Aloísio Nunes: de quadro do PCB a Bobo da Corte

Publicado em Brasil2

Por Regis Frati

É grande o número de amigos do passado que hoje se escandalizam com a postura repugnante adotada por Aloysio Nunes Ferreira nos últimos anos. Sou um deles, me entristeço muito com o outrora amigo sempre educado, solicito e gentil, que me acolheu solidariamente em sua casa em Paris e de quando eu, como responsável do coletivo brasileiro, o recebi na escola do PCUS em Moscou, para o seu curso “de comunismo científico”.

Aquele Aloysio era um companheiro bem humorado, bem preparado e sério, analista sensato e profundo, um quadro político que até havia aprendido a ser tolerante, depois de seu fracassado passado na “luta armada” da ALN.

Aloysio na França foi redator de bons textos e um dos principais editores da Voz Operária, nosso jornal clandestino, sob o pseudônimo de Nicanor Fagundes, depois, com a sua volta ao Brasil no pós Anistia, foi muito ajudado pelo velho PCB para o deslanche de sua carreira parlamentar, partido em que militou ainda um tempo, contribuiu com o Voz da Unidade e participou do Comitê Estadual, até que se desligou e optou por “ganhar a vida” no esquema dos cargos de Quércia, depois virou vice-governador e secretário de negócios metropolitanos (CPTU e Metro) de Fleury, em seguida candidato a prefeito de São Paulo, pelo PMDB em uma campanha arqui milionária (eu e Luiz Fernando Emediato fizemos um bom pedaço dela, lembra meu querido amigo Emediato?).

Em seguida, ao perder logo no primeiro turno para Maluf e Suplicy, abandona também o seu padrinho no PMDB, se elege Deputado Federal e se bandeia para o lado dos então inimigos Serra e FHC, seus novos aliados do anti Quercismo e de Covas, se elege novamente deputado federal (sempre mal votado) e em 2010 senador por acaso e sorte, com a morte de Tuma e Quércia e os votos herdados deles na véspera das eleições.

Aí se permite transitar de um vice imposto pelo PSDB de SP na chapa de Aécio, para seu mais novo “cão de guarda”, um típico pitbull desconectado da arte de fazer política de alto nível.

Derrotado, segue firme seu rumo de neo-aecista e hoje é só um “pau mandado” do que há de mais nefasto na elite econômica e política brasileira.

Frustrado por não ter sido escolhido Ministro da Justiça do golpista Temer, acaba se tornando “líder” do governo, indicado por Aécio, mas não conseguiu se impor diante das raposas Eliseu Padilha, Gedel Vieira e até o defenestrado Romero Jucá.

Como “líder” é um perfeito Bobo da Corte, pois não é nada, não lidera ninguém, não fede e nem cheira. Como um dos tucanos mais denunciados (acho que só perde para Aécio e Serra) por “captação” de recursos suspeitos e de caixa dois, hoje o seu maior temor (ou insegurança, como diz o amigo Josè Salles), é de que não prevaleça a operação abafa articulada por Gilmar Mendes, e que todos os cagalhões da CBPO e da delação de Marcelo Odebrechet e de outras empreiteiras venham à tona.

Aloysio, hipocritamente, cospe no prato que por muito tempo comeu e se lambuzou e deve torcer para que a impunidade possa continuar prevalecendo para ele e todos os seus amiguinhos dessa nova fase e rica “empreitada”, mas deve também se preocupar um pouco, pois um dia desses uma delação pode escapar do controle de Gilmar e “a casa caia”, como caiu na cabeça daquele outro vestal desse mesmo Senado, o desmoralizado e corrupto ex-senador Demóstenes Torres, lembram dele?

Regis Frati é ex-dirigente do Partido Comunista Brasileiro e analista político de primeira grandeza.

O golpe consumado, por Ivan Valente

Por Ivan Valente

Consumado o golpe, é crucial vencer a disputa de narrativas.

O episódio do impeachment era jogo vencido há tempos, jogo de cartas marcadas. A defesa de Dilma Rousseff no senado, no dia 29, não virou o placar, que exibiu há pouco vergonhosos 61 a favor do impeachment e 20 contra. A precisão com que a ex-presidente desmontou os ataques escancarou ainda mais a fragilidade da acusação, que já vinha sofrendo reveses nos últimos dias de julgamento. A parcialidade das instituições foi desnudada com a revelação de que membros do Ministério Público e do TCU trabalharam em conjunto para elaborar a peça de acusação, comprometendo seriamente a imparcialidade dos responsáveis.

A própria Janaína Paschoal admitiu que os decretos que embasam o pedido de impeachment são de menor importância e teve que apelar com uma fala péssima sobre Deus para tentar encobrir a articulação interesseira e a falta de substância. No final, houve uma simulação de julgamento, com pretextos vazios usados para destituir uma presidente eleita democraticamente. Dilma realmente não foi uma presidente exemplar, merecendo inúmeras críticas, mas não podia ser condenada sem provas de qualquer crime, muito menos por senadores que negociaram o impeachment no balcão de Temer em troca de cargos e outros benefícios pessoais.

A rejeição, por parte dos senadores, do pacto por novas eleições afronta a soberania popular e entrega a decisão dos rumos do país políticos que querem assumir o poder sem o voto, além de tentar se salvar da Lava Jato. Não há como sustentar que o impeachment se deu para combater a corrupção. O processo teve início na câmara como uma retaliação de Eduardo Cunha, que aliás muitos deputados ainda estão tentando proteger, mesmo se tratando de um corrupto incontestável. A Lava Jato, depois de tanta investigação, não encontrou nenhum indício de que Dilma tenha se beneficiado pessoalmente do esquema da Petrobras, afinal até mesmo do caso de Pasadena ela foi inocentada. Por outro lado, não faltam denúncias contra a cúpula do novo governo, incluindo o próprio Temer, Eliseu Padilha e José Serra.

O que virá daqui para frente não será fácil de digerir. Pode-se esperar um amplo pacote de maldades, pois a finalidade do golpe é impor uma agenda neoliberal da mais alta agressividade, atentando contra a previdência, contra direitos trabalhistas, contra o SUS, contra o investimento na educação, contra programas sociais, em nome dos interesses mais imediatistas e tacanhos da elite financeira. Não é um projeto nacional, como alguns ainda podem pensar. Muito pelo contrário; é um projeto político voltado para os banqueiros, para os rentista e para o capital estrangeiro, com um intenso desmonte de nosso patrimônio e da estrutura básica para nosso desenvolvimento. A política de ajuste fiscal também não deu bons resultados onde foi praticada e vem sendo desacreditada no exterior, apesar de aqui, infelizmente, ainda não ter saído de moda.

Precisamos deixar claro que a privatização generalizada não é de interesse do país, é um bom negócio apenas para meia dúzia de oportunistas que não darão o retorno de que precisamos na arrecadação. Atividades de importância estratégica não deveriam ser entregues quase de graça para o capital privado. Podemos citar exemplos como o da Noruega, onde a petroleira é estatal e alavancou o desenvolvimento do país, a ponto de passar de um dos mais pobres da Europa ao melhor IDH do planeta. A Vale do Rio Doce era lucrativa antes da privatização, a ideia de que sua privatização foi um bom negócio precisa ser desconstruída. Aliás, a privatização da Vale pode ter sido a maior maracutaia já feita na história desse país. Primeiro, sucatearam uma empresa que nos dava orgulho, para justificar a venda. Depois venderam a preço de banana, para termos hoje uma Vale que sonega dezenas de bilhões em impostos e descuida completamente do meio ambiente, como vimos em Mariana.

Precisamos, com urgência, expor o quanto este golpe é antinacionalista, elitista e corrupto. Não podemos esperar a deterioração inevitável da qualidade de vida do trabalhador para desconstruir a narrativa da direita. O neoliberalismo à brasileira precisa ser combatido com grande empenho, tanto nas ruas quanto no embate de ideias. No curto prazo, a derrota no processo de impeachment é terrível, mas não podemos esmorecer, não podemos dar trégua aos golpista. Temos que minar a influência dos golpistas, refutá-los o melhor que pudermos, enquanto avançamos em um trabalho de base e reconstruímos um grande projeto de esquerda consistente para o país. Nós temos todas as condições de vencer a narrativa histórica, que é um passo crucial para superarmos, assim que possível, o episódio nefasto em que ingressamos agora.

