempo previsto”.

Uma análise mais cuidadosa, porém, demonstra que essa definição é um tanto pobre e mesmo insuficiente. E um olhar para a história do conceito certamente pode lançar luzes sobre seu significado.

Com efeito, a história do conceito de coup d’etat parece indicar que, em sua origem, a locução se refere a arranjos ou atos governamentais para a manutenção do poder. Foi neste sentido que Gabriel Vaudé se referiu ao conceito em 1639, em um dos primeiros registros de uso do termo. Ele menciona a noção de coup d’etat quase como sinônimo de razão de Estado (raison d’etat), significando por exemplo a eliminação de adversários como forma de manutenção do poder pelos governantes. Apenas posteriormente, a palavra francesa ficou associada à tomada do poder estatal por algum grupo político. Na língua alemã, por outro lado, a palavra de origem suíça Putsch tem o registro mais antigo em 1431. Com o passar do tempo ela se tornou, porém, em grande medida equivalente à expressão francesa coup d’etat, servindo para designar “a tomada do poder direta por setores minoritários, sem a participação popular”.

Contemporaneamente, a definição de golpe parece ter incorporado definitivamente um significado jurídico-constitucional. Nesse sentido, a enciclopédia francesa Larousse define o golpe de estado como uma “violação deliberada das formas constitucionais por um governo, uma assembleia ou um grupo de pessoas que detêm autoridade”.

Historicamente, não há nenhuma implicação direta entre o uso do termo golpe de estado e o recurso à violência. Bem ao contrário. Tanto definições vernaculares como os exemplos utilizados para ilustrá-las dizem respeito a mudanças de governo sem a participação popular, com ou sem o uso de violência. Isso aponta para o fato de que uma definição técnico-teórica mais cuidadosa teria de levar em conta que golpes de estado podem tomar as mais diversas formas.

Essa é aliás a intuição básica do conhecido Dicionário de Política organizado por Norberto Bobbio, Nicola Matteucci e Gianfranco Pasquino. Ali, o autor do verbete lembra que o “significado da expressão ‘golpe de estado’ mudou com o tempo”, manifestando-se o fenômeno, nos nossos dias, de formas bem diversas do que se manifestava no passado, seja no que diz respeito aos atores que o praticam como também ao modo como se realiza. Segundo o autor, “apenas um elemento se manteve invariável, apresentando-se como um traço de união entre estas diversas configurações: o golpe de estado é um ato realizado por órgãos do próprio Estado”.[2]

Nesse sentido, ainda segundo o léxico, é importantíssimo esclarecer que nem todo golpe é necessariamente um golpe militar, sendo este apenas uma espécie do gênero golpe de estado. Golpes de estado podem certamente ser realizados por militares. Mas podem também ser levados a cabo por outros setores. Essencial é, porém, segundo o dicionário, que ele seja perpetrado por atores vinculados ao próprio aparato do Estado, sejam eles do executivo, legislativo ou judiciário (ou, por que não, ministério público).[3]

Isso distinguiria o golpe de estado também de uma revolução. O primeiro consistiria em uma ruptura com a ordem constitucional realizada por membros da ordem política estatal para a tomada do governo sem que necessariamente estivesse implicada uma transformação das relações sociais mais estruturais da sociedade. Em revoluções, por seu turno, seriam necessárias mudanças profundas, normalmente envolvendo amplos setores sociais e, portanto, transformações para além das estruturas de governo.

Nesse sentido, afirmar que a deposição de um mandatário eleito não pode ser golpe por ter sido chancelada pelo legislativo ou pelo judiciário, em lugar de afastar a possibilidade de uso do termo, confirma a possibilidade mesma de que ele seja utilizado. Em outras palavras: um golpe só é um golpe, se for perpetrado por algum órgão do Estado.

Importante dizer, nesse sentido, que países como o Brasil estão entre aqueles que estiveram mais expostos a golpes de estado em sua história. Aliás, modelo estatístico de previsão produzido a partir de ampla base de dados sobre a história dos golpes de estado no mundo colocava o Brasil entre aqueles países mais sujeitos a um golpe de estado no ano de 2015.

image

forecast-heatmap-20151
E a ideia de que manifestações populares de oposição podem servir como gatilho para a detonação de golpes de estado por elites políticas e econômicas encontra forte apoio em evidências. Nesse sentido, contextos políticos em que elites políticas e econômicas detêm muito poder e veem o surgimento de algum apoio popular, mesmo que pequeno, em favor de uma mudança de regime, sobretudo na forma de protestos de rua, são, segundo a literatura especializada, altamente propícios para a eclosão de golpes.

Isso nos leva finalmente ao ponto fundamental. A deposição da presidenta Dilma Roussef foi um golpe de estado?

Golpe ou impeachment?

Como dissemos acima, a participação do congresso e do judiciário em um processo de deposição não exclui, de modo algum, a possibilidade de uso da expressão golpe para designar a mudança de governo. Em verdade, a existência de interferência clara de órgãos do próprio Estado é inerente à própria definição de golpe.

