Dimensões estratégicas do desenvolvimento brasileiro: desafios da dinâmica internacional

Saiu o número 23 da Revista Política Social e Desenvolvimento, com cinco artigos. Clique nos links e acesse os artigos:

Versão digital:

http://issuu.com/politicasocial/docs/revista_politica_social__e_desenvol

Versão em PDF:

http://plataformapoliticasocial.com.br/wp-content/uploads/2015/10/Revista_23.pdf

O texto a seguir é a apresentação do trabalho, copiado da página da plataformapoliticasocial.

Os artigos aqui reunidos são todos baseados em estudos realizados ao longo de 2014, no âmbito do programa de trabalho do Centro de Altos Estudos Brasil do Século XXI, por professores dos Institutos de Economia da UFRJ e da Unicamp, instituições idealizadoras e fundadoras do Centro. Nesta edição da Revista Política Social e Desenvolvimento, parte dessas contribuições são oferecidas em versão resumida. A íntegra dos estudos será apresentada nos volumes 4 e 5 da série “Dimensões Estratégicas do Desenvolvimento Brasileiro”, produzida pelo Centro de Altos Estudos, e estará disponível em breve na página da instituição na internet
(http://wtww.altosestudosbrasilxxi.org.br/).

O objetivo da publicação é aprofundar a caracterização e compreensão dos problemas estruturais, potencialidades e opções estratégicas de desenvolvimento do Brasil, incluindo dilemas e desafios frente à crise global, a inserção econômica e geopolítica internacional do país.

São múltiplas as abordagens e leituras possíveis sobre o tema do desenvolvimento nacional, sendo também numerosos os recortes possíveis.

A matriz conceitual em torno da qual se estrutura a publicação tem como elemento constitutivo a visão do desenvolvimento como um processo que combina, simultaneamente, (i) crescimento econômico e transformação das bases técnicas do sistema produtivo, e (ii) redistribuição da renda e redução das desigualdades sociais e regionais, sustentabilidade ambiental, aperfeiçoamento da democracia e afirmação dos interesses estratégicos nacionais e da soberania do Estado brasileiro.

Esta visão de desenvolvimento é partilhada no Brasil por muitos especialistas, intelectuais e acadêmicos, mas não é hegemônica, concentrando-se seus estudos em algumas universidades e centros de pesquisa mais abertas ao pensamento crítico, progressista e heterodoxo. Foi buscando ampliar esse debate que surgiu a ideia de elaborar e publicar duas edições da Revista Política Social e Desenvolvimento (# 23 e #24 ), apresentando versões resumidas dos artigos.

Carlos Aguiar de Medeiros, Fabio Freitas e Franklin Serrano (“Regimes de política econômica e o descolamento da tendência de crescimento dos países em desenvolvimento”) analisam a tendência do crescimento maior dos países em desenvolvimento em relação aos países desenvolvidos ocorrida a partir dos anos de 2000. Esse processo de descolamento (“decoupling”) resultou da grande melhoria das condições externas que determinam a restrição de balanço de pagamentos da periferia, em relação à difícil situação dos anos 1990.

O artigo analisa as causas mais importantes desse processo, cujos elementos combinados tiveram como resultado global pelo menos dez anos sem crises de balanço de pagamentos originadas na periferia e uma rápida recuperação das economias em desenvolvimento por ocasião da crise mundial de 2008.

A questão estratégica que se coloca é avaliar se este padrão de crescimento que prevaleceu na primeira década do século XXI tende a se manter na segunda década do século, mesmo que a taxas de crescimento mais baixas por causa da forte desaceleração dos já baixos ritmos de crescimento das principais economias dos países desenvolvidos.

Os dois próximos artigos aprofundam os desafios do setor externo. André Biancarelli (“O setor externo da economia brasileira, depois da bonança e da tempestade”), analisando os vários desequilíbrios atuais enfrentados pelo Brasil, critica a forma convencional pela qual os problemas do setor externo têm sido descritos. Sua visão alternativa não compartilha nem do fatalismo quanto ao passado e presente nem do otimismo quanto ao futuro exportador, da visão predominante. Para o autor, os problemas do setor externo brasileiro são graves, mas não são os mesmos do passado. Provavelmente a situação atual não evolui para uma crise cambial, mas ao mesmo tempo a desvalorização não deve ser capaz de corrigir os desequilíbrios, que têm natureza mais estrutural. Esta questão é aprofundada por Pedro Rossi (“Ciclo de liquidez e taxa de câmbio no Brasil”).

Segundo ele, na história recente o cenário externo é elemento importante na determinação da flutuação da taxa de câmbio. Essa influência ocorre tanto na volatilidade, que responde às mudanças súbitas de expectativas dos agentes, quanto no patamar da taxa de câmbio, que obedece às mudanças de orientação da política monetária dos países centrais e provoca tendências de apreciação e depreciação da moeda brasileira. O artigo explora os motivos para a forte influência desses fatores externos e alerta para o necessário debate sobre uma agenda de regulação financeira que reduza a sensibilidade da moeda brasileira ao ciclo de liquidez e às motivações financeiras dos investidores internacionais.

Simone Deos analisa as estratégias e as tendências na dinâmica do sistema bancário dos EUA intensificadas a partir da crise financeira de 2007-2008 (“Transformações no sistema bancário norte-americano e o papel da regulação”). Destaca o aprofundamento da concentração no setor, associado ao crescimento das grandes holdings bancárias, ao mesmo tempo em que, paradoxalmente, se ampliou a preocupação de governos e órgãos de regulação e supervisão com a presença de instituições percebidas como “grandes demais”. A autora sublinha que os problemas não só permaneceram após a crise, como foram agravados. Alerta que, a despeito de uma nova regulação sobre o sistema bancário estar em processo de implantação nos Estados Unidos, não houve uma reforma efetiva do sistema, a qual articulasse a nova regulação prudencial à busca de um sistema mais estável e voltado ao financiamento do desenvolvimento.