Nova subjetividade: escravos econômicos

O cidadão golpista comum é fruto de uma nova subjetividade que se instala nas sociedades capitalistas. Este novo sujeito aparenta gostar de ser escravo econômico do capital. Considera-se empresário de si, pois introjetou uma racionalidade neoliberal que auto-governa sua vida. Não se trata de um controle externo, mas um “governo de si empresarial”, que permite uma forma mais eficaz de sujeição. Trata-se de uma nova forma de sujeição na qual este sujeito é impelido a entregar-se completamente, a transcender-se pela empresa, a motivar-se cada vez mais para satisfazer o cliente e a competir internamente com seu colega de trabalho.

Então, submissos e auto-controlados, estes novos sujeitos neoliberais  receberão pau simbólico no lombo tão logo seja concluído o processo de impeachment e sejam implementadas as medidas negociadas no conluio dos donos do poder.

Aposentadoria, inicialmente aos 65 anos e depois aos 70 anos. Terceirização ampla e geral. Destruição do projeto Minha Casa, Minha Vida.  Universidade paga. SUS reduzido. Plano de Saúde particular com um mínimo de cobertura. Congelamento dos gastos com saúde e educação por 20 anos.

Zumbis, seres abduzidos, auto-controlados pela nova subjetividade, esses sujeitos são verdadeiros escravos econômicos que vão para as ruas gritar por mais escravidão.

Acham que só os outros serão prejudicados e eles, sozinhos, vão se dar bem. Não vão nem ficar cada um para si em luta contra os empresários da FIESP, dos bancos e do agronegócio. Como internalizaram a ética neoliberal, nem lutam contra seus algozes.

Serão terceirizados, e terão status similares aos de escravos econômicos. Vão ter que trabalhar de camelôs ou sujeitar-se a condições muito piores para manterem seus empregos. Se não entregam a produtividade requerida, perdem a competição  para o seu colega de trabalho, agora transformado em seu competidor, também empresário de si. Também lobotomizado.

O salário mínimo será reduzido. E os benefícios da previdência serão desvinculados do salário mínimo. Escravos econômicos, terão que trabalhar para comer, morar de aluguel e para pagar remédios e passagens de trem e de ônibus. Não sobrará dinheiro para colocarem seus filhos em uma boa escola. Como virtual mão de obra escrava receberão só o suficiente para permanecerem vivos. Sem lazer, sem crescimento pessoal, sem condições de sustentar suas famílias de forma digna. O que impressiona é que estes escravos econômicos, empresários de si mesmo, irão para as ruas comemorar o golpe e a futura cassação dos seus direitos.  E ficarão assim até que nova subjetividade se instale e uma nova consciência de classe prevaleça. Vai demorar um pouco. Espero que quando vir, venha como um tsunami, varrendo toda essa lógica neoliberal e seus zumbis amestrados.

Fonte: A nova razão do mundo – ensaio sobre a sociedade neoliberal, de Pierre Dardot e Christian Laval, Editora Boitempo.

A viagem do usurpador

Sinceramente, não entendo a fixação do presidente interino usurpador   Michel Temer querer viajar ao exterior já empossado como golpista consumado.

Será que ele  acha que o título de golpista já consumado lhe dará mais “prestígio” internacional do que o de golpista por ser?

Ou ele tem medo de viajar para o exterior, seu golpe não se consolidar e ele ter que voltar correndo para o Brasil com o rabo entre as pernas?

 

SDMA: doença ou desvio de caráter?

Espalha-se na sociedade um novo pathos – sem trocadilhos, por favor – que está sendo identificado como SDMA- Síndrome da Decadência Moral Adquirida.

O maior grupo de risco foi identificado entre políticos do Congresso Nacional. Mas foram encontrados diversos casos de contaminação por segmentos importantes da sociedade, especialmente na mídia.

Pouco a pouco, como um vírus de extrema virulência, esta síndrome contamina consciências, mata neurônios, queima biografias políticas ou expõe com holofotes biografias políticas já denegridas, mas que se escondiam nas sombras e salas fechadas dos gabinetes parlamentares.

Em sua intervenção hoje, na sessão do Senado que “julga” a presidente Dilma, o senador Roberto Requião já fez a etiologia do que acontece em nosso Congresso: rotulou os políticos atacados pela SDMA de “políticos fisiológicos”.

Patologia, etiologia, fisiologia. Palavras para um país doente, em profunda crise moral e de cidadania.

Trata-se, no entanto, de uma síndrome voluntária, adquirida. Alguns políticos, mesmo ao iniciarem seus mandatos, já são portadores da decrepitude moral e política em seu DNA, outros vão se corrompendo e se tornando cínicos e canalhas à medida que vão exercendo seus mandatos e se reelegendo anos após anos.

O senador Renan Calheiros, embusteiro de fina estirpe, rotulou o Senado Federal de casa de loucos. Se fosse assim, seria o caso, então, de mandar os senadores para tratamento em psicologia ou em psiquiatria e estaria tudo resolvido.

Estou assistindo à sessão do Senado desde o início e observei que uma senadora está travestida de bandeira do Brasil e outra senadora, também senhora de fina classe quando tinha um sobrenome digno, está travestida de vaca de presépio – há quem entenda que sua fantasia, por ter também alguns pontos vermelhos, refere-se à bandeira do estado de São Paulo. Tratando-se de candidata à prefeitura da capital deste estado, a hipótese é plausível. Sei que nos hospícios alguns dignos loucos se travestem de Napoleão, outros se enrolam em bandeiras. Mas, observo, também, que para serem considerados loucos não bastam as roupas que vestem e as atitudes políticas que os senhores políticos e políticas assumem.

Na minha opinião, este diagnóstico apresentado pelo presidente do Senado, Renan Calheiros, de que os senadores  e senadoras são meros /meras loucos ou loucas e que o Senado é um mero hospício é uma estratégia para desviar nossa atenção. Loucos não cuidam de si. Loucos não traem. Loucos não tramam. Loucos não roubam. Loucura é um estado de saúde que pode ocorrer com qualquer um. Não é uma escolha. Decrepitude moral e política, cinismo e canalhice, por outro lado, não é uma doença, é uma falha de caráter. O fato de que no processo de envelhecimento no exercício do cargo vários nobres deputados e senadores tenham envilecido fala mais da falta de caráter de cada um e, muito menos, de enlouquecimento.

Certamente, a natureza humana deve mais aos loucos geniais do que a deputados e senadores venais. Para usar camisas de força há que ser louco, mas tem que ter dignidade. Golpistas, canalhas,  assassinos da democracia e venais não têm os requisitos de honra e dignidade para serem admitidos em hospícios. Para estes golpistas só mesmo cassação pelas urnas, tornozeleiras, grades e execração pública.

A riachuelização do Brasil, por Carlos Juliano Barros

Publicado em Carta Capital

Economia/Opinião

A riachuelização do Brasil

À nata dos empresários, incentivos fiscais e crédito subsidiado. Ao grosso dos trabalhadores, empregos precários e sub-remunerados
por Carlos Juliano Barros — publicado 25/08/2016 04h56

Você já ouviu falar de Flávio Rocha? Nascido no Recife, ele é o herdeiro e presidente da Riachuelo, grupo empresarial de sua família que, nos últimos dez anos, virou referência de fast fashion e se transformou na rede de varejo de moda que mais cresce no Brasil. Antes de trilhar a carreira de executivo, Flávio Rocha até se aventurou na política entre as décadas de 1980 e 1990, quando chegou a ser deputado federal e correligionário do ex-presidente Fernando Collor de Melo.

Como quase todo CEO de sucesso que se preze, Flávio Rocha é dado a hábitos disruptivos que transformam homens de negócio em super-heróis e artistas. Já correu algumas vezes a maratona de Nova York e coleciona nas paredes de sua casa obras exclusivíssimas – do ícone pop americano Andy Warhol ao cerebral pintor venezuelano Carlos Cruz-Díez.