Por outro lado, o argumento básico para negar que houve um golpe de Estado no Brasil é o de que o impeachment é instituto processual previsto no art. 86 da Constituição Federal e que, portanto, a sua aplicação jamais poderia ser considerada um golpe de estado. O cumprimento de procedimentos formais afastaria, assim, a possibilidade de uso da palavra ‘golpe’ para descrever a deposição de um mandatário.

Para além da falácia de petição de princípios (petitio principii), há nesse argumento uma outra falha fundamental.

Primeiramente, quem alega que não haveria golpe, porque cumprido o procedimento, não faz mais do que afirmar com a conclusão sua própria premissa inicial. É, afinal, uma tautologia – e toda petição de princípios é tautológica – afirmar que “não há golpe,” se “não há golpe”. E exatamente nisso consiste a afirmação de que o impeachment constitucional não é golpe de estado, pois respeita a constituição.

Ora, se um procedimento judicial é obedecido à risca, mas a sua condução, a formação da vontade dos julgadores e as suas motivações não têm qualquer justificativa compatível com as suas condições formais e materiais, sendo apenas resultado de decisão política no interesse de um grupo particular, este será nada menos que um procedimento aparente (Scheinverfahren).

Imaginemos, por exemplo, que um senador articulasse, com autorização do Vice-Presidente da República, um acordo que envolvesse juízes da suprema corte, setores das forcas armadas e parlamentares, para aprovar uma emenda que autorizasse a aplicação da pena capital ao Presidente da República brasileiro.

A emenda, claramente inconstitucional, poderia ser aprovada pelas duas casas do congresso e, logo depois, confirmada em sua constitucionalidade pela corte suprema. Assim, seguindo todos os ritos formais e procedimentais a corte poderia argumentar, por exemplo, que estaríamos a assistir a uma mutação constitucional a autorizar uma interpretação confirmatória de tal emenda, à revelia do art. 5°. Estaríamos nesse caso assistindo a um golpe de Estado ou a um legítimo processo autorizado pelos legítimos intérpretes da constituição? Os defensores cegos de que o “procedimento formal” legitima tudo estariam obrigados a afirmar que não haveria golpe, mas sim uma “mudança constitucional”.

Não gostaria de retomar aqui longos argumentos acerca da aplicabilidade do impeachment ao caso em curso. Em artigo escrito em coautoria, ainda em setembro de 2015, apontamos as dificuldades para a comprovação de existência de crime de responsabilidade contra a presidenta Dilma Roussef.

Em parecer aprofundado, Marcelo Neves também apontou a inexistência de crime de responsabilidade, seja por conta da ausência de ato atentatório à constituição, seja graças ao fato de que o processo de impeachment aberto contra a presidenta se baseava em atos aprovados pelo congresso (decretos de abertura de crédito orçamentário). Além disso, segundo o autor, o processo em curso no parlamento dizia respeito ao exercício de 2015, cujas contas ainda não haviam sido sequer julgadas. Nem pelo TCU – órgão meramente consultivo – nem pelo congresso, a quem cabe sua a aprovação ou reprovação (art. 49, IX, CF).

Com efeito, o próprio relator das contas presidenciais de 2014 no Tribunal de Contas da União afirmou à imprensa, numa clara violação do princípio da isonomia, que seu relatório seria pela reprovação (repito das contas de 2014, que não eram o objeto do processo de impeachment, que tratava das contas ainda não apreciadas de 2015) graças à impopularidade da presidenta. Algo que, segundo ele, jamais aconteceria com um presidente popular como Lula, por exemplo.[4]

A pergunta sobre existência de um golpe de estado no Brasil não pode se limitar contudo à questão jurídica acerca da existência do crime de responsabilidade. Segundo a definição que vimos acima, para que exista um golpe é necessário que haja a conspiração de um grupo político, majoritário ou minoritário socialmente, para a tomada do poder com uma ruptura da legalidade, com ou sem o uso da força. Finalmente, teríamos visto um golpe acontecer no Brasil?

O golpe de 2016 no Brasil

A história da deposição da presidenta Dilma Roussef não pode ser contada sem que seja mencionado, inicialmente, o fato de que amplos setores da oposição não aceitaram os resultados das eleições de 2014.

Já em novembro de 2014, antes mesmo da posse da presidenta eleita e do aprofundamento da crise econômica, setores oposicionistas exigiam a sua saída. A radicalização oposicionista tomava forma tão virulenta que sinalizava claramente a impossibilidade de um diálogo: os resultados eleitorais não seriam suficientes para fazê-los aceitar o governo eleito. E o que era uma posição de setores mais radicais se tornou ao longo de 2015 a posição oficial e explícita da oposição parlamentar.

image

foto-intervencao-militar-sp

Protesto em São Paulo, 06/12/2014

O agravamento da crise econômica, ao longo de 2015, foi associado aos explosivos desdobramentos da operação Lava-Jato que atingiam diretamente os partidos da base do governo, principalmente o PP, o PMDB e o PT. Acuado pelas ameaças de cassação de seu mandato, depois da revelação de que era beneficiário de várias contas na Suiça, o Presidente da Câmara, Eduardo Cunha, aceitou o pedido de impeachment formulado por advogados ligados ao PSDB em dezembro de 2015. O ato de aceitação se deu um dia depois que o partido do governo decidiu votar favor da abertura de processo de cassação contra ele no conselho de ética da Câmara dos Deputados.