Finalmente, Ana Rosa Ribeiro de Mendonça (“Bancos de desenvolvimento e políticas anticíclicas: um estudo de experiências no Brasil e Chile”) analisa comparativamente dados e indicadores bancários de Brasil e Chile. Demonstra que, em ambos os países, observa-se, nos anos de 1950, a criação de instituições públicas que tinham como intuito estimular o estabelecimento de setores produtivos entendidos como fundamentais para o desenvolvimento econômico. Essas instituições ocuparam um papel importante no processo de industrialização das economias em questão, até os anos 1970.

Os dois países passaram por intenso processo de liberalização econômica e, neste bojo, financeira, sobretudo nos anos de 1980 e 1990. A despeito disso, em ambos os casos, o sistema de financiamento público permaneceu (caminhou-se para a estruturação de um mercado de capitais atuante, que assumiu protagonismo nesse processo).

A autora sublinha que nos anos imediatamente anteriores à crise financeira internacional de 2007-2008, os bancos públicos no Brasil e Chile atuaram de forma pró-cíclica. No após crise, o comportamento das instituições nos dois sistemas se diferencia: enquanto no Chile diminui a intensidade de atuação no crédito, no Brasil, os bancos públicos continuam a emprestar em ritmo mais intenso do que os bancos privados.

Boa leitura!

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Nova Praça Mauá e seus museus

Fomos conhecer, hoje, a nova Praça Mauá, que foi reinaugurada em 06 de setembro. Muito interessante o espaço. Com a inauguração do Museu do Amanhã, prevista para ocorrer até o final deste ano e o início do ano que vem, merecerá uma visita de dois dias: Para visita aos dois museus – MAR – Museu de Arte do Rio – inaugurado em março/2013 – e Museu do Amanhã, a própria praça, um passeio de VLT – Veículo Leve Sobre Trilhos, obra também em andamento.

Faltou, apenas, o céu azul.

O MAR – Museu de Arte do Rio está apresentando atualmente cinco exposições:

Rio Setecentista, quando o Rio virou capital – 07/07/2015 a 08/05/2016

Tarsila e Mulheres Modernas do Rio – 12/05/2015 a 22/11/2015

Kurt Klagsbrunn, um fotógrafo humanista no Rio (1940 – 1960) – 14/04/2015 a 31/01/2016

Evandro Teixeira: a constituição do mundo – 22/09/2015 a 31/01/2016

museudeartedorio.org.br

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A nova Praça Mauá:

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Zizek: superar capitalismo, ou viver em mundo triste, por Slavoj Zizek

Para filósofo, nada garante que revoluções derrubarão ordem atual: tudo depende de nossos gestos. E ações mais radicais são, às vezes, as que parecem menos heróicas

Entrevista a Michel Schulson, no Salon | Tradução: Antonio Martins

Publicado em outraspalavras.net

À medida que as disciplinas acadêmicas tornam-se mais especializadas, o filósofo esloveno Slavoj Žižek flerta na linha entre memória e rebeldia. Seus interesses são descaradamente amplos – de Hegel à psicanálises, de cinema à cultura pop. E seus temas são indesculpavelmente vastos: o futuro do capitalismo global; a natureza da ideologia; a experiência da realidade.

Žižek escreveu mais de 60 livros, e estrelou uma longa sequência de documentários. Em “Problemas no Paraíso”, lançado este ano no Brasil, o autor busca maneiras de “pensar além do capitalismo e da democracia liberal como a estrutura final de nossas vidas”. Seu principal tema é a fusão do capitalismo com várias formas de autoritarismo – e os tipos de descontentamento que podem emergir contra esta fusão. No estilo típico de Žižek, o livro também inclui uma exegese de O Cavaleiro das Trevas, meditações sobre a Coreia do Norte e dezenas de piadas.

Em Problemas no Paraíso, você fala de revolução – de um “autêntico processo emancipatório”. De onde isso virá?

Talvez não venha. Sou muito claro quanto a isso, e talvez um pessimista.
É verdade?

Não vejo garantia histórica alguma de que algum grande evento revolucionário ocorrerá. Mas estou certo de que, se nada ocorrer, vamos nos aproximar, pouco a pouco, talvez não de uma catástrofe global, mas de uma sociedade extremamente triste. Muito mais autoritária, com novos apartheids internos, claramente dividida entre os que estão dentro e os que estão fora.

Talvez eu devesse ter perguntado: de onde este processo viria, se fosse ocorrer?

Não virá de um lugar específico. Vejo espaços potenciais de tensão. Por exemplo, há literalmente centenas de milhares, talvez milhões, de estudantes na Europa em meio a seus cursos. Eles estão cientes de que, em inúmeros casos, não terão chance alguma de um emprego correspondente. Este é um grupo.

Penso, cada vez mais, neste problema da Europa: deveria haver um muro? Aqueles que vêm de fora da União Europeia (UE) – imigrantes, refugiados – deveriam ser autorizados a entrar no continente? Não sou um liberal de esquerda estúpido, dizendo: “Oh, que horror, as pessoas estão se lançando ao Mediterrâneo a partir da África, deveríamos abrir nossas portas para elas”. Não, isso é estupidez. Se a Europa abrisse totalmente suas fronteiras, teríamos em meio ano uma revolução xenófoba anti-imigrante. O que estou dizendo é que o problema vai se agravar – a divisão entre os que estão dentro e os que estão fora.

De fato, parece haver um tipo de levante em gestação.

Não tenho esperanças muito grandes. Não sou como aqueles velhos pseudo-marxistas que clamam: “Estamos no começo, temos apenas que esperar. Os povos, as massas, irão se organizar por si mesmas”. Não é possível vencer o capitalismo desta maneira arcaica.

Você tem falado sobre a ideia de “capitalismo com valores asiáticos”, que desafia a velho conceito segundo o qual capitalismo e democracia são, reciprocamente, os dois únicos possíveis parceiros.

Não significa apenas que teremos mais Estados como a China e Singapura, ou seja capitalismo autoritário. Penso que mesmo no Ocidente, onde temos algum tipo de democracia – o que, admito, é uma conquista real, algo bem melhor que alguns regimes ditatoriais – a ameaça está se tornando cada vez mais presente.