Só que Flávio Rocha vai muito além de um executivo vencedor. Um dos mais barulhentos porta-vozes do empresariado nacional a defender o impeachment de Dilma Rousseff, o presidente da Riachuelo é um liberal convicto e crítico mordaz do “capitalismo de conluio” – ou crony capitalism, na expressão popularizada pelo professor da Universidade de Chicago, Luigi Zingales – que em sua opinião se instalou no Brasil durante a era PT. Um dos seus alvos prediletos é a “política dos campeões nacionais” do BNDES, o banco estatal de fomento da economia brasileira.

De fato, não há como negar que o governo federal usou e abusou do BNDES para distribuir dinheiro farto a juros subsidiados, às vezes até abaixo do próprio custo de captação de capital, para os amigos da corte – Eike Batista e JBS que o digam.

Incentivo fiscal

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Placa mostra o apoio do governo federal à Guararapes Confecções em Natal (Foto: Lilo Clareto / Repórter Brasil)
Para os adversários do PT, a farra do dinheiro barato liberado a gigantes do PIB nacional, escolhidos à revelia da meritocracia do mercado, tolheu a formação do mercado de capitais e inibiu o financiamento privado no Brasil.

Em recente entrevista concedida a Miriam Leitão, na Globo News, Flávio Rocha foi categórico sobre o assunto: “Essas deformações, como subsídios na hora do crédito, também têm o efeito de distorcer a economia”. Mas o presidente da Riachuelo só se esqueceu de mencionar que a empresa de sua família também encheu a pança na boquinha dos juros camaradas do BNDES – tudo dentro da lei, obviamente.

Uma rápida consulta pública ao site do banco (abaixo) mostra que, entre 2009 e 2016, a Riachuelo e a indústria do grupo (chamada Guararapes Confecções) levantaram financiamentos da ordem de R$ 1,44 bilhão para, dentre outras coisas, investir numa fábrica no Ceará e expandir a rede de lojas país afora. Como se não bastassem as taxas de juros do BNDES mais baixas do que as praticadas pelo mercado, a planta industrial construída em Fortaleza, assim como outra fábrica instalada no Rio Grande do Norte, também se beneficia da isenção de 75% do Imposto de Renda – informação que pode ser pescada do próprio site da Riachuelo.

Cínicos, canalhas e a farsa do golpe

Sobre o depoimento de um informante indicado pelos senadores favoráveis ao impedimento da presidente Dilma, um amigo de Facebook postou o seguinte comentário:

“Tive o desprazer de ouvir hoje o depoimento de Julio Marcelo, membro do Ministério Público de Contas. O cobertor do direito ficou curto para cobrir os propósitos políticos que o pautam.

Em relação à acusação das “pedaladas”, ele se dá ao direito de contrariar os fatos apurados pela perícia do Senado. A perícia afirma que os atos correspondentes às “pedaladas” sequer passavam por Dilma. Para Julio Marcelo isso é irrelevante. Não que ele tenha reunido qualquer prova de que o processo decisório fosse distinto. Apenas acredita que fosse distinto. Senti-me em Salem, sendo vã torcida para a bruxa.

Em relação à acusação dos Decretos, ele diz defender apenas o regime de competências estabelecido na CF: se o Congresso tivesse ampliado a meta de superávit não haveria problema. Dilma deveria ter pedido pressa ao Congresso, ao invés de ter editado os decretos sabendo que a meta já não seria alcançada.

A falácia é dupla.

Primeiro, Julio Marcelo não faz análise dos efeitos reais dos decretos em relação à meta, desprezando os esforços de contingenciamento que ocorriam paralelamente à edição dos decretos.

Tais esforços, no mínimo, desconfiguram dolo na violação de dispositivos da LRF, para não dizer da CF. Se o governo estava cortando gastos, impossível dizer que buscava ampliar artificialmente e a qualquer custo o espaço fiscal.

Mas segundo, e pior, ignora o que o Congresso (e seu braço fiscalizador, o TCU) poderiam ter feito, caso de fato tivesse havido usurpação de competência.

O Congresso poderia ter questionado os Decretos e inclusive baixado Decreto legislativo sustando seus efeitos.

O TCU poderia ter alertado para a prática, o que jamais havia feito.

É muito fácil invocar usurpação de competência para justificar impeachment. Mas o fato é que a CF estabelece outros meios de gerir este tipo de incidente na relação entre os poderes, sem o desprezo pela soberania popular e a substituição do presidente por uma maioria parlamentar galvanizada por Eduardo Cunha”.

Em resposta, comentei:

Análises sérias e bem fundamentadas como esta, prezado,  são propositalmente ignoradas pelos cínicos e canalhas. É disso que se trata: um bando de canalhas jogando para uma plateia de cínicos. Não importa se você, eu, José Eduardo Cardoso ou o papa demonstremos com clareza que não houve crime de responsabilidade e sim a procura de um fato, qualquer fato, para sustentar um pedido de impeachment que já estava na rua. O que há, de fato, é um golpe.

Eles, os canalhas e os cínicos, sabem disso e assumiram o custo de carregar para a história essa marca ignóbil. A compensação pelo golpe, o acesso ao poder, para esses canalhas vale a pena.

Os canalhas não têm honra a perder. Então, os nossos discursos baseados em direito e ética não funcionarão. O único discurso que funciona com os canalhas é sobre poder, dinheiro e compra do voto. Este voto, para os canalhas, só serve para ser rapidamente convertido em mais poder e mais dinheiro. O resto é teatro e manipulação da opinião pública.

Assim como os canalhas, os ladrões e assassinos sempre sabem que estão cometendo um crime. Os canalhas sabem que é golpe. Só nos resta continuar nossa luta, denunciando sem tréguas esses golpes, falcatruas e as manipulações dessa mídia corrompida e a ação bandida dos canalhas.

Repetindo o que ocorreu nas grotescas sessões do Senado na fase anterior, os Senadores favoráveis ao golpe abandonam as sessões quando as testemunhas arroladas pela defesa da presidente estão prestando depoimento. Ora, na posição de juízes que deverão julgar se houve ou não a configuração de crime de responsabilidade, entendo que os senhores golpistas, digo, senadores, deveriam assistir e prestar atenção a todos os interrogatórios. Como poderão julgar com a devida isenção que caracteriza o papel de um juiz se só participaram dos depoimentos das testemunhas de acusação? Que julgamento é este em que o júri já foi escolhido sabendo-se previamente a posição de cada julgador ?

 

Livros de Giorgio Agamben – download gratuito

Compartilho artigo de Vinicius Siqueira, do site Colunas Tortas. O link para baixar os livros de Giorgio Agamben está disponível no final do artigo.

Paulo Martins

Ele é um dos filósofos mais influentes do contemporâneo, por isso disponibilizamos  livros de Giorgio Agamben em PDF para download gratuito.

Agamben nasceu em 1942, na cidade de Roma, e utiliza desde autores clássicos a companheiros da atualidade (como Foucault e Deleuze) para desenvolver suas análises.

Talvez seu livro mais famoso seja Estado de Exceção, em que observa as situações em que aquilo que é improvável de se tornar legal, de repente, torna-se. Ele chega à conclusão de que o Estado de exceção é a nova forma de atuação dos Estados modernos.
Diante do incessante avanço do que foi definido como uma “guerra civil mundial”, o estado de exceção tende sempre mais a se apresentar como o paradigma de governo dominante na política contemporânea. Esse deslocamento de uma medida provisória e excepcional para uma técnica de governo ameaça transformar radicalmente – e, de fato, já transformou de modo muito perceptível – a estrutura e o sentido da distinção tradicional entre os diversos tipos de constituição. O estado de exceção apresenta-se, nessa perspectiva, como um patamar de indeterminação entre democracia e absolutismo.

O autor conclui, quando comenta a lei e sua aplicação,

Entretanto, e determinante que, em sentido técnico, 0 sintagma “força de lei” se refira, tanto na doutrina moderna quanto na antiga, não a lei, mas aqueles decretos – que tem justamente, como se diz, força de lei – que 0 poder executivo pode, em alguns casos – particularmente, no estado de exceção – promulgar. 0 conceito “força-de-Iei”, enquanto termo técnico do direito, define, pois, uma separação entre a vis obligandi ou a aplicabilidade da norma e sua essência formal, pela qual decretos, disposições e medidas, que não são formalmente leis, adquirem, entretanto, sua “força”.