O procedimento de impeachment cumpriu, de fato, formalidades – embora elas também sejam objeto de profundas dúvidas.[5] Ele foi albergado por uma série de controversas decisões do Supremo Tribunal Federal. A primeira delas apenas definiu o rito procedimental.[6] Outras, contudo, mostraram que o STF não interferiria de modo algum no curso do processo. Na ADI 5.498/DF, o Tribunal se negou a considerar possíveis ilegalidades durante a votação, como a ordem de votação e a orientação por bancadas. E, no mandado de segurança n. 34.130/DF, o STF negou o pedido da anulação da votação do relatório da comissão na Câmara. Nesse caso, a defesa alegava que a comissão havia aceitado apenas dois dos três pontos da peça acusatória. Apesar disso, o Dep. Jovair Arantes fez conter todos os três pontos em seu relatório, o que houvera impossibilitado a defesa de enfrentar todas as alegações.

Esses e outros problemas fizeram com que muitos acusassem o tribunal de certa conivência com o processo de deposição. E as suspeitas sobre a existência de um golpe de estado em curso só aumentaram. Não sem razões.

Primeiramente, viu-se uma cadente trajetória no respeito à legalidade por parte de agentes públicos responsáveis pela operação Lava-Jato. Violações claras de direitos foram perpetradas. Segundo gravações divulgadas pela imprensa, o Ministério Público constrangeu abertamente testemunhas, com a prática ilegal de ameaças para que praticassem delações. Um juiz de primeira instância violou inclusive o sigilo telefônico presidencial e, mesmo consciente de que havia gravado conversas da presidenta e que, portanto, tinha obrigação legal de enviá-las para o STF, decidiu vazar ilegalmente seu conteúdo para conhecida empresa de comunicação. Como apontou Marcelo Neves, tratou-se aqui de claro ato criminoso, previsto como tal na legislação penal.

A comoção política causada pelas seguidas fases da operação, que envolviam políticos corruptos de vários partidos, facilitaram por outro lado uma mobilização social que possibilitaria uma conspiração de elites econômicas e políticas para a derrubada da presidenta.

Com efeito, segundo o jornal Estado de São Paulo, a deposição da presidenta foi objeto de cuidadoso preparo. Em reportagem publicada um dia antes da votação sobre o juízo de admissibilidade na Câmara, o diário apontava que:

Durante um ano, entre abril do ano passado e este abril, dito o mais cruel dos meses, o deputado federal Heráclito Fortes (PSB-PI) reuniu, em sua casa do Lago Sul, à média de dois jantares por mês, um grupo de parlamentares da oposição, experientes e/ou influentes, para discutir a crise político-econômica e, principalmente, o impeachment da presidente Dilma Rousseff.[7]

Segundo a reportagem, esses encontros – regados a vinhos caríssimos, pelos quais, nas palavras do então deputado e depois ministro interino Mendonça Filho, os convivas jamais poderiam pagar – serviam para discutir as várias opções para a deposição da presidenta. O mais ilustre dos convidados foi, segundo os próprios participantes, o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal e ex-ministro da defesa Nelson Jobim, que havia sido o responsável por “aprofundar a compreensão técnico-jurídica das possibilidades do impeachment – e sua formatação política em diversos cenários”.[8]

A mobilização de setores da oposição durante meses para um grande ato público marcado para o dia 13 de março de 2016, com forte apoio das principais empresas de comunicação (inclusive aquelas com conhecido passado de apoio a golpes de estado), foi fundamental para facilitar as articulações de gabinete em favor da deposição. Importante dizer que esses movimentos de rua eram diretamente financiados por recursos dos partidos de oposição, provenientes do fundo partidário ou, possivelmente, de recursos também ilícitos. Afinal de contas, um dos apoiadores mais importantes era o deputado Eduardo Cunha.

Poucos dias antes das grandes manifestações, em 9 de março, um jantar com apenas nove homens na casa de um senador da oposição selou o futuro da presidenta. O partido do Vice-Presidente da República passaria a articular abertamente o apoio congressual ao impeachment juntamente com o grupo que há mais de um ano conspirava pela mudança do governo.

No dia 05 de abril, o Vice-Presidente se afastou da presidência de seu partido, e o senador Romero Jucá, também investigado pela Lava-Jato, tornou-se presidente do PMDB. A partir de então, Jucá era o principal articulador autorizado a agir em nome do Vice-Presidente, fazendo acordos e oferecendo cargos – como amplamente noticiado por jornais, TVs e websites. Ele era o responsável por negociar os mais diversos benefícios em um futuro governo em troca de apoio para a aprovação do impeachment no congresso.

Mas também o Vice-Presidente conspirava abertamente pela derrubada da presidenta, como ficou evidenciado com o vazamento supostamente involuntário do já célebre “ensaio” de discurso de posse.

image
A votação da autorização para abertura do processo de impeachment na Câmara dos Deputados, no dia 17 de abril, foi um capítulo à parte. Não apenas por ter sido o palco de exóticas e esdrúxulas manifestações de narcisismo e idiossincrasias pessoais e familiares, aliás ridicularizadas mundialmente. Tampouco por ter demonstrado o baixo preparo dos parlamentares para o exercício de suas responsabilidades. Ali se tornou, afinal, patente que o processo de impeachment não tratava de modo algum da apuração do cometimento de crimes de responsabilidade, mas apenas de uma decisão política: ele era nada menos que um acordo de elites políticas para a derrubada da presidenta da república.