Aí está, para mim, a importância de acordos internacionais como o TiSA e outros semelhantes. São acordos que determinarão, nas próximas décadas, as coordenadas básicas de nossa vida econômica e social – inclusive os fluxos de capital, de informação. E são negociados em sigilo: ninguém os conhece ou controla. Veja, é neste rumo que estamos caminhando. As grandes decisões são tomadas de forma altamente secreta. Não são sequer debatidas. E o que estão fazendo os políticos? Estão travando guerras cosméticas, enquanto as grandes decisões econômicas são tomadas por “especialistas”, nas nuvens…

Você acha que há casos em que os eleitores têm opções genuínas?

Minha observação irônica é de que quando os eleitores têm escolhas reais, este fato é visto como uma “crise da democracia”…

Por exemplo, os eleitores gregos tiveram um tipo de escolha, ao votar no Syriza ou contra o acordo com os credores. Isso gerou um enorme pânico.

Na Europa, comentários a este respeito são feitos de forma cada vez mais aberta. Citei há alguns dias um comentário no Financial Times, em que alguém dizia: “O grande problema da Europa são os eleitores”. Porque eles não compreendem realmente a necessidade de certas decisões etc. Se isso se confirma, que ocorrerá com a democracia? Signfica que estamos, basicamente, regredindo para tempos pré-democráticos, no sentido de que, segundo certas concepções, não é possível acreditar na decisão das maiorias.

Vivemos de fato numa era de ideologia. O neoliberalismo é um mito. O papel dos aparatos estatais, das intervenções estatais na economia, é cada vez mais importante. Vi um relatório sobre o Mali, um país centro-africano. Eles produzem excelente algodão e o preço, é óbvio, é baixo. Eles não podem romper esta situação – e por que? Porque os Estados Unidos gastam mais dinheiro, para subsidiar seus próprios produtores de algodão, que todo o orçamento estatal do Mali.

Li anos atrás, na CNN, uma entrevista maravilhosa do ministro das Finanças do Mali, que dizia: “Por favor, não precisamos de uma ajuda socialista. Deem uma chance ao mercado. Para de apoiar de modo injusto seus fazendeiros, e o Mali estará salvo economicamente”. E a resposta da embaixadora norte-americana no Mali foi incrível: “Não é tão simples assim, também existe a corrupção, blá, blá, blá”. A embaixadora era totalmente sem noção. Mas é assim que funciona hoje o capitalismo real. Todo mundo está violando as regras

Ou todo mundo fala sobre um conjunto de regras, mas na verdade segue outras.

Há certas regras, mas ninguém espera que sejam seguidas. Há regras que, espera-se, serão violadas. E – trata-se aqui de algo que me interessa ainda mais – há coisas que são proibidas, mas espera-se que as pessoas silenciosamente violem a interdição.

É muito específico, culturalmente. Digamos, por exemplo, que você seja uma pessoa rica e eu, pobre. Eu te convido para jantar. Na Europa, ao menos, é costume que, quando a conta chega, embora nós dois saibamos que eu pagarei, você precisa fingir: “Não, não, eu pago” e assim por diante. É preciso executar esta performance, embora nós dois saibamos exatamente o que ocorrerá, ou seja, eu pagarei.

Esta parece uma premissa básica em muitas pesquisas etnográficas.

Vou contar outra história de horror. Há hoje, nos Estados Unidos, uma loucura em torno da expressão “yes means yes? [“sim signfica sim?”]. A ideia é que, quando duas pessoas conversam sobre ter sexo, não basta haver um não não. É preciso que haja um sim reiterado. E mesmo neste caso, de modo um pouco irônico, é claro, há certo tipo de contratos, ou você tira uma foto…

Não se trata apenas de ironizar tudo isso, mas de entender que é exatamente assim que não funciona a sedução sexual. Vou dar um exemplo um pouco chauvinista. Você está seduzindo uma mulher. Ele pode gostar da ideia. Mas se você perguntas abertamente: “Bom, agora posso te comer?”, seria muito humilhante para ela. Não estou dizendo que é possível abusar das pessoas – apenas que as coisas são muito mais sutis.

Não acho que seja para isso que servem as regras e normas… mas entendo o que você está dizendo.

Não, não, não – quero ser bem específico aqui. Sou brutalmente contra os abusos, a exploração sexual e práticas semelhantes. O que estou dizendo é que o flerte, a sedução e tudo isso é estruturado de forma totalmente oposta à sua tradução em regras explícitas.

E é o que ocorre no comércio de algodão entre o Mali e os EUA, certo? Em vez de Washington dizer explicitamente: “Vamos adotar políticas protecionistas e esmagar vocês”, há um delicado vaivém por meio do qual esta relação de poder acaba se expressando.

Ao contrário do sexo, numa economia de mercado deveríamos desejar um pouco mais de regras explícitas. Se você faz o mesmo jogo na economia, significa simplesmente que você ignora certas relações de poder muito brutais.

Pela primeira vez em décadas, os EUA têm um candidato socialista competindo a sério para a Presidência. Você acha que Bernie Sanders oferece um crítica válida do sistema político e econômico?

É claro que simpatizo com ele. Mas nesse caso, sou pessimista. Ele pode jogar um papel positivo. Mas não vejo o início de algo que conduza a mudança real. Talvez seja preciso começar com pouco. Por exemplo, como sempre enfatizo em meu livro, ainda mantenho alguma simpatia por Obama. Não compro o discurso da velha esquerda, segundo o qual Obama traiu. O que eles esperavam: que Obama introduzisse o comunismo nos Estados Unidos? O que me agrada nele é ter introduzido o direito universal aos tratamentos de Saúde. Ele desafiou a ideologia norte-americana num ponto muito importante.

Em qual ponto?

Parace óbvio, porque certos republicanos inclusive quiseram levá-lo à Suprema Corte. O que estou dizendo é que há um caminho a seguir. Não basta dizer “a grande revolução”. Você pode, em vez disso, escolher um ponto de mudança que pode parecer muito modesto. Nada especial. Ninguém pode acusar Obama de comunismo, meu Deus. O Canadá oferecer direito universal à Saúde; a maior parte da Europa Ocidental, também. Penso que este exemplo oferece um bom caminho. Ao invés de sonhar com uma revolução, toque nos pontos dramáticos que podem afetar o sistema.