Suas obras lidam com a dificuldade da ação política na contemporaneidade e junto a Deleuze, pensou as formas de biopolítica dos Estados atuais. Giorgio Agamben também é grande pesquisador do direito romando e da figura única do Homo Sacer, o sujeito que, após cometer um delito, não é digno o bastante para ser sacrificado aos deuses, ao mesmo tempo, caso encontrado por algum cidadão, pode ser morto sem que seu algoz seja imputado como homicida.

Ao contrário de Walter Benjamin, que acreditava que a vida nua se iniciava quando o direito não mais cobria o sujeito, para Agamben esta vida se encontra no paradoxo específico da própria inclusão e depois exclusão do sujeito de direito. A vida se torna matável através da ordem jurídica do poder soberano. É a ordem jurídica que torna o sujeito passível de morte, excluído do direito.

Livros de Giorgio Agamben em PDF

Disponibilizamos abaixo, 10 livros de Giorgio Agamben em PDF, para baixar basta clicar em qualquer livro:

AGAMBEN, G. Estâncias – a palavra e o fantasma na cultura ocidental
AGAMBEN, G. História e infância
AGAMBEN, G. Homo sacer
AGAMBEN, G. Idéia da prosa
AGAMBEN, G. Idéia do comunismo & idéia da política. In ‘Idéia da prosa’
AGAMBEN, G. O Que é o Contemporâneo e outros ensaios
AGAMBEN; MARRAMAO; RANCIÈRE; SLOTERDIJK. Política

Pode ser apenas coincidência, por Alex Solnik

“Pode ser apenas coincidência o fato de ter estourado uma crise de proporções nunca vistas entre o Supremo Tribunal Federal e a Procuradoria Geral da República por causa da Lava Jato às vésperas do julgamento final do impeachment.
Pode ser apenas coincidência isso ter acontecido às vésperas de Temer, citado várias vezes em delações da Lava Jato, estar prestes a ocupar em definitivo o Palácio do Planalto.
Pode ser apenas coincidência Temer estar prestes a se tornar presidente da República à frente de um ministério onde há vários envolvidos na Lava Jato.
Pode ser apenas coincidência um procurador da força-tarefa da Lava Jato ter afirmado anonimamente à Folha de S. Paulo suspeitar que ele e seus colegas foram usados para viabilizar o impeachment e agora estão sendo descartados.
Pode ser apenas coincidência a Veja ter publicado esta semana delação bombástica do presidente da OAS Léo Pinheiro na qual ele acusa, ma non troppo o ministro do STF Dias Toffoli.
Pode ser apenas coincidência o ministro do STF Gilmar Mendes ter responsabilizado a PGR e demais procuradores da força-tarefa pelo vazamento, afirmando que eles têm liberdade demais.
E ter declarado que foi uma represália contra atitudes de Dias Tiffoli que desagradaram a força-tarefa, como a ordem de colocar em liberdade o ex-ministro Paulo Bernardo.
Pode ser apenas coincidência Gilmar Mendes ser amigo de Dias Toffoli, mas ser mais amigo ainda do PSDB, cujo principal cacique, Aécio Neves estava na mira da delação de Léo Pinheiro.
Pode ser apenas coincidência Gilmar Mendes ter chamado Sergio Moro de cretino por defender uma nova legislação contra a corrupção, na qual até mesmo provas ilícitas seriam aceitas se tiverem origem na “boa fé”.
Pode ser apenas coincidência Janot ter declarado que não houve vazamento porque as denúncias de Léo Pinheiro são factóides, invencionices e ao mesmo tempo encerrar definitivamente as negociações da delação de Léo Pinheiro por quebra de confiança entre MP e a OAS.
Pode ser apenas coincidência a Associação dos Magistrados do Brasil lamentar que “um ministro milite contra a Lava Jato com a intenção de decretar seu fim”, mirando claramente Gilmar Mendes.
Pode ser apenas coincidência, mas toda essa sequência de fatos e declarações confirma o que disse o senador Romero Jucá em conversa grampeada com o ex-presidente da Transpetro, Sergio Machado, na qual afirmou que a única forma de parar a “sangria” provocada pela Lava Jato seria tirar Dilma da presidência e colocar Temer no lugar.
Pode ser apenas coincidência o fato de que durante o governo Dilma a Lava Jato nunca ter sido tão questionada nem atacada como nesses dias.
Pode ser apenas coincidência a Lava Jato ter tido sinal verde para agir enquanto uma presidente que não tinha nada a temer e que jamais foi citada na Lava Jato ocupava o Palácio do Planalto.
Pode ser apenas coincidência, mas jamais em dois anos de existência a Lava Jato sofreu um abalo como esse.
Pode ser apenas coincidência.”
Alex Solnik

STF derruba regra de Cunha que barrava participação em debates

Compartilho informação publicada pelo PSOL. Cansei de discutir sobre o absurdo e a inconstitucionalidade dessa e de outras cláusulas de barreira.

Paulo Martins

O Supremo Tribunal Federal (STF) acaba de considerar inconstitucional a regra eleitoral que permitia que 2/3 dos candidatos pudessem barrar o PSOL e outros partidos com menos de 10 deputados federais eleitos dos debates eleitorais.

A votação ainda está ocorrendo, mas a maioria dos ministros (seis) já se declararam a favor da inconstitucionalidade.

Agora, independente da vontade dos demais candidatos, as emissoras podem chamar para os debates representantes de partidos com menos de 10 deputados federais, como é o caso de Marcelo Freixo, no Rio de Janeiro, e Luiza Erundina, em São Paulo.

 

 

 

Carta a personagens imaginários, por Álvaro Ribeiro Costa

Compartilho artigo publicado no site 247. Reflete meu estado de espírito em relação ao golpe:

Paulo Martins

Subprocurador-geral da República durante o governo FHC e AGU no governo Lula, Álvaro Ribeiro Costa escreve uma carta com críticas duríssimas aos golpistas que agem para derrubar a presidente Dilma Rousseff; “A História não esquecerá nem apagará o nome de vocês do rol das iniquidades e das vergonhas. E não adianta fingir que não há golpe; todo mundo já sabe”, diz ele; para Costa, hoje procurador da República aposentado, “não importa se o arrombador dos pilares da ordem democrática possa eventualmente se valer de uma maioria parlamentar corrompida e mal-cheirosa ou de juízes parciais e desacreditados. Quando a injustiça e a corrupção se fantasiam de direito e moralidade, a justa indignação e a resistência se tornam obrigação”; ele faz, ainda, “uma brevíssima oração: que Deus não os perdoe; vocês sabem muito bem o que fazem!”; leia a íntegra

23 de Agosto de 2016 às 14:09

Por Álvaro Augusto Ribeiro Costa

Carta a personagens imaginários

Em primeiro lugar, por favor, ninguém pense que estou falando com seres reais, nem se considere ofendido em sua honra. É que, como meros e ocasionais personagens de uma extraordinária farsa que se desenrola num lugar também imaginário, não poderiam ter existência própria nem honra que se lhes pudesse atribuir.

Quem seria o autor de tão assombrosa tragicomédia? É difícil saber, até mesmo porque os atores trocam de papéis a cada momento, numa volúpia que uma única mente, por mais delirantemente criativa, não poderia conceber. De cúmplices ou co-autores de supostos delitos, passam de repente a acusadores, transmudam-se em seguida em juízes ou jurados, sob a fantasia da isenção ou integrando a claque dos que se aplaudem uns aos outros, cada um mais convencido da excelência de suas múltiplas e medíocres representações. Um de cada vez ou em grupos, todos muito cientes dos torpes proveitos que almejam.