Depois que a presidenta foi afastada, no dia 11 de maio de 2016, graças à aceitação do processo pela maioria do senado, parecia que a consumação do impeachment se daria de forma tranquila. E o argumento de que a deposição havia sido um golpe perderia força.

O novo governo foi composto em grande parte pelos setores da oposição que perderam as eleições – com ampla participação, inclusive, dos parlamentares que participavam dos jantares conspiratórios do Deputado Heráclito Fortes. Todos colocados, aliás, em cargos chave da administração. Desse modo, realizava-se uma transição não eleitoral de governo, aparentemente legitimada por um procedimento formalmente hígido do ponto de vista jurídico.

image

Almoço entre Ministro do Supremo, senador oposicionista e atual chanceler interino e conhecido economista da oposição, 16/03/2016

Mas as revelações feitas no dia 23 de maio causaram uma reviravolta sem precedentes no curso do processo, com profundos danos para a versão difundida pelo novo governo. A plausibilidade do argumento de que o impeachment seria um mecanismo regular de alternância de poder foi definitivamente arruinada.

Em gravações feitas sem seu consentimento em março de 2016 – ou seja, no auge das articulações para abertura do processo -, o presidente do PMDB, Senador Romero Jucá, fazia explícita referência à conspiração organizada e acordada (em um “pacto”) com os mais altos órgãos do Estado brasileiro em favor da deposição da presidenta Dilma Roussef.

Nos áudios divulgados pela Folha de São Paulo, Jucá conversava com interlocutor preocupado com a possibilidade de ser atingido pela Operação Lava-Jato, fazendo afirmações surpreendentes:

“Conversei ontem com alguns ministros do Supremo. Os caras dizem ‘ó, só tem condições de [inaudível] sem ela [Dilma]. Enquanto ela estiver ali, a imprensa, os caras querem tirar ela, essa porra não vai parar nunca’. Entendeu? Então… Estou conversando com os generais, comandantes militares. Está tudo tranquilo, os caras dizem que vão garantir. Estão monitorando o MST, não sei o quê, para não perturbar.”

Ora, não é possível afirmar que o senador, presidente do partido do Vice-Presidente, notório articulador do impeachment, participante das reuniões da oposição organizadas para discutir a deposição da presidenta e tornado um dos mais importantes ministros do governo interino pudesse ser um ator secundário, irresponsável e irrelevante em tal trama.

Como apontou o Guardian, em reportagem publicada no mesmo dia, tais revelações trouxeram à tona “os motivos ambíguos e a natureza maquiavélica” da armação arquitetada para derrubar a presidenta Roussef. Segundo o Zeit, alemão, o governo interino seria composto por um “bando de gangsteres” (eine Gangsterbande), que articulou “deputados, senadores e vários membros das mais altas cortes judiciais, para paralisar investigações contra si”, depondo a presidenta da república.

Se um golpe de estado consiste, segundo a definição que apreciamos acima, na tomada do poder com a violação de regras constitucionais e sem a participação popular, por meios violentos ou não, o processo de impeachment da presidenta Dilma Roussef deve ser necessariamente analisado sob nova perspectiva.

Em verdade, o que se pode perceber é que houve uma articulação consciente e planejada para derrubar um governo eleito, fazendo-se uso de meios completamente ilegais. A distribuição de vantagens, a ocupação de cargos e, sobretudo, a promessa de paralisação de investigações capazes de incomodar políticos acusados de corrupção foram os instrumentos encontrados pelos grupos conspiradores, todos detentores de altos cargos no legislativo e no judiciário, para derrubar a presidenta. Tudo isso em benefício de grupos que usufruiriam do poder e tentariam se livrar de investigações, algo extremamente relevante num parlamento em que grande número de membros responde a processos.

Por fim, tratou-se de uma deposição presidencial tramada por um Vice-Presidente e um senador que foi flagrado propondo explicitamente a deposição da presidenta como a melhor solução para limitar as investigações contra si e seus aliados.

Segundo Romero Jucá, a queda da presidenta seria o resultado de um “pacto” que incluiria juízes da suprema corte e o assentimento de setores das forças armadas, numa votação decidida por acordos partidários no congresso, sem o consentimento de eleições populares e livres. Segundo o senador, inclusive “já havia caído a ficha” do principal partido de oposição, o PSDB, de que a deposição era um imperativo para paralisar a “sangria” ocasionada pela Lava-Jato, que logo o atingiria.

A consumação do golpe confirmou aquilo que eram apenas ilações: vários dos ministros interinos nomeados estavam envolvidos na Lava-Jato e em outros escândalos de corrupção. E o mais importante: a maioria deles havia participado diretamente dos convescotes e articulações conspiratórias para depor a presidente.

Por fim, resta difícil negar que, nesse caso, o particular se subsume no universal, que a realidade representa de forma perfeita o conceito. Em outras palavras, é muito difícil não perceber que os acontecimentos representam de maneira exemplar a definição mais básica de golpe de estado.