Foto de Paulo Martins, Casa Daros -09/10/2015 – mostra sobre arte de Cuba.

Obra de Lázaro Saavebra – El expectador y la obra, 1998 – facas, pregos e arruela

Jamais sejamos complacentes

Por Jean Wyllys, em sua página oficial no Facebook

Publicado em ocafezinho.com.

Amigos e seguidores me questionaram privada ou publicamente se Celene Carvalho – a fascista que insultou, aos gritos, Eduardo Suplicy e o prefeito Fernando Haddad na Livraria Cultura, em São Paulo, há alguns dias, e cujo vídeo da agressão viralizou na internet – é mesmo filiada do PSOL. Como, no momento do questionamento, eu não sabia a resposta (afinal de contas, o PSOL tem representação em quase todo o Brasil e eu não conheço nem um centésimo dos seus filiados), eu me calei e fui pesquisar.

Para minha surpresa e infelizmente, Celene era, sim, filiada ao PSOL de São Lourenço, Minas Gerais. Ela inclusive foi candidata pelo partido numa das eleições passadas. A representação do PSOL em Minas informou que já havia pedido o afastamento da fascista. Porém, como o pedido de afastamento não fora devidamente encaminhado à Comissão de Ética da direção nacional do partido, Celene continuava constando da lista de filiados do PSOL. Mas, com esse episódio, a direção nacional do partido vai acelerar a expulsão da fascista.

Apesar de criterioso e rigoroso em seu processo de filiação, o PSOL não está imune a infiltrações de pessoas que nada têm a ver com seu programa nem ideologia. Algumas dessas infiltrações se devem à disputa interna ao partido entre suas diferentes tendências; outras se devem a tentativas deliberadas, por parte de outras legendas, de desqualificar um partido cada dia mais respeitado pela opinião pública.

Creio que se Celene tenha se infiltrado no PSOL devido às disputas internas. Tendo em mente apenas a informação de que o partido nascera de uma dissidência do PT, a fascista deve ter achado que o PSOL seria terreno fértil para seu antipetismo doentio e certamente contou com o apoio de algum dirigente que pretendia usá-la nas disputas internas.

Celene nada tem a ver com o PSOL nem com suas figuras públicas. Ela está mais bem próxima do demo-tucanato (ou seja, das ideias antipetistas comuns ao PSDB e ao DEM) e dos fascistas com colunas na “grande mídia”, tanto que, em seu perfil no Facebook, pululam selfies com Aécio Neves, Reinaldo Azevedo et caterva, sem falar de sua idolatria ao juiz Sérgio Moro.

O PSOL que meus companheiros de bancada e eu representamos está tão longe de Celene que os grupelhos de analfabetos políticos pró-impechment de Dilma que atuam na internet em sintonia com parlamentares do DEM e do PSDB (grupelhos que a fascista tanto admira e dos quais compartilha postagens em seu perfil na rede social) vivem nos acusando de “linha auxiliar do PT” e duvidando da oposição que fazemos ao governo da presidenta Dilma.

Celene cabe perfeitamente naquela já clássica fotografia em que parlamentares do PSDB, DEM e PPS e outros do baixíssimo clero da Câmara Federal e “líderes” dos grupelhos de analfabetos políticos pró-impechment aparecem sorridentes e de dedo em riste ao lado do presidente da casa, Eduardo Cunha, denunciado formalmente – e com robustas provas – pelos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro (inclusive em igreja evangélica) e evasão ilegal de divisas. Celene comunga da mesma indignação seletiva dessa gentalha que quer o impechment de uma presidenta da República sobre qual não pesa qualquer denúncia de crime algum, mas apoia um presidente da Câmara Federal que todos sabemos ser, devido investigações dos ministérios públicos suíço e brasileiro, um criminoso contumaz e cínico.

Aliás, graças a esse apoio, os grupelhos de analfabetos políticos ganharam, de Eduardo Cunha, o direito de violarem, com a complacência e a proteção da Polícia Legislativa, o Ato da Mesa, em vigor desde 2001, que proíbe acampamentos e palanques em frente ao Congresso Nacional. O patrimônio histórico e cultural se encontra manchado pelo verde-oliva das barracas de camping caras erguidas sobre o gramado pelos grupelhos pró-impechment (ao mesmo tempo, a Polícia Legislativa proibiu que sem-teto, indígenas e movimentos que pedem o afastamento de Cunha ali se instalassem!). A imprensa não disse um “a” a respeito dessa ilegalidade! (Imaginem o que diriam se fossem as barracas do MST!)

Antes de insultar Suplicy e Haddad, Celene fizera parte de um grupo que tentou constranger Dilma e Lula durante uma festa de casamento para qual foram convidados. Sua postura, entretanto, não é isolada nem está fora do contexto de crise política que vivemos. Ela é parte do “cotidiano autoritário” que se engendrou no Brasil durante e após as eleições de 2014 em função da linha de atuação adotada pelo PSDB e que é analisado pela filósofa Marcia Tiburi em seu novo e necessário livro “Como conversar com um fascista – reflexões sobre o cotidiano autoritário brasileiro” (Editora Record), do qual tive a honra de assinar o prefácio.

Celene é produto da desonestidade intelectual e da má fé de editores, colunistas e articulistas que atuam na chamada “grande mídia” e que deformam o imaginário e o caráter de sua audiência com coberturas parciais, meias-verdades, boatos alçados à condição de fatos, declarações selecionadas e mentiras deliberadas. Não preciso citar seus nomes. Celene é fruto da canalhice e da demagogia da oposição de direita na Câmara Federal e no Senado, blindada por editores, articulistas e colunistas da “grande mídia”.