Cabe, porém, oportuna advertência. Quando as buscas e apreensões invadirem de surpresa seus lares e as conduções coercitivas os expuserem com ou sem razão à volúpia sádica das multidões insufladas pela mesma mídia que hoje os incensa e amanhã os vilipendiarão, não invoquem a presunção de inocência nem o direito de saber do que são acusados; não peçam que lhes seja assegurado o direito de defesa e do contraditório, nem supliquem pela presença de um juiz imparcial. Mas antes que isso ocorra, não percam tempo nem gastem dinheiro promovendo a operação lava-memória. A História não esquecerá nem apagará o nome de vocês do rol das iniqüidades e das vergonhas. E não adianta fingir que não há golpe; todo mundo já sabe.

Penitencio-me por não haver percebido antes quão distante me acho de vocês. A rotina das chamadas boas maneiras esconde a essência das pessoas. De uma coisa, porém, não tenham medo. Não cuspirei em vocês. Não é que não lhes tenha nojo. Compartilho, quanto a isso, do mesmo sentimento que Ulisses Guimarães pronunciou e prenunciou em relação àqueles a quem se dirigiu em mensagem que as ondas do Atlântico ainda hoje – e com mais força agora – repercutem. Contudo, diante da inominável deterioração moral em que estão mergulhados, o meu cuspe seria inócuo; não lavaria nada.

Devo admitir, entretanto, que me fizeram um grande favor: o de me propiciarem vê-los e ouvi-los como realmente são: preconceituosos, convencidos ou convincentes propagadores do ódio e da mentira. Em suma, cúmplices entusiasmados do que há de pior no lastimável cenário escancarado ao mundo desde a tragicômica encenação do último 17 de abril e na farsa que dali para frente cada vez mais se desenvolveu como uma enxurrada de iniquidades.

Caiu a máscara dessa gente que lhes faz companhia, cujos rostos não conseguem ocultar a mais repugnante feiúra moral. Juntando-se ao painel de mentecaptos que a televisão sem qualquer sombra de pudor ou recato revelou para assombro, vergonha ou riso de brasileiros e outros povos do mundo, vocês estarão para sempre ligados. E dessa memória pegajosa nada os livrará.

Não me digam que estão surpresos com os termos desta carta. Posso até imaginar a cena em que estarão diante de seus queridos familiares, tentando justificar a própria conduta. Por isso, explico: não se pode ser tolerante com o delito e o delinqüente quando o crime é permanente e flagrante. Seria como dialogar com o ladrão que invade a nossa casa, rouba nossa liberdade, se apossa do nosso patrimônio e quer se fazer passar por mera visita, com direito a impor o que chama de ordem. A hipocrisia se mostra com sua mais indecente nudez. Não! O diálogo e a compreensão são naturais e necessários entre pessoas que se respeitam no ambiente democrático; não, entre o predador da democracia e sua presa, entre o ofensor e a vítima. As regras de civilidade, próprias da democracia, não socorrem quem contra elas atenta. Contra esses, todas as formas de resistência são necessárias e legitimas. Não há diálogo possível.

Não importa se o arrombador dos pilares da ordem democrática possa eventualmente se valer de uma maioria parlamentar corrompida e mal-cheirosa ou de juízes parciais e desacreditados.Quando a injustiça e a corrupção se fantasiam de direito e moralidade, a justa indignação e a resistência se tornam obrigação.

Por fim, uma brevíssima oração: que Deus não os perdoe; vocês sabem muito bem o que fazem! Mas os mantenha vivos e com saúde pelo tempo suficiente para a reflexão e o mais avergonhado arrependimento.

Um procurador messiânico e um apresentador de boa fé

Tenho publicado diversos artigos, de minha autoria e de terceiros, sobre os abusos praticados no país em nome do combate à corrupção. J. Carlos de Assis diz não ter formação jurídica, mas é preciso em sua análise. Isso não é direito. Isso é civilização.”

Além da minha formação em economia e em negócios internacionais, estudei 3 anos do curso de graduação em direito. Aprendi, por um lado, nos cursos de filosofia de direito, a desconfiar do direito e, por outro, a considerar que o direito, o direito justo, fundamental para a organização de nossa vida em sociedade.

Aprendi também, assistindo às brilhantes argumentações de advogados e juristas, que palavras bonitas podem esconder um Hitler, um Mussolini. Palavras bonitas e bem argumentadas podem levar monstros à absolvição e condenar inocentes. Palavras de gênios da oratória podem levar teses exdrúxulas como a ‘legítima defesa da honra’ a servir para justificar um bárbaro assassinato.

Por isso repito artigos e argumentos mostrando os tempos negros e perigosos que vivemos. Não estou preocupado com leis e direito. Estou preocupado com a falta de justiça. Com a falta de justiça digna deste nome. No Brasil, hoje, sobram justiceiros, mistificadores, “santos do pau-ôco”e milagreiros. Falta justiça.

Paulo Martins

Publicado em Carta Maior

Jô, se pessoas, com seu alto nível cultural, não sabem distinguir o que é avanço e o que é regresso de civilização, estamos em maus lençóis.

Carta a Jô Soares:

Vi a gravação de sua entrevista com o procurador-chefe da força tarefa da Lava Jato, Dalton Dallagnol. Decidi procurá-la na rede depois que, em entrevista posterior, você apresentou uma carta do advogado de Lula protestando contra o uso de provas ilegítimas em processo penal. Você desqualificou o advogado subscrevendo integralmente os conceitos do procurador, dados na véspera, segundo os quais provas obtidas ilicitamente poderiam ser aceitas no processo desde que produzidas de “boa fé”.

Argumento idêntico já havia sido adotado pelo juiz da Lava Jato, Sérgio Moro, numa de suas palestras sensacionais. Neste caso, tratava-se de legítima defesa da audácia dado que o magistrado pretendia obviamente legitimar o uso judicial da gravação de Lula com a Presidenta Dilma, que ele liberou para a imprensa ilegalmente, agora incluída no processo de suposta obstrução da justiça. Temos agora três instâncias da legitimação da prova ilícita: o juiz, o procurador e a imprensa, esta representada por você, Jô Soares, em seu candente editorial. Poder-se-ia dizer que isso retrata uma conspiração para a obstrução não da justiça, mas da lei.

Não somos juristas. Sou jornalista, economista, doutor em Engenharia de Produção, hoje quase totalmente dedicado à economia política. Você é um dos homens sabidamente mais cultos do país. Entretanto, somos iguais num ponto: pertencemos a um mesmo ambiente histórico cujas raízes estão cravadas no início da era moderna da qual a característica mais marcante, no processo de construção de cidadanias, foi a consagração absoluta dos princípios jurídicos do habeas corpus, da presunção de inocência e do devido processo legal. Era a forma do cidadão escapar do sufocamento do Rei ou do Estado.

Não é difícil identificar no devido processo legal o imperativo inescapável da legalidade da prova. Isso não é Direito. Isso é civilização. O contrário seria deixar ao arbítrio do juiz, e na dependência de sua “boa fé”, aquilo que é a base factual dos julgamentos, ou seja, a prova material inequívoca. O juiz Moro e o procurador Dalton, e agora você, Jô, se tiverem realmente boa fé, devem à sociedade brasileira um esclarecimento franco sobre o que entendem por boa fé, e quem a determina num processo penal.

Sua explicação para acolher o argumento do promotor foi a imensa audiência que seu programa alcançou na data do programa. Trata-se de uma tautologia. Sua audiência lhe devolveu o que você deu a ela. Foram seus conceitos, e os conceitos expostos pelo procurador sem qualquer questionamento de sua parte, que refletiram na plateia e na tevê e lhe voltaram na forma de uma ovação geral. Pusesse você alguém de menos boa fé, que a sua, para entrevistar o procurador, alguém que não fosse dessa grande mídia sórdida, e ele seria massacrado.

Vou lhe dar apenas um exemplo da simplicidade idiota desse procurador de ares messiânicos. Ele disse ter estudado pós-graduação em Harvard e ali aprendeu métodos eficientes de combater a corrupção. Bom, terá ele aprendido em Harvard alguma coisa dos processos movidos, depois da crise de 2008, contra os fraudulentos Bank of America e o Citigroup, os maiores bancos norte-americanos? Acaso foi preso algum dos dirigentes desses maiores bancos americanos pelos golpes dados no mercado de subprime?