E, assim, o ônus argumentativo está definitivamente invertido. Do ponto de vista histórico, cabe aos que defenderam o golpe demonstrar que ele não existiu. Pois, desde uma perspectiva teórica, prática, fática e mesmo lexical, o que vimos acontecer no Brasil, entre abril e maio de 2016, foi um clássico golpe de estado.

  • Pablo Holmes é bacharel e mestre em direito pela UFPE, doutor em sociologia pela Universidade de de Flensburg (Alemanha) e Professor no Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília. É editor do http://www.criticaconstitucional.com.br

[1]Sobre o uso da forma presidenta, faço deferência a meu escritor preferido em língua portuguesa, Machado de Assis, que preferia a forma presidenta, utilizando-a em obras como Memórias Póstumas de Brás Cubas. Aliás, essa é a forma mais antiga registrada na língua.
[2] Carlos Barbé, Golpe de Estado. In: Norberto Bobbio et al. Dicionário de Política. Brasília, UnB, 2010, p. 545.
[3] Idem, p. 546.
[4]Folha de São Paulo, Painel, 31/05/2015.
[5]Em diferentes decisões, a Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou Equador e Peru por realizarem processos de impedimento em que os parlamentares anteciparam seus votos e seguiram orientações da bancada, exatamente como se deu no caso brasileiro. Segundo o argumento da corte, como julgadores, eles não poderiam ser orientados pelo líder da bancada, senão que deveriam seguir seu livre convencimento acerca do processo. Ver: Tribunal constitucional vs Peru, 2001 e Tribunal Constitucional vs. Ecuador, 2013.
[6] ADPF 378/DF, Rel. Edson Fachin.
[7]Estado de São Paulo, Política, 16 de Abril de 2016.
[8]Ibidem.

Uma ponte para o atraso

Uma ponte para o atraso
BLOG 14 DE JULHO DE 2016 CARLOS PINKUSFELD

Publicado em Excedente –
Grupo de Economia Política IE-UFRJ

O futuro, no vocabulário político, representa não apenas uma referência temporal que segue o momento presente, mas incorpora um valor positivo de esperança e superação das falhas e problemas do passado.

Não surpreende que o nome do projeto econômico apresentado pelo PMDB como sua credencial para opção política ao governo do PT tenha adotado o termo, como o ponto de chegada de uma “ponte” sobre a profunda crise do presente.

O programa tem como sua peça de resistência uma série de propostas para resolver uma suposta “grave crise fiscal” refletida inicialmente no déficit nominal elevado de 2016, que se origina na própria recessão/queda das receitas e elevados juros nominais, e no indicador de dívida bruta. Entretanto, parte do documento é dedicada a identificar problemas estruturais, ou seja, uma tendência de elevação persistente do dispêndio que causaria efeitos negativos sobre a economia no longo prazo. A recente, e verdadeira, tragédia grega exemplifica bem tal situação.

Há um número muito grande de críticas que podem, e devem, ser feitas a vários pontos específicos do texto: a própria escolha dos indicadores déficit nominal e não operacional; a escolha da dívida bruta e não líquida; as hipóteses subjacentes tanto do funcionamento da economia capitalista e de seu processo de acumulação quanto das suposições de política econômica subjacentes às projeções de evolução do gasto, entre outras.

Entretanto, mais além de enumerar tais questões de fundo, ou os aspectos estruturais, há no texto uma ausência de clara distinção entre as políticas de ajuste estrutural e as dificuldades de curto prazo. Em nenhum ponto, claramente, se estabelece que um suposto processo de consolidação fiscal estrutural se sujeitaria à superação da forte recessão corrente. Em outras palavras, não se diz claramente que no curto prazo um processo de consolidação (ajuste) fiscal só jogaria a economia em uma espiral deflacionária com uma deterioração de indicadores de déficit e dívida.

Alinhado com a ortodoxia fiscal o restante das propostas sugerem mais abertura, mais privatização e menos ênfase na integração regional Sul Americana. Assim, as linhas gerais do programa são uma lista de propostas liberais, o que suscitou rápida reação dos críticos sugerindo que a ponte para o futuro mais parece um retorno ao passado dos anos 1990.

Cabe uma observação geral sobre o contexto de tal proposta: definitivamente a segunda década do século XXI não são os anos 1990. Há muito que o neoliberalismo no cenário internacional perdeu seu brilho como modelo inconteste, a única opção racional do famoso acrônimo TINA (there is no alternative – não há alternativa) de Margareth Tatcher.

Exemplos desta rebelião intelectual não faltam.

O economista Piketty lançou em 2013 seu best seller, O Capital no Século XXI, no qual alertava para uma das graves consequências da era neoliberal, inaugurada no mundo nos anos 1980, o crescimento da concentração de renda, especialmente nos EUA. Independentemente dos problemas teóricos do modelo de Piketty, seu extraordinário trabalho empírico revela um fenômeno social grave cujos reflexos atuais na política, tanto dos EUA quanto da Europa, são inquietantes.