O episódio de Celene dá sequência ao macartismo tupiniquim (muito em vigor durante a ditadura militar!) e que já vitimou Guido Mantega, Alexandre Padilha, José Eduardo Cardoso, Stédile, Jô Soares, Marieta Severo, o rapper Flávio Renegado, os médicos cubanos, os imigrantes haitianos e o casal de intelectual de Perdizes. O mesmo macartismo que, ontem, decidiu, numa expressão sem precedentes da burrice motivada ou da má fé deliberada, atacar o último ENEM por conter questões sobre a persistente violência contra a mulher e sobre o racismo na sociedade brasileira.

Em seu maravilhoso “Como conversar com um facista”, Marcia Tiburi chama atenção para o papel da burrice – aquilo que Hannah Arendt caracteriza como “vazio do pensamento” – na banalização do mal a que assistimos ora chocados ora silentes. O fascista não pensa nem reflete criticamente: apenas repete afirmações que estão de acordo com os preconceitos que carrega em si há tempos e dos quais não conseguiu se livrar. “O fascismo é a máscara mortuária do conhecimento”, explica a filósofa em seu livro.

Os que se calam hoje diante da escalada do fascismo no Brasil, por conveniência, preguiça ou egoísmo, não têm ideia do que lhes espera no futuro se esse mal não for devidamente contido. O fascismo e o nazismo aniquilaram milhões de seres humanos com requintes de crueldade pelo simples fato de estes serem judeus, homossexuais, ciganos e comunistas. Não se esqueçam disso!

Peço muitas desculpas a Suplicy e a Haddad, homens públicos que gozam do meu respeito e da minha admiração. O PSOL repudia veementemente não só as agressões de Celene como também o antipetismo odioso expresso pela “grande mídia”, pelos partidos de oposição de direita e pelas hostes fascistas na internet (sempre juntos e misturados!). Só a parte obtusa da militância petista nas redes sociais – obtusa e adepta da má fé como sua contraparte tucana – pode achar e dizer que o PSOL endossaria essa barbárie. Por outro lado, o demo-tucanato pode me chamar à vontade de “linha auxiliar do PT” se isso significar se colocar contra a estupidez e a desonestidade intelectual dos que atacam a agenda e as figuras públicas petistas comprometidas com a justiça social!

Jamais sejamos complacentes com fascistas. Reajamos sempre às suas ações. Mas, num gesto humanitário que nos cabe, apiedemo-nos dessas almas pequenas; elas foram envenenadas por canalhas que, ao contrário de nós, estão pouco interessados num mundo mais justo e humano.

Hoje em dialogosessenciais.com (2)

Esperar o bolo crescer para depois distribuir suas fatias, não é uma promessa falsa quanto anti-econômico. Evidências comprovam que o impacto do crescimento econômico é muito maior em sociedades com menores níveis de desigualdade financeira e social. Em sociedades com níveis de desigualdade absurdos como é o caso da sociedade brasileira, o impacto do crescimento do PIB no bem estar dos seus cidadãos é amortecido por esta desigualdade. O crescimento com inclusão é a melhor alternativa para se ter maior retorno dos recursos investidos na economia.

Para ler o artigo completo, acesse: http://www.dialogosessenciais.com e leia o artigo (no original, em inglês) intitulado “Why trickle-down Economics won’t eliminate poverty”.

Hoje em dialogosessenciais.com (1)

“A opinião pública passou a  ser igual à privada de quem tinha poder para a publicitar. O insulto tornou-se o meio mais eficaz de um ignorante ser intelectualmente igual a um sábio”.

Este é um dos parágrafos do artigo de Boaventura Souza Santos, intitulado “Para ler em 2050”.

Para ler o artigo completo, acesse: http://www.dialogosessenciais.com.

Why trickle-down economics won’t eliminate poverty

Embora as evidências sejam gritantes, mesmo os bem-intencionados seguidores dessa teoria fracassada recusam-se a admitir seu equívoco. Talvez publicando um texto do World Economic Forum, que cita estudos do FMI, os “moais” ou “cabeças-duras”, tenham vergonha de classificar o texto como coisa de “petralhas comunistas bolivarianos, vai pra Cuba”. Ou talvez não. Quem, na verdade, se importa com visão tão ultrapassada da economia que a “trickle-down” representa?

Paulo Martins

It is often said that a rising tide lifts all boats. Experience tells us that the same is not necessarily true of a growing economy. In both developed and developing economies, the benefits of growth are seldom evenly distributed.

This did not always matter. For the proponents of trickle-down economics, the belief was that rising incomes at the top end of the spectrum would lead to more jobs, less poverty and higher incomes at the lower end. According to this thesis, as long as an economy is growing, the benefits will eventually make their way through the system.

Variations of this thinking have been taught to business and economics students for decades, leading to what many would describe as an unhealthy obsession with GDP as the most reliable measure of economic success. However, like a driver who focuses solely on their speed, an economist evaluating nothing but GDP is bound to miss important warning signs along the road.

In fact, a research study published by the IMF in June claims to have debunked the theory of trickle-down economics. Not only did it find that the benefits of growth within an economy are rarely spread evenly, but also that an unequal rise in incomes can actually slow the rate of economic growth altogether.

According to the report, a 1% rise in income for the wealthiest 20% of a society alone is likely to shrink annual growth by 0.1% within five years. By contrast, raising the income of the poorest 20% by a single percentage point increases annual growth by 0.4% over the same time frame.

When it comes to eliminating poverty, the degree to which the benefits of growth are shared can have a significant impact on outcomes. According to Martin Ravallion, the former head of research at the World Bank, as cited in The Economist, a 1% increase in incomes in the most unequal countries produces a mere 0.6% reduction in poverty; however in the most equal countries, it yields a 4.3% cut. In other words, societies can get much more ‘bang from a boom’ if they ensure benefits are more widely shared.

This brings us to the point at which trickle-down theory ends and inclusive growth begins. According to the Organisation for Economic Cooperation and Development (OECD), inclusive growth is “a new approach to economic growth that aims to improve living standards and share the benefits of increased prosperity more evenly across social groups”.