Bom, para que esse procurador, ou você mesmo não digam de novo que o escândalo da Petrobrás é o maior do mundo, vou lhe dar alguns dados que a grande imprensa omite: os dois bancos citados, para livrar seus executivos da cadeia, pagaram, cada um, cerca de R$ 70 bilhões, ou um total de R$ 140 bilhões em multas. Não é só isso. Ninguém pagou pela fraude da Libor, administrada pelos 14 maiores bancos do mundo, a despeito de bilhões e bilhões de dólares em prejuízos. Ninguém pagou pelas fraudes do Deutsche Bank e o UBS nos mercados mundiais de câmbio, também representando quantias bilionárias.

Se você me perguntasse se gostaria de ver esses bancos quebrarem da noite para o dia por causa da corrupção eu diria que você está louco. O grau de sofrimento no mundo seria intolerável. Aqui, entretanto, esses promotores messiânicos, movidos sobretudo por vaidade e nenhum escrúpulo social, não tomaram qualquer providência para salvar a parte sadia das empresas de engenharia, com centenas de milhares de empregos, envolvidas no escândalo. Ao contrário, embaraçaram como puderam os acordos de leniência. Que fizessem o que os americanos fazem: punam os executivos e salvem as empresas. De fato, eles salvam as empresas e sequer punem os executivos, que se safam com multas.

Seu procurador, Jô, não passa de um vaidoso. Ele se vê em vestes messiânicas para salvar o Brasil da corrupção. Sua entrevista é do tipo que agrada, pois ele se coloca na situação de um puro, um justo, um incorruptível e, sobretudo, como alguém que está sempre e absolutamente certo, combatendo os absolutamente maus com perfeita maestria. Você se revelou surpreendido com a audiência. Você se surpreenderia também, se estivesse lá, com Hitlter e Mussolni, ambos anunciando a grande solução para a Alemanha e Itália. Não passavam, como seu procurador messiânico, de demagogos ingênuos, talvez demagogos de boa fé.

Talvez as partes mais extraordinárias da entrevista, você se deve lembrar, foram aquelas em que o procurador se descreveu como alguém que não tem poder econômico ou poder político, e justamente por isso a forma que encontrou para avançar nas investigações foi uma aliança com a imprensa. Você percebeu o que isso significa? Fora nas ditaduras, onde no mundo o processo judicial se inicia com uma aliança entre a promotoria e a imprensa? É justamente isso que nos leva à investigação-espetáculo, em muitos casos configurando a mais abjeta violação de direitos humanos. É esta aliança a matriz da exibição pública de simples suspeitos, destruindo injustamente reputações, assim como a escolha “científica e democrática” entre as grandes mídias dos documentos e depoimentos que serão vazados, a isso se chamando liberdade de imprensa.

Jô, se pessoas, com seu alto nível cultural, não sabem distinguir o que é avanço e o que é regresso de civilização, estamos em maus lençóis. Vivemos uma situação mundial de crise aguda, com guerras em andamento, fricções entre grandes potências, dramas de refugiados. No nosso caso, vivemos um quadro legislativo podre, uma presidência ilegítima e virtual ditadura judicial que ignora o sistema econômico combalido – 8% de contração em dois anos, 13% de taxa média de desemprego -, e até mesmo o avanço sobre o pré-sal pondo em risco a nossa própria soberania. Sabe-se como começam as revoluções. Nunca como terminam. Para que ninguém se sinta impune ao abusar de autoridade, lembrem-se da experiência turca recente: em face de um golpe judicial instigado pelos americanos, promoveu-se um contragolpe que acabou com mais de 2 mil juízes e promotores na cadeia, sob risco de pena de morte por alta traição.

*Jornalista, economista, professor, doutor em Engenharia de Produção, autor de mais de 20 livros sobre economia política brasileira.

Curso popular de defensoria pública

Um grupo de pessoas, em sua maioria defensoras e defensores públicos de São Paulo, organizou um Curso Popular de Formação de Defensoras e Defensores Públicos para pessoas de baixa renda já aprovadas no exame da OAB ou que queiram ter acesso a uma visão crítica do direito.

Trata-se de excelente iniciativa, que acende uma luz nestes tempos de trevas.

O endereço da página do curso na internet é:

cursopopulardefensoria.com.br

Vamos compartilhar, em outro post, um curso de criminologia, com 10 aulas, com o professor Mauricio Stegemann Dieter.

Paulo Martins

Leia, abaixo, informações adicionais:

O Curso Popular de Formação de Defensoras e Defensores Públicos será ministrado presencialmente a pessoas de baixa renda (que já tenham passado pelo exame da OAB) e será disponibilizado gratuitamente neste site para todas as pessoas que estiverem se preparando para o concurso público de ingresso à carreira ou simplesmente queiram ter acesso a uma visão mais crítica do direito.

Os/as professores/as são, em sua maioria, Defensoras e Defensores Públicos de São Paulo – ou pessoas que compartilhem dos ideais democráticos dessa instituição – bem como aprovados/as no último concurso que ainda não tomaram posse.

O curso será dividido em dois módulos: o primeiro iniciará em agosto e encerrará no início de dezembro. O segundo iniciará em fevereiro com término previsto para o final de maio de 2017. As aulas serão ministradas de segunda à sexta-feira, das 19:20h às 22:40h (bem como alguns sábados, em dias e horários a serem definidos), em sala situada na Rua Boa Vista, em São Paulo, próximo à estação de metrô São Bento.

A carga horária total do curso será de aproximadamente 510 horas.

Esse projeto, para dar frutos, exigiu e continuará exigindo intensa colaboração de tod@s! Tudo vem sendo feito com muito carinho e dedicação por dezenas de pessoas. E não é pouca coisa envolvida: elaboração de site, compra de materiais (cadeiras, lousa, canetas, câmera filmadora, tripé), preparação de professores/as, elaboração de edital, custos da sala (com limpeza, café) etc.

Além dos esforços pessoais, este projeto necessita de recursos financeiros. Até agora, as próprias pessoas responsáveis pela elaboração do curso vêm financiando seus custos.

Surgiu, então, a ideia de dividir essas despesas com todas as pessoas que, embora não possam ajudar diretamente, simpatizem com o projeto e queiram auxiliar com o financiamento.

Além disso, montaremos um cadastro de reserva de professores(as) que se interessem por dar aulas de direito e redação.

Caso você tenha interesse em auxiliar de qualquer forma, mande um e-mail para cursopopulardefensoria@gmail.com ou se comunique diretamente conosco por meio da página do Facebook.

AS AULAS ON LINE JÁ COMEÇARAM

Para acessar as aulas, clique no menu ao lado em “disciplinas” (lado direito). Escolha a disciplina e assista à aula (se o professor disponibilizar, eventual material de aula será disponibilizado em um link que fica abaixo do vídeo da aula).

Para acessar o calendário do curso presencial, clique no menu do lado direito em “Página do site” e, em seguida, em “Notícias”. Considerar que: (i) pode haver alterações pontuais na programação das aulas sem prévio aviso; e (ii) as aulas serão disponibilizadas na medida em que forem gravadas no curso presencial, mas sempre haverá um atraso entre a gravação da aula e a disponibilização no site (tempo para editar o vídeo e carregar na internet) que pode ser, conforme o edital, de até um mês.

Reiteramos que, consoante nosso ideal de democratização do acesso ao conhecimento, não há necessidade de inscrição no curso online (que é inteiramente gratuito).

Curta nossa página no Facebook e acompanhe lá todas as novidades sobre o curso: https://www.facebook.com/cursopopulardefensoria/?fref=ts

Bons estudos a todas e todos!

Se quiséssemos, daria para fazer um país

Estou no Maracanã e o Brasil acaba de ganhar a medalha de ouro no futebol masculino.

Ė impressionante a força do povo em explosão de alegria. Se quiséssemos, daria para construir, juntos, um país.

O que faz 200 milhões de pessoas subjugarem-se ao mando e controle de uns poucos meios de comunicação e do capital predatório?

Alienação? Escravidão econômica?