Não só os críticos mais à esquerda vêm atacando o outrora intocável dogma neoliberal. Um autor de insuspeitas credenciais ortodoxas como Lawrence Summers acredita que o baixo crescimento mundial recente pode ser caracterizado como uma “estagnação secular”. A explicação é bastante ortodoxa: a existência de uma taxa natural de lucros, que equilibra a poupança e investimento de pleno emprego, muito reduzida que torna a política monetária ineficiente. Entretanto, a consequência de tal suposição em termos de política econômica é muito relevante.

Primeiramente, a ineficiência da política monetária implica na necessidade de uma política fiscal expansionista, uma crítica direta às políticas de consolidação fiscal, recentemente aplicadas nos EUA e Europa. Infelizmente, a mesma fé irracional em “fadas da confiança”, que se materializariam em períodos de contracionismo fiscal tornando-os expansionistas, alentou o sonho das políticas iniciais do governo Dilma II, sob o comando de Joaquim Levy, e que acabaram por virar o pior pesadelo da presidenta.

É importante observar que ao definir o problema do crescimento como falta de demanda efetiva, Summers critica as abordagens neoclássicas cujo foco de análise está na questão da oferta, ou seja, na busca da liberdade para a as forças de mercado a fim de garantir o maior crescimento possível. Nesse caso estão as tradicionais “reformas estruturais” que quase sempre incluem uma maior flexibilidade no mercado de trabalho que permita a queda do salário real visando aumentar o emprego.

Para Summers (2015), “Structural reform has been tried for many years in Europe, which is now likely approaching its third recession. It is not even clear that this reform works in the right direction. If supply increases without a concomitant demand increase, deflationary pressure increases.”(p. 63)

Finalmente, outra fonte insuspeita de crítica à ortodoxia neoliberal vem do artigo escrito por economistas do FMI (Ostry, Loungani, Furceri, 2016) no qual reconhecem os problemas para o crescimento de economias de uma conta financeira totalmente desregulada, especificamente no que diz respeito aos fluxos de capital de curto prazo e, assim como Summers, a excessiva fé nos efeitos positivos em consolidações fiscais (políticas contracionistas com o objetivo de reduzir a relação dívida/PIB).

Os autores reconhecem que consolidações fiscais levam a maior desemprego e desigualdade. Esta última por sua vez seria um fator, lembrado por Piketty, que reforçaria o baixo crescimento.

Então, por que estaria o Brasil na contramão de representantes mesmo do mainstream? Seria em razão da ponte para o futuro se espelhar num passado de glórias?

Por mais que certos setores da imprensa e dos economistas ortodoxos pretendam pintar a década de 2000 como uma terrível regressão frente a um cenário muito favorável deixado pelos governos do PSDB, os dados não confirmam tal fantasia.

A taxa média de crescimento destes dois governos conseguiu ficar em um nível ainda mais baixo que a média do período de crise da dívida e hiperinflação (1982 a 1994). Raras vezes se acumulou tão pouco capital como então: a taxa média de investimento sobre o PIB caindo cerca de 4% utilizando-se a mesma comparação anterior, ou seja, a formação de capital, a criação de nova capacidade produtiva se contrai fortemente no período, e como se sabe é esta nova capacidade que permite a generalização do progresso técnico e os ganhos de produtividade. Não deixa de ser curioso a crítica tão forte dos economistas liberais a um suposto modelo de estímulo ao consumo na primeira década de 2000 quando a formação bruta de capital no período foi superior ao da anterior.

Não surpreende, então, que a taxa média de desemprego em 2002 tenha sido de 11,7%, enquanto a taxa média de 2015, mesmo depois da desastrosa política contracionista recessiva deste ano, foi de 7,1%.

Entretanto, uma volta ao passado levanta outras questões quanto à aposta em um receituário que já não foi bem sucedido.

O projeto de privatização parece sinalizar para a continuação de concessões na área de infraestrutura, o que não representa nenhuma mudança radical com a política corrente. Mais especificamente é quase impossível entender como “privatizações” nas áreas de saneamento, por exemplo, possam contribuir para ganhos de produtividade generalizados da economia.

Outra questão nada trivial é entender porque num monopólio natural clássico a propriedade do setor privado traria algum benefício ao consumidor. Não só este é um caso de livro texto para intervenções públicas, como as experiências brasileiras recentes nos serviços públicos privatizados só confirmam uma posição de forte suspeição quanto à “vantagem” na gestão do setor privado.

Também não tendo sido capaz de tornar competitiva internacionalmente a indústria brasileira na década de 1990, a fé na abertura econômica e na integração em blocos liderados pelos EUA terá que enfrentar um novo ambiente internacional, no qual os EUA buscam estender a pressão da abertura para muito além do simples comércio. Esta estratégia incluiria concessões de natureza institucional como a questão de patentes, propriedade intelectual, disputa de contenciosos fora da égide dos estados nacionais e eliminação de preferência para empresas domésticas nas compras públicas.

Ademais, as movidas dos EUA, especificamente o “pivot” para a Ásia, tem, como pano de fundo, disputas geopolíticas com a China e também a Rússia, ou seja, uma adesão a este projeto entraria em confronto direto com o projeto BRICs, no qual poder-se-ia buscar uma inserção internacional mais ativa.