Inclusive growth refers to both the pace and pattern of growth, which are considered interlinked and therefore need to be addressed together. Inclusiveness represents equality of opportunity in terms of access to markets, resources and an unbiased regulatory environment for businesses and individuals. In a nutshell, it is not just about the quantity of growth within our economies and societies, but also about its quality.

The need for more inclusive growth is clear. According to the OECD, the top 1% of earners between 1976 and 2007 absorbed 47% of income growth in the United States, 37% in Canada and 20% in both Australia and the United Kingdom. This matters, because widening inequality has been shown to lead to a range of social and economic challenges for societies over time. These include both social and political instability, not to mention the sheer waste of potential that occurs when large swathes of populations do not have the opportunity to improve their situation.

As the push for more inclusive growth gains momentum around the world, it is imperative that our youth, and particularly business students and budding entrepreneurs, are introduced to this more comprehensive measure of economic progress at the outset of their careers. As our business leaders of tomorrow, their understanding of what constitutes sustainable economic growth will have major implications on the business decisions they make in the future.

Today’s business leaders can catalyse inclusive growth by applying equal opportunity employment principles, paying equitable wages and benefits to employees, and adopting ethical procurement and supply chain practices. This is not a new concept – the Fair Trade movement started decades ago helped producers in developing countries achieve higher social and environmental standards to promote sustainability. Trading partnerships based on dialogue, transparency, and respect that seek greater equity in international trade reduce the chance of people being left behind.

Another way that business leaders can contribute to inclusive growth is by providing basic services and infrastructure to previously excluded communities. Just last week, for example, a number of business pioneers, including Bill Gates and Mark Zuckerberg, signed a “connectivity declaration” aspiring to deliver internet access to everybody on earth by the year 2020. In today’s technology-driven world, internet access can be a powerful force for social and economic inclusion.

Successful inclusive growth is to a large extent linked to combating social and financial inequality, and the generation of productive employment, rather than just income redistribution. In the OECD’s words, “employment prospects, job quality, health outcomes, education and opportunities to build wealth over time” are equally important to the well-being of people and communities. The state of the environment is also significant.

These are the tangibles and intangibles that inclusive growth can bring to our economies and societies if we, as both citizens and members of the business community, choose to make it a priority for our generation and the ones that will follow.

During the course of the past week at the 70th UN General Assembly in New York for the launch of the Sustainable Development Goals, I witnessed countless representatives of government, business and civil society grappling with how to satisfy the needs of human beings within the limits of what our planet can provide. With business at the forefront of engaging with individuals and communities across the world, we have the potential, in this unprecedented time in human history, to promote economic growth that can truly lift every boat in the water.

Author: Badr Jafar is the founder of the Pearl Initiative and the chief executive of Crescent Enterprises

Image: An aerial view of Pacaembu neighborhood is seen with the skyline of Sao Paulo April 12, 2015. REUTERS/Paulo Whitaker

Posted by Badr Jafar – 15:42
All opinions expressed are those of the author. The World Economic Forum Blog is an independent and neutral platform dedicated to generating debate around the key topics that shape global, regional and industry agendas.

Nova categoria: Ovos da serpente

Há 31 anos Rui Guerra escreveu uma crônica sobre o golpe de 1964.

No dia 03 de abril de 2014 o site Carta Maior publicou uma crônica de Rui Guerra sobre o papel dos militares e a continuidade do comportamento hostil à democracia.

No dia 03 de abril passado eu publiquei esta crônica do Rui Guerra neste blog. Eu estava, então, preocupado com a onda fascista que começava a quebrar a casca do ovo.

Hoje, passados quase 7 meses, as evidências se multiplicam.

Nesta situação, calar é consentir. Omitir-se não é opção.

Estou criando uma nova categoria no blog intitulada Ovos da Serpente, para postar os casos de ódio e intolerância que chegarem ao meu conhecimento.

Espero que funcione como um chamamento singelo ao bom-senso e à construção de um ambiente de paz.

Quem sabe as pessoas não se dão  conta que chegamos a uma situação limite. Se continuarmos nessa trilha, vamos levar o país para uma situação insustentável.

Temos que reconhecer que por mais poderoso que qualquer um seja, seu direito termina onde começa o direito do próximo. Trata-se de regra básica de convivência.

É necessário registar, discutir, analisar, indignar-se, compartilhar … antes que seja tarde.

Paulo Martins

‘O Ovo da Serpente’, por Ruy Guerra: uma crônica premonitória

Diálogos Essenciais

Em 3 de abril do ano passado a Carta Maior publicou uma crônica de Ruy Guerra sobre o papel dos militares e a continuidade no comportamento hostil e contrário à democracia. Um ano depois, seu texto, premonitório, está mais atual do que nunca. Infelizmente…

Por Ruy Guerra, na Carta Maior:

Um filme de Ingmar Bergman – belíssimo. Aqui, nesta crônica, a mesma metáfora.

Gosto de metáforas ou eu não gostasse de palavras, que são metáforas mortas, segundo Jorge Luiz Borges.

Há 30 anos escrevi uma crônica sobre o golpe de 1964.

Naquele momento nunca imaginei que voltaria a tocar no assunto tantos anos depois, porque pensei que as instituições militares já teriam se redimido desse momento sujo de sua história com um pedido de desculpas à nação.

Pensava, ingênuo, que essa mancha indelével na história das Forças Armadas brasileiras iria ficar circunscrita aos compêndios de História e sair…

Ver o post original 701 mais palavras

A Suécia ensaia a jornada de 6 horas de trabalho

Tapa na cara de quem acredita em “austeridade” e “sacrifícios”: até empresas concluem que trabalhar menos, mantendo o salário, amplia as horas de ócio sem reduzir a produtividade.

Pela Redação de Outras Palavras

Símbolos, nos anos 1960 a 80, do Estado de Bem-Estar Social em sua versão mais igualitária, os países do Norte da Europa regrediram muito, neste século. A Suécia tem um governo conservador que colabora estreitamente com os EUA no esforço para manter Julian Assange encarcerado na minúscula embaixada do Equador em Londres. A Finlândia figurou, junto com a Alemanha, na linha de frente dos Estados que impuseram à Grécia, há meses, um recuo humilhante na negociação com seus credores. E, no entanto, algo da antiga tradição distributivista e anti-aristocrática resiste.

