Antonio Candido: contra a amnésia coletiva/bela entrevista

Publicado originalmente na edição 435 do Brasil de Fato/2011.

Hoje Antonio Candido comemora 98 anos. Publico novamente esta homenagem. Em tempos de tanta mediocridade, conforta a alma ler uma pessoa tão lúcida, um dos intelectuais mais importantes do país e, obviamente, com pouco espaço na mídia de interesses.

Paulo Martins

Crítico literário, professor, sociólogo, militante. Um adjetivo sozinho não consegue definir a importância de Antonio Candido para o Brasil. Considerado um dos principais intelectuais do país, ele mantém a postura socialista, a cordialidade, a elegância, o senso de humor, o otimismo. Antes de começar nossa entrevista, ele diz que viveu praticamente todo o conturbado século 20. E participou ativamente dele, escrevendo, debatendo, indo a manifestações, ajudando a dar lucidez, clareza e humanidade a toda uma geração de alunos, militantes sociais, leitores e escritores.

Tão bom de prosa como de escrita, ele fala sobre seu método de análise literária, dos livros de que gosta, da sua infância, do começo da sua militância, da televisão, do MST, da sua crença profunda no socialismo como uma doutrina triunfante. “O que se pensa que é a face humana do capitalismo é o que o socialismo arrancou dele”, afirma.

Brasil de Fato – Nos seus textos é perceptível a intenção de ser entendido. Apesar de muito erudito, sua escrita é simples. Por que esse esforço de ser sempre claro?

Antonio Candido – Acho que a clareza é um respeito pelo próximo, um respeito pelo leitor. Sempre achei, eu e alguns colegas, que, quando se trata de ciências humanas, apesar de serem chamadas de ciências, são ligadas à nossa humanidade, de maneira que não deve haver jargão científico. Posso dizer o que tenho para dizer nas humanidades com a linguagem comum. Já no estudo das ciências humanas eu preconizava isso. Qualquer atividade que não seja estritamente técnica, acho que a clareza é necessária inclusive para pode divulgar a mensagem, a mensagem deixar de ser um privilégio e se tornar um bem comum.

O seu método de análise da literatura parte da cultura para a realidade social e volta para a cultura e para o texto. Como o senhor explicaria esse método?

Uma coisa que sempre me preocupou muito é que os teóricos da literatura dizem: é preciso fazer isso, mas não fazem. Tenho muita influência marxista – não me considero marxista – mas tenho muita influência marxista na minha formação e também muita influência da chamada escola sociológica francesa, que geralmente era formada por socialistas. Parti do seguinte princípio: quero aproveitar meu conhecimento sociológico para ver como isso poderia contribuir para conhecer o íntimo de uma obra literária. No começo eu era um pouco sectário, politizava um pouco demais minha atividade. Depois entrei em contato com um movimento literário norte-americano, a nova crítica, conhecido como new criticism. E aí foi um ovo de colombo: a obra de arte pode depender do que for, da personalidade do autor, da classe social dele, da situação econômica, do momento histórico, mas quando ela é realizada, ela é ela. Ela tem sua própria individualidade. Então a primeira coisa que é preciso fazer é estudar a própria obra. Isso ficou na minha cabeça. Mas eu também não queria abrir mão, dada a minha formação, do social. Importante então é o seguinte: reconhecer que a obra é autônoma, mas que foi formada por coisas que vieram de fora dela, por influências da sociedade, da ideologia do tempo, do autor. Não é dizer: a sociedade é assim, portanto a obra é assim. O importante é: quais são os elementos da realidade social que se transformaram em estrutura estética. Me dediquei muito a isso, tenho um livro chamado “Literatura e sociedade” que analisa isso. Fiz um esforço grande para respeitar a realidade estética da obra e sua ligação com a realidade. Há certas obras em que não faz sentido pesquisar o vínculo social porque ela é pura estrutura verbal. Há outras em que o social é tão presente – como “O cortiço” [de Aluísio Azevedo] – que é impossível analisar a obra sem a carga social. Depois de mais maduro minha conclusão foi muito óbvia: o crítico tem que proceder conforme a natureza de cada obra que ele analisa. Há obras que pedem um método psicológico, eu uso; outras pedem estudo do vocabulário, a classe social do autor; uso. Talvez eu seja aquilo que os marxistas xingam muito que é ser eclético. Talvez eu seja um pouco eclético, confesso. Isso me permite tratar de um número muito variado de obras.

Teria um tipo de abordagem estética que seria melhor?
Não privilegio. Já privilegiei. Primeiro o social, cheguei a privilegiar mesmo o político. Quando eu era um jovem crítico eu queria que meus artigos demonstrassem que era um socialista escrevendo com posição crítica frente à sociedade. Depois vi que havia poemas, por exemplo, em que não podia fazer isso. Então passei a outra fase em que passei a priorizar a autonomia da obra, os valores estéticos. Depois vi que depende da obra. Mas tenho muito interesse pelo estudo das obras que permitem uma abordagem ao mesmo tempo interna e externa. A minha fórmula é a seguinte: estou interessado em saber como o externo se transformou em interno, como aquilo que é carne de vaca vira croquete. O croquete não é vaca, mas sem a vaca o croquete não existe. Mas o croquete não tem nada a ver com a vaca, só a carne. Mas o externo se transformou em algo que é interno. Aí tenho que estudar o croquete, dizer de onde ele veio.

O que é mais importante ler na literatura brasileira?
Machado de Assis. Ele é um escritor completo.

É o que senhor mais gosta?
Não, mas acho que é o que mais se aproveita.

E de qual o senhor mais gosta?
Gosto muito do Eça de Queiroz, muitos estrangeiros. De brasileiros, gosto muito de Graciliano Ramos… Acho que já li “São Bernardo” umas 20 vezes, com mentira e tudo. Leio o Graciliano muito, sempre. Mas Machado de Assis é um autor extraordinário. Comecei a ler com 9 anos livros de adulto. E ninguém sabia quem era Machado de Assis, só o Brasil e, mesmo assim, nem todo mundo. Mas hoje ele está ficando um autor universal. Ele tinha a prova do grande escritor. Quando se escreve um livro, ele é traduzido, e uma crítica fala que a tradução estragou a obra, é porque não era uma grande obra. Machado de Assis, mesmo mal traduzido, continua grande. A prova de um bom escritor é que mesmo mal traduzido ele é grande. Se dizem: “a tradução matou a obra”, então a obra era boa, mas não era grande.

Como levar a grande literatura para quem não está habituado com a leitura?
É perfeitamente possível, sobretudo Machado de Assis. A Maria Vitória Benevides me contou de uma pesquisa que foi feita na Itália há uns 30 anos. Aqueles magnatas italianos, com uma visão já avançada do capitalismo, decidiram diminuir as horas de trabalho para que os trabalhadores pudessem ter cursos, se dedicar à cultura. Então perguntaram: cursos de que vocês querem? Pensaram que iam pedir cursos técnicos, e eles pediram curso de italiano para poder ler bem os clássicos. “A divina comédia” é um livro com 100 cantos, cada canto com dezenas de estrofes. Na Itália, não sou capaz de repetir direito, mas algo como 200 mil pessoas sabem a primeira parte inteira, 50 mil sabem a segunda, e de 3 a 4 mil pessoas sabem o livro inteiro de cor. Quer dizer, o povo tem direito à literatura e entende a literatura. O doutor Agostinho da Silva, um escritor português anarquista que ficou muito tempo no Brasil, explicava para os operários os diálogos de Platão, e eles adoravam. Tem que saber explicar, usar a linguagem normal.

O senhor acha que o brasileiro gosta de ler?
Não sei. O Brasil pra mim é um mistério. Tem editora para toda parte, tem livro para todo lado. Vi uma reportagem que dizia que a cidade de Buenos Aires tem mais livrarias que em todo o Brasil. Lê-se muito pouco no Brasil. Parece que o povo que lê mais é o finlandês, que lê 30 volumes por ano. Agora dizem que o livro vai acabar, né?

O senhor acha que vai?
Não sei. Eu não tenho nem computador… as pessoas me perguntam: qual é o seu… como chama?

E-mail?
Isso! Olha, eu parei no telefone e máquina de escrever. Não entendo dessas coisas… Estou afastado de todas as novidades há cerca de 30 anos. Não me interesso por literatura atual. Sou um velho caturra. Já doei quase toda minha biblioteca, 14 ou 15 mil volumes. O que tem aqui é livro para visita ver. Mas pretendo dar tudo. Não vendo livro, eu dou. Sempre fiz escola pública, inclusive universidade pública, então é o que posso dar para devolver um pouco. Tenho impressão que a literatura brasileira está fraca, mas isso todo velho acha. Meus antigos alunos que me visitam muito dizem que está fraca no Brasil, na Inglaterra, na França, na Rússia, nos Estados Unidos… que a literatura está por baixo hoje em dia. Mas eu não me interesso por novidades.

E o que o senhor lê hoje em dia?
Eu releio. História, um pouco de política… mesmo meus livros de socialismo eu dei tudo. Agora estou querendo reler alguns mestres socialistas, sobretudo Eduard Bernstein, aquele que os comunistas tinham ódio. Ele era marxista, mas dizia que o marxismo tem um defeito, achar que a gente pode chegar no paraíso terrestre. Então ele partiu da ideia do filósofo Immanuel Kant da finalidade sem fim. O socialismo é uma finalidade sem fim. Você tem que agir todos os dias como se fosse possível chegar no paraíso, mas você não chegará. Mas se não fizer essa luta, você cai no inferno.

O senhor é socialista?
Ah, claro, inteiramente. Aliás, eu acho que o socialismo é uma doutrina totalmente triunfante no mundo. E não é paradoxo. O que é o socialismo? É o irmão-gêmeo do capitalismo, nasceram juntos, na revolução industrial. É indescritível o que era a indústria no começo. Os operários ingleses dormiam debaixo da máquina e eram acordados de madrugada com o chicote do contramestre. Isso era a indústria. Aí começou a aparecer o socialismo. Chamo de socialismo todas as tendências que dizem que o homem tem que caminhar para a igualdade e ele é o criador de riquezas e não pode ser explorado. Comunismo, socialismo democrático, anarquismo, solidarismo, cristianismo social, cooperativismo… tudo isso. Esse pessoal começou a lutar, para o operário não ser mais chicoteado, depois para não trabalhar mais que doze horas, depois para não trabalhar mais que dez, oito; para a mulher grávida não ter que trabalhar, para os trabalhadores terem férias, para ter escola para as crianças. Coisas que hoje são banais. Conversando com um antigo aluno meu, que é um rapaz rico, industrial, ele disse: “o senhor não pode negar que o capitalismo tem uma face humana”. O capitalismo não tem face humana nenhuma. O capitalismo é baseado na mais-valia e no exército de reserva, como Marx definiu. É preciso ter sempre miseráveis para tirar o excesso que o capital precisar. E a mais-valia não tem limite. Marx diz na “Ideologia Alemã”: as necessidades humanas são cumulativas e irreversíveis. Quando você anda descalço, você anda descalço. Quando você descobre a sandália, não quer mais andar descalço. Quando descobre o sapato, não quer mais a sandália. Quando descobre a meia, quer sapato com meia e por aí não tem mais fim. E o capitalismo está baseado nisso. O que se pensa que é face humana do capitalismo é o que o socialismo arrancou dele com suor, lágrimas e sangue. Hoje é normal o operário trabalhar oito horas, ter férias… tudo é conquista do socialismo. O socialismo só não deu certo na Rússia.

Por quê?
Virou capitalismo. A revolução russa serviu para formar o capitalismo. O socialismo deu certo onde não foi ao poder. O socialismo hoje está infiltrado em todo lugar.

O socialismo como luta dos trabalhadores?
O socialismo como caminho para a igualdade. Não é a luta, é por causa da luta. O grau de igualdade de hoje foi obtido pelas lutas do socialismo. Portanto ele é uma doutrina triunfante. Os países que passaram pela etapa das revoluções burguesas têm o nível de vida do trabalhador que o socialismo lutou para ter, o que quer. Não vou dizer que países como França e Alemanha são socialistas, mas têm um nível de vida melhor para o trabalhador.

Para o senhor é possível o socialismo existir triunfando sobre o capitalismo?
Estou pensando mais na técnica de esponja. Se daqui a 50 anos no Brasil não houver diferença maior que dez do maior ao menor salário, se todos tiverem escola… não importa que seja com a monarquia, pode ser o regime com o nome que for, não precisa ser o socialismo! Digo que o socialismo é uma doutrina triunfante porque suas reivindicações estão sendo cada vez mais adotadas. Não tenho cabeça teórica, não sei como resolver essa questão: o socialismo foi extraordinário para pensar a distribuição econômica, mas não foi tão eficiente para efetivamente fazer a produção. O capitalismo foi mais eficiente, porque tem o lucro. Quando se suprime o lucro, a coisa fica mais complicada. É preciso conciliar a ambição econômica – que o homem civilizado tem, assim como tem ambição de sexo, de alimentação, tem ambição de possuir bens materiais – com a igualdade. Quem pode resolver melhor essa equação é o socialismo, disso não tenho a menor dúvida. Acho que o mundo marcha para o socialismo. Não o socialismo acadêmico típico, a gente não sabe o que vai ser… o que é o socialismo? É o máximo de igualdade econômica. Por exemplo, sou um professor aposentado da Universidade de São Paulo e ganho muito bem, ganho provavelmente 50, 100 vezes mais que um trabalhador rural. Isso não pode. No dia em que, no Brasil, o trabalhador de enxada ganhar apenas 10 ou 15 vezes menos que o banqueiro, está bom, é o socialismo.

O que o socialismo conseguiu no mundo de avanços?
O socialismo é o cavalo de Troia dentro do capitalismo. Se você tira os rótulos e vê as realidades, vê como o socialismo humanizou o mundo. Em Cuba eu vi o socialismo mais próximo do socialismo. Cuba é uma coisa formidável, o mais próximo da justiça social. Não a Rússia, a China, o Camboja. No comunismo tem muito fanatismo, enquanto o socialismo democrático é moderado, é humano. E não há verdade final fora da moderação, isso Aristóteles já dizia, a verdade está no meio. Quando eu era militante do PT – deixei de ser militante em 2002, quando o Lula foi eleito – era da ala do Lula, da Articulação, mas só votava nos candidatos da extrema esquerda, para cutucar o centro. É preciso ter esquerda e direita para formar a média. Estou convencido disso: o socialismo é a grande visão do homem, que não foi ainda superada, de tratar o homem realmente como ser humano. Podem dizer: a religião faz isso. Mas faz isso para o que são adeptos dela, o socialismo faz isso para todos. O socialismo funciona como esponja: hoje o capitalismo está embebido de socialismo. No tempo que meu irmão Roberto – que era católico de esquerda – começou a trabalhar, eu era moço, ele era tido como comunista, por dizer que no Brasil tinha miséria. Dizer isso era ser comunista, não estou falando em metáforas. Hoje, a Federação das Indústrias, Paulo Maluf, eles dizem que a miséria é intolerável. O socialismo está andando… não com o nome, mas aquilo que o socialismo quer, a igualdade, está andando. Não aquela igualdade que alguns socialistas e os anarquistas pregavam, igualdade absoluta é impossível. Os homens são muito diferentes, há uma certa justiça em remunerar mais aquele que serve mais à comunidade. Mas a desigualdade tem que ser mínima, não máxima. Sou muito otimista. (pausa). O Brasil é um país pobre, mas há uma certa tendência igualitária no brasileiro – apesar da escravidão – e isso é bom. Tive uma sorte muito grande, fui criado numa cidade pequena, em Minas Gerais, não tinha nem 5 mil habitantes quando eu morava lá. Numa cidade assim, todo mundo é parente. Meu bisavô era proprietário de terras, mas a terra foi sendo dividida entre os filhos… então na minha cidade o barbeiro era meu parente, o chofer de praça era meu parente, até uma prostituta, que foi uma moça deflorada expulsa de casa, era minha prima. Então me acostumei a ser igual a todo mundo. Fui criado com os antigos escravos do meu avô. Quando eu tinha 10 anos de idade, toda pessoa com mais de 40 anos tinha sido escrava. Conheci inclusive uma escrava, tia Vitória, que liderou uma rebelião contra o senhor. Não tenho senso de desigualdade social. Digo sempre, tenho temperamento conservador. Tenho temperamento conservador, atitudes liberais e ideias socialistas. Minha grande sorte foi não ter nascido em família nem importante nem rica, senão ia ser um reacionário. (risos).

A Teresina, que inspirou um livro com seu nome, o senhor conheceu depois?
Conheci em Poços de Caldas… essa era uma mulher extraordinária, uma anarquista, maior amiga da minha mãe. Tenho um livrinho sobre ela. Uma mulher formidável. Mas eu me politizei muito tarde, com 23, 24 anos de idade com o Paulo Emílio. Ele dizia: “é melhor ser fascista do que não ter ideologia”. Ele que me levou para a militância. Ele dizia com razão: cada geração tem o seu dever. O nosso dever era político.

E o dever da atual geração?
Ter saudade. Vocês pegaram um rabo de foguete danado.

No seu livro “Os parceiros do Rio Bonito” o senhor diz que é importante defender a reforma agrária não apenas por motivos econômicos, mas culturalmente. O que o senhor acha disso hoje?

Isso é uma coisa muito bonita do MST. No movimento das Ligas Camponesas não havia essa preocupação cultural, era mais econômica. Acho bonito isso que o MST faz: formar em curso superior quem trabalha na enxada. Essa preocupação cultural do MST já é um avanço extraordinário no caminho do socialismo. É preciso cultura. Não é só o livro, é conhecimento, informação, notícia… Minha tese de doutorado em ciências sociais foi sobre o camponês pobre de São Paulo – aquele que precisa arrendar terra, o parceiro. Em 1948, estava fazendo minha pesquisa num bairro rural de Bofete e tinha um informante muito bom, Nhô Samuel Antônio de Camargos. Ele dizia que tinha mais de 90 anos, mas não sabia quantos. Um dia ele me perguntou: “ô seu Antonio, o imperador vai indo bem? Não é mais aquele de barba branca, né?”. Eu disse pra ele: “não, agora é outro chamado Eurico Gaspar Dutra”. Quer dizer, ele está fora da cultura, para ele o imperador existe. Ele não sabe ler, não sabe escrever, não lê jornal. A humanização moderna depende da comunicação em grande parte. No dia em que o trabalhador tem o rádio em casa ele é outra pessoa. O problema é que os meios modernos de comunicação são muito venenosos. A televisão é uma praga. Eu adoro, hein? Moro sozinho, sozinho, sou viúvo e assisto televisão. Mas é uma praga. A coisa mais pérfida do capitalismo – por causa da necessidade cumulativa irreversível – é a sociedade de consumo. Marx não conheceu, não sei como ele veria. A televisão faz um inculcamento sublimar de dez em dez minutos, na cabeça de todos – na sua, na minha, do Sílvio Santos, do dono do Bradesco, do pobre diabo que não tem o que comer – imagens de whisky, automóvel, casa, roupa, viagem à Europa – cria necessidades. E claro que não dá condições para concretizá-las. A sociedade de consumo está criando necessidades artificiais e está levando os que não têm ao desespero, à droga, miséria… Esse desejo da coisa nova é uma coisa poderosa. O capitalismo descobriu isso graças ao Henry Ford. O Ford tirou o automóvel da granfinagem e fez carro popular, vendia a 500 dólares. Estados Unidos inteiro começou a comprar automóvel, e o Ford foi ficando milionário. De repente o carro não vendia mais. Ele ficou desesperado, chamou os economistas, que estudaram e disseram: “mas é claro que não vende, o carro não acaba”. O produto industrial não pode ser eterno. O produto artesanal é feito para durar, mas o industrial não, ele tem que ser feito para acabar, essa é coisa mais diabólica do capitalismo. E o Ford entendeu isso, passou a mudar o modelo do carro a cada ano. Em um regime que fosse mais socialista seria preciso encontrar uma maneira de não falir as empresas, mas tornar os produtos duráveis, acabar com essa loucura da renovação. Hoje um automóvel é feito para acabar, a moda é feita para mudar. Essa ideia tem como miragem o lucro infinito. Enquanto a verdadeira miragem não é a do lucro infinito, é do bem-estar infinito.

Antonio Candido de Mello e Souza nasceu no Rio de Janeiro em 24 de julho de 1918, concluiu seus estudos secundários em Poços de Caldas (MG) e ingressou na recém-fundada Universidade de São Paulo em 1937, no curso de Ciências Sociais. Com os amigos Paulo Emílio Salles Gomes, Décio de Almeida Prado e outros fundou a revista Clima. Com Gilda de Mello e Souza, colega de revista e do intenso ambiente de debates sobre a cultura, foi casado por 60 anos. Defendeu sua tese de doutorado, publicada depois como o livro “Os Parceiros do Rio Bonito”, em 1954. De 1958 a 1960 foi professor de literatura na Faculdade de Filosofia de Assis. Em 1961, passou a dar aulas de teoria literária e literatura comparada na USP, onde foi professor e orientou trabalhos até se aposentar, em 1992. Na década de 1940, militou no Partido Socialista Brasileiro, fazendo oposição à ditadura Vargas. Em 1980, foi um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores. Colaborou nos jornais Folha da Manhã e Diário de São Paulo, resenhando obras literárias. É autor de inúmeros livros, atualmente reeditados pela editora Ouro sobre Azul, coordenada por sua filha, Ana Luisa Escorel.