Também na área do petróleo é duvidoso que em meio a uma crise setorial profunda, dada a forte queda dos preços das commodities, haverá grande interesse de investimento em ampliação na prospecção. Por outro lado, um eventual enfraquecimento da Petrobras pode representar o abandono do projeto de desenvolvimento de tecnologia local a partir da expansão do pré sal.

Em resumo, como depositar tanta fé num modelo cuja eficiência e benefício social atemporais vem sendo intelectualmente contestado, não mais apenas por seus críticos tradicionais mas por antigos defensores; cujo passado trouxe resultados para lá de duvidosos na economia brasileira e, principalmente, cuja aplicação no presente sinaliza para um aprofundamento da crise que se estende já por dois anos? Se do futuro retirarmos seu espaço mítico de morada da esperança, somos remetidos a uma trajetória de baixo crescimento, elevação da desigualdade, exacerbação da restrição externa e das tensões sociais urbanas. Como tantos projetos no Brasil que não saíram do papel, esta ponte deveria ser candidata número um ao eterno esquecimento.

Referências

Ostry, J.D., Loungani, P. e Furceri, D. (2016) “Neoliberalism: Oversold?” em Finance and Development, Junho p. 38 – 41.

Summers, L. H. (2015). “Demand side secular stagnation”. The American Economic Review, 105(5), 60-65.

Chocado … Emocionado … Compartilho para ajudar

Compartilho para, de alguma forma, ajudar.

Chocado … Emocionado …

Chocado, também, com o atentado na França ocorrido ontem,  que dizimou ou feriu quase duas centenas de vidas inocentes.

O que mais tenho feito é ler e conversar para tentar entender como chegamos até aqui, a essa desumanização, a essa perda dos valores humanos mais básicos, aqui e no mundo todo.

Não sei a partir de que ponto a transformação das pessoas em produto e mercadoria comprada, vendida  e descartada, a banalização da morte  e o ódio, a ofensa, a calúnia, injúria e a difamação, tornaram-se fatos corriqueiros da vida em sociedade.

Estou tentando ler os filósofos, inclusive os morais, os cientistas sociais, os cientistas políticos, os historiadores, os juristas e os economistas alternativos para tentar entender um pouco. Talvez seja um exercício inútil.

Esta manifestação não tem base moralista ou religiosa. Mas espero que tenha um recado humanista forte.  E é em nome deste humanismo que eu me declaro perplexo. Mas, mesmo na perplexidade, eu me recuso a ser imobilizado e a omitir-me.

Não vou basear minhas reações no ódio e na degradação dos valores humanos básicos, que corre o risco de transformar-se no novo normal do comportamento em sociedade. E proponho que todos os meus amigos evitem cair nesta armadilha.

Compartilho para tentar ajudar Eduardo Guimarães e, ao mesmo tempo, enviar um grito de alerta aos meus amigos. Precisamos reagir com vigor, mas sem o ódio destruidor que é a arma do demônio, contra esse novo fascismo que já saiu do breu das tocas e mostra sua cara de monstro, disfarçado de cidadão participante da vida política.

Com pesar, mas lúcido e sereno,

Paulo Martins

Leia o post de Eduardo Guimarães, do blog da cidadania:

No fim de 2009, minha filha Victoria (17) já estava internada na UTI do Hospital Santa Catarina, em São Paulo, havia quase 60 dias. Eu e minha mulher nos revezávamos na vigília ao seu lado. Naquela manhã, o vigilante era este que escreve. Foi quando descobri que falar de Victoria na internet poderia impedir que fosse vítima dos abusos que planos de saúde praticam.

O chefe da UTI do hospital adentrou o quarto (a UTI do Santa Catarina tem quartos) com ar compungido para me comunicar que minha filha já estava na terapia intensiva havia “muito tempo” e que o “auditor” do plano de saúde Sul América estava “pressionando” para que ela tivesse “alta” e fosse transferida para o quarto, para o atendimento não-intensivo.

Motivo: o custo do leito de UTI. Nada que ver com o estado clínico da paciente.

Fiquei perplexo. Como assim, alta da UTI?! A menina estava definhando, afogava-se na própria saliva. Já eram quase dois meses de febrões, pneumonia, convulsões… Victoria precisava fazer um procedimento que o plano de saúde recusava sistematicamente e que, por incrível que pareça, permitiria que deixasse a terapia intensiva.

Recorri à amiga Conceição Lemes, editora do site Viomundo, talvez a mais importante jornalista de saúde do Brasil. Foi ela quem me explicou que era um absurdo aquela história de “auditor de plano de saúde”. Era uma ilegalidade. Planos de saúde não podem interferir no tratamento dos pacientes. E Victoria tinha direito a internação ilimitada na UTI, pelo contrato com o plano.

Foi ali que decidi colocar a boca no trombone. Comecei a divulgar aquele absurdo na internet e a Conceição e outros jornalistas começaram a pressionar o hospital e o plano de saúde pedindo informações.

O plano de saúde e o hospital entraram em pânico. Eles morrem de medo de publicidade negativa. Sobretudo quando se refere a pressão ilegal contra uma criança deficiente em estado grave de saúde.

A diretoria do hospital, assustada com a repercussão, convocou-me para “uma reunião sobre o tratamento de Victoria”. Compareci. Começaram a enrolar falando do tratamento, blábláblá, blábláblá, mas não tardaria a chegarem ao ponto: o assédio da imprensa.