“É na escola pública que se ganha ou se perde um país, entrevista com António de Nóvoa

Publicado em atarde.uol.com.br

Desde 1994, o português António da Nóvoa, 62, visita o Brasil pelo menos uma vez ao ano. Requisitado para palestras e aulas, este educador e ex-reitor da Universidade de Lisboa é, assim, um espectador privilegiado dos avanços e descompassos do sistema educacional brasileiro. Vê, por aqui, mudanças significativas, como a ampliação do orçamento dedicado à educação. “Mas a escola pública brasileira ainda é, de forma geral, um escândalo”, diz. “E é na escola pública que se ganha ou se perde um país”. Em 2006, Nóvoa liderou o processo de fusão da Universidade de Lisboa e da Escola Técnica de Portugal, abrindo a universidade ao país. A popularidade que alcançou na defesa pelo direito ao ensino público de qualidade fez dele o representante da esquerda portuguesa nas eleições presidenciais do início deste ano. Derrotado pelo candidato conservador, Nóvoa segue sua agenda de “ativista da educação”, como já foi batizado pela imprensa portuguesa. Dos exemplos bem-sucedidos de ensino que já conheceu pelo mundo, destaca os da Suécia e Finlândia. “São modelos fortes porque estamos falando de três ou quatro séculos de responsabilidade e compromisso com a escola. Não três ou quatro décadas”. Nesta entrevista à Muito, Nóvoa fala sobre inovação no ensino, elite brasileira e escola com partido.

O senhor costuma dizer que o problema da educação brasileira não está na escola. Onde está?

Há dois problemas centrais. O primeiro é uma falta de compromisso social e político com a educação de qualidade para todos. Os brasileiros já incorporaram a ideia de que a escola é importante e de que é preciso que as crianças a frequentem. Mas ainda não há um verdadeiro compromisso com essa ideia. Não falo apenas numa escola onde todas as crianças estejam, mas onde todas as crianças aprendam. Esse ainda é um compromisso frágil por parte das famílias, da sociedade e dos políticos. E há o segundo problema, a formação dos professores. No Brasil, os professores são formados com muita coisa teórica, muita coisa desconectada, e pouquíssimo foco no trabalho docente, na formação do professor como um profissional que terá uma atuação diária dentro de uma escola. Isso tem levado a professores com muitos compromissos – políticos, sociais, com o bem-estar social da criança -, mas com pouco compromisso com a aprendizagem, que deveria ser o foco.

Nossos resultados médios são ruins, mas há muitos municípios com resultados bárbaros. Por que não conseguimos replicar essas estratégias?

Em regra geral, quando uma escola funciona é a existência de um grupo de professores que conseguiu mobilizar o município em torno de um projeto. Portanto, é chave ter professores empenhados e mobilizados. Deveria ser bem mais fácil, a partir de exemplos que funcionam, criar um contágio positivo para outras escolas. Mas isso não acontece porque a mobilização dos professores é escassa. Há um descompromisso, que tem raiz na formação, nos salários fracos. Há uma coisa no Brasil, por exemplo, que é terrível e que não tem precedentes em outros países: professores que trabalham em várias escolas. Isso torna o dia a dia do professor um inferno. Como ele pode se concentrar numa escola, num projeto, se ele só passa metade do dia ali?

Essa fragmentação não acontece em outros países?

Nunca encontrei um exemplo semelhante. Na Europa não existe, nos Estados Unidos também não. E em todos os países que visitei na África e Ásia essa não é uma prática. Essa fragmentação do tempo do professor é uma particularidade do Brasil.

Inovação, na educação, parece sempre atrelada a inserção da tecnologia na sala de aula. Por que a escola tem tanta dificuldade em repensar a forma com que os conteúdos são trabalhados?

Os profissionais da educação têm, de forma geral, uma atitude defensiva. O cientista está sempre trabalhando no desequilíbrio, no risco, no desconhecido. O professor está sempre numa fronteira conservadora, do ‘não risco’. Isso sempre foi assim. E é dramático. Os professores precisam perceber o que está acontecendo no mundo e, mais precisamente, perceber o que está acontecendo com as crianças. As crianças, hoje, pensam e ascendem ao conhecimento de forma diferente de nós. Pela primeira vez na história do mundo, as mudanças na escola não vão aparecer por conta de teorias pedagógicas, programas educativos ou leis. As mudanças vão aparecer porque as crianças estão exigindo dos professores que eles se adaptem a um mundo novo. Isso é totalmente revolucionário. A primeira revolução foi a invenção da escrita. A segunda, a invenção do livro. A terceira grande revolução está em curso. Em todas elas, o que mudou foi a forma de ascendermos ao conhecimento, de usarmos o cérebro e de aprendermos. Nós estamos num momento de virada na forma como se aprende. As novas gerações utilizam outras partes do cérebro, não fazem uma aprendizagem linear – às vezes, partem do mais complexo para depois alcançar o mais simples.

Como promover essa inovação no Brasil, onde, segundo dados do Ministério da Educação, 22% dos alunos de 8 anos não sabem ler adequadamente e 35% não sabem escrever?

A questão da aprendizagem é, antes de qualquer coisa, um problema de sentido. Ou seja, quando estamos aprendendo algo nos perguntamos se aquilo tem algum sentido para a vida. Se eu pedir a uma criança para fazer, durante cinco horas por dia, uma atividade em que ela não encontre nenhum sentido, ela não fará essa atividade – se fizer, fará de forma mecânica e não apreenderá. Quando falamos em escola do futuro falamos de uma escola que se baseia no sentido do aprendizado. Há, hoje, no Brasil, muitas crianças de
8 anos que não sabem ler nem escrever, mas essas mesmas crianças são utilizadoras do WhatsApp e muitas delas escrevem e leem no WhatsApp. Claro, podem escrever e ler mal, mas ainda assim o fazem. No momento em que elas têm uma necessidade de se comunicar, elas vão querer aprender a escrever. Como transformar essa escrita em algo que atenda ao cânone da língua é um desafio. Mas a educação brasileira pode dar um salto e sair de uma situação complicada para uma situação favorável. Isso passa, necessariamente, por resolver o problema do sentido da aprendizagem.

Quais competências o professor deve ter para trazer esse sentido?

No lugar de competências, gosto de falar em disposições. A primeira é uma disposição para trabalhar coletivamente. É preciso que o professor perceba que o seu trabalho não é individual e aquela ideia do ‘eu professor, com meus meninos, na minha sala de aula’ já não existe mais. A ideia, agora, é ‘nós professores, com todas as crianças da escola, vamos organizar o trabalho pedagógico’. Além dessa disposição ao coletivo, há uma disposição em trabalhar no espaço social. O conceito de que a escola é uma espécie de ‘bunker’, no meio de um bairro, de uma cidade, está ruindo. A escola vai andar pela cidade. Quem educa uma criança é toda a cidade. A ideia de que a escola vai educar a criança é uma ideia do século passado. Os educadores foram colando tudo dentro da escola – a matemática, a história, a educação ambiental, a educação sexual, a luta contra a violência e contra as drogas – e a escola está inchada, prestes a ver suas estruturas arrebentadas.

Segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, as instituições públicas brasileiras gastam quatro vezes mais com alunos no ensino superior do que com alunos na educação básica. Há uma inversão de prioridade?