Publicado originalmente na edição 435 do Brasil de Fato.

51 Anos de Uma Má Ideia: Golpe Militar

Blog Cidadania & Cultura

Percentual de golpistas

Não é só a corrupção que envergonha os brasileiros, pior é 47,6% deles acharem que essa corrupção justifica um novo golpe! Novamente, 51 anos após o golpe militar que condenou o País a mais de 20 anos de atraso na cidadania — conquista de direitos e cumprimento de deveres –, reune-se a má fé com a ignorância para criar um “caldo-de-cultura” para as “vivandeiras dos quarteis”.

A expressão “vivandeira”, segundo Elio Gaspari, veio do marechal Humberto Castello Branco, no alvorecer da anarquia militar que baixou sobre o Brasil a treva de duas décadas de ditadura. Referindo-se aos políticos civis que iam aos quartéis para buscar conchavos com a oficialidade, ele disse:

“Eu os identifico a todos. São muitos deles os mesmos que, desde 1930, como vivandeiras alvoroçadas, vêm aos bivaques bolir com os granadeiros e provocar extravagâncias ao Poder Militar”.

Os golpistas juntam, ao mesmo tempo, a ignorância da experiência histórica e…

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Museu do Amanhã – Porto Maravilha – Rio

O Museu do Amanhã deve ficar pronto em dezembro de 2015. Apresentamos, a seguir, informações sobre o museu. O texto está no site do Porto Maravilha. Exclui partes do texto.

Paulo Martins – dialogosessenciais.com

O museu é uma das âncoras da área cultural do Porto Maravilha. Com projeto do arquiteto espanhol Santiago Calatrava, o espaço será dedicado às Ciências, mas terá formato diferente dos museus de História Natural ou de Ciências e Tecnologia já conhecidos.

O Museu do Amanhã será um ambiente de experiências que permitirá ao visitante fazer escolhas pessoais, vislumbrar possibilidades de futuro, perceber como será a sua vida e a do planeta nos próximos 50 anos. O espaço vai explorar variedades do amanhã nos campos da matéria, da vida e do pensamento, além de debater questões como mudanças climáticas, crescimento e longevidade populacionais, integração global, aumento da diversidade de artefatos e diminuição da diversidade da natureza. Será um museu para que o homem possa trilhar o caminho do imaginário e realizar, de forma mais consciente e ética, suas escolhas para o futuro.

A curadoria do Museu do Amanhã é do físico e doutor em cosmologia Luiz Alberto Oliveira, que contou na fase de concepção curatorial com a parceria do jornalista e professor de Cultura brasileira Leonel Kaz. A direção artística é de Andrés Clerici e a concepção museográfica, do designer americano Ralph Appelbaum.

Para estruturar o conteúdo do Museu, Luiz Alberto Oliveira explorou três eixos narrativos. O primeiro é o da polaridade entre as Ciências Cósmicas (que lidam com sistemas demasiado grandiosos ou diminutos) e as Ciências Terrestres (todas as demais, incluindo a Biologia e as Humanidades). O segundo eixo aborda três dimensões da existência terrestre: a história das formações da Matéria; os desdobramentos da organização da Vida e a emergência do Pensamento. Estes domínios serão explorados segundo quatro grandes tendências que, em escala planetária, definirão nosso futuro comum: mudanças climáticas, aumento da população e da longevidade; crescente integração econômica, social e comunicacional; e multiplicação e diversificação dos artefatos, paralela ao decréscimo dos biomas. O terceiro eixo, enfim, enfatiza comportamento humano e Ética.

Como uma das âncoras do Porto Maravilha, o Museu do Amanhã será erguido no Píer Mauá, em meio a uma grande área verde. Serão cerca de 30 mil m², com jardins, espelhos d’água, ciclovia e área de lazer. O prédio terá 15 mil m² e arquitetura sustentável. O projeto arquitetônico, concebido por Calatrava, prevê a utilização de recursos naturais do local – como, por exemplo, a água da Baía de Guanabara, que será utilizada na climatização do interior do Museu e reutilizada no espelho d´água. No telhado da construção, grandes estruturas de aço, que se movimentam como asas, servirão de base para placas de captação de energia solar. Com isso, o Museu do Amanhã vai buscar a certificação Leed (Liderança em Energia e Projeto Ambiental), concedida pelo Green Building Council (USGBC).

A construção do Museu do Amanhã está incluída no conjunto de obras da prefeitura realizadas pela Concessionária Porto Novo, na maior Parceria Público-Privada (PPP) do país. Assim como as demais intervenções do Porto Maravilha, o projeto orçado em R$ 215 milhões será custeado pela venda dos CEPACs (Certificados de Potencial Adicional de Construção) – sem recursos do tesouro municipal. O Museu conta ainda com investimento de R$ 65 milhões do Banco Santander, seu patrocinador master.

POR DENTRO DO MUSEU

Percurso central: Cosmos, Contexto, Antropoceno e Amanhã. Dentro da nave central do Museu, o conteúdo estará dividido em quatro grandes áreas: o Cosmos, o Contexto, o Antropoceno e o Amanhã. Mas, antes mesmo de entrar no prédio, no pátio que se abre para a Praça Mauá, o visitante se depara com frases que, compondo um grande mosaico, antecipam as questões principais do Museu: “O amanhã não é uma data, não é um lugar. O amanhã é uma construção”. Em seguida, já na entrada, vídeos exibem depoimentos de cientistas, artistas e pessoas comuns sobre o amanhã e telas mostram inventos que, em suas épocas, abriram caminhos para o futuro.

Cosmos: O cosmos é o início de tudo. É também a porta de entrada para a jornada proposta pelo Museu do Amanhã. Nesse espaço, o público vai vivenciar uma experiência sensorial, que parte do vazio, passa pelo aparecimento da matéria, do espaço e do tempo e chega ao surgimento do homem e do pensamento.

Contexto: Recursos expositivos diversos levam o visitante a explorar os fatores e os fenômenos naturais do planeta e a compreender como eles influenciam as mudanças climáticas e os ciclos da vida. Logo na entrada da área, a Terra é apresentada da perspectiva de um astronauta, reforçando a sensação de que, pela primeira, tomamos consciência de nossa casa como um todo. A organização dos ecossistemas, a estruturação do DNA, a formação da biodiversidade e o processo evolutivo do cérebro também serão temas de instalações e ambientes multimídia.

Antropoceno: Este momento do percurso será dedicado a pensar o hoje, suas características e seus sintomas: a expansão planetária, o crescimento das cidades, o aumento do consumo, a explosão do conhecimento, a transformação dos ambientes naturais. Grandes telas vão exibir notícias ao vivo (selecionadas de canais de TV, sites de observação, etc.) sobre temas concernentes às ações do homem sobre o planeta. As instalações e experiências dessa área levam o visitante a tomar consciência do papel que desempenha na atualidade.

Amanhã: Na quarta área do percurso central do Museu, o Amanhã surge como um entrelaçamento de cinco tendências: mudanças no clima; aumento da população e longevidade; integração e diversificação crescente de pessoas, povos e regiões; crescimento do número, variedade e capacidade dos artefatos; diminuição da biodiversidade. O ambiente conduzirá a uma reflexão sobre a forma como vivemos. Nossas ações são sustentáveis? Em projeções, instalações e jogos interativos, será possível medir o impacto das escolhas do homem sobre o clima, os ecossistemas e as sociedades. No espaço intitulado Amanhãs que Queremos, o visitante será levado a imaginar um futuro no qual as relações de convívio sejam mais próximas e amigáveis.

Galerias laterais:
Linha do Tempo e Linha da Forma e Estrutura. Nas galerias laterais do Museu, estarão expostas uma Linha do Tempo e uma Linha da Forma e Estrutura. A primeira conta a história do planeta, do surgimento do universo até o aparecimento da linguagem e das diferentes línguas. Na galeria oposta, uma Linha da Forma e Estrutura traz detalhes sobre as formas de organização da matéria, da vida e do pensamento.

Encerramento do percurso:
Convivência e Sustentabilidade. A seção chamada Convivência e Sustentabilidade fecha o percurso do Museu do Amanhã. Recursos expositivos farão com que o público visualize as diversas experiências vivenciadas e saia do Museu consciente de que faz parte do processo de construção do futuro.

Vista do Belvedere:

Espaço de convergência da nave central com as duas galerias laterais, o belvedere coloca o visitante diante de uma panorâmica da Baía de Guanabara, ecossistema alterado diretamente pela ação humana. Nas duas rampas da saída, recursos midiáticos exibem informações sobre práticas que promovem a saúde ambiental da Baía e sobre ações que buscam fazer do Rio um lugar de convívio mais relacional. Por fim, nos jardins, áreas florestadas representam os dois mais importantes ecossistemas do Rio de Janeiro: a mata atlântica e a restinga. Além dos espaços que serão ocupados pela mostra permanente, o Museu terá a Sala de Exposições Temporárias; o Centro de Referência Profissional do Amanhã, para aconselhamento, recrutamento e capacitação de estudantes e profissionais que desejam se dedicar à ciência, à tecnologia e à inovação; e o Observatório do Amanhã, onde serão exibidos os resultados das últimas pesquisas sobre fenômenos naturais e sociais do planeta. Haverá ainda um auditório, uma cafeteria e uma loja.

Visite a página do museu

Última atualização: 02/03/2015

Novo Ministro da Educação – entrevista

Publicada no blog Socialista Morena.

“Em novembro do ano passado, estive na casa do professor Renato Janine Ribeiro em São Paulo para conversar sobre política. Enquanto tomávamos um café em seu simpático sobrado na Aclimação, Janine me falou de suas preocupações com o segundo mandato da presidenta Dilma Rousseff, recém-reeleita. A entrevista foi publicada na revista CartaCapital. Com a sua escolha para ministro da Educação, resolvi divulgar aqui uma versão estendida daquele bate papo.
As críticas que o filósofo fazia ao governo e também à oposição são muito pertinentes. Alguém assim me representa no ministério e espero que a presidenta o ouça –se o chamou, parece claro que está disposta a ouvir. Espero que logo possamos a tomar um café novamente para que ele me conte de suas ideias à frente da pasta.


“Oposição tem de atuar com ideias, sem ódio”
O filósofo Renato Janine Ribeiro, professor de Ética e Filosofia Política na USP (Universidade de São Paulo), declarou voto em Dilma Rousseff por achar que o PT conduz melhor as políticas sociais. Mas está preocupado. Acha que a presidenta terá que mudar seu modo de governar se quiser fazer um segundo mandato melhor que o primeiro: ser menos centralizadora, delegar mais poder e não inibir os ministros e colaboradores. “Se dentro dela houver uma disposição maior ao diálogo, será muito bom”, aconselha Janine. Ele falou a CartaCapital em sua casa, em São Paulo.
CartaCapital – A eleição de Dilma surpreendeu o senhor?
Renato Janine Ribeiro – Era imprevisível o que ia acontecer porque nunca tivemos uma eleição tão parecida com um thriller, um romance policial. Inclusive a morte de Eduardo Campos é destas histórias que se você colocasse num romance ia parecer apelação. Em um ano e meio, uma presidenta passa de 60% de aprovação, uma reeleição tranquilíssima, garantida, para um desgaste, e depois quando surgiu Marina, a chance forte de perder… Desde a morte de Eduardo, quem fosse apostar, ia apostar pelo menos 50% na chance de ela perder. Foi um trabalho muito grande para conseguir ganhar.
CC – De onde vem esse desgaste?
RJR – Basicamente de dois pontos: de um lado, da campanha de desconstrução dela e do PT que tem pelo menos três anos. O primeiro ano do governo dela teve uma espécie de lua-de-mel. A mídia e a oposição estavam festejando o fato de que ela demitia os ministros suspeitos ou acusados e então isso trouxe, sobretudo com o contraste de uma certa tolerância do governo Lula, uam popularidade da Dilma nos setores reticentes ao PT. Essa popularidade não necessariamente iria se traduzir em votos. Duvido que essas pessoas fossem votar nela. Mas a partir do segundo ano de mandato foi um ataque ininterrupto, inclusive com um descolamento entre o que era dito e o que era entendido. Nunca li nenhum artigo, ninguém que acusasse Dilma de algum ato de corrupção. Os atos de corrupção sempre foram colocados na conta de outras pessoas, não há uma única acusação a ela. Mas na opinião pública de oposição colou a ideia de que ela e o partido eram corruptos. Então houve de um lado esse trabalho de desconstrução que culmina com a edição da Veja a poucas horas do pleito, com farta distribuição, propaganda no rádio e TV, recusa de publicar direito de resposta concedido pelo TSE… E, do outro lado, as falhas do próprio governo. Talvez a principal seja a dificuldade da presidenta de lidar com a política, a dificuldade dela de negociar. Um dos significados da política é que você não dá ordens, você ouve, escuta e tenta construir a mais ampla base possível. E ela não dialogou especificamente com três setores: primeiro, os empresários. Muitos se queixaram por um longo tempo não tanto do PT, não tinha uma queixa ideológica, até porque muitos gostavam de Lula, mas havia uma queixa de falta de comunicação, de que Dilma não os recebia, não dava sinais claros para onde ia a economia, e eles não sabiam como fazer suas escolhas. Apesar de os empresários terem um poder de fogo porque têm o capital, numa sociedade capitalista não há como não ouvi-los. O segundo ponto foi o pouco diálogo com os políticos, mesmo. Eles também foram pouco recebidos, pouco levados em conta. Mas o mais grave, a meu ver, do ponto de vista de um partido como o PT, é a falta de comunicação com o povo. Isso não tem nada a ver com técnica de comunicação, com o marqueteiro. E aí está outro erro: ter pensado que isso era uma coisa de marketing, então tinha que contratar o João Santana e aí resolve isso. Não. A questão de comunicação com o povo, para o PSDB, pode ser uma questão de técnica. Para o PT é uma questão de essência, de cerne. Se ele não se comunica com o povo, como é dos trabalhadores? E, no entanto, ela não se comunicou com eles. Ela parece gostar da política mais do lado poder do que do lado diálogo, discussão, escuta e tentativa de dar uma orientação. E isso faz um contraste muito grande com os dois últimos presidentes. Fernando Henrique não se metia na gestão, não devia entender de gestão, mas conseguiu vender o peixe da estabilização monetária e mesmo o das privatizações, um peixe indigesto, e conseguiu convencer que isso era bom. Teve uma excelente comunicação com a classe média. E Lula, que é um comunicador ainda melhor, conseguiu se comunicar com pessoas mais pobres, com muito mais gente que o Fernando Henrique. O problema da Dilma é que não fez nenhuma das duas coisas.
CC – Dilma tem condições de rever essa postura e fazer um segundo mandato melhor que o primeiro, como aconteceu com Lula?
RJR – Precisar, ela precisa. Tinha que fazer ontem. Se ela vai querer e vai conseguir é outra história. Embora eu nunca a tenha visto pessoalmente, o que a gente ouve é dessa dificuldade de diálogo, essa tendência mais a dar ordens do que a escutar. É muito difícil mudar as pessoas. Tanto é que o segredo do Duda Mendonça para tornar o Lula popular não foi inventar um Lula novo, foi tirar a casca grossa do sujeito reclamão, cara fechada, e mostrar o lado alegre, feliz, bem-humorado. No caso da Dilma, será que ela consegue fazer isso sem ser forçado? O melhor momento de fala dela até hoje foi na discussão com o senador Agripino, quando ele a questionou de ter mentido sobre a tortura. Parece que quando ela fala de coração, sem seguir nenhum script, vai melhor. E nos debates ela tem script, foi treinada, recebeu um media training e isso não funciona muito bem com ela. Se dentro dela houver uma disposição maior ao diálogo e ela conseguir utilizar isso, será muito bom. Sem isso vai ser muito difícil o segundo mandato. Ela precisaria fazer concessões à direita e à esquerda. À esquerda tem toda uma agenda, pelo menos de costumes, ao qual ela não deu muita importância. Tem uma área, no que diz respeito aos Direitos Humanos e ao Meio Ambiente, que é muito deficiente. Cedeu aos setores mais conservadores e na hora do voto foi o pessoal dos Direitos Humanos que foi apoiá-la, enquanto os homófobos haviam ido em sua maioria para Aécio. Então vai ter que abrir por esse lado. Na agenda econômica, tem que fazer sinais para a direita, ou para o capital. O capital não necessariamente vai assumir as bandeiras da direita, mas o capital é por natureza conservador. Como vai conseguir negociar com todas essas pessoas se ela primou, até agora, por não negociar?
CC – A presidenta centraliza demais?
RJR – Tudo que a gente lê é que ela é muito centralizadora, delega muito pouco, inibe os ministros, os colaboradores, desautoriza de público… Isso inibe a criatividade. Um caso que sempre lembro: Haddad, quando era ministro da Educação de Lula, foi acordado de madrugada com a notícia de que haviam roubado as provas do Enem. E teve que tomar uma decisão super-rápido. Imagina ter que ligar para o Lula às 3 da manhã para pedir autorização para cancelar o Enem? Ou se cancelasse e duas horas depois o presidente mandasse fazer? Esse tipo de risco um ministro não pode correr. Outra coisa: você tem um ministério de pouco brilho. Um ministro que foi brilhante no governo Lula, Celso Amorim, nas Relações Exteriores, ninguém acompanha o que ele faz na Defesa. Gilberto Carvalho, Marco Aurélio Garcia… Estão apagados agora. Mesmo um ministro de maior projeção, como o Mercadante, você não ouve sobre iniciativas dele.
CC – A alegada divisão no Brasil sempre existiu, foi incentivada pelo PT ou pela mídia?
RJR – Existe um clima alimentado por alguns veículos, sobretudo uma revista, que é um clima de ódio. Mas acho que pelo menos 50% das pessoas não dão muita importância à política. Dos 30% a 40% que dão, uma parte está muito antagônica à outra. Mas vejo essa revolta, essa intolerância, mais no eleitorado tucano. Isso não quer dizer que os 48% que votaram em Aécio são intolerantes, um terço, talvez. E um número menor ainda fala em impeachment. Mas ficou uma divisão que não é geográfica, é uma divisão entre os que se sentem beneficiados pelas políticas sociais do governo petista e os que ou se sentem prejudicados ou têm preconceito contra as pessoas que foram subindo na vida. Havia uma expressão horrorosa nos anos 1960 quando houve os conflitos raciais nos EUA: “no Brasil não temos isso porque os negros conhecem seu lugar”. A ideia de que o pobre sabe qual é “o lugar do pobre” sempre foi forte no Brasil.
CC – E como fica a oposição?
RJR – A grande questão é se os tucanos vão conseguir fazer uma oposição para além do ódio. O que estou vendo é que o PSDB falhou em ser um grande partido liberal, dos empreendedores, e acabou se tornando o partido do grande capital. O grande problema do PSDB é não ter uma proposta, então acaba precisando dos votos do ódio. Isso justifica a proximidade com os blogueiros do ódio. Certamente o PSDB não os chamaria para nenhum cargo importante, mas iriam ter um espaço na máquina de propaganda. O problema disso é que o PSDB acaba tendo uma parte do eleitorado que é pior do que sua liderança, o que me parece um gigantesco erro político”.

Panelas vazias: sequestro de um símbolo

Blog Cidadania & Cultura

Manifestantes 13.03.15 X 15.03.15Motivos para Manifestações

Cinismo, hipocrisia e “me enganem que eu gosto” se reuniram na manifestação dos golpistas… Só rindo. Ou ironizando, como “mandou bem” Vladimir Safatle (FSP, 17/03/15). Compartilho seu artigo abaixo.

“Você na rua, de novo. Que interessante. Fazia tempo que não aparecia com toda a sua família. Se me lembro bem, a última vez foi em 1964, naquela “Marcha da família, com Deus, pela liberdade“. É engraçado, mas não sabia que você tinha guardado até mesmo os cartazes daquela época: “Vai para Cuba“, “Pela intervenção militar“, “Pelo fim do comunismo“. Acho que você deveria ao menos ter tentado modernizar um pouco e inventar algumas frases novas. Sei lá, algo do tipo: “Pela privatização do ar“, “Menos leis trabalhistas para a empresa do meu pai“.

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Ralé, batalhadores e classe média: entenda as manifestações no Brasil / A cegueira do debate brasileiro sobre as classes sociais (revisado em 25.05.2017), por Jessé Souza

Publicado originalmente na Revista Interesse Nacional – número 27 – out-nov 2014 – sob o título: A Cegueira do Debate Brasileiro sobre as Classes Sociais.
Trata-se da análise que melhor ajuda a explicar o momento atual (2015) no Brasil.