Um sinal são os crescentes acordos que estão reduzindo substancialmente, na Suécia, as jornadas de trabalho. Não se trata de mudanças cosméticas: as reduções do tempo laboral para 30 horas semanais (apenas 6 horas trabalhadas, de segunda a sexta) estão se tornando frequentes. Surpresa reveladora: em muitos casos, as empresas aceitam de bom grado a mudança. Ao fazê-lo, revelam na prática como são atrasadas as concepções segundo as quais é preciso “sacrificar-se” em tempos de crise.
Uma matéria publicada. há dias no Independent inglês explica a lógica. Tomando por base três empresas — uma transnacional da indústria com sede em Tóquio e planta em Estocolmo (Toyota), uma desenvolverdora de aplicativos para internet (Filimundus) e a adminstradora de uma casa de repouso para idosos (Svartedalens), o texto revela que as reduções de jornada estão se espalhando por todos os setores da economia sueca. As mudanças comportamentais decorrentes são notáveis e diversas. Mas uma conclusão geral se impõe: a ideia calvinista de que trabalhar mais horas resulta em maior bem-estar tornou-se, hoje, totalmente falsa.

Na Filimundus, inserida no setor emergente da Tecnologia de Informação, o próprio presidente, Linus Feldt, reconhece: “Queremos passar mais tempo com nossas famílias, aprender coisas novas ou nos exercitar mais. (…) Acho que a jornada de 8 horas não é tão efetiva quanto pensávamos”. A redução do tempo diário de trabalho, que foi adotada sem mexer nos salários, teve outro tipo de contrapartida. Recomendou-se, com sucesso (porém sem imposições), que os trabalhadores dispersassem menos tempo nas redes sociais. “Minha impressão é de que é mais fácil focar-se de modo mais intenso no trabalho se você sabe que terá energia quando sair da empresa”, diz Feldt.

Na filial sueca da Toyota, a jornada de 6 horas diárias já completou 13 anos. Os próprios administradores admitem que os trabalhadores estão mais felizes, há muito menos perdas com demissões e a empresa tornou-se capaz de atrair os jovens suecos mais habilidosos. O exemplo da Svartedalens com o cuidado de idosos parece igualmente notável. Ele já inspirou empreendimentos similares — um hospital ortopédico na Universidade de Gotemburgo e a enfermaria de dois hospitais no norte do país — a reduzir em duas horas o tempo diário de trabalho.

As experiências relatadas pelo Independent limitam-se às relações capitalistas. Em todos os casos, empresas cujo objetivo central é o lucro — e não a satisfação dos desejos humanos — ganharam, quando se afastaram da ortodoxia que comanda o sistema, onde ele é mais primitivo. Vale perguntar: até onde será possível chegar, se formos capazes de mudar de lógica, substituindo a expectativa banal do lucro pela busca, compartilhada e consciente, de novas formas de estar no mundo e transformá-lo?

Assim funcionam os tribunais de exceção do capital

Saiu o no. 571 – 21/10/2015 – do Boletim de Atualização do site Outras Palavras. Selecionei dois excelentes artigos:

O primeiro, uma reportagem, intitulada “Assim funcionam os tribunais de exceção do capital”, mostra como grandes corporações internacionais ganham bilhões de dólares em danos ao processar Estados. A reportagem mostra como o sistema está perigosamente fora de controle.

O segundo, a ser publicadoem outro post, discute a experiência em andamento na Suécia de redução da jornada de trabalho.

Paulo Martins

Reportagem investiga ponto cego da globalização: os tribunais paralelos em que corporações processam Estados, quando estes ousam ampliar direitos e questionar lógica do lucro máximo

Por Claire Provost e Matt Kennard | Tradução: Inês Castilho

Cinquenta anos atrás, um sistema legal internacional foi criado para proteger os direitos de investidores estrangeiros. Hoje, conforme companhias ganham bilhões de dólares em danos, os iniciados dizem que isso tornou-se perigosamente fora de controle

O escritório de Luis Parada fica a apenas quatro quarteirões da Casa Branca, no coração da Rua K, onde está instalada a longa fila de escritórios de lobistas de Washington – um trecho de edifícios de aço e vidro certa vez apelidado de “caminho para os ricos” (road to riches), quando o tráfico de influência começou a crescer nos Estados Unidos. Parada, um homem de El Salvador com 55 anos e fala mansa, é um entre o punhado de advogados globais que se especializou em defender Estados soberanos contra ações judiciais apresentadas por corporações multinacionais. Ele é advogado de defesa num campo obscuro mas cada vez mais poderoso do direito internacional, por meio do qual investidores estrangeiros podem processar governos em bilhões de dólares, numa rede de tribunais.

Quinze anos atrás, o serviço de Parada era um nicho desimportante até mesmo dentro da advocacia. Mas desde 2000, centenas de investidores estrangeiros processaram mais de metade dos países do mundo, reclamando danos supostamente causados por um amplo leque de ações governamentais, que eles dizem ter ameaçado seus lucros. Em 2006, o Equador cancelou um contrato de exploração de petróleo com a Occidental Petroleum, sediada em Houston (Texas, EUA); em 2012, depois que a Occidental entrou com uma ação diante de um tribunal internacional de investimentos, o Equador recebeu ordem de pagar o valor recorde de US $ 1,8 bilhão — mais ou menos igual ao orçamento de saúde do país por um ano. (Quito apresentou um pedido para que a decisão seja anulada.)

O primeiro caso de Parada foi defender a Argentina no final dos anos 1990 contra o conglomerado francês Vivendi, que processou a província argentina de Tucumán depois que ela a tomou iniciativa de limitar o preço que cobrava de pessoas para os serviços de água e esgoto. A certa altura, a Argentina perdeu e foi condenada a pagar à empresa mais de US$ 100 milhões. Agora, em seu maior caso desde então, Parada faz parte da equipe que defende El Salvador de um processo de milhões de dólares apresentado por uma empresa de mineração multinacional após o pequeno país da América Central recusar-se a permitir que ele escavasse ouro.