Sim. O Brasil tem uma elite muito forte. Talvez seja um dos países com a elite mais forte e dotada de grande poder. E, quando falo em elite, falo da econômica, mas também das elites intelectuais e de esquerda. Por isso, inclusive, há um abismo entre os professores da educação básica e do ensino superior. Abismo salarial e de condições de trabalho. A elite brasileira conseguiu criar uma série de direitos que são muito diferentes dos direitos de quem está embaixo. E isso se traduz na ideia de um financiamento canalizado para as próprias elites. É natural que o ensino superior custe mais caro do que o ensino básico. Mas que seja 20% mais caro, não quatro vezes mais.
Numa entrevista recente, o professor e ex-ministro da educação Renato Janine Ribeiro disse que há muita resistência no Brasil em apoiar a educação básica. Uma resistência, inclusive, dentro do corpo de professores universitários…
Há uma resistência grande a certas mudanças e uma incapacidade de perceber que as mudanças têm que acontecer a favor de quem está na educação básica. Quem está na universidade arranja todos os argumentos para que isso não aconteça. Para mim, é muito doloroso ver que o Brasil tem, hoje, uma educação universitária pública de qualidade, mas essa qualidade se faz à custa de uma coisa: 20% dos alunos estão na universidade pública e 80% estão nas universidades privadas. Isso quer dizer que a qualidade desses 20% se faz à custa de que 80% dos alunos foram mandados para as instituições privadas, para pagar taxas elevadas e, muitas vezes, com ensino de péssima qualidade. Quando o Brasil reserva apenas 20% das vagas para a educação pública e empurra os outros para fora, consegue uma qualidade nos 20%.
Qual é sua opinião sobre o programa de financiamento estudantil, Fies, que teve seu orçamento expandido e, agora, enfrenta desgaste?
Esse programa tem uma grande vantagem e uma grande desvantagem. A vantagem é permitir que alunos que não tenham acesso a uma universidade pública possam continuar seus estudos. Nesse sentido, é um programa de democratização das oportunidades. Agora, há uma imensa desvantagem, que é o Estado financiar instituições de péssima qualidade. Não é o caso de todas as instituições, mas é o caso de muitas. Seria preferível que esses recursos fossem canalizados para expandir a universidade pública, alargando sua capacidade de acolhimento e oferta de vagas.

O senhor é a favor de que famílias mais ricas paguem mensalidade nas universidades públicas?

Este não é o melhor caminho. Embora seja um pensamento que vem sendo questionado em muitos lugares do mundo, ainda acredito no direito universal à saúde, educação e justiça. E se todos têm direito, isso vale tanto para o rico quanto para o pobre. Essa é minha concepção de justiça social. Então, onde é que se faz o equilíbrio social para que tanto o rico quanto o pobre, quando cheguem ao hospital, sejam bem atendidos? Nos impostos. O rico deveria pagar muito mais impostos do que o pobre. O equilíbrio social não deve ser feito na prestação do serviço. A universidade pública deve ser capaz de atender o conjunto da sociedade. Mas a gravidade dessa questão, no caso do Brasil, é que a universidade pública está disponível para apenas 20% dos estudantes. Está claro que precisa haver uma maior equidade. E, se para alcançar essa equidade for necessário, em algum momento histórico, introduzir algum tipo de pagamento, não vejo mal nisso. Mas esse pagamento deveria ser, também, pensando de forma universal, com todos os alunos pagando pequenas taxas mensais ou anuais – e aqueles que não pudessem pagar comprovariam essa incapacidade e ficariam isentos dessas taxas. Esse pagamento iria permitir que o Estado expandisse a rede pública e não permanecesse custeando quase a totalidade do orçamento de universidades que não conseguem atender à demanda de alunos.
Hoje, no Brasil, há diversos projetos nas casas legislativas estaduais e no Congresso que reivindicam uma “escola sem partido”, na qual não haveria espaço para “doutrinação ideológica”. O que pensa sobre isso?
Esse debate é um absurdo, porque, obviamente, não há nenhum conhecimento que não seja fruto de um debate ideológico. Uma escola sem partido é, portanto, uma escola que não existe. Esses movimentos são, normalmente, autoritários. A escola sem partido, então, pode ser encarada como a escola de um único partido, em que o diálogo e a discussão não proliferam e não há compreensão das diferenças. Já assisti a muitos movimentos parecidos e nenhum deles vingou. Por outro lado, é preciso recusar a ideia de uma escola doutrinária. A escola não serve para a apresentação de uma versão, mas para expor o mundo. Serve para dizer à criança que há muitas maneiras de pensar e de viver. Que há pretos e brancos, católicos e pagãos. A escola, na verdade, é o lugar para muitos partidos.

Em nome da democracia, por Jânio Freitas

Em nome da democracia

por Janio de Freitas, na Folha de S. Paulo

16/08/16

“Isso é democracia”. Não é, não. Um dos componentes essenciais e inflexíveis da democracia é o respeito às regras que a instituem. As regras existem no Brasil, precisas e claras na Constituição, mas o respeito é negado onde e por quem mais deveria fortalecê-las. O que está sob ataque não é mandato algum, são as regras da democracia e, portanto, a própria democracia que se vinha construindo.

Não há disfarce capaz de encobrir o propósito difundido por falsos democratas instalados no Congresso e em meios de comunicação: reverter a decisão eleitoral para a Presidência sem respeitar as exigências e regras para tanto fixadas pela Constituição e pela democracia. Há mais de nove meses, a cada dia surge novo pretexto em busca de uma brecha –no Congresso, em um dos diferentes tribunais, nas ruas– na qual enfim prospere o intuito de derrubar o resultado eleitoral.

O regime democrático é tratado na Constituição como “cláusula pétrea”, que se pretende com solidez granítica. O que não significa ser impossível transgredi-lo. Mas significa que quem o faça ou tente fazê-lo comete crime. E quem o comete criminoso é de fato, haja ou não a condenação que assim o defina. Tal é a condição que muitos ostentam e outros tantos elaboram para si.

A pregação de parlamentares identificáveis como um núcleo de agitação e provocação atenta contra a democracia. A excitação de hostilidades que esses parlamentares propagam pelo país é indução de animosidade antidemocrática –sem que isso suscite reação alguma, o que é, por si mesmo, indício da precária condição da democracia e da Constituição.

O que se passa hoje na Câmara, como método e objetivos da atividade, não é próprio de Congresso de regime democrático. Em muitos sentidos, restaura a Câmara controlada e subserviente da ditadura. Em outros aspectos, assume presunções autoritárias, de típico teor antidemocrático, ao ameaçar até aprovações do Senado de punitivas suspensões da sua tramitação.

Afinal, um dos focos da corrupção é arrombado. Os procuradores e juízes do caso receberam tarefa de importância extraordinária. Mas não é garantido que estejam plenamente respeitados nessa tarefa os limites das regras democráticas. À parte condutas funcionais que não cabe considerar neste sobrevoo do momento do país, é notória no grupo, e dele difundida, uma incitação a ânimos não condizentes com investigações e justiça na democracia. Pôr-se como salvadores da pátria, a partir dos quais “o Brasil agora será outro”, não é só um equívoco da ingenuidade. É uma ameaça, senão já algumas práticas, de poderes e atitudes exacerbados que fogem às regras.

Um exemplo que recebeu tolerância incompatível com sua importância: difundir informações inverídicas e sensacionalistas à imprensa, e ao país, “para estimular mais informantes” –como feito e dito por um procurador–, não é ético nem democrático. É autopermissão abusiva. E incitação a ânimos públicos que já recebem das realidades circundantes o bastante para serem exaltados.

O espírito antidemocrático não é alheio nem ao Supremo Tribunal Federal. É nele que um juiz pode impedir a conclusão de um julgamento tão significativo como o financiamento das eleições dos governantes e congressistas. Ou seja, dos que determinam os destinos do país e de seus mais de 200 milhões habitantes. Se alguém achar que é deboche, não vale a pena contestar. Mas convém lembrar que é uma evidência perfeita da prepotência primária, apenas ilusoriamente culta, que sobreviveu muito bem à ruína do seu sistema escravocrata.

Movimentos de ocupações urbanas e rurais são acusados de violar a democracia. É engano. Ilegais, sim, mas não são democráticos nem antidemocráticos. Sequer estão incluídos na democracia, desprovidos que são, todos os padecentes de grandes desigualdades econômicas sociais, de meios democráticos para obter os direitos que a Constituição lhes destina.

E os jornais, a TV, as revistas, o rádio –na verdade, os jornalistas que os fazem– nesse país que concebe a democracia como uma bola, tanto a ser chutada sempre, como a oferecer grandes e efêmeras euforias? Agradeço à sogra de um jogador de futebol, Rosangela Lyra, que me dispensa de alguns desagrados. Disse ela, à Folha, das pequenas e iradas manifestações que organiza pela derrubada do resultado da eleição presidencial: “As redes sociais amplificam e a mídia quintuplica”. Entregou. Delação de dar inveja aos gatunos da Petrobras.

“Isso é democracia” como slogan de antidemocracia só indica que o Brasil ainda não é ou já não é democracia.