É longo, mas vale a pena ler e refletir, parágrafo a parágrafo. Por falta de tempo, tenho me dedicado a republicar textos que considero irão contribuir para o enriquecimento do debate e para fugirmos da simplificação bem-intencionada ou da manipulação disfarçada.

Já publicamos mais de 950 artigos neste blog desde de  novembro de 2014, todos com a intenção claramente exposta em nossa Declaração de Princípios.

Na minha modesta opinião, este texto é fundamental para o debate hoje, no Brasil.

Boa leitura, boas reflexões.
Paulo Martins – dialogosessenciais.com.

A Cegueira do Debate Brasileiro sobre as Classes Sociais – Jessé Souza

O objetivo deste texto é refletir acerca das assim chamadas “classes populares” no Brasil contemporâneo. Para isso usarei como mote polêmico tanto a discussão pública acerca da assim chamada “nova classe média” quanto também as assim chamadas “jornadas de junho” de 2013. Minha tese é que o tema da produção e reprodução das classes sociais no Brasil – que poderia estruturar uma concepção verdadeiramente crítica sobre o Brasil contemporâneo – é dominado por uma leitura “economicista” e redutora da realidade social.

Vamos examinar, na primeira parte deste texto, a obra recente de dois dos mais festejados e reconhecidos economistas brasileiros, os professores Marcio Pochmann (1) e Marcelo Néri (2), para tentar comprovar nossa hipótese.

O ponto talvez mais relevante de toda a pesquisa do professor Pochmann para a nossa finalidade, aqui, é a tese de que todo o movimento positivo da pirâmide social brasileira, na primeira década do século XXI, na verdade, envolveu postos de trabalho que se encontram na base da pirâmide social. Nesta, os movimentos mais importantes indicam a criação de quase duas milhões de ocupações abertas anualmente, em média, para os trabalhadores com remuneração mensal de até 1,5 salário mínimo e de 616 mil postos de trabalho anuais, em média, para a parcela de ocupados pertencentes à faixa de rendimento entre 1,5 e 3 salários mínimos3. Na maior parte de seu estudo, Pochmann se dedica a mostrar, em detalhe, o universo ocupacional precisamente desses trabalhadores.

O trabalho de Néri, assim como o de Pochmann, é também o trabalho de um virtuoso no uso de dados estatísticos. A miríade de dados dos órgãos censitários e de pesquisa do governo são tornados compreensíveis e agrupados de modo a estabelecer relações estatísticas importantes. Afora uma diferença de “tom” não existe qualquer diferença substancial entre a análise estatística de Pochmann e a análise de Néri em seu mais recente trabalho que usaremos para fins de contraposição. Ambos, inclusive, louvam os mesmos aspectos principais deste fenômeno recente que são, para os dois, a expansão do emprego formal com carteira assinada4, o potencial de mobilidade ascendente acompanhado de inclusão no mercado de bens e consumo5 e a diminuição da abissal desigualdade brasileira6. Até os fatores causais dessa mudança são percebidos por ambos do mesmo modo, na medida em que os ganhos de salário real e o aumento real do salário mínimo, por um lado, e o sucesso do Bolsa Família e do microcrédito, por outro lado, são compreendidos como elementos decisivos.

Como a fonte dos dados para os dois é muito semelhante, muito da aparente diferença pode ser esclarecida pelo fato de Pochmann analisar o ganho individual, enquanto a família e seus rendimentos agregados são a unidade básica da análise estatística de Néri7. Afora isso, as análises de ambos possuem os mesmos pontos fortes e fracos: excelente tratamento estatístico dos dados, por um lado, e carência de qualquer força explicativa mais profunda do fenômeno analisado, por outro.

A única diferença efetivamente observável é que Pochmann enfatiza o fato de que estamos falando da base, da classe trabalhadora, do “setor de baixo” da população brasileira, enquanto Néri enfatiza o caráter “mediano” e ascendente deste mesmo grupo.

Ainda que o modo como denominamos os fenômenos sociais seja importante, já que a forma como eles são interpretados socialmente depende disso, não basta, no entanto, “denominar” os fenômenos sociais para compreendê-los.

Efetivamente, a construção do conceito de uma “nova classe média” por Marcelo Néri carece de qualquer reflexão aprofundada. Néri simplesmente toma o “rendimento médio” como indicador daquilo que ele chama de classe C ou “nova classe média”. Em seguida imaginando, com isso, contornar todas as dificuldades desta noção, diz que não está falando de “classe social”, supostamente para tranquilizar os “sociólogos”, mas sim de “classes econômicas”8. O conceito de “classe econômica” é absurdo de fio a pavio, já que ou pressupõe que as determinações econômicas são as únicas variáveis realmente importantes para o conceito de classe – o que eu suponho seja efetivamente o caso, ainda que o autor não tenha a coragem de admitir9 –, ou, caso contrário, deveria simplesmente se referir a “faixas de renda” e não a “classes”. Néri usa o termo “classe”, posto que, desse modo, possibilita dar a impressão que “entrega” o produto, ou seja, no caso, que sua reflexão ajuda a compreender e a prever o “comportamento prático” das pessoas, que é o que importa saber. Como “faixas de renda” não possuem essa pretensão, ele acaba cedendo ao absurdo de se pleitear “classes econômicas”, ou seja, fazendo de conta que a simples determinação das faixas de renda esclarece o comportamento prático dos indivíduos.

Economicismo da distribuição e da produção

O problema é que, apesar de sua intenção explícita, a análise de Pochmann não é fundamentalmente diferente da de Néri. Ao contrário, para além das diferenças superficiais já apontadas, Pochmann compartilha todos os fundamentos essenciais da análise de Néri. Pochmann acrescenta, em relação a Néri, um estudo mais detalhado das “ocupações” que ganharam dinamismo no último momento econômico e confere menos ênfase aos dados de consumo. Assim, poderíamos dizer, utilizando as subdivisões consagradas por Karl Marx acerca da esfera econômica, que Néri pratica um “economicismo” da “distribuição”, enquanto Pochmann pratica um “economicismo” da “produção”. Mas, o principal, o “economicismo”, ou seja, a crença explícita ou implícita, de que a variável econômica por si só esclarece toda a realidade social está presente nos dois autores e contamina todas as suas hipóteses e conclusões.
Assim, ainda que eu concorde com as críticas de Pochmann, dirigidas provavelmente ao próprio Néri na introdução do seu livro, não acho que Pochmann acrescente qualquer ponto explicativo decisivo em relação a Néri que possa pô-lo no outro polo do debate brasileiro acerca dessas questões fundamentais. Citemos o próprio Pochmann literalmente:“Em síntese: entende-se que não se trata da emergência de uma nova classe – muito menos de uma classe média. O que há, de fato, é uma orientação alienante sem fim, orquestrada para o sequestro do debate sobre a natureza e a dinâmica das mudanças econômicas e sociais, incapaz de permitir a politização classista do fenômeno de transformação da estrutura social.”10