O diretor e o chefe da UTI disseram que a imprensa estava “pressionando” o hospital para que emitisse “boletins” sobre o quadro clínico de minha filha. E me disseram que era “claro” que eu não iria querer “expor” minha filha, “certo?”.

Errado, disse eu. Quero, sim, expor minha filha, comuniquei.

“Mas para emitirmos boletins para a imprensa precisaríamos de uma autorização sua por escrito”, explicou o diretor do hospital. Pedi, então, papel e caneta para escrever a autorização de próprio punho e, a partir dali, tudo mudou.

A publicidade que passei a dar na internet ao tratamento de minha filha garantiu a ela posturas infinitamente mais colaborativas do plano de saúde e de hospitais, médicos, laboratórios etc., dali em diante.

Contudo, haveria um preço a pagar por expor ao público o caso de minha filha. Escrevo sobre política e, em um quadro de ascensão do fascismo, com facínoras que não aceitam divergência soltos por aí, ela se tornou alvo de um tipo de gente que, antes da internet, muitos nem sabiam que existia.

Leitores desta página conhecem Victoria. É uma menininha linda. Perfeitinha. Só seu cérebro foi prejudicado. Mas ela é sorridente, é feliz pelo amor que abunda em seu entorno. Aliás, alguns médicos dizem que minha filha só está viva porque sente que é muito amada. Que tipo de pessoa atacaria de forma tão vil um ser tão inofensivo, tão puro, tão frágil, tão indefeso?

Confesso que me afastei muito da religião, pois tem feito muito mal ao Brasil. Os fanáticos religiosos abundam por aí. Gente hipócrita que prega amor e pratica ódio, preconceito, intolerância. Por isso, não acredito no diabo. Contudo, comentário postado nesta página, terça-feira-feira à tarde, quase me deixou em dúvida…

Não é a primeira vez que minha filha sofre ataques como o que relatarei a seguir. Após o acirramento da política de 2013 para cá, ela virou alvo desses seres subumanos. Abaixo, o primeiro ataque aterrador que a menina sofreu aqui no Blog, em 2013.

A época, recorri à amiga Janice Ascari, procuradora da República que se tomou de amores pela Victoria apesar de termos opiniões políticas muito diferentes. Janice tentou fazer com que o MP tomasse esse ataque para si e fosse atrás desse ser demoníaco, mas a instituição se recusou a agir. Disse que era problema meu, que eu que fosse atrás do bandido.

Muitos outros ataques ocorreram, mas acabei me conformando. Eu iria arcar com custos altíssimos que talvez até fizessem falta para o tratamento de Victoria. Porém, ano passado um neonazista me ameaçou e a “petistas” em geral e adotei uma postura diferente. Com apoio dos leitores, contratei um advogado e consegui abrir inquérito na Polícia Civil.

Na última quarta-feira, post em que cito o caso de Victoria para criticar proposta do Ministro da Saúde de dificultar que as pessoas recorram à Justiça contra Planos de Saúde que não cumprem suas obrigações recebeu comentário que quem não está acostumado julgará estarrecedor, mas que, para este blogueiro, virou rotina.

A partir deste ponto, peço ao leitor que se municie de coragem para olhar a face do demônio, de um ser abaixo da escala humana, abaixo dos animais, mas que, nem por isso, deixa de ser uma ameaça à sociedade.

Antes de reproduzir o comentário bestial do ser em questão, vale explicar que o post que motivou a aberração que você vai ler dizia que Victoria não estaria viva hoje se Michel Temer fosse presidente há mais tempo e, assim, tivesse dificultado antes que as pessoas recorressem à Justiça contra Planos de Saúde. Veja o que o demônio virtual escreveu.

Imagino o choque que o leitor teve, mas ainda mais impressionante será saber que estou mais do que acostumado com esse tipo de coisa. Desde 2013 que minha filha virou alvo desse tipo de gente. A radicalização política, a partir daquele ano, abriu as portas do inferno.

Contudo, ao conseguir a abrir inquérito na polícia civil contra o neonazista que ameaçou a mim e a outros que pensam como eu, bem como a todos os filiados ao PT, fiz amizade com uma delegada que, em conversa na data da publicação deste post, orientou-me sobre os caminhos a seguir para caçar e punir esse criminoso.

Comunico aos leitores, portanto, que está sendo lavrado um boletim de ocorrência e, concomitantemente, um advogado será contratado para representar ao Ministério Público pedindo abertura de inquérito.

A única maneira de fazer esse tipo de ser rastejante voltar ao buraco de onde saiu será caçando os que se aventurarem à luz do dia. Juristas já me orientaram no sentido de que será possível criar um clima de revolta entre as autoridades que culminará com a apreensão e punição dura do autor desse crime inominável.

Conto com o apoio dos leitores para achar e punir esse animal. Não se trata de Victoria ou de Eduardo, trata-se de defesa do gênero humano, da ética, da decência, da verdade e da Justiça. Uma criatura como essa solta por aí é um risco à sociedade. Há que afastar um ser assim do convívio social. Não caçarei essa aberração por mim ou Victoria, mas por todos nós.