Assim como para Pochmann, meu interesse maior é precisamente estimular com “meios do esclarecimento científico” a “politização classista” das transformações sociais no Brasil recente. O que não acredito é que o trabalho de Pochmann – malgrado as preciosas “informações” que o tratamento sério e qualificado dos dados estatístico proporciona – tenha efetivamente contribuído de qualquer forma substancial para este desiderato. Afinal, não é simplesmente apresentando os dados – ainda que muito bem agrupados e esclarecidos – da estrutura ocupacional que se conhece e se compreende qualquer coisa relevante acerca da dinâmica das lutas de classe do Brasil contemporâneo.
Capital cultural
A onde reside a “cegueira de toda forma de economicismo”? Para mim, reside no fato de não perceber que o capital econômico não é única determinação importante da vida social. Ao contrário, sem, por exemplo, a percepção dos capitais cultural e social, o próprio capital econômico se torna incompreensível.
A faceta mais importante do “capital cultural” é o fato de ele ser uma “incorporação”, literalmente, “tornar-se corpo”, de toda uma forma de se comportar e de agir no mundo, a qual é “compreendida” por todos de modo inarticulado e não refletido. O “avanço científico”, aqui, é a superação da oposição entre corpo e espírito, na qual o corpo é pensado como “matéria sem vida” e sem “espírito”, em favor de uma concepção pela qual o corpo é compreendido como um “emissor de sinais” e como prenhe de significados sociais11. É precisamente esse “avanço científico” que permite perceber o trabalho da gênese e da reprodução das classes sociais e, portanto, da produção diferencial dos seres humanos que ela constitui para além da “cegueira” da percepção unilateral e amesquinhada da determinação econômica, seja na produção seja no consumo.
Assim, uma família de “classe média”, que tem menos capital econômico que a “classe alta”, só pode assegurar a reprodução de seus privilégios – como empregos de maior prestígio e salário, seja no mercado seja no Estado – se a família possui algum capital econômico para “comprar” o “tempo livre” dos filhos, que não precisam trabalhar cedo como os filhos das classes populares, para o estudo de línguas ou de capital cultural técnico ou literário mais sofisticado. Isso mostra a importância do capital econômico mesmo para as classes que não se reproduzem majoritariamente a partir dele como as classes altas. Ao mesmo tempo, a competição social não começa na escola. Para que possamos ter tanto o “desejo” quanto a “capacidade” de absorção de conhecimento raro e sofisticado, é necessário ter tido, em casa, na socialização com os pais ou quem ocupe esse lugar, o estímulo “afetivo” – afinal, nos tornamos “seres humanos” imitando quem amamos – para, por exemplo, a “concentração” nos estudos ou a percepção da vida como “formação contínua”, na qual o que se quer ser no “futuro” é mais importante que o que se é no “presente”.
Os filhos das classes médias, com grande probabilidade, possuem esses “estímulos” emocionais e afetivos, ou seja, possuem esse “capital cultural”, o que irá garantir a sua reprodução de classe como “classe privilegiada” em dois sentidos.
Em primeiro lugar, vão chegar como “vencedores” na escola e depois no mercado de trabalho e ocupar espaços que as “classes populares” – classe trabalhadora e “ralé” – não poderão alcançar. Em segundo lugar, reproduzem também a “invisibilidade” do processo social de produção de privilégios – que se realizam na privacidade dos lares – e que podem “aparecer”, posto que sua gênese é encoberta como “mérito individual” e, portanto, como “merecimento” dos filhos das classes médias.
Que o “privilégio” apareça como “merecido” é a forma especificamente capitalista e moderna de legitimação da desigualdade social.
A “cegueira” do economicismo é, portanto, dupla: ela é cega em relação aos aspectos decisivos que reproduzem todos os privilégios e é cega, também, em relação à falsa justificação social de todos os privilégios.
Mas, os limites do economicismo não param aí. O economicismo é incapaz até de perceber adequadamente o próprio capital econômico.
A reprodução das classes altas – que têm no capital econômico seu elemento principal na luta pelos recursos sociais escassos – também depende em boa medida de outros capitais.
Por exemplo, um rico sem “capital cultural” de alguma espécie – nem que seja aquela espécie de “cultura” que significa saber o vinho da hora ou qual ilha do pacífico que se deve levar a amante – não é levado a sério por seus pares. Ao “rico bronco” estão vedadas não apenas as importantes relações entre o capital econômico e o capital cultural, o qual possibilita a “naturalidade”, a “leveza”, o “charme pessoal”, tão importantes no mundo dos negócios como em qualquer outro lugar. Mas, a ele estão vedadas também as relações com uma terceira forma importante de capital – ainda que secundária em relação aos estudados anteriormente –, que é o “capital social de relações pessoais”12. É este capital que permite aquele amálgama específico entre “interesses e afetos”, tão importantes para a gênese e a reprodução de amizades, casamentos e alianças de todo tipo no interior de uma classe na qual a reprodução dos direitos de propriedade é tão decisiva.
Para além do economicismo
Como ir além da percepção limitada e superficial do capital econômico e, com isso, produzir uma percepção verdadeiramente crítica da realidade social brasileira? Esse foi precisamente o desafio a que nos propusemos nas duas pesquisas que redundaram em dois trabalhos publicados subsequentemente: um trabalho sobre os “muito precarizados” socialmente, que chamamos provocativamente de “ralé”13, e o trabalho sobre os “batalhadores”14, ou seja, os também precarizados socialmente, mas com maiores recursos e possibilidade de ascensão social. Os dois estudos representam, portanto, um esforço de compreender e responder àquela questão central – a única verdadeiramente fundamental – deixada de lado pelo economicismo, seja da produção seja do consumo: afinal, o que é que faz com que alguns ascendam e outros não?
A meu ver, o que há de novo e inédito no estudo dos desclassificados brasileiros é, antes de tudo, a percepção de que eles formam uma “classe social específica”15, com gênese, reprodução e “futuro provável” semelhante.
Tanto o senso comum como a ciência dominante entre nós deixam de perceber essa classe “enquanto classe” ao fragmentá-la ao ponto de torná-la irreconhecível. Mas, é possível defini-la, seja na periferia das grandes cidades do Sudeste seja, por exemplo, no sertão do Nordeste, como a classe social reduzida a “energia muscular”, posto que não dispõe – ou não dispõe em medida significativa – das pré-condições para a “incorporação do capital cultural” indispensável no capitalismo moderno para o trabalho no mercado competitivo.
Essa classe é, portanto, “moderna” posto que formada pela incapacidade estrutural, na sua socialização familiar – sempre de classe – de dispor dos estímulos afetivos e das pré-condições psíquicas, cognitivas e emocionais que possibilitam a incorporação do “conhecimento útil” necessário à reprodução do capitalismo competitivo.
Como o economicismo, arrogantemente míope, parte do indivíduo sem passado, já adulto e igual a todos e, portanto, sem classe, esta questão central sequer é percebida como relevante ainda que ela vá decidir, inclusive, que tipo de sujeito econômico será criado pelas distintas heranças de classe.
O “capital cultural” é constituído por ambas as coisas: tanto as pré-condições afetivas e psíquicas para o aprendizado; quanto pelo aprendizado em si do conhecimento julgado útil. No caso da “ralé”, a carência e o abandono são tamanhos que a questão principal é a da ausência – em maior ou menor medida – dos próprios pressupostos indispensáveis ao aprendizado do papel social de “produtor útil” no contexto da economia competitiva.
É isso também que faz com que essa classe não seja passível de ser confundida com o “lumpenproletariado” marxista, o famoso “exército de reserva do capital”, posto que, no capitalismo do tempo de Marx, a quantidade de “incorporação de conhecimento” necessária ao trabalhador era mínima, tanto que até crianças podiam realizar o trabalho das tecelagens de Manchester.
Com o desenvolvimento das forças produtivas do capitalismo, no entanto, a incorporação crescente de conhecimento aos meios de produção exige também que quem opera as máquinas – por exemplo, os robôs da indústria automobilística moderna – também seja “perpassado” por uma certa economia emocional e por conhecimento técnico. O trabalhador moderno do setor competitivo tem que ter “incorporado”, ou seja, tornado “corpo”, reflexo automático e naturalizado, tanto a disciplina e o autocontrole necessário ao “ritmo das máquinas” como o conhecimento para sua operação bem-sucedida.
Batalhadores e ralé
É esse tipo de “incorporação de capital cultural” que caracteriza as classes trabalhadoras modernas e que reencontramos nos “batalhadores” de nossa pesquisa.
A “ralé”, ao contrário – ainda que as fronteiras entre as diversas classes populares na realidade concreta sejam na maioria dos casos muito fluida –, pode ser definida, para fins analíticos, como a classe “abaixo” da classe trabalhadora, posto que caracterizada, para fins analíticos, pela ausência dos pressupostos acima definidos. Isso não significa, obviamente, que esta classe também não seja explorada. Ela o é de modo, inclusive, muito mais cruel, já que é jogada nas “franjas do mercado competitivo”, condenada a exercer todos os trabalhos mais duros, humilhantes, sujos, pesados e perigosos. As classes do privilégio exploram esse exército de pessoas disponíveis a fazer de quase tudo. Desde o motoboy que entrega pizza ao lavador de carros, ao trabalhador que carrega a mudança nas costas, à prostituta pobre que vende seu corpo para sobreviver, ou ao exército de serviçais domésticos que faz a comida e cuida dos filhos da classe média e alta que, assim, pode se dedicar a estudos ou trabalhos mais rentáveis.
É este tempo “roubado” de outra classe que permite reproduzir e eternizar uma relação de exploração que condena uma classe inteira ao abandono e à humilhação, enquanto garante a reprodução no tempo das classes do privilégio16. “Luta de classes” não é apenas a “greve sindical” ou a revolução sangrenta nas ruas que todos percebem. Ela é, antes de tudo, o exercício silencioso da exploração construída e consentida socialmente.
Usamos o mesmo método no estudo da classe que chamamos de “batalhadores”.
Aqui, a questão foi tentar perceber como é possível reverter o círculo vicioso de abuso sexual generalizado, instrumentalização dos mais fracos pelos mais fortes, baixa autoestima, baixa capacidade de concentração e autocontrole, etc., que caracteriza o cotidiano de muitas das famílias da “ralé”, e as condena a uma vida sem futuro e sem esperança. “Ascender socialmente” só é possível a quem logra incorporar as pré-condições que o capitalismo atual pressupõe para a crescente incorporação de distintas formas de conhecimento e de capital cultural como “porta de entrada” em qualquer de seus setores competitivos. A “fronteira” entre “ralé” e “batalhadores” – a qual é sempre fluida na realidade concreta – está situada precisamente na possibilidade da incorporação pelos batalhadores dos pressupostos para o aprendizado e o trabalho que faltam à “ralé”.
Dotar a vida de sentido
Mas, porque falta a uns o que é possível a outros nas fluidas fronteiras das classes populares? A resposta a essa questão exige o passo teórico que tomamos na nossa pesquisa de criticar e complementar o esquema “utilitarista” dos capitais em Bourdieu17. As pessoas também precisam dotar sua vida de “sentido”, de onde retiram tanto a autoestima quanto o reconhecimento social para o que são e o que fazem.
No estudo das classes populares essa dimensão é fundamental, porque o que se retira dos dominados socialmente não são apenas os “meios materiais”.
O domínio permanente de classes sobre outras exige que as classes dominadas se vejam como “inferiores”, preguiçosas, menos capazes, menos inteligentes, menos éticas, precisamente o que reencontramos em todas as nossas entrevistas. Se o dominado socialmente não se convence de sua inferioridade não existe dominação social possível18.
Precisamente, para percebermos adequadamente a dor e o sofrimento humanos envolvidos nesta condição, nós acrescentamos – à dimensão bourdieusiana “utilitarista” da teoria dos capitais que não se reduzem ao capital econômico – a dimensão “valorativa” do que as sociedades modernas julgam ser a “boa vida”. É a noção “prática” de “boa vida” que define o que é a “virtude” e, portanto, o que perfaz um indivíduo digno de respeito ou de desprezo. Essa dimensão é implícita e não articulada, mas todos nós nos julgamos a nós mesmos e julgamos os outros baseados nela durante as 24 horas do dia. Utilizamos a reconstrução do filósofo social canadense Charles Taylor19, que mostra, como nenhum outro, a relevância dessas categorias que se tornaram “instituições” e, portanto, “prática naturalizada” e irrefletida no mundo moderno. Para Taylor, assim como para Max Weber20, julgamos socialmente uns aos outros baseados nas figuras do “produtor útil” e da “personalidade sensível”. O “efeito de distinção” produzido pela noção implícita de “personalidade sensível” foi a base do estudo mais brilhante de Bourdieu21 acerca das lutas de classe na França.
Nos nossos estudos das classes populares brasileiras procuramos tornar operacional o conceito de “dignidade” do produtor útil. “Dignidade”, aqui, é um conceito “procedural”, e não substantivo, ou seja, ele não “é” um “valor moral específico”, mas um “conjunto de características psicossociais incorporadas praticamente” afetivas, emocionais e cognitivas, que fazem com que tanto a “autoestima” pessoal quanto o “reconhecimento” social sejam possíveis. É essa “seleção prática” que qualquer entrevista de emprego no mercado ou qualquer prova de concurso público procura fazer. É a mesma seleção que fazemos todos os dias acerca de quem apertamos a mão ou de quem evitamos até usar a mesma calçada. Essa dimensão é tão “encoberta” e “escamoteada” quanto a dimensão dos capitais não econômicos. Daí que a realidade social tenha que ser “reconstruída” de modo novo em pensamento para que faça sentido.
As classes populares não são apenas despossuídas dos capitais que pré-decidem a hierarquia social. Paira sobre as classes populares também o fantasma de sua incapacidade de “ser gente” e o estigma de ser “indigno”, drama presente em literalmente todas as entrevistas.
As classes com essa “insegurança generalizada”, como a “ralé” e boa parte dos “batalhadores”, estão divididas internamente entre o “pobre honesto”, que aceita as regras do jogo que o excluem, e o “pobre delinquente”, o bandido, no caso do homem, e a prostituta, no caso da mulher.
A maioria das famílias pobres convive com essa sombra e com essa ameaça, como a mãe da prostituta que a sustentava e que dizia à filha em uma discussão: “já fiz de tudo na vida, minha filha, mas puta eu nunca fui”22. Como o “estigma da indignidade” ameaça todos, vale qualquer coisa contra quem quer que seja para se conseguir um alívio momentâneo de tamanha violência simbólica.
Assim, as classes do privilégio não dispõem apenas dos capitais adequados para vencer na disputa social por recursos escassos. Elas possuem também a “crença em si mesmo”, produto de uma autoconfiança de classe, tão necessária para enfrentar todas as inevitáveis intempéries e fracassos eventuais da vida sem cair no alcoolismo e no desespero e usufruir do “reconhecimento social” dos outros como algo tão natural como quem respira. As classes populares, ao contrário, não dispõem de nenhum dos privilégios de nascimento das classes média e alta. A socialização familiar é muitas vezes disruptiva, a escola é pior e muitas vezes consegue incutir com sucesso “insegurança” na própria capacidade23, os exemplos bem-sucedidos na família são muito mais escassos, quando não inexistentes, quase todos necessitam trabalhar muito cedo e não dispõem de tempo para estudos, o alcoolismo, fruto do desespero com a vida, ou o abuso sexual sistemático são também “sobrerrepresentados” nas classes populares.
Os efeitos desse ponto de partida acarretam na incorporação da tríade disciplina, autocontrole e pensamento prospectivo, que está pressuposta tanto em qualquer processo de aprendizado na escola quanto em qualquer trabalho produtivo no mercado competitivo, seja parcial, incompleto ou até inexistente.
Socialização religiosa
Sem disciplina e autocontrole é impossível, por exemplo, “concentrar-se” na escola. Daí que os membros da “ralé”, que analisamos no nosso livro anterior sobre essa classe, diziam repetidamente que “fitavam” o quadro negro por horas a fio sem aprender. Essa “virtude” não é natural, como pensa o economicismo, mas um “aprendizado de classe”. Por outro lado, sem pensamento prospectivo – ou seja, a visão de que o futuro é mais importante que o presente –, não existe sequer a possibilidade de condução racional da vida pela impossibilidade de cálculo e de planejamento da vida pela prisão no “aqui e agora”.
No contexto das classes populares, nosso estudo dos batalhadores se concentrou na determinação das fronteiras que os separam da “ralé”, por um lado, e da classe média verdadeira, por outro. Observamos, por exemplo, fontes importantes de “autoconfiança” individual e de solidariedade familiar baseada na socialização religiosa, temas negados por estudiosos conservadores24.
O tipo de religiosidade pentecostal, crescentemente importante nas classes populares brasileiras, tende a ser, nos “batalhadores”, dominado pelas denominações mais “éticas” – ao contrário da “ralé”, na qual predominam as denominações mais “mágicas” do pentecostalismo – no qual a “regulação racional da vida cotidiana” e a “crença na própria capacidade” passam a ser o valor máximo25. Isso implica, nos melhores casos, a possibilidade de se conquistar tardiamente estímulos morais e afetivos que, nas classes do privilégio, é dado pelo horizonte familiar em tenra idade.
Incorporação dos pressupostos emocionais
Assim, do mesmo modo que a não incorporação familiar, escolar e social dos pressupostos de qualquer aprendizado e trabalho moderno é o que produz e reproduz a ralé, os “batalhadores” representam a fração das classes populares que lograram sair deste círculo vicioso. Como as fronteiras, aqui, são muito fluidas, isso significa que não existe “classe condenada” para sempre. Com condições políticas e econômicas favoráveis, os setores que lograram incorporar, seja por socialização religiosa tardia, seja por pertencerem a famílias comparativamente mais bem estruturadas – malgrado o ponto de partida desvantajoso comum a todas as classes populares –, a incorporação das pré-condições para o desempenho do papel social do “trabalhador útil”, podem ascender socialmente.
Além da importância inegável, para classes socialmente tão frágeis, da variável religiosa, procuramos perceber a dinâmica e os efeitos da incorporação, ainda que tardia, familiar e extrafamiliar, dos pressupostos emocionais, afetivos, morais e cognitivos para a “ação econômica racional” nas classes populares. Este é o caminho oposto de toda forma de economicismo, que simplesmente “pressupõe” e, portanto, “naturaliza” o “ator econômico universal”, escondendo a “luta de classes” que implica, precisamente, uma incorporação diferencial e seletiva desses pressupostos.
A maior parte do livro, inclusive, se dedica a compreender, levando em conta as desvantagens do ponto de partida das classes populares, como se aprende, na “prática”, com erros e acertos, por exemplo, a “ser um trabalhador” ou a calcular e a administrar um pequeno negócio de um trabalhador autônomo26?
Ou ainda, na dimensão mais política e social, tentar responder a questão acerca das bases da solidariedade familiar pressuposta nas pequenas unidades produtivas. Ou, ainda, de como o trabalhador formal, mas, precário, especialmente dos serviços e do comércio27, são tornados reféns de uma legitimação de um novo tipo de capitalismo que se expande precisamente para essas áreas do capitalismo moderno28.
O economicismo é, portanto, cego em relação tanto à “estrutura social”, que implica a consideração de capitais que não se restringem ao econômico, como é cego em relação ao ponto verdadeiramente decisivo em relação às classes sociais: a forma “velada” e “encoberta” de como as classes sociais são produzidas e reproduzidas.
Se o economicismo é incapaz de perceber a gênese e a reprodução das classes, ele é incapaz de compreender qualquer fato realmente importante em relação à dinâmica das classes sociais.
Ele pode até “falar” de classes sociais, mas sua compreensão deste fenômeno tão decisivo e central difere muito pouco da forma como o senso comum (não) percebe as classes. É isso que permite que Pochmann trate apenas do mundo das ocupações e pense estar oferecendo uma análise verdadeiramente compreensiva das relações de classe no Brasil moderno. É isso que permite também Néri falar de “classes econômicas” – envolvendo apenas faixas de renda – e achar que está “interpretando” as novas relações de classe do Brasil contemporâneo.
As manifestações de junho (de 2013 – inclusão do blog dialogosessenciais) e a cegueira política das classes
O economicismo, como narrativa social dominante, não esconde apenas as reais condições da luta de classe social e econômica entre nós. Ela impossibilita também a percepção adequada da política. Como a dinâmica das classes e de seus interesses é permanentemente silenciada e escamoteada, a “política” aparece sempre com máscaras e com outros nomes. A opacidade da percepção das relações entre as classes no Brasil, no mundo da política, pode ser muito bem demonstrada a partir da análise das manifestações de junho de 2013.
A grande fraude e a grande mentira das “jornadas de junho” são a impressão de que o “vilão” está no Estado, e a “sociedade”, engajada e politizada, é o “mocinho”.
Os jornais estrangeiros falaram, então, cheios de esperança, da “primavera brasileira”, e a fraude se torna perfeita: reconhecida, aplaudida, admirada. Mas, na verdade, quem até agora ganhou e colheu frutos com a “primavera brasileira” foram as forças mais conservadoras do país. Como isto se explica? Como tantos se deixam enganar?
Para esclarecer este ponto central temos que analisar o que quase nunca chama a atenção de ninguém: a “sociedade” brasileira e seus conflitos de classe essenciais.
É certo que, no início das manifestações em São Paulo e em outras capitais do Brasil, o tema da mobilidade urbana associado às demandas de melhor educação e saúde, sob a pressão de estudantes tanto da classe média quanto da periferia das capitais, dominou a pauta de reivindicações. É certo também que as manifestações se irradiaram, de modo tópico e passageiro, para favelas e para a periferia não estudantil. Nos primeiros dias, uma aliança entre estudantes e “batalhadores” da classe trabalhadora precária, que tratamos mais acima neste texto, foi a grande responsável por uma pauta de reivindicações em consonância com os interesses das classes populares.
No entanto, o dia 19 de junho – fato comprovado pelas pesquisas do Ibope feitas com os manifestantes em dimensão nacional29 – foi um ponto de inflexão fundamental que ajuda a esclarecer a força narrativa e institucional do pacto conservador brasileiro contemporâneo.
Foi a partir deste dia que as manifestações se tornaram massificadas e ganharam todo o apoio da mídia nacional, assumindo a “classe média verdadeira” – os 20% mais escolarizados e de maior renda, segundo a pesquisa – de modo claro e inconteste o protagonismo do movimento.
Quem são as classes médias e o que elas querem? Essa simples questão já muda todo o horizonte dominante das questões associadas às manifestações. As classes médias são certamente segmentadas, ou seja, elas possuem grupos com interesses e ideias distintas, mas os segmentos mais numerosos e importantes das classes médias brasileiras defendem com paixão incomum um núcleo de ideias comuns.
Para que possamos compreender a singularidade da “visão de mundo” da classe média brasileira, precisamos, antes de tudo, perceber o que existe de não específico nesta classe, ou seja, o que ela compartilha com todas as outras classes médias do mundo.
As classes médias são classes do privilégio no mundo todo. Como toda classe privilegiada, a classe média tem interesse em “esconder as causas do privilégio injusto”.
Ao contrário da “classe dos endinheirados” acima dela, cujo prestígio se baseia no monopólio do capital econômico, o privilégio da classe média se baseia, como vimos acima, na apropriação de capital cultural altamente valorizado e indispensável para a reprodução de mercado e Estado.
Este tipo de capital se materializa, por exemplo, no conhecimento oferecido nos cursos universitários de prestígio, nas pós-graduações, no conhecimento de línguas estrangeiras, etc. Mais importante ainda é perceber que o capital cultural não são apenas títulos escolares, mas, antes de tudo, o aprendizado na socialização familiar desde tenra idade de certas “disposições invisíveis para o comportamento competitivo”.
Classe média se imagina como radical, no Brasil
Essas disposições são transmitidas pelos pais aos filhos como uma “herança cultural”: ensina-se aos filhos a disposição para o autocontrole, para a disciplina, para o pensamento prospectivo (que percebe o futuro como mais importante que o presente) ou ainda para a capacidade de concentração. Em seu conjunto, essas disposições serão o fundamento do sucesso escolar e, depois, no mercado de trabalho. Como essa transmissão é “invisível”, posto que “naturalizada” e realizada no interior dos lares, a classe média tende a se acreditar como a classe do “milagre do mérito individual”, conquistado pelo esforço, e não por privilégios de nascimento.
A classe média é a classe da “meritocracia” por excelência, retirando dessa falácia sua “dignidade” específica.
Como dizia Max Weber, todas as classes dominantes em todo lugar e em todas as épocas não querem apenas usufruir os privilégios que são a base de sua felicidade. Elas querem também saber que “têm direito aos privilégios”.
Assim, é necessário tornar invisível todos os privilégios de nascimento, que possibilitam, por exemplo, sua transformação no “milagre do mérito individual”.
Isso acontece não só no Brasil, mas nos EUA, na França, na Alemanha.
Garante-se a “boa consciência” do privilegiado, que passa a achar que tem “direito” a prestígio, reconhecimento e melhores salários e a culpar as vítimas, de um processo social que torna invisível a injustiça, por sua própria miséria e sofrimento, como se fosse possível “escolher” ser humilhado e pobre.
Mas, o mais importante para nossos fins aqui é o fato de que a dominação social no Brasil se enfeita de outros atributos que não existem em outros lugares.
Aqui, afinal, é o país em que a classe média “tira onda” de revolucionária, de agente da mudança e de lutadora por um “Brasil melhor”.
Nenhum europeu imagina isso de suas classes médias. As conquistas sociais das democracias europeias foram fruto das lutas das classes trabalhadoras e ninguém sensato por lá duvida disso.
Mas, no Brasil, uma classe privilegiada, cujo interesse primeiro é na reprodução do mundo como ele é, adora se imaginar como “radical” e agente da mudança.
É isso que é necessário esclarecer e compreender, posto que é isso que nos singulariza.
É isso também que pode nos mostrar como a extraordinária vitalidade das ruas pode se transformar no reforço do que há de pior e de mais conservador no Brasil.
Do mesmo modo que as classes do privilégio em todo o mundo realmente “acreditam” que seus privilégios são “merecidos”, posto que advindos supostamente de seu mérito pessoal, cada sociedade constrói também um “mito nacional” dominante, que vai ajudar a explicar, a pessoas que não são especialistas no funcionamento de uma sociedade tão complexa como a moderna, de modo simplificado, em que sociedade vivemos e quais são suas virtudes e defeitos.
Toda sociedade moderna produz, portanto, um “mito”, uma espécie de “conto de fadas para adultos” que distorce a realidade tanto quanto a falácia da meritocracia para justificar a dominação social.
No Brasil, esse “conto de fadas” assume a forma da oposição mercado/Estado.
Sérgio Buarque foi o primeiro a inverter o diagnóstico positivo de Gilberto Freyre acerca das virtudes da cultura brasileira, ao perceber o “brasileiro” como um tipo singular, sem pertencimento de classe – como se o brasileiro do Leblon fosse o mesmo do complexo do alemão – e chamá-lo de “homem cordial”. O “homem cordial” é emotivo e prefere os amigos à lei nesta leitura.
Interessante é que Buarque vai associar o “homem cordial” ao Estado, supostamente patrimonial e corrupto, e principal obstáculo à modernização brasileira.
Com Raymundo Faoro e o seus “donos do poder”, esta mesma perspectiva contrapõe de modo decidido o mercado como a “virtude” e berço da democracia, e o Estado como “vício”, sendo só entrave, berço da ineficiência e da corrupção. É esta perspectiva de Faoro que produziu o “conto de fadas” dominante do Brasil moderno.
Não se compreende as ideias que dominam o imaginário social de uma sociedade sem compreender que elas são sempre, antes de tudo, ideias difusas no meio social que são articuladas por intelectuais.
Para que essas ideias possam, então, conquistar as universidades, as escolas, os partidos, a mídia e ganhar espaço para exercer influência e se institucionalizar, têm que estar associadas a interesses poderosos.
Nesse sentido, é interessante notar que a segunda edição do livro de Faoro foi editada em meio à luta contra a ditadura militar, quando o Estado era efetivamente, para todos, indistintamente, da direita liberal/conservadora à esquerda, o mal enquanto tal, o vício.
E foi precisamente a partir dos anos 1970 que essa leitura da realidade se tornou “visão de mundo” institucionalizada, com influência em todos os partidos, universidades e imprensa, supostamente representando o interesse maior de todos, representando o “bem” enquanto tal.
Mercado “virtuoso”, Estado “corrupto”
Esse  “conto de fadas para adultos”, como todo conto de fadas, infantiliza, distorce o mundo e nos faz de tolos se não temos mais cinco anos de idade.
A simples ideia da separação entre mercado e Estado é absurda. Os dois formam, afinal, um complexo único, dependente um do outro.
Não existem, por exemplo, contratos válidos no mercado – e todos os atos do mercado são contratuais – sem que o Estado forneça o aparato de justiça e de repressão para obrigar o cumprimento contratual.
Por outro lado, o Estado depende da produtividade do mercado para sua receita fiscal. Esses exemplos podem ser multiplicados por mil. Um não existe sem o outro.
Antes de tudo, para tocar no tema central das manifestações, não existe corrupção sistemática no Estado sem que seja provocada por interesses de mercado.
Aqui não existe “santinho”, nem “virtuoso”. Então, por que precisamente “escolher” mercado e Estado como os termos de nosso “conto de fadas”? Porque em sociedades que se percebem como formadas por indivíduos e não por classes – para melhor ocultar os conflitos e exploração de classes – os conflitos de classe, ainda assim, precisam ser articulados de algum modo, mesmo que de modo distorcido.
Nada mais natural que mercado e Estado constituam a “semântica possível” de uma luta de classes encoberta, já que, nas sociedades modernas, a proteção às classes dominadas tem sido historicamente tarefa do Estado, por exemplo, garantindo educação e saúde mesmo para os mais pobres. É de interesse dos “endinheirados”, no entanto, que todas as dimensões da vida social fiquem à mercê do interesse de lucro.
Quando FHC dizia em seu governo que o Estado era ineficiente e, portanto, não deveria investir nas universidades públicas, as universidades privadas – todas muito mais eficientes que as públicas como todos sabemos – tiveram campo livre para expandir seus interesses. É para isso que serve o conto de fadas do mercado virtuoso e do Estado corrupto e ineficiente.
Assim, pode-se concentrar quase 70% do PIB brasileiro em ganhos de capital, cuja parte do Leão vai para o bolso dos endinheirados, que perfazem menos de 1% da população, e apenas 30% para salários para a enorme maioria da população.
Nas democracias europeias, por exemplo, essa relação é inversa. Para o punhado de “endinheirados” que controla mídia conservadora, parlamento e finanças nosso “conto de fadas” é caído do céu.
Temos um capitalismo selvagem e concentrador, um debate público superficial e pobre como as histórias infantis, uma das sociedades mais desiguais e perversas do planeta e a raiz dos problemas brasileiros é visto em um espantalho: o Estado, supostamente só ele corrupto e ineficiente.
A classe média que foi em massas às ruas a partir do dia 19 de junho (de 2013, acrescentado por este blog) e que foi a responsável pela mudança de pauta das demandas por melhor transporte, escolas e saúde, demandas típicas das classes populares, em favor das suas demandas centralizadas nas denúncias de corrupção – sempre estatal e personalizada –, na verdade, agiu tanto como “tropa de choque” do interesse dos endinheirados, como, em parte, em interesse próprio.
O tema da corrupção, lá longe em Brasília, ajuda a reproduzir também seus próprios privilégios de classe. Uma classe social, como a classe média brasileira, que explora os excluídos sociais em serviços domésticos que lhes permitem poupar tempo livre para incorporar ainda mais conhecimento e mais capital cultural para a reprodução indefinida de seus privilégios – enquanto condena os excluídos à reprodução de sua própria miséria – pode “posar” de humana, corajosa e virtuosa, ao sair às ruas para condenar sempre um “outro” que não nós mesmos. O privilégio, afinal, precisa ser justificado ou tornado invisível para se reproduzir.
Toda distorção da realidade bem-sucedida precisa criar um vínculo “afetivo” no seu público, o qual é muito mais importante que seu poder de esclarecimento.
A classe média “deseja” acreditar nesse “conto de fadas”, porque ele transforma milagrosamente sua extraordinária “irresponsabilidade social” – uma classe dominante que sequer percebe as necessidades de 80% de seus compatriotas condenados a uma subvida – em “heroísmo”.
Heroísmo este prontamente glorificado por uma grande imprensa que “posa” de neutra, como se fosse uma sociedade de fins públicos e não tivesse proprietários privados “endinheirados” e interessados em continuar a curtir as benesses da riqueza socialmente produzida concentrada em suas mãos.
Mas, a classe média é também vítima da “violência simbólica” que a infantiliza.
Ela é heterogênea e também tem parcelas expressivas que desejariam se engajar para melhorar a sociedade brasileira e só têm – no contexto da pobreza de nosso debate público – o mesmo “conto de fadas” repetido à exaustão e em mil variações.
A abissal desigualdade brasileira não humilha e desumaniza apenas os excluídos sociais que perfazem ainda 30% da população.
Não existe problema real no Brasil que não advenha de sua monumental desigualdade: (in)segurança pública, gargalo da mão de obra qualificada, escola e saúde pública de má qualidade.
O que distancia o Brasil das sociedades que admiramos não é a corrupção, que é um problema real em qualquer lugar. O que nos afasta das sociedades “moralmente superiores” é que exploramos, aceitamos e tornamos fato natural e cotidiano conviver com gente sem qualquer chance real de vida digna e sem termos nenhuma culpa nisso.
O que os endinheirados controlam
Mesmo a parcela não crítica desta classe também é vítima do “conto de fadas” brasileiro que ela própria defende. Afinal, a classe média é também explorada pelos “endinheirados”, o que se reflete na sua ansiedade pelo custo de vida crescente e insegurança social.
Grande parte do custo de vida brasileiro tem a ver com preços exorbitantes dos oligopólios e monopólios brasileiros que possuem taxa de lucro muito maior que em outros lugares.
O mesmo acontece com uma das taxas de juro mais altas do planeta. Embora pagando seis ou sete vezes mais caro por serviços de telefonia celular que um europeu ou americano, pagando o dobro da taxa de lucro nos automóveis e serviços privados cada vez mais caros em todos os ramos da indústria e do comércio, a classe média se imagina vítima do “Estado”.
A classe média se escandaliza com os escândalos cotidianos fomentados pela mídia conservadora, mas sequer percebe sua espoliação cotidiana pela camada ínfima de endinheirados de uma das sociedades modernas de capitalismo mais concentrado e desigual.
Como as relações entre as classes não são compreendidas, o caminho se torna aberto a todas as formas mascaradas de interpretação da realidade social, que permitem a transmutação do privilégio particular em suposto interesse universal.
O 1% de endinheirados não controla apenas a economia e a propriedade. Eles controlam também a imaginação dos 99% restantes ao deslocar o foco de atenção da distribuição desigual de riqueza e privilégio para o espantalho da “corrupção estatal” como causa de todos os males.
A quem interessa, afinal, a estigmatização do Estado como ineficiente e corrupto – como se o nosso mercado de produtos e serviços caros de baixa qualidade fosse eficiente e virtuoso – se não àqueles menos de 1% que podem transformar áreas de atuação do Estado em terreno de apropriação privada e de lucro?
Refiro-me aqui às áreas duramente conquistadas pelas classes populares, como educação e saúde, que deveriam independer do fato de se nascer ou não em uma família privilegiada.
Hoje em dia, é a classe média que paga preços exorbitantes a serviços que poderiam e deveriam ser públicos e de boa qualidade e, ainda, sai às ruas para defender, como uma boa tropa de choque imbecilizada, os interesses dos seus algozes.
A cegueira brasileira acerca de suas lutas de classe não faz apenas com que não percebamos as dores e os sofrimentos das classes populares, nem os limites do combate à desigualdade com meios estritamente economicistas. Ela, antes de tudo, permite que menos de 1% da população faça de tolos todos os outros 99%.

Possui graduação em Direito pela Universidade de Brasília (1981), mestrado em Sociologia pela Universidade de Brasília (1986), doutorado em Sociologia pela Karl Ruprecht Universität, Heidelberg, Alemanha (1991), pós doutorado em filosofia e psicanálise na New School for Social Research de Nova Iorque, EUA (1994-1995) e livre docência em sociologia pela Universität Flensburg, Alemanha (2006). Realizou diversos estágios pós-doutorais e, como Professor visitante, na Universität Bremen, Alemanha (1999-2000).

Escreveu como autor e organizador 23 livros além de mais de 100 artigos e capítulos de livros em diversas línguas, sobre teoria social, pensamento social brasileiro e estudos teórico/empíricos sobre desigualdade e classes sociais no Brasil contemporâneo.

Atualmente é Professor titular de ciência política da UFF (Universidade Federal Fluminense). (Texto informado pelo autor)

Políticas de austeridade econômica: o debate sobre alternativas

Revista Política Social e Desenvolvimento

Políticas de austeridade econômica: o debate sobre alternativas

Nesta edição #16 da Revista Política Social e Desenvolvimento, seguimos no debate sobre a gestão macroeconômica e seus impactos sobre o desenvolvimento e a questão social. Os três artigos desta edição fornecem subsídios para um questionamento dos ajustes e um panorama das opções disponíveis, como elas aparecem no cenário internacional, e as possibilidades abertas para o Brasil.

O artigo “Estado da Arte da Política Econômica”, de Fernando Nogueira da Costa, lança uma questão para debate: com base na experiência internacional, quais são as alternativas para a gestão da política econômica brasileira neste cenário pós-crise? Qual é o estado das artes desse debate no plano internacional?

Em “Não existe não haver alternativa”, Carlos Pinkusfeld Bastos retoma a trajetória dos fenômenos econômicos no século XX e seu impacto na formação de consensos de política econômica. O autor busca semelhanças e divergências entre o período…

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Vem Pra Rua – supra ou super partidário ?

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LÍDER DE MASSAS, DO MOVIMENTO VEM PRA RUA, SE VÊ SUPRAPARTIDÁRIO, AHAN ….

Publicado originalmente no 24/7

22 DE MARÇO DE 2015
247 – O empresário Rogerio Chequer, de 46 anos, apontado como líder do movimento Vem pra Rua ganhou um alentado empurrão de veículos de comunicação públicos e privados. Neste fim de semana, foi o entrevistado das páginas amarelas, de Veja. Amanhã, estará no Roda Viva, da TV Cultura, que é ligada ao governo paulista. Aparentemente, o objetivo é manter acesa a chama das manifestações do último dia 15 de março – a próxima está marcada para 12 de abril.

Nas páginas de Veja, Chequer foi incapaz de apresentar uma única e singela ideia. Apenas repetiu chavões como “o gigante acordou e não irá mais dormir”. Qual a agenda do Vem pra Rua? Talvez nem ele saiba, a não ser atuar como um instrumento para a derrubada de um governo legitimamente eleito: o da presidente Dilma Rousseff.

Da entrevista, destacam-se, no entanto, algumas pérolas. Abaixo, a primeira delas:

“O movimento é suprapartidário. A partir do momento em que nos aliarmos a algum nome ou sigla, criaremos conflitos de interesse. Precisamos ter a prerrogativa de poder monitorar ou criticar políticos e governantes de qualquer partido”.

Será mesmo? Num vídeo recente, ao lado do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (assista aqui), Chequer pediu votos ao candidato Aécio Neves. Numa das imagens de seu Facebook, uma que se destaca (confira aqui) é na campanha de 2014, ao lado do senador José Serra.

O jornalista Pedro Dias Leite, de Veja, chegou até a perguntar se Chequer estaria disposto a protestar contra algo que envolva algum político tucano. A resposta é a segunda pérola da entrevista:

“Sim, mas é preciso tomar cuidado (…) Para ficar claro: de onde devemos começar a mudança? De cima, é o que achamos. Como diz o ditado: escada se lava de cima pra baixo. Depois, quase todos os nossos colaboradores têm uma atividade profissional, precisam trabalhar oito, dez, doze horas por dia. Ninguém aqui vive disso. Temos de ter foco”.

Portanto, que fique claro: a agenda política do Vem Pra Rua nasce e termina na eventual derrubada da presidente Dilma.

Afinal, Chequer não vive disso. A propósito, sua atividade profissional é curiosa. Ele é sócio de uma empresa, chamada Soap, que ensina executivos a preparar palestras em power-point. (Obs: na matéria original existe um vídeo, que não reproduzimos aqui. Diálogos Essenciais).

É com essas credenciais, a de um executivo que criou uma empresa para ensinar outros executivos a usar o power-point, que Chequer se dispõe a liderar manifestações no País. Protestos, como ele mesmo diz, com o foco de lavar a escada de cima pra baixo.

Confira, abaixo, a chamada do Roda Viva sobre a entrevista com este intrigante líder de massas tucano:

Roda Viva entrevista líder do movimento Vem Pra Rua

Rogerio Chequer fala da repercussão gerada pelas manifestações no último dia 15, em todo o Brasil. O programa vai ao ar na próxima segunda-feira (23/3), às 22h, ao vivo, na TV Cultura

No último dia 15, grupos de protesto como o liderado por Rogerio Chequer, o Vem Pra Rua, reuniram na Avenida Paulista, em São Paulo, segundo a Polícia Militar, mais de 1 milhão de brasileiros descontentes com a corrupção no País e com o Governo da presidente Dilma Rousseff.

No Roda Viva da próxima segunda-feira (23/3), o porta-voz do movimento fala da repercussão do ato, dá sua opinião sobre a crise política brasileira e explica como nasceu e quais as intenções do projeto. Apresentado pelo jornalista Augusto Nunes, o programa vai ao ar às 22h, ao vivo, na TV Cultura.

Rogerio Chequer é empresário e um dos fundadores do Vem Pra Rua. Considerado o mais moderado dos que foram às ruas no dia 15, o movimento se auto-intitula como espontâneo, composto por integrantes da sociedade civil, suprapartidário e que pretende trazer para a rua todas as pessoas que estão indignadas com a corrupção no país.

Na última terça-feira (17/3), o Vem Pra Rua divulgou uma carta aberta de repúdio à reação do governo federal após as manifestações do dia 15. Com o título “Eles não entenderam nada”, o texto diz que a resposta do governo foi orquestrada, estabanada, ofensiva e mal intencionada.

O Roda Viva conta com uma bancada de entrevistadores formada por Mauro Paulino (sociólogo e diretor-geral do Instituto de Pesquisa Datafolha), Glenda Mezarobba (cientista política), Gabriel Manzano Filho (repórter do jornal O Estado de S. Paulo), Carla Jimenez (editora-chefe do jornal El País no Brasil) e Daniela Lima (repórter de política do jornal Folha de S. Paulo). O cartunista Paulo Caruso tem presença fixa e é responsável por desenhar caricaturas do convidado.

Depois do consumismo, o quê?

 

Foto: akatu.org

A grande ferramenta de controle social da pós-modernidade está em crise. Mas para superá-la, não bastam discursos. O decisivo é reinventar experiências e laços sociais

Por George Monbiot | Tradução: Inês Castilho

Uma mulher entra numa grande loja de varejo. Sufocada pelas prateleiras abarrotadas, música melosa, cartazes de ofertas, consumidores indiferentes que perambulam pelos corredores, ela e é levada a gritar – repentinamente e para seu próprio espanto. “Isso é tudo o que existe?” Um funcionário sai de seu posto e vem até ela: “Não, minha senhora. Tem mais coisas em nosso catálogo.”

Essa é a resposta que recebemos para tudo – a única resposta. Podemos ter perdido nossos vínculos, nossas comunidades e nossa noção de sentido e valor, mas sempre haverá mais dinheiro e objetos com que substituí-los. Agora que a promessa evaporou, o tamanho do vazio torna-se compreensível.

Não que a velha ordem moderna fosse necessariamente melhor: era ruim de modo diferente. Hierarquias de classe e gênero esmagam o espírito humano tão completamente quanto a fragmentação. A questão é que o vazio preenchido com lixo poderia ter sido ocupado por uma sociedade melhor, construída sobre apoio mútuo e conectividade, sem a estratificação asfixiante da velha ordem. Mas os movimentos que ajudaram a quebrar o velho mundo foram favorecidos e cooptados pelo consumismo.

A individuação, resposta necessária à conformidade opressiva, é capturável. Novas hierarquias sociais, construídas em torno de bens que dão status, e consumo compulsivo tomaram o lugar da velha. O conflito entre individualismo e igualitarismo, ignorado por aqueles que ajudaram a quebrar as velhas normas e restrições opressivas, não se resolve por si mesmo.

De modo que nos encontramos perdidos no século 21, vivendo num estado de desagregação social que dificilmente alguém desejou, mas emerge de um mundo que depende do aumento do consumo para evitar o colapso econômico, saturado de publicidade e enquadrado pelo fundamentalismo de mercado. Habitamos um planeta que nossos ancestrais achariam impossível imaginar: 7 bilhões de pessoas padecendo de solidão epidêmica. É um mundo feito por nós, mas que não escolhemos.

Agora, tudo indica que a festa para a qual fomos convidados é restrita aos poucos. Há duas semanas, a Oxfam revelou que o 1% mais rico do planeta possui agora 48% da riqueza mundial; e ano que vem, eles terão mais que o resto do mundo inteiro junto. No mesmo dia, uma empresa austríaca divulgou o modelo de seu novo superiate. Construído sobre o casco de um navio petroleiro, medirá 280 metros (918 pés) de comprimento. Terá 11 decks, três helipontos, teatros, salas de concerto e restaurantes, carros elétricos para levar proprietário e hóspedes de um lado para o outro do navio, e uma pista de esqui com quatro andares.

Em 1949, Aldous Huxley escreveu a George Orwell argumentando que sua própria visão distópica era a mais convincente. “O desejo de poder pode ser tão plenamente satisfeito quando se leva as pessoas a amarem sua servidão quanto se você as flagela e chuta para que obedeçam…” Não creio que estivesse errado.

O consumismo é contrário ao bem comum. Ele reprime a sensibilidade, embotando nosso interesse por outras pessoas. A liberdade de gastar desloca outras liberdades, assim como comer em posição de lótus possibilita esquecer nossas carências. A maioria das formas pacíficas de protesto são agora proibidas, mas ninguém nos impede de devorar os recursos dos quais dependem as futuras gerações. Tudo isso ajuda os oligarcas globais a esgarçar a rede de segurança social, encontrar um jeito de aliviar-se das restrições impostas tanto pela democracia quanto pela tributação e neutralizar ou privatizar o bem comum.

Assim como a sociedade humana foi despedaçada pelo consumismo e pelo materialismo, empurrando-nos para uma Era da Solidão sem precedentes, os ecossistemas foram destroçados pelas mesmas forças. É a mentalidade consumista, elevada à escala global, que agora nos ameaça com um colapso climático, catalisa uma sexta grande extinção de espécies, põe em risco o abastecimento global de água e violenta o solo do qual toda a vida humana depende.

Mas eu não acredito que o consentimento à servidão, vislumbrado por Huxley, seja um estado permanente. A estagnação dos salários, a brutalidade das novas condições de emprego, o rompimento do vínculo entre progressão educacional e avanço social, a impossibilidade para muitos jovens de encontrar boa moradia: tudo nos confronta com a pergunta que só poderia ser adiada em condições de crescimento geral da prosperidade – “isso é tudo o que existe”?

Como sugere o crescimento do Syriza e do Podemos, não é possível construir movimentos políticos que desafiem essas questões se não construirmos também relações sociais. Não é suficiente convocar as pessoas a mudar suas políticas: precisamos criar não só identidade com projetos políticos, mas também experiências de apoio mútuo que ofereçam a segurança, a sobrevivência e o respeito que o Estado não mais proverá.

Em uma série notável de iniciativas que se desdobram além de seus temas usuais, a rede Amigos da Terra começou a explorar as formas como podemos nos reconectar uns com os outros e com o mundo natural. Está, por exemplo, procurando novos modelos para a vida urbana com base na partilha, ao invés do consumo competitivo. Partilha não apenas de carros, eletrodomésticos e ferramentas, mas também de dinheiro (por meio de cooperativas de crédito e microfinanças) e poder. Isso significa um processo de decisões, liderado pela comunidade, em relação a temas como transporte, planejamento e talvez os níveis de renda, salários mínimos e máximos, os orçamentos municipais e a tributação.

Tais iniciativas não substituem a ação governamental: sem a articulação do Estado, elas perdem sentido. Mas podem unir pessoas com uma noção comum de propósito, pertencimento e apoio mútuo que os processos centralizados nunca poderão proporcionar.

Os Amigos da Terra também apoiam a revolução da empatia liderada pelo autor Roman Krznaric, e a educação permanente, que poderia contrapor-se à escolaridade sempre mais restrita, hoje imposta a nossos filhos – uma educação cujo objetivo é preparar as pessoas para empregos que nunca terão, a serviço de uma economia organizada em benefício de outros.

Nessas ideias e movimentos encontramos os sinais de uma resposta à pergunta inicial. Não, isso não é tudo que existe. Há conexão. Apesar dos melhores esforços daqueles que acreditam não haver algo chamado  sociedade, não perdemos nossa capacidade de nos vincular.

Cartel e Acordo de Leniência

Interessante proposta do Fernando Nogueira, sobre como tratar as pessoas jurídicas que forem condenadas por desvios de verbas públicas.
Paulo Martins – dialogosessenciais.com

Blog Cidadania & Cultura

bruxas

Um debate público importante está acontecendo devido à contingência ocorrida com a Operação Lava-Jato e a dependência de trajetória que leva ao risco de crise sistêmica. De um lado, o Ministério Publico Federal (MPF) e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), desejam denunciar criminalmente por cartel tanto os executivos de empreiteiras e os ex-diretores da Petrobras, quanto as empresas, responsabilizando-as por ilícitos. De outro lado, lideranças políticas que têm responsabilidade quanto à condução do desenvolvimento do País insistem na tese de que o País precisa punir apenas pessoas físicas envolvidas nos crimes investigados e fazer Acordos de Leniência com as pessoas jurídicas.

A gana de “caça às bruxas” não pode ser “mais realista que o próprio rei”! Condenará a população brasileira a sofrer as consequências de um maior atraso econômico na construção de infraestrutura, inclusive energética, e logística, durante o longo período de investigação e julgamento desse processo jurídico.

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Uma experiência de choque: o encontro com José Mujica

Leonardo Boff

Participando de um congreso iberoamericano sobre Medicina Familiar e Comunitária, realizado em Montevideo dos dias 18-22 de março, tive a oportunidade sempre desejada de um encontro com o ex-presidente do Uruguai José Mujica. Finalmente foi possível no dia 17 de março por volta das 16.00 horas. Tal encontro deu-se em sua Chácara, nos arredores da capital Montevideo.

Encontramos uma pessoa que vendo-a e ouvindo-a somos imediatamente remetidos a figuras clássicas do passado, como Leon Tolstoi, Maathma Gandhi, Chico Mendes e até com Francisco de Assis. Aí estava ele com sua camisa suada e rasgada pelo trabalho no campo, com uma calça de esporte muito usada e sandálias rudes, deixando ver uns pés empoierados como quem vem da faina da terra. Vive numa casa humilde e ao lado, o velho fusca que não anda mais que 70 km a hora. Já lhe ofereceram um milhão de dólares por ele; rejeitou a…

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Projetos de lei e medidas anticorrupção – desafio aos Srs. parlamentares

image O Governo Federal enviou ao Congresso medidas anticorrupção compostas por sete itens. O item 6 refere-se ao Decreto no. 8.420/2015, publicado pelo Governo Federal no Diário Oficial em 18/3. Este Decreto regulamenta a Lei no. 12.846/2013, que trata da responsabilização de pessoas jurídicas e de seus dirigentes ou administradores, ou autor, coautor ou particípes em atos ilícitos contra a administração pública. O item 7 trata criação de grupo de trabalho para tornar mais ágeis os processos e procedimentos de apuração e punição de ilícitos contra o patrimônio. O item 4 refere-se projeto de lei estabelecendo exigência de ficha limpa para servidores dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Os itens 3 e 5 referem-se a projetos de lei que estão tramitando no Congresso. Está sendo solicitado regime de urgência (prioridade) na tramitação do Projeto de Lei no. 2.902/2011, que trata da alienação antecipada de bens apreendidos (item 3) e a criminalização (tipificação do crime) do enriquecimento ilícito (Projeto de Lei no. 5.586/2005. É isso mesmo, 2005). O item 1 é um projeto de lei que trata da criminalização do caixa dois, criminalização da “lavagem eleitoral” e extensão da punição aos doadores. O item 2 inclui uma PEC – Proposta de Emenda Constitucional para viabilizar o confisco de bens e um Projeto de Lei que permite Ação Civil Pública de Extinção de Domínio ( ou seja, perda civil de bens). Quando os nobres deputados e senadores entenderem o alcance dos projetos e medidas vão fazer um escarcéu midiático sobre estas propostas. Os nobres Senadores, a ” nova dupla onze”, Renan e Aécio, saíram a público ontem e hoje para declarar que as medidas anticorrupção não trazem nenhuma inovação. Já iniciaram o trabalho de “desidratação” e de desqualificação das propostas.  Este blog lança um desafio aos Srs. Deputados e Senadores:  SE AS PROPOSTAS SÃO TÃO SUPERFICIAIS, INSUFICIENTES E SEM INOVAÇÁO COMO AFIRMAM, APROVEM TODAS AS MEDIDAS SEM CORTES E SEM REVISÕES QUE LHES TIREM A EFICÁCIA. FAÇAM TUDO QUE O EXECUTIVO E O MINISTÉRIO PÚBLICO ESTÃO SOLICITANDO, SEM DEMORA, SEM TERGIVERSAÇÕES, SEM ENROLAÇÃO, DE IMEDIATO.  Paulo Martins – dialogosessenciais.com Eu acho, sinceramente, que os Srs. Parlamentares não vão “levar seus pulsos às algemas”, nem matar suas galinhas de ovos Fabergé. Ver para crer. Imagem: ovo Fabergé Veja os principais itens das medidas apresentadas:

Tipificação do caixa 2 (Projeto Lei)
– Criminalização do Caixa 2: tornar crime o ato de fraudar a fiscalização eleitoral, inserindo elementos falsos ou omitindo informações, com o fim de ocultar a origem, o destino, ou a aplicação de bens, valores ou serviços da prestação de contas de partido político ou de campanha eleitoral. Pena: 3 a 6 anos.
– Criminalização da “Lavagem Eleitoral”: criminalizar a ocultação ou dissimulação, para fins eleitorais, da natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de fontes de recursos vedadas pela legislação eleitoral. Pena: 3 a 10 anos.
– Extensão da punição aos doadores, inclusive responsáveis por doações de pessoas jurídicas, e aos partidos. Multa de 5 a 10 vezes sobre o valor doado e não declarado, proporcional aos crimes praticados por pessoa física, jurídica ou Partido que se aproveitar das condutas ilícitas.

Ação de Extinção de Domínio ou perda de propriedade ou posse de bens (PEC e Projeto de Lei)
– apresentação de Proposta de Emenda Constitucional: viabiliza o confisco dos bens que sejam fruto ou proveito de atividade criminosa, improbidade e enriquecimento ilícito. Legitimidade ativa: Ministério Público, AGU e Procuradorias.
– apresentação de Projeto de Lei que permita Ação Civil Pública de Extinção de Domínio (ou perda civil de bens):
Que preveja extinção de posse e propriedade dos bens, direitos, valores ou patrimônios que procedam de atividade criminosa e improbidade administrativa; sejam utilizados como instrumentos de ilícitos procedam de negócios com esses bens; sejam incompatíveis com a renda ou evolução do patrimônio;
Que estabeleça procedimento para a alienação dos bens;
Que declare a perda civil independe da aferição de responsabilidade civil ou criminal, bem como do desfecho das respectivas ações civil e penais.

Alienação antecipada de bens apreendidos (PL 2.902/2011 – pedido de urgência):
PL 2.902/2011:
Cautelar que visa à preservação do valor dos bens;
Alcança bens sobre os quais haja provas ou indícios suficientes de ser produto ou proveito de crime;
Indisponibilidade pode ser decretada para:
Garantir o perdimento de bens;
Reparação de danos decorrentes do crime;
Pagamento de prestação pecuniária, multas e custas.

Indisponibilidade pode ser levantada nos casos de:
Absolvição, suspensão do processo ou extinção de punibilidade;
Prestação de caução;
Embargos julgados procedentes;
Pode ser objeto de cooperação jurídica internacional em matéria penal.

Ficha Limpa para Servidores (Projeto de Lei):
– Exige ficha limpa para todos os servidores do Poder Executivo, Legislativo e Judiciário.

Tipificação do Enriquecimento Ilícito (PL 5.586/2005):
– PL 5.586/2005 (Poder Executivo): possuir, adquirir ou fazer uso de bens incompatíveis com renda ou evolução patrimonial: pena de 3 a 8 anos.

Regulamentação da Lei Anticorrupção (Decreto):
– Incentiva a adoção de Programas de Integridade (compliance) por empresas privadas: códigos de ética e de conduta, políticas e diretrizes para detectar desvios e irregularidades contra a administração pública.
– Estabelece e disciplina o rito do Processo Administrativo de Responsabilização (PAR): processo único para violações da Lei Anticorrupção, Lei de Licitações, RDC, Pregão, etc.
– Disciplina o acordo de leniência: competência exclusiva da CGU no Executivo federal.
– Sanções: multa + publicação extraordinária da decisão administrativa + proibição da contratação.
– Regula a multa por prática de atos contra a administração pública: Valor: 0,1 a 20%
Cálculo da multa: resultado da soma e subtração de percentuais incidentes sobre o faturamento bruto.
Atenuantes: Não consumação da infração, ressarcimento dos danos, grau de colaboração, comunicação espontânea, Programa de Integridade e estrutura interna de Compliance.
Agravantes: continuidade no tempo, tolerância da direção da empresa, interrupção de obra ou serviço público, situação econômica positiva, reincidência.
Não sendo possível utilizar faturamento, valor entre R$ 6 mil e R$ 60 milhões.

Grupo de Trabalho (Acordo de Cooperação):
Avaliação de propostas para agilização de processos judiciais, procedimentos administrativos e demais procedimentos apuratórios relacionados à prática de ilícitos contra o patrimônio público. Participantes: MJ (coordena), CNJ, CNMP, CGU, AGU e OAB, com possibilidade de convidar entidades ou pessoas do setor público e privado relacionadas aos objetivos.

O Nascimento de uma Nação Racista e a Conquista dos Direitos Civis pelos Afroamericanos

Blog Cidadania & Cultura

Rodrigo Suzuki Cintra é filósofo e doutor em direito pela USP, leciona na Universidade Mackenzie. Publicou belo artigo-resenha cinematográfica, propiciando conhecimento sobre a História do Cinema e ilustrando as práticas da direita racista. É interessante contrapor o filme “O Nascimento de Uma Nação” ao filme recente “Selma” (2014), que registra os 50 anos de uma conquista real da cidadania: o direito ao voto dos afrodescendentes nos EUA.

Em outros termos, esse direito político só foi conquistado, nos EUA, 100 anos após o fim da Guerra Civil, quando houve lá a extinção da escravidão!

O filme Selma mostra os bastidores da marcha das cidades de Selma até Montgomery, no Alabama, em 1965. O episódio é um momento crucial na luta pelo direito de voto dos negros nos EUA, que não era plenamente garantido até então. “Selma” mostra bem a dificuldade de conciliação das muitas posições…

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Quase 100 países livres da pena de morte

Em 13 de fevereiro, acordamos com a boa notícia de que Fiji tinha se juntado à ordem dos países que aboliram a pena de morte para todos os crimes. Existem hoje 99 países que rejeitaram completamente essa punição definitiva, cruel e desumana, de suas leis – exatamente a metade de todos os Estados do mundo.

O marco histórico de 100 países livres da pena de morte está ao alcance. Os parlamentos do Suriname e de Madagascar recentemente aprovaram leis abolindo as execuções – falta apenas os presidentes desses países sancionarem as leis, embora ainda não se saiba qual deles vai fazer isso primeiro.

A notícia de Fiji significa que a meta de supressão total da pena de morte está mais perto do que nunca. Ela dá um novo impulso a uma tendência que se tem verificado ao longo de décadas – o mundo está relegando a pena capital para os livros de história. Esperamos que tanto Madagascar quanto o Suriname aproveitem a oportunidade para se tornar o centésimo país livre da pena de morte o mais rapidamente possível – a corrida para fazer história está definitivamente diante deles.

A última execução em Fiji ocorreu em 1964, Madagascar em 1958 e Suriname em 1982.

Esperamos que a revogação da pena de morte em Fiji desencadeie movimentos positivos semelhantes na região do Pacífico. Nauru e Tonga mantêm a pena de morte na lei, embora ambos sejam abolicionistas na prática, não tendo executado ninguém em mais de uma década e tendo estabelecido uma política definida para não fazê-lo. Papua Nova Guiné, também abolicionista na prática, é o único país na região do Pacífico, que está atualmente considerando implementar execuções. A última execução no país foi ocorreu em 1950.

Nas Américas, Suriname e Guiana são os únicos países da América do Sul, que mantêm a pena de morte para crimes comuns. A abolição do Suriname elevaria para 16 o número de países das Américas a abolir a pena de morte para todos os crimes e deixa a Guiana como o único país a manter tal lei na América do Sul.

Dezesseis países da África Subsaariana aboliram a pena de morte e o progresso na região tem sido rápido. A Assembleia Nacional de Madagascar votou a favor de uma lei abolindo a pena de morte em 10 de dezembro de 2014. A Anistia Internacional entende que a lei exige agora apenas a assinatura do presidente. Vários outros países da África Subsaariana também estão se aproximando da abolição. Em 2014, o governo do Chade aprovou um Código Penal visando a abolição da pena de morte, e a lei está agora à espera de um processo parlamentar. Também em 2014, Serra Leoa anunciou sua intenção de abolir a pena de morte.

Tem ocorrido algum progresso na Ásia no sentido da abolição da pena de morte nos últimos anos, mas também é uma região onde a pena de morte continua a ser aplicada de maneiras completamente contrárias às leis internacionais relativas aos direitos humanos. A retomada recente das execuções pela Indonésia e pelo Paquistão (que executaram seis e 18 pessoas, respectivamente, já em 2015), têm atraído críticas em todo o mundo.

Ambos os países estão ameaçando levar adiante ainda mais execuções este ano – na Indonésia, todos os sinais são de que mais 10 homens serão executados por fuzilamento em breve. Isso seria uma atitude vergonhosa, e estamos trabalhando duro para evitar mais execuções em ambos os países.

A Indonésia e o Paquistão deveriam dar mais atenção à evolução em outros lugares – os países que mantêm e usam a pena de morte estão cada vez mais isolados em um mundo em que a maioria apoia a abolição dessa medida.

Anistia Internacional – Audrey Gaughan

Decreto federal regulamenta a lei anticorrupção

cegueira

A Lei nº 12.846/2013 trata da responsabilização objetiva (simplificadamente, responsabilização da empresa, da pessoa jurídica) nos âmbitos administrativo e civil pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira.

A responsabilização da pessoa jurídica não exclui a responsabilidade individual ( de pessoas naturais) de seus dirigentes ou administradores ou de qualquer pessoa natural, autora, coautora ou partícipe do ato ilícito.

Mesmo em caso de alteração contratual, transformação, incorporação, fusão ou cisão societária, permanece a responsabilidade da pessoa jurídica original.

O Decreto nº 8.420, que regulamenta a Lei nº 12.846, foi assinado pela Presidente da República e publicado no Diário Oficial da União em 18/03/2015. Publicamos, a seguir, cópia do Decreto. No corpo do Decreto, logo no seu primeiro artigo, há um “link” para o texto completo da Lei 12.846.

Entre as práticas corruptas punidas pela Lei, estão:

1- Prometer, oferecer ou dar, direta ou indiretamente, vantagem indevida a agente público ou a terceiro a ele relacionado.

2 – Financiar, custear, patrocinar ou de qualquer modo subvencionar a prática de atos ilícitos previstos na Lei.

3 – Utilizar-se de interposta pessoa física ou jurídica.

4 – Em relação a licitações e contratos:

Frustrar ou fraudar o caráter competitivo (formar cartéis, clubes, etc…) de procedimento licitatório público.

ou impedir, perturbar ou fraudar qualquer ato deste procedimento.

– Afastar ou procurar afastar licitante, por meio de fraude ou oferecimento de vantagem.

– Fraudar licitação pública ou o contrato decorrente.

– Criar, de modo fraudulento ou irregular, pessoa jurídica para participar de licitação pública ou celebrar contrato administrativo.

– Obter vantagem ou benefício indevido, de modo fraudulento, de modificações ou prorrogações de contratos celebrados com a administração pública, sem autorização em lei, no ato convocatório da licitação pública ou nos respectivos instrumentos contratuais; ou

– Manipular ou fraudar o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos celebrados com a administração pública.

5 – Dificultar atividade de investigação ou fiscalização de órgãos, entidades ou agentes públicos, ou intervir em sua atuação, inclusive no âmbito das agências reguladoras e dos órgãos de fiscalização do sistema financeiro nacional.

Além da regulamentação da Lei Anticorrupção, o Executivo Federal remeteu para o Congresso um pacote de medidas, para apreciação e votação pela Casa, complementando as medidas anticorrupção. Vamos apresentar estas medidas em outro post.

Paulo Martins – dialogosessenciais.com

DECRETO Nº 8.420, DE 18 DE MARÇO DE 2015

Regulamenta a Lei no 12.846, de 1o de agosto de 2013, que dispõe sobre a responsabilização administrativa de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira e dá outras providências.

A PRESIDENTA DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, caput, inciso IV, da Constituição, e tendo em vista o disposto na Lei no 12.846, de 1o de agosto de 2013,

DECRETA:

Art. 1º Este Decreto regulamenta a responsabilização objetiva administrativa de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, de que trata a Lei no 12.846, de 1o de agosto de 2013.

CAPÍTULO I

DA RESPONSABILIZAÇÃO ADMINISTRATIVA

Art. 2º A apuração da responsabilidade administrativa de pessoa jurídica que possa resultar na aplicação das sanções previstas no art. 6º da Lei nº 12.846, de 2013, será efetuada por meio de Processo Administrativo de Responsabilização – PAR.

Art. 3º A competência para a instauração e para o julgamento do PAR é da autoridade máxima da entidade em face da qual foi praticado o ato lesivo, ou, em caso de órgão da administração direta, do seu Ministro de Estado.

Parágrafo único.  A competência de que trata o caput será exercida de ofício ou mediante provocação e poderá ser delegada, sendo vedada a subdelegação.

Art. 4º A autoridade competente para instauração do PAR, ao tomar ciência da possível ocorrência de ato lesivo à administração pública federal, em sede de juízo de admissibilidade e mediante despacho fundamentado, decidirá:

I – pela abertura de investigação preliminar;

II – pela instauração de PAR; ou

III – pelo arquivamento da matéria.

  • 1ºA investigação de que trata o inciso I do caput terá caráter sigiloso e não punitivo e será destinada à apuração de indícios de autoria e materialidade de atos lesivos à administração pública federal.
  • 2ºA investigação preliminar será conduzida por comissão composta por dois ou mais servidores efetivos.
  • 3ºEm entidades da administração pública federal cujos quadros funcionais não sejam formados por servidores estatutários, a comissão a que se refere o § 2o será composta por dois ou mais empregados públicos.
  • 4ºO prazo para conclusão da investigação preliminar não excederá sessenta dias e poderá ser prorrogado por igual período, mediante solicitação justificada do presidente da comissão à autoridade instauradora.
  • 5ºAo final da investigação preliminar, serão enviadas à autoridade competente as peças de informação obtidas, acompanhadas de relatório conclusivo acerca da existência de indícios de autoria e materialidade de atos lesivos à administração pública federal, para decisão sobre a instauração do PAR.

Art. 5º No ato de instauração do PAR, a autoridade designará comissão, composta por dois ou mais servidores estáveis, que avaliará fatos e circunstâncias conhecidos e intimará a pessoa jurídica para, no prazo de trinta dias, apresentar defesa escrita e especificar eventuais provas que pretende produzir.

  • 1ºEm entidades da administração pública federal cujos quadros funcionais não sejam formados por servidores estatutários, a comissão a que se refere o caput será composta por dois ou mais empregados públicos, preferencialmente com no mínimo três anos de tempo de serviço na entidade.
  • 2ºNa hipótese de deferimento de pedido de produção de novas provas ou de juntada de provas julgadas indispensáveis pela comissão, a pessoa jurídica poderá apresentar alegações finais no prazo de dez dias, contado da data do deferimento ou da intimação de juntada das provas pela comissão.
  • 3ºSerão recusadas, mediante decisão fundamentada, provas propostas pela pessoa jurídica que sejam ilícitas, impertinentes, desnecessárias, protelatórias ou intempestivas.
  • 4ºCaso a pessoa jurídica apresente em sua defesa informações e documentos referentes à existência e ao funcionamento de programa de integridade, a comissão processante deverá examiná-lo segundo os parâmetros indicados no Capítulo IV, para a dosimetria das sanções a serem aplicadas.

Art. 6º A comissão a que se refere o art. 5º exercerá suas atividades com independência e imparcialidade, assegurado o sigilo, sempre que necessário à elucidação do fato e à preservação da imagem dos envolvidos, ou quando exigido pelo interesse da administração pública, garantido o direito à ampla defesa e ao contraditório.

Art. 7º As intimações serão feitas por meio eletrônico, via postal ou por qualquer outro meio que assegure a certeza de ciência da pessoa jurídica acusada, cujo prazo para apresentação de defesa será contado a partir da data da cientificação oficial, observado o disposto no Capítulo XVI da Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999.

  • 1ºCaso não tenha êxito a intimação de que trata o caput, será feita nova intimação por meio de edital publicado na imprensa oficial, em jornal de grande circulação no Estado da federação em que a pessoa jurídica tenha sede, e no sítio eletrônico do órgão ou entidade pública responsável pela apuração do PAR, contando-se o prazo para apresentação da defesa a partir da última data de publicação do edital.
  • 2ºEm se tratando de pessoa jurídica que não possua sede, filial ou representação no País e sendo desconhecida sua representação no exterior, frustrada a intimação nos termos do caput, será feita nova intimação por meio de edital publicado na imprensa oficial e no sítio eletrônico do órgão ou entidade público responsável pela apuração do PAR, contando-se o prazo para apresentação da defesa a partir da última data de publicação do edital.

Art. 8o A pessoa jurídica poderá acompanhar o PAR por meio de seus representantes legais ou procuradores, sendo-lhes assegurado amplo acesso aos autos.

Parágrafo único.  É vedada a retirada dos autos da repartição pública, sendo autorizada a obtenção de cópias mediante requerimento.

Art. 9º O prazo para a conclusão do PAR não excederá cento e oitenta dias, admitida prorrogação por meio de solicitação do presidente da comissão à autoridade instauradora, que decidirá de forma fundamentada.

  • 1ºO prazo previsto no caput será contado da data de publicação do ato de instauração do PAR.
  • 2ºA comissão, para o devido e regular exercício de suas funções, poderá:

I – propor à autoridade instauradora a suspensão cautelar dos efeitos do ato ou do processo objeto da investigação;

II – solicitar a atuação de especialistas com notório conhecimento, de órgãos e entidades públicos ou de outras organizações, para auxiliar na análise da matéria sob exame; e

III – solicitar ao órgão de representação judicial ou equivalente dos órgãos ou entidades lesados que requeira as medidas necessárias para a investigação e o processamento das infrações, inclusive de busca e apreensão, no País ou no exterior.

  • 3ºConcluídos os trabalhos de apuração e análise, a comissão elaborará relatório a respeito dos fatos apurados e da eventual responsabilidade administrativa da pessoa jurídica, no qual sugerirá, de forma motivada, as sanções a serem aplicadas, a dosimetria da multa ou o arquivamento do processo.
  • 4ºO relatório final do PAR será encaminhado à autoridade competente para julgamento, o qual será precedido de manifestação jurídica, elaborada pelo órgão de assistência jurídica competente.
  • 5ºCaso seja verificada a ocorrência de eventuais ilícitos a serem apurados em outras instâncias, o relatório da comissão será encaminhado, pela autoridade julgadora:

I – ao Ministério Público;

II – à Advocacia-Geral da União e seus órgãos vinculados, no caso de órgãos da administração pública direta, autarquias e fundações públicas federais; ou

III – ao órgão de representação judicial ou equivalente no caso de órgãos ou entidades da administração pública não abrangidos pelo inciso II.

  • 6ºNa hipótese de decisão contrária ao relatório da comissão, esta deverá ser fundamentada com base nas provas produzidas no PAR.

Art. 10.  A decisão administrativa proferida pela autoridade julgadora ao final do PAR será publicada no Diário Oficial da União e no sítio eletrônico do órgão ou entidade público responsável pela instauração do PAR.

Art. 11.  Da decisão administrativa sancionadora cabe pedido de reconsideração com efeito suspensivo, no prazo de dez dias, contado da data de publicação da decisão.

  • 1o A pessoa jurídica contra a qual foram impostas sanções no PAR e que não apresentar pedido de reconsideração deverá cumpri-las no prazo de trinta dias, contado do fim do prazo para interposição do pedido de reconsideração.
  • 2o A autoridade julgadora terá o prazo de trinta dias para decidir sobre a matéria alegada no pedido de reconsideração e publicar nova decisão.
  • 3o Mantida a decisão administrativa sancionadora, será concedido à pessoa jurídica novo prazo de trinta dias para cumprimento das sanções que lhe foram impostas, contado da data de publicação da nova decisão.

Art. 12.  Os atos previstos como infrações administrativas à Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, ou a outras normas de licitações e contratos da administração pública que também sejam tipificados como atos lesivos na Lei nº 12.846, de 2013, serão apurados e julgados conjuntamente, nos mesmos autos, aplicando-se o rito procedimental previsto neste Capítulo.

  • 1º Concluída a apuração de que trata o caput e havendo autoridades distintas competentes para julgamento, o processo será encaminhado primeiramente àquela de nível mais elevado, para que julgue no âmbito de sua competência, tendo precedência o julgamento pelo Ministro de Estado competente.
  • 2º Para fins do disposto no caput, o chefe da unidade responsável no órgão ou entidade pela gestão de licitações e contratos deve comunicar à autoridade prevista no art. 3º sobre eventuais fatos que configurem atos lesivos previstos no art. 5º da Lei nº 12.846, de 2013.

Art. 13.  A Controladoria-Geral da União possui, no âmbito do Poder Executivo federal, competência:

I – concorrente para instaurar e julgar PAR; e

II – exclusiva para avocar os processos instaurados para exame de sua regularidade ou para corrigir-lhes o andamento, inclusive promovendo a aplicação da penalidade administrativa cabível.

  • 1o A Controladoria-Geral da União poderá exercer, a qualquer tempo, a competência prevista no caput, se presentes quaisquer das seguintes circunstâncias:

I – caracterização de omissão da autoridade originariamente competente;

II – inexistência de condições objetivas para sua realização no órgão ou entidade de origem;

III – complexidade, repercussão e relevância da matéria;

IV – valor dos contratos mantidos pela pessoa jurídica com o órgão ou entidade atingida; ou

V – apuração que envolva atos e fatos relacionados a mais de um órgão ou entidade da administração pública federal.

  • 2º Ficam os órgãos e entidades da administração pública obrigados a encaminhar à Controladoria-Geral da União todos os documentos e informações que lhes forem solicitados, incluídos os autos originais dos processos que eventualmente estejam em curso.

Art. 14.  Compete à Controladoria-Geral da União instaurar, apurar e julgar PAR pela prática de atos lesivos à administração pública estrangeira, o qual seguirá, no que couber, o rito procedimental previsto neste Capítulo.

CAPÍTULO II

DAS SANÇÕES ADMINISTRATIVAS E DOS ENCAMINHAMENTOS JUDICIAIS

Seção I

Disposições gerais

Art. 15.  As pessoas jurídicas estão sujeitas às seguintes sanções administrativas, nos termos do art. 6º da Lei nº 12.846, de 2013:

I – multa; e

II – publicação extraordinária da decisão administrativa sancionadora.

Art. 16.  Caso os atos lesivos apurados envolvam infrações administrativas à Lei nº 8.666, de 1993, ou a outras normas de licitações e contratos da administração pública e tenha ocorrido a apuração conjunta prevista no art. 12, a pessoa jurídica também estará sujeita a sanções administrativas que tenham como efeito restrição ao direito de participar em licitações ou de celebrar contratos com a administração pública, a serem aplicadas no PAR.

Seção II

Da Multa

Art. 17.  O cálculo da multa se inicia com a soma dos valores correspondentes aos seguintes percentuais do faturamento bruto da pessoa jurídica do último exercício anterior ao da instauração do PAR, excluídos os tributos:

I – um por cento a dois e meio por cento havendo continuidade dos atos lesivos no tempo;

II – um por cento a dois e meio por cento para tolerância ou ciência de pessoas do corpo diretivo ou gerencial da pessoa jurídica;

III – um por cento a quatro por cento no caso de interrupção no fornecimento de serviço público ou na execução de obra contratada;

IV – um por cento para a situação econômica do infrator com base na apresentação de índice de Solvência Geral – SG e de Liquidez Geral – LG superiores a um e de lucro líquido no último exercício anterior ao da ocorrência do ato lesivo;

V – cinco por cento no caso de reincidência, assim definida a ocorrência de nova infração, idêntica ou não à anterior, tipificada como ato lesivo pelo art. 5º da Lei nº 12.846, de 2013, em menos de cinco anos, contados da publicação do julgamento da infração anterior; e

VI – no caso de os contratos mantidos ou pretendidos com o órgão ou entidade lesado, serão considerados, na data da prática do ato lesivo, os seguintes percentuais:

  1. a) um por cento em contratos acima de R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais);
  2. b) dois por cento em contratos acima de R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais);
  3. c) três por cento em contratos acima de R$ 50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais);
  4. d) quatro por cento em contratos acima de R$ 250.000.000,00 (duzentos e cinquenta milhões de reais); e
  5. e) cinco por cento em contratos acima de R$ 1.000.000.000,00 (um bilhão de reais).

Art. 18.  Do resultado da soma dos fatores do art. 17 serão subtraídos os valores correspondentes aos seguintes percentuais do faturamento bruto da pessoa jurídica do último exercício anterior ao da instauração do PAR, excluídos os tributos:

I – um por cento no caso de não consumação da infração;

II – um e meio por cento no caso de comprovação de ressarcimento pela pessoa jurídica dos danos a que tenha dado causa;

III – um por cento a um e meio por cento para o grau de colaboração da pessoa jurídica com a investigação ou a apuração do ato lesivo, independentemente do acordo de leniência;

IV – dois por cento no caso de comunicação espontânea pela pessoa jurídica antes da instauração do PAR acerca da ocorrência do ato lesivo; e

V – um por cento a quatro por cento para comprovação de a pessoa jurídica possuir e aplicar um programa de integridade, conforme os parâmetros estabelecidos no Capítulo IV.

Art. 19.  Na ausência de todos os fatores previstos nos art. 17 e art. 18 ou de resultado das operações de soma e subtração ser igual ou menor a zero, o valor da multa corresponderá, conforme o caso, a:

I – um décimo por cento do faturamento bruto do último exercício anterior ao da instauração do PAR, excluídos os tributos; ou

II – R$ 6.000,00 (seis mil reais), na hipótese do art. 22.

Art. 20.  A existência e quantificação dos fatores previstos nos art. 17 e art. 18, deverá ser apurada no PAR e evidenciada no relatório final da comissão, o qual também conterá a estimativa, sempre que possível, dos valores da vantagem auferida e da pretendida.

  • 1º Em qualquer hipótese, o valor final da multa terá como limite:

I – mínimo, o maior valor entre o da vantagem auferida e o previsto no art. 19; e

II – máximo, o menor valor entre:

  1. a) vinte por cento do faturamento bruto do último exercício anterior ao da instauração do PAR, excluídos os tributos; ou
  2. b) três vezes o valor da vantagem pretendida ou auferida.
  • 2º O valor da vantagem auferida ou pretendida equivale aos ganhos obtidos ou pretendidos pela pessoa jurídica que não ocorreriam sem a prática do ato lesivo, somado, quando for o caso, ao valor correspondente a qualquer vantagem indevida prometida ou dada a agente público ou a terceiros a ele relacionados.
  • 3º Para fins do cálculo do valor de que trata o § 2º, serão deduzidos custos e despesas legítimos comprovadamente executados ou que seriam devidos ou despendidos caso o ato lesivo não tivesse ocorrido.

Art. 21.  Ato do Ministro de Estado Chefe da Controladoria-Geral da União fixará metodologia para a apuração do faturamento bruto e dos tributos a serem excluídos para fins de cálculo da multa a que se refere o art. 6º da Lei nº 12.846, de 2013.

Parágrafo único.  Os valores de que trata o caput poderão ser apurados, entre outras formas, por meio de:

I – compartilhamento de informações tributárias, na forma do inciso II do § 1º do art. 198 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966; e

II – registros contábeis produzidos ou publicados pela pessoa jurídica acusada, no país ou no estrangeiro.

Art. 22.  Caso não seja possível utilizar o critério do valor do faturamento bruto da pessoa jurídica no ano anterior ao da instauração ao PAR, os percentuais dos fatores indicados nos art. 17 e art. 18 incidirão:

I – sobre o valor do faturamento bruto da pessoa jurídica, excluídos os tributos, no ano em que ocorreu o ato lesivo, no caso de a pessoa jurídica não ter tido faturamento no ano anterior ao da instauração ao PAR;

II – sobre o montante total de recursos recebidos pela pessoa jurídica sem fins lucrativos no ano em que ocorreu o ato lesivo; ou

III – nas demais hipóteses, sobre o faturamento anual estimável da pessoa jurídica, levando em consideração quaisquer informações sobre a sua situação econômica ou o estado de seus negócios, tais como patrimônio, capital social, número de empregados, contratos, dentre outras.

Parágrafo único.  Nas hipóteses previstas no caput, o valor da multa será limitado entre R$ 6.000,00 (seis mil reais) e R$ 60.000.000,00 (sessenta milhões de reais).

Art. 23.  Com a assinatura do acordo de leniência, a multa aplicável será reduzida conforme a fração nele pactuada, observado o limite previsto no § 2o do art. 16 da Lei no 12.846, de 2013.

  • 1o O valor da multa previsto no caput poderá ser inferior ao limite mínimo previsto no art. 6o da Lei no 12.846, de 2013.
  • 2º No caso de a autoridade signatária declarar o descumprimento do acordo de leniência por falta imputável à pessoa jurídica colaboradora, o valor integral encontrado antes da redução de que trata o caput será cobrado na forma da Seção IV, descontando-se as frações da multa eventualmente já pagas.

Seção III

Da Publicação Extraordinária da Decisão Administrativa Sancionadora

Art. 24.  A pessoa jurídica sancionada administrativamente pela prática de atos lesivos contra a administração pública, nos termos da Lei no 12.846, de 2013, publicará a decisão administrativa sancionadora na forma de extrato de sentença, cumulativamente:

I – em meio de comunicação de grande circulação na área da prática da infração e de atuação da pessoa jurídica ou, na sua falta, em publicação de circulação nacional;

II – em edital afixado no próprio estabelecimento ou no local de exercício da atividade, em localidade que permita a visibilidade pelo público, pelo prazo mínimo de trinta dias; e

III – em seu sítio eletrônico, pelo prazo de trinta dias e em destaque na página principal do referido sítio.

Parágrafo único.  A publicação a que se refere o caput será feita a expensas da pessoa jurídica sancionada.

Seção IV

Da Cobrança da Multa Aplicada

Art. 25.  A multa aplicada ao final do PAR será integralmente recolhida pela pessoa jurídica sancionada no prazo de trinta dias, observado o disposto nos §§ 1o e 3o do art. 11.

  • 1ºFeito o recolhimento, a pessoa jurídica sancionada apresentará ao órgão ou entidade que aplicou a sanção documento que ateste o pagamento integral do valor da multa imposta.
  • 2ºDecorrido o prazo previsto no caput sem que a multa tenha sido recolhida ou não tendo ocorrido a comprovação de seu pagamento integral, o órgão ou entidade que a aplicou encaminhará o débito para inscrição em Dívida Ativa da União ou das autarquias e fundações públicas federais.
  • 3ºCaso a entidade que aplicou a multa não possua Dívida Ativa, o valor será cobrado independentemente de prévia inscrição.

Seção V

Dos Encaminhamentos Judiciais

Art. 26.  As medidas judiciais, no País ou no exterior, como a cobrança da multa administrativa aplicada no PAR, a promoção da publicação extraordinária, a persecução das sanções referidas nos incisos I a IV do caput do art. 19 da Lei no 12.846, de 2013, a reparação integral dos danos e prejuízos, além de eventual atuação judicial para a finalidade de instrução ou garantia do processo judicial ou preservação do acordo de leniência, serão solicitadas ao órgão de representação judicial ou equivalente dos órgãos ou entidades lesados.

Art. 27.  No âmbito da administração pública federal direta, a atuação judicial será exercida pela Procuradoria-Geral da União, com exceção da cobrança da multa administrativa aplicada no PAR, que será promovida pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.

Parágrafo único.  No âmbito das autarquias e fundações públicas federais, a atuação judicial será exercida pela Procuradoria-Geral Federal, inclusive no que se refere à cobrança da multa administrativa aplicada no PAR, respeitadas as competências específicas da Procuradoria-Geral do Banco Central.

CAPÍTULO III

DO ACORDO DE LENIÊNCIA

Art. 28.  O acordo de leniência será celebrado com as pessoas jurídicas responsáveis pela prática dos atos lesivos previstos na Lei no 12.846, de 2013, e dos ilícitos administrativos previstos na Lei no 8.666, de 1993, e em outras normas de licitações e contratos, com vistas à isenção ou à atenuação das respectivas sanções, desde que colaborem efetivamente com as investigações e o processo administrativo, devendo resultar dessa colaboração:

I – a identificação dos demais envolvidos na infração administrativa, quando couber; e

II – a obtenção célere de informações e documentos que comprovem a infração sob apuração.

Art. 29.  Compete à Controladoria-Geral da União celebrar acordos de leniência no âmbito do Poder Executivo federal e nos casos de atos lesivos contra a administração pública estrangeira.

Art. 30.  A pessoa jurídica que pretenda celebrar acordo de leniência deverá:

I – ser a primeira a manifestar interesse em cooperar para a apuração de ato lesivo específico, quando tal circunstância for relevante;

II – ter cessado completamente seu envolvimento no ato lesivo a partir da data da propositura do acordo;

III – admitir sua participação na infração administrativa

IV – cooperar plena e permanentemente com as investigações e o processo administrativo e comparecer, sob suas expensas e sempre que solicitada, aos atos processuais, até o seu encerramento; e

V – fornecer informações, documentos e elementos que comprovem a infração administrativa.

  • 1º O acordo de leniência de que trata o caput será proposto pela pessoa jurídica, por seus representantes, na forma de seu estatuto ou contrato social, ou por meio de procurador com poderes específicos para tal ato, observado o disposto no art. 26 da Lei no 12.846, de 2013.
  • 2ºA proposta do acordo de leniência poderá ser feita até a conclusão do relatório a ser elaborado no PAR.

Art. 31.  A proposta de celebração de acordo de leniência poderá ser feita de forma oral ou escrita, oportunidade em que a pessoa jurídica proponente declarará expressamente que foi orientada a respeito de seus direitos, garantias e deveres legais e de que o não atendimento às determinações e solicitações da Controladoria-Geral da União durante a etapa de negociação importará a desistência da proposta.

  • 1ºA proposta apresentada receberá tratamento sigiloso e o acesso ao seu conteúdo será restrito aos servidores especificamente designados pela Controladoria-Geral da União para participar da negociação do acordo de leniência, ressalvada a possibilidade de a proponente autorizar a divulgação ou compartilhamento da existência da proposta ou de seu conteúdo, desde que haja anuência da Controladoria-Geral da União.
  • 2ºPoderá ser firmado memorando de entendimentos entre a pessoa jurídica proponente e a Controladoria-Geral da União para formalizar a proposta e definir os parâmetros do acordo de leniência.
  • 3ºUma vez proposto o acordo de leniência, a Controladoria-Geral da União poderá requisitar os autos de processos administrativos em curso em outros órgãos ou entidades da administração pública federal relacionados aos fatos objeto do acordo.

Art. 32.  A negociação a respeito da proposta do acordo de leniência deverá ser concluída no prazo de cento e oitenta dias, contado da data de apresentação da proposta.

Parágrafo único.  A critério da Controladoria-Geral da União, poderá ser prorrogado o prazo estabelecido no caput, caso presentes circunstâncias que o exijam.

Art. 33.  Não importará em reconhecimento da prática do ato lesivo investigado a proposta de acordo de leniência rejeitada, da qual não se fará qualquer divulgação, ressalvado o disposto no § 1º do art. 31.

Art. 34.  A pessoa jurídica proponente poderá desistir da proposta de acordo de leniência a qualquer momento que anteceda a assinatura do referido acordo.

Art. 35.  Caso o acordo não venha a ser celebrado, os documentos apresentados durante a negociação serão devolvidos, sem retenção de cópias, à pessoa jurídica proponente e será vedado seu uso para fins de responsabilização, exceto quando a administração pública federal tiver conhecimento deles independentemente da apresentação da proposta do acordo de leniência.

Art. 36.  O acordo de leniência estipulará as condições para assegurar a efetividade da colaboração e o resultado útil do processo, do qual constarão cláusulas e obrigações que, diante das circunstâncias do caso concreto, reputem-se necessárias.

Art. 37. O acordo de leniência conterá, entre outras disposições, cláusulas que versem sobre:

I – o compromisso de cumprimento dos requisitos previstos nos incisos II a V do caput do art. 30;

II – a perda dos benefícios pactuados, em caso de descumprimento do acordo;

III – a natureza de título executivo extrajudicial do instrumento do acordo, nos termos do inciso II do caput do art. 585 da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973; e

IV – a adoção, aplicação ou aperfeiçoamento de programa de integridade, conforme os parâmetros estabelecidos no Capítulo IV.

Art. 38.  A Controladoria-Geral da União poderá conduzir e julgar os processos administrativos que apurem infrações administrativas previstas na Lei no 12.846, de 2013, na Lei nº 8.666, de 1993, e em outras normas de licitações e contratos, cujos fatos tenham sido noticiados por meio do acordo de leniência.

Art. 39.  Até a celebração do acordo de leniência pelo Ministro de Estado Chefe da Controladoria-Geral da União, a identidade da pessoa jurídica signatária do acordo não será divulgada ao público, ressalvado o disposto no § 1º do art. 31.

Parágrafo único.  A Controladoria-Geral da União manterá restrito o acesso aos documentos e informações comercialmente sensíveis da pessoa jurídica signatária do acordo de leniência.

Art. 40.  Uma vez cumprido o acordo de leniência pela pessoa jurídica colaboradora, serão declarados em favor da pessoa jurídica signatária, nos termos previamente firmados no acordo, um ou mais dos seguintes efeitos:

I – isenção da publicação extraordinária da decisão administrativa sancionadora;

II – isenção da proibição de receber incentivos, subsídios, subvenções, doações ou empréstimos de órgãos ou entidades públicos e de instituições financeiras públicas ou controladas pelo Poder Público;

III – redução do valor final da multa aplicável, observado o disposto no art. 23; ou

IV – isenção ou atenuação das sanções administrativas previstas nos art. 86 a art. 88 da Lei no 8.666, de 1993, ou de outras normas de licitações e contratos.

Parágrafo único.  Os efeitos do acordo de leniência serão estendidos às pessoas jurídicas que integrarem o mesmo grupo econômico, de fato e de direito, desde que tenham firmado o acordo em conjunto, respeitadas as condições nele estabelecidas.

CAPITULO IV

DO PROGRAMA DE INTEGRIDADE

Art. 41.  Para fins do disposto neste Decreto, programa de integridade consiste, no âmbito de uma pessoa jurídica, no conjunto de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e na aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta, políticas e diretrizes com objetivo de detectar e sanar desvios, fraudes, irregularidades e atos ilícitos praticados contra a administração pública, nacional ou estrangeira.

Parágrafo Único.  O programa de integridade deve ser estruturado, aplicado e atualizado de acordo com as características e riscos atuais das atividades de cada pessoa jurídica, a qual por sua vez deve garantir o constante aprimoramento e adaptação do referido programa, visando garantir sua efetividade.

Art. 42.  Para fins do disposto no § 4o do art. 5o, o programa de integridade será avaliado, quanto a sua existência e aplicação, de acordo com os seguintes parâmetros:

I – comprometimento da alta direção da pessoa jurídica, incluídos os conselhos, evidenciado pelo apoio visível e inequívoco ao programa;

II – padrões de conduta, código de ética, políticas e procedimentos de integridade, aplicáveis a todos os empregados e administradores, independentemente de cargo ou função exercidos;

III –  padrões de conduta, código de ética e políticas de integridade estendidas, quando necessário, a terceiros, tais como, fornecedores, prestadores de serviço, agentes intermediários e associados;

IV – treinamentos periódicos sobre o programa de integridade;

V – análise periódica de riscos para realizar adaptações necessárias ao programa de integridade;

VI – registros contábeis que reflitam de forma completa e precisa as transações da pessoa jurídica;

VII – controles internos que assegurem a pronta elaboração e confiabilidade de relatórios e demonstrações financeiros da pessoa jurídica;

VIII – procedimentos específicos para prevenir fraudes e ilícitos no âmbito de processos licitatórios, na execução de contratos administrativos ou em qualquer interação com o setor público, ainda que intermediada por terceiros, tal como pagamento de tributos, sujeição a fiscalizações, ou obtenção de autorizações, licenças, permissões e certidões;

IX – independência, estrutura e autoridade da instância interna responsável pela aplicação do programa de integridade e fiscalização de seu cumprimento;

X – canais de denúncia de irregularidades, abertos e amplamente divulgados a funcionários e terceiros, e de mecanismos destinados à proteção de denunciantes de boa-fé;

XI – medidas disciplinares em caso de violação do programa de integridade;

XII – procedimentos que assegurem a pronta interrupção de irregularidades ou infrações detectadas e a tempestiva remediação dos danos gerados;

XIII – diligências apropriadas para contratação e, conforme o caso, supervisão, de terceiros, tais como, fornecedores, prestadores de serviço, agentes intermediários e associados;

XIV – verificação, durante os processos de fusões, aquisições e reestruturações societárias, do cometimento de irregularidades ou ilícitos ou da existência de vulnerabilidades nas pessoas jurídicas envolvidas;

XV – monitoramento contínuo do programa de integridade visando seu aperfeiçoamento na prevenção, detecção e combate à ocorrência dos atos lesivos previstos no art. 5o da Lei no 12.846, de 2013; e

XVI – transparência da pessoa jurídica quanto a doações para candidatos e partidos políticos.

  • 1ºNa avaliação dos parâmetros de que trata este artigo, serão considerados o porte e   especificidades da pessoa jurídica, tais como:

I – a quantidade de funcionários, empregados e colaboradores;

II – a complexidade da hierarquia interna e a quantidade de departamentos, diretorias ou setores;

III – a utilização de agentes intermediários como consultores ou representantes comerciais;

IV – o setor do mercado em que atua;

V – os países em que atua, direta ou indiretamente;

VI – o grau de interação com o setor público e a importância de autorizações, licenças e permissões governamentais em suas operações;

VII – a quantidade e a localização das pessoas jurídicas que integram o grupo econômico; e

VIII – o fato de ser qualificada como microempresa ou empresa de pequeno porte.

  • 2º A efetividade do programa de integridade em relação ao ato lesivo objeto de apuração será considerada para fins da avaliação de que trata o caput.
  • 3º Na avaliação de microempresas e empresas de pequeno porte, serão reduzidas as formalidades dos parâmetros previstos neste artigo, não se exigindo, especificamente, os incisos III, V, IX, X, XIII, XIV e XV do caput.
  • 4o Caberá ao Ministro de Estado Chefe da Controladoria-Geral da União expedir orientações, normas e procedimentos complementares referentes à avaliação do programa de integridade de que trata este Capítulo.
  • 5o A redução dos parâmetros de avaliação para as microempresas e empresas de pequeno porte de que trata o § 3o poderá ser objeto de regulamentação por ato conjunto do Ministro de Estado Chefe da Secretaria da Micro e Pequena Empresa e do Ministro de Estado Chefe da Controladoria-Geral da União.

CAPÍTULO V

DO CADASTRO NACIONAL DE EMPRESAS INIDÔNEAS E SUSPENSAS E DO CADASTRO NACIONAL DE EMPRESAS PUNIDAS

Art. 43.  O Cadastro Nacional de Empresas Inidôneas e Suspensas – CEIS conterá informações referentes às sanções administrativas impostas a pessoas físicas ou jurídicas que impliquem restrição ao direito de participar de licitações ou de celebrar contratos com a administração pública de qualquer esfera federativa, entre as quais:

I – suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a administração pública, conforme disposto no inciso III do caput do art. 87 da Lei no 8.666, de 1993;

II – declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a administração pública, conforme disposto no inciso IV do caput do art. 87 da Lei no 8.666, de 1993;

III – impedimento de licitar e contratar com União, Estados, Distrito Federal ou Municípios, conforme disposto no art. 7o da Lei no 10.520, de 17 de julho de 2002;

IV – impedimento de licitar e contratar com a União, Estados, Distrito Federal ou Municípios, conforme disposto no art. 47 da Lei no 12.462, de 4 de agosto de 2011;

V – suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a administração pública, conforme disposto no inciso IV do caput do art. 33 da Lei no 12.527, de 18 de novembro de 2011; e

VI – declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a administração pública, conforme disposto no inciso V do caput do art. 33 da Lei no 12.527, de 2011.

Art. 44.  Poderão ser registradas no CEIS outras sanções que impliquem restrição ao direito de participar em licitações ou de celebrar contratos com a administração pública, ainda que não sejam de natureza administrativa.

Art. 45.  O Cadastro Nacional de Empresas Punidas – CNEP conterá informações referentes:

I – às sanções impostas com fundamento na Lei no 12.846, de 2013; e

II – ao descumprimento de acordo de leniência celebrado com fundamento na Lei no 12.846, de 2013.

Parágrafo único.  As informações sobre os acordos de leniência celebrados com fundamento na Lei no 12.846, de 2013, serão registradas no CNEP após a celebração do acordo, exceto se causar prejuízo às investigações ou ao processo administrativo.

Art. 46.  Constarão do CEIS e do CNEP, sem prejuízo de outros a serem estabelecidos pela Controladoria-Geral da União, dados e informações referentes a:

I – nome ou razão social da pessoa física ou jurídica sancionada;

II – número de inscrição da pessoa jurídica no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica – CNPJ ou da pessoa física no Cadastro de Pessoas Físicas – CPF;

III – tipo de sanção;

IV – fundamentação legal da sanção;

V – número do processo no qual foi fundamentada a sanção;

VI – data de início de vigência do efeito limitador ou impeditivo da sanção ou data de aplicação da sanção;

VII – data final do efeito limitador ou impeditivo da sanção, quando couber;

VIII – nome do órgão ou entidade sancionador; e

IX – valor da multa, quando couber.

Art. 47.  A exclusão dos dados e informações constantes do CEIS ou do CNEP se dará:

I – com fim do prazo do efeito limitador ou impeditivo da sanção; ou

II -mediante requerimento da pessoa jurídica interessada, após cumpridos os seguintes requisitos, quando aplicáveis:

  1. a) publicação da decisão de reabilitação da pessoa jurídica sancionada, nas hipóteses dos incisos II e VI do caput do art. 43;
  2. b) cumprimento integral do acordo de leniência;
  3. c) reparação do dano causado; ou
  4. d) quitação da multa aplicada.

Art. 48.  O fornecimento dos dados e informações de que tratam os art. 43 a art. 46, pelos órgãos e entidades dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário de cada uma das esferas de governo, será disciplinado pela Controladoria-Geral da União.

CAPÍTULO VI

DISPOSIÇÕES FINAIS

Art. 49.  As informações referentes ao PAR instaurado no âmbito dos órgãos e entidades do Poder Executivo federal serão registradas no sistema de gerenciamento eletrônico de processos administrativos sancionadores mantido pela Controladoria-Geral da União, conforme ato do Ministro de Estado Chefe da Controladoria-Geral da União.

Art. 50.  Os órgãos e as entidades da administração pública, no exercício de suas competências regulatórias, disporão sobre os efeitos da Lei nº 12.846, de 2013, no âmbito das atividades reguladas, inclusive no caso de proposta e celebração de acordo de leniência.

Art. 51.  O processamento do PAR não interfere no seguimento regular dos processos administrativos específicos para apuração da ocorrência de danos e prejuízos à administração pública federal resultantes de ato lesivo cometido por pessoa jurídica, com ou sem a participação de agente público.

Art. 52.  Caberá ao Ministro de Estado Chefe da Controladoria-Geral da União expedir orientações e procedimentos complementares para a execução deste Decreto.

Art. 53.  Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 18 de março de 2015; 194o da Independência e 127o da República.

DILMA ROUSSEFF José Eduardo Cardozo Luís Inácio Lucena Adams Valdir Moysés Simão

Este texto não substitui o publicado no DOU de 19.3.2015

Deserto verde e Defaunação

“A floresta precede os povos e o deserto os segue”

(Chateaubriand)

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[EcoDebate] O Brasil já destruiu 93% da Mata Atlântica, mais de 50% do Cerrado e mais de 20% da Amazônia. A degradação não poupou outros biomas, tais como a Mata de Cocais, os Mangues, a Caatinga, a Mata de Araucária, os Pampas e o Pantanal. Assim, o Brasil que não pensa em restaurar a sua rica biodiversidade original, tem muita terra, roubada das florestas, à disposição da agricultura, do reflorestamento e da pecuária.

Ao invés do replantio de espécies nativas, a “indústria” do reflorestamento buscou espécies florestais exóticas, como o Pinus e o Eucalyptus, que se adaptaram bem no Brasil, possibilitando produtividade, no mínimo, dez vezes maior que as de muitos países de clima temperado. O rápido crescimento das plantações de Pinus e Eucalipto ocorre devido às condições favoráveis de clima, solo, extensão territorial, mão de obra, infraestrutura e capacidade gerencial produtiva das empresas que focam o lucro e não a recuperação dos ecossistemas.

As monoculturas voltadas para o lucro não contribuem para a recuperação da biodiversidade. A expressão “deserto verde” surgiu para denominar as plantações de só um tipo de árvores, como nas grandes extensões de terra destinadas para a produção de celulose, madeira ou carvão vegetal. As consequências deste tipo de plantação para o meio ambiente são: desertificação, erosão e redução de biodiversidade.

Deserto verde, por exemplo, é quando uma floresta tem cheiro de sauna e nenhuma fauna. Em geral, as grandes plantações de Pinus e Eucalipto envenenam o solo, eliminam a biodiversidade animal, a flora do local, secam as nascentes, sugam o lençol freático e reforçam a concentração fundiária.

A desastrosa combinação entre eucalipto, monocultura e agrotóxicos afeta também a saúde das pessoas que produzem alimentos em regiões próximas, pois suas terras são invadidas por animais silvestres, sem alternativa, na busca de alimentos. Os animais selvagens são vítimas da falta do habitat, da falta de corredores ecológicos e da falta de compaixão dos produtores que não admitem a “invasão” de suas terras privadas e a perda de alguns de seus animais domesticados.

Para a produção de Etanol e biocombustíveis, avança a monocultura de cana-de-açúcar, que expulsa animais, destrói ambientais e literalmente calcina os que não conseguem escapar das línguas de fogo em locais onde o corte da produção ainda é feito com fogo, como nos primeiros tempos da escravidão.

A maior parte dos ecossistemas brasileiros foi destruída e não existem corredores verdes para unir o pouco que restou dos diversos biomas. A fauna também foi destruída ou ficou ilhada em pequenas porções. A perda da fauna é definida como “defaunação”, o que está levando a uma extinção em massa de animais de pequeno, médio e todos os portes.

Este processo é global como fica claro nos estudos publicados em julho de 2014 na Revista Science que mostram taxas alarmantes de ecocídio. Segundo a Revista, o ser humano está provocando, em um curto espaço de tempo, a sexta extinção em massa no planeta. Isto acontece em função dos impactos da perda de vida devido ao empobrecimento da cobertura vegetal, à falta de polinizadores, ao aumento de doenças, à erosão do solo, aos impactos na qualidade da água, etc. Ou seja, os efeitos são sistêmicos e um dos artigos da revista Science chama este processo de “Defaunação no Antropoceno”, que ocorre devido ao aprofundamento da discriminação contra as espécies não humanas.

O crime do especismo está longe de ser objeto de uma discussão mais profunda, como já ocorreu com o racismo, o sexismo, o classismo, o homofobismo, escravismo, etc. Recentemente foi criado um site para incentivar a mobilização contra a discriminação das espécies, definindo o dia 22 de agosto de 2015, como o “Dia mundial contra o Especismo”.

O deserto verde e a defaunação afetam a vida humana e não-humana. Por exemplo, insetos, incluindo as abelhas, que polinizaram 75% da produção agrícola mundial, sofrem ameaça em escala global, com o uso generalizado de agrotóxicos. Da mesma forma, estão ameaçados morcegos e aves que controlam pragas agrícolas que, de outra forma, seriam devastadoras.

O declínio da população de anfíbios – como sapos e pererecas – aumenta a concentração de algas e outros detritos, o que compromete a qualidade dos recursos hídricos. Animais vertebrados e invertebrados desempenham papel estratégico na decomposição orgânica e ciclagem de nutrientes no ambiente. Desta forma, a defaunação afeta a saúde humana de diferentes maneiras, desde a desnutrição ao controle de doenças.

Em dezembro de 2014, o Ministério do Meio Ambiente apresentou estudo que mostra que o número de animais ameaçados de extinção no Brasil aumentou 75% entre 2003 e 2014. A nova lista nacional de espécies ameaçadas tem 395 novas espécies, a maior parte de invertebrados terrestres. Além disto existem inúmeras espécies ameaçadas que, por serem desconhecidas dos registros humanos, simplesmente não entraram nas listas de extinção.

O crescimento das atividades antrópicas no Brasil tem prejudicado de forma danosa todas as formas de vida ecossistêmicas dos biomas nacionais. Os brasileiros estão reincidindo cotidianamente nos crimes do especismo e do ecocídio. Se a dinâmica demográfica e econômica continuar sufocando a dinâmica biológica e ecológica, o Brasil destruirá a maior área de biocapacidade do Planeta a contribuir de maneira decisiva para o abismo civilizacional e ecológico, gerando um suicídio global.

Campanhas/redes:

Dia mundial contra o Especismo: http://end-of-speciesism.org/

End Ecodide on Earth https://www.endecocide.org/en/

End Ecocide: A Global Citizens’ Initiative to Protect Ecosystems

Clique para acessar o EEE_booklet.pdf

José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br

Publicado no Portal EcoDebate, 18/03/2015

Qual é a crise política brasileira hoje?

feminicídio sim Foto inserida por Paulo Martins – dialogosessenciais.com Publicado originalmente em Plataforma Política Social William Nozaki* Instabilidade e crise Na última semana dois grandes conjuntos de manifestações ocuparam as ruas e as redes em diversas cidades do país. De um lado, vozes de apoio crítico ao governo Dilma, de outro lado, brados de oposição e repulsa contra a presidenta e o PT. Não resta dúvidas de que o Executivo precisa se movimentar rapidamente para refazer suas relações com os outros dois poderes da República e para retomar um diálogo mais estreito com a sociedade, apresentando uma agenda que dê conta de interagir com as novas demandas, expectativas e desejos expressos pelos diversos atores sociais. No entanto, dificuldades de duas ordens – conjunturais e estruturais – tem obstruído esse caminho. Do ponto de vista conjuntural, esse primeiro trimestre tem sido marcado por sucessivos deslizes na construção da identidade do governo e pela dificuldade da presidenta Dilma em disputar e publicizar uma narrativa para o seu projeto de país. A composição ministerial ao absorver figuras como Joaquim Levy, Kátia Abreu e Gilberto Kassab deixou margem para impressões de construção de um governo contraditório; a morosidade na decisão sobre a substituição de Graça Foster na Petrobrás, somada aos vazamentos seletivos da Operação Lava Jato, impactaram negativamente o balanço da empresa e a imagem do poder decisório do Planalto; o anúncio do ajuste fiscal recessivo sem envolver uma pactuação mais ampla com empresariado e trabalhadores instaurou o clima de insegurança e austericídio; a derrota para Eduardo Cunha na disputa da presidência da Câmara, combinada às negociações malfadadas com o PMDB, trouxeram para dentro da base aliada a turbulência geral; tudo isso combinado ao lançamento de um lema de governo bastante vago, “Pátria Educadora”, e ao silêncio de dois meses da presidenta que evitou o diálogo com a imprensa. Não podemos admitir, no entanto, a explicação fácil de que esse planetário de problemas é culpa simplesmente da inabilidade política da figura individual da presidenta, o quadro é bem mais complexo e parece explicitar os limites do próprio sistema político-econômico e de representação. (i) A distribuição de ministérios na Esplanada está fatalmente sujeita às negociações em nome da governabilidade sem a qual, concordemos ou não, não se governa nos marcos da democracia representativa existente hoje, tal constatação só reforça a necessidade de realização de uma ampla reforma política; (ii) De modo análogo, diante do cenário de crise internacional e de desequilíbrio das contas públicas, a necessidade de um ajuste fiscal se impôs de maneira inequívoca, é bem verdade que o grau de contracionismo das medidas assim como sua maior incidência sobre os trabalhadores do que sobre os mais abastados precisam ser contestados, mas, uma vez mais, isso só reforça a necessidade de implementação de uma reforma tributária mais ampla; (iii) Por fim, os desvios de recursos da Petrobrás revelam um problema crônico do Brasil: a corrupção sistêmica como parte constitutiva do patrimonialismo que permeia o Estado, por meio de licitações contestáveis empresários corruptores açambarcam recursos públicos a fim de repassar verbas para o financiamento privado de políticos corruptos, tamanho descaramento precisa ser enfrentado com um enérgico pacote de combate à corrupção. Há que se notar uma perversidade ainda maior, existe uma espécie de ciclo vicioso atando os três problemas levantados acima: o avanço do crescimento econômico com inclusão exige uma reforma tributária e a taxação do andar de cima da pirâmide social, mas como taxar os recursos de uma camada composta por banqueiros, empreiteiros e acumuladores em geral que são justamente os responsáveis pelo financiamento das campanhas eleitorais? Ou, por outra, a recuperação do desgaste das instituições de poder exige uma reforma política que renove a relação entre o Estado e a sociedade, mas como rever a representação e ampliar a participação se os responsáveis por aprovar tais medidas são, muitas vezes, justamente os que ascenderam ao poder por meio de relações problemáticas com o capital? Os conservadores pragmáticos se resignam diante dos problemas impostos pela governabilidade e dessa forma acabam justificando a perpetuação do fisiologismo; os esquerdistas idílicos repetem o mantra da ruptura radical e tem muito compromisso teórico, mas nenhum compromisso prático, com as conquistas realizadas pela sociedade brasileira nas últimas décadas. Nos dois casos o que se revela é um preocupante desapego com o aperfeiçoamento e a republicanização da nossa democracia. Representação e governabilidade Nesse sentido, é importante reconhecer, o governo tentou ainda que de forma fracassada realizar uma disputa no parlamento pela presidência da Câmara, mas se viu enredado em uma situação complexa, dessas em que se tem que escolher entre o pior e o ruim. O pior seria apoiar Eduardo Cunha e aderir, sem resistências, ao padrão de patrimonialismo e conservadorismo que ele representa. O ruim seria ensaiar um esboço de resistência com um candidato próprio, ainda que com chances mínimas de vitória. Entre a acusação de conservador passivo e derrotado ativo o governo optou pela segunda. Vale registrar, essa decisão – pouco maquiavélica, mas republicana – explicitou o conflito no interior da base aliada entre PT e PMDB. Entendidas as coisas nesses termos, os impasses de Dilma são os impasses do sistema político brasileiro, mais ainda: parte dos insucessos do governo são exatamente porque, ainda que de forma desastrada, ele tentou enfrentar o tradicionalismo pemedebista, como, aliás, tem desejado parte da população. E se enfrentou optando não pela via da ruptura com o PMDB, mas sim pela disputa institucional da Câmara, é porque, premido pelas contradições da governabilidade, uma vez mais fez a opção pela disputa nos marcos da institucionalidade democrática. A não compreensão sobre esse caminho joga água no preocupante avanço do conservadorismo e do autoritarismo. Na história do Brasil, não são raros os episódios em que os setores regressistas responderam às derrotas nas urnas com seus três instrumentos clássicos: o judiciário, as polícias e a grande imprensa. Conservadorismo e autoritarismo Como é sabido desde 2014, o parlamento eleito no Brasil é composto pelo maior número de legisladores milionários da nossa história republicana, no processo eleitoral que foi o mais custoso de nossa série democrática, resultando na eleição do maior número de empresários, bispos e pastores, militares e policiais, o resultado disso é o travamento das agendas progressistas, de defesa da igualdade e promoção das liberdades, e a ampliação de uma pauta regressista, em menos de 60 dias a bancada da família cristã, defensora dos bons modos e costumes, desengavetou e colocou em tramitação projetos de lei como o dia do orgulho hétero; a punição contra a heterofobia; o veto à adoção de crianças por casais homoafetivos; o impedimento do abortou mesmo nos casos já previstos por lei; a bolsa estupro. Ao que tudo indica os representantes do patriarcado elegeram as mulheres e o público LGBT como seus primeiros inimigos. O poder judiciário também não parece desfrutar da lisura e da pompa manifesta pelos rituais da toga, haja vista a proposital morosidade de Gilmar Mendes em avaliar o projeto que propõe o fim do financiamento privado-empresarial de campanha, para não mencionar os inúmeros casos que diariamente surgem de juízes desferindo suas “carteiradas” histéricas ou ostentando pequenos poderes como no caso do magistrado que, além de desviar recursos dos cofres públicos, achou por bem desfilar com um dos carros do seu réu Eike Batista. Do mesmo modo, as forças policiais conclamadas sob o pretexto da segurança pública instauram o medo promovendo o encarceramento seletivo e a violência sistemática, sobretudo, contra jovens, negros moradores das periferias das grandes cidades do país, não são poucos os casos de criminalização arbitrária, abordagem excessiva e chacinas bárbaras. Por fim, o caso do partidarismo e da parcialidade da grande imprensa é latente: capas de revistas semanais e manchetes de jornais de circulação nacional fazem mais panfletagens atemorizantes do que coberturas jornalísticas que de fato informem. Uma passada de olhos pelo noticiário evidencia o imenso descompasso entre o número exponencialmente grande de matérias que atacam o governo quando comparado àquelas em muito menor quantidade que informam agendas possivelmente positivas. O silêncio na cobertura do escândalo internacional conhecido como SwissLeaks revela o corporativismo da nossa grande imprensa, fosse ela realmente comprometida com o combate à corrupção teria noticiado amplamente as crimes de desvio de recursos, sonegação fiscal e evasão de divisas cometidos pelos abastados brasileiros com polpudas contas em bancos suíços. É possível acreditar que alguma dessas instituições tem um compromisso sério com a democracia? Democracia como Mais-Democracia Os desafios para o próximo período não são miúdos, não há tempo para análises simplistas e respostas fáceis, o caminho para o futuro precisa ser construído pelo conjunto da sociedade brasileira em um grande pacto e com um amplo diálogo, o que só pode ser feito nos marcos de defesa e ampliação da democracia, sendo assim qualquer ameaça de impeachment ou pedido de volta à ditadura precisa ser recusado com veemência. Nesse quadro complexo, crivado por contradições, o próprio governo instituído é que se tem apresentado como o maior fiador da nossa democracia, por isso ele pode ser criticado, mas ele deve ser defendido. Os problemas da democracia só se resolvem com mais democracia. * – William Nozaki é professor de economia da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP).

A Paulo Freire, por Thiago de Mello

Diálogos Essenciais

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CANÇÃO PARA OS FONEMAS DA ALEGRIA

Thiago de Mello

A Paulo Freire

Peço licença para algumas coisas.
Primeiramente para desfraldar
este canto de amor publicamente.

Sucede que só sei dizer amor
quando reparto o ramo azul de estrelas
que em meu peito floresce de menino.

Peço licença para soletrar,
no alfabeto do sol pernambucano
a palavra ti-jo-lo, por exemplo,

e pode ver que dentro dela vivem
paredes, aconchegos e janelas,
e descobrir que todos os fonemas

são mágicos sinais que vão se abrindo
constelação de girassóis gerando
em círculos de amor que de repente
estalam como flor no chão da casa.

Às vezes nem há casa: é só o chão.
Mas sobre o chão quem reina agora é um homem
diferente, que acaba de nascer:

porque unindo pedaços de palavras
aos poucos vai unindo argila e orvalho,
tristeza e pão, cambão e beija-flor,

e acaba por unir a própria vida

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A praga da violência coletiva – Ladislau Dawbor

Diálogos Essenciais

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“Nunca subestime o poder de pessoas estúpidas em grandes grupos

Um aluno um dia me perguntou o que eu achava do homem: naturalmente bom mas pervertido pela sociedade, na linha do “bom selvagem” de Rousseau, ou esta desgraça mesmo que vemos por aí, em estado natural? Na realidade, não acho nem uma coisa nem outra. Acho que temos todos imensos potenciais para o bem e para o mal, para o divino e a barbárie. Cabe a nós, que trabalhamos com o estudo da sociedade e em particular das instituições, pensar o que faz a balança pender mais para um lado ou para outro. Pois deixando de lado alguns traumas e deformações individuais, domínio dos psiquiatras, aqui nos interessa a misteriosa bestialidade coletiva de grandes grupos sociais.

Muitos dizem que a solução está na educação e na cultura. Tenho minhas dúvidas, pois sou de família polonesa, e vi refletido nas angústias…

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