O processo foi aberto em 2009 por uma empresa canadense, Pacific Rim — mais tarde comprada por uma empresa de mineração australiana, OceanaGold — que disse ter sido encorajada pelo governo de El Salvador a gastar “dezenas de milhões de dólares para iniciar atividades de exploração mineral”. Mas a empresa alegou que, quando foram descobertos depósitos valiosos de ouro e prata, o governo, por razões políticas, reteve as licenças necessárias para começar a escavação. A indenização reivindicada pela companhia, que em certo ponto ultrapassou 300 milhões de dólares, foi depois reduzida para 284 milhões — ainda assim mais que o montante da ajuda externa que El Salvador recebeu no ano passado. El Salvador argumentou que a empresa não só carecia de licenças ambientais, como também não conseguiu provar que tinha obtido os direitos para escavação na maioria das terras abrangidas pelo seu pedido: muitos agricultores da região norte de Cabañas, onde a empresa queria cavar, haviam se recusado a vender sua terra.

Todo ano, no dia 15 de setembro, milhares de salvadorenhos celebram a data em que a América Central conquistou a independência da Espanha. Estouram-se fogos de artifício e bandas desfilam pelas vilas em todo o país. Mas, ano passado, na cidade de San Isidro, em Cabañas, as festividades tiveram um tom marcadamente diferente. Centenas de pessoas reuniram-se para protestar contra a mina. Minas de ouro costumam usar cianureto para separar o ouro do minério, e uma preocupação generalizada sobre a contaminação da água, já grave em El Salvador, ajudou a alimentar um forte movimento, que propõe manter os minerais do país no solo. Na praça central, foram penduradas bandeiras coloridas convidando a OceanaGold a desistir do caso contra o país e deixar a área. Muitos carregavam o slogan “Não à Mineração, Sim à vida”.

No mesmo dia, em Washington DC, Parada reuniu suas notas e foi para um conjunto de salas de reunião no Prédio J do Banco Mundial, em frente à sua sede principal, na Pennsylvania Avenue. Este é o Centro Internacional para a Resolução de Disputas sobre Investimentos (ICSID, na sigla em inglês) – a principal instituição para lidar com casos de empresas contra Estados soberanos. (O ICSID não é o único local para tais casos, há fóruns semelhantes em Londres, Paris, Hong Kong e Haia, entre outros.) O dia da audiência não foi uma coincidência, disse Parada. O caso foi visto, em El Salvador, como um teste sobre a soberania do país no século 21, e o advogado sugeriu que deveria ser ouvido no Dia da Independência. “A questão fundamental neste caso”, disse ele, “é saber se um investidor estrangeiro pode forçar um governo a mudar suas leis para agradar o investidor, ao invés do investidor cumprir as leis existentes no país.”

A maioria dos tratados internacionais sobre investimento e acordos de livre comércio garante a investidores estrangeiros o direito a ativar esse sistema, conhecido como Solução de Controvérsias entre Investidor e Estado (Investor-State Dispute Settlemente, ou ISDS, em inglês), se querem contestar decisões que afetam seus investimentos. Na Europa, o sistema tornou-se um ponto de discórdia nas negociações sobre o controverso Acordo de Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento (TTIP, na sigla em inglês), proposto entre a União Europeia e os EUA. Tanto a França como a Alemanha disseram que querem ter acesso à resolução de litígios entre investidores e Estados, ítem removido do tratado TTIP atualmente em discussão.

Os investidores têm usado esse sistema não apenas para entrar com ações judiciais por indenizações, diante de alegada expropriação de terra e fábricas, mas também com relação a um amplo leque de medidas governamentais, inclusive regulações ambiental e social, que ele dizem infringir seus direitos. Multinacionais entraram com ação para recuperar dinheiro que já tinham investido, mas também por alegados lucros perdidos e pela “expectativa de lucros futuros”. O número de ações contra países no ICSID está agora em torno de 500 – e esse número está crescendo à média de um caso por semana. As quantias concedidas em danos são tão grandes que os fundos de investimento têm tomado conhecimento: reivindicações das corporações contra os Estados são agora vistas como ativos para investimentos ou para servir como garantia para garantir empréstimos multimilionários. Cada vez mais, as empresas estão usando a ameaça de uma ação judicial no ICSID para exercer pressão sobre os governos.

“Não tinha absolutamente ideia de que isso aconteceria”, disse Parada. Sentado numa sala de reuniões com paredes de vidro em seu escritório de advocacia Foley Hoag, ele fez uma pausa, procurando a palavra certa para descrever o que aconteceu na sua área. “Desonesto”, decidiu, finalmente. “Acho que o sistema de arbitragem investidor-Estado foi criado com boas intenções, mas na prática tornou-se completamente desonesto.”


A calma cidade de Moorburg, na Alemanha, encontra-se logo do outro lado do rio, a partir de Hamburgo. Passando a igreja do século XVI e prados cobertos de flores silvestres, duas chaminés enormes vomitam um fluxo constante de fumaça cinza e espessa no céu. Trata-se da Kraftwerk Moorburg, uma nova usina de energia movida a carvão – o controverso vizinho de porta da aldeia. Em 2009, ela foi objeto de uma ação investidor-Estado no valor de 1,4 bilhão de euros pela Vattenfall, a gigante energética sueca, contra a República Federal da Alemanha. É um exemplo original de como esse poderoso sistema legal internacional, pensado para proteger investidores estrangeiros em países em desenvolvimento, está agora sendo usado também para desafiar ações de governos europeus.

Desde os anos 1980, investidores alemães processaram dezenas de países, inclusive Gana, Ucrânia e Filipinas, na corte do Banco Mundial em Washington. Mas, com o caso Vattenfall, a Alemanha viu-se no banco dos réus pela primeira vez. A ironia não passou despercebida àqueles que consideravam a Alemanha a avó da arbitragem investidor-Estado: foi um grupo de empresários alemães, no final dos anos 1950, quem primeiro concebeu uma maneira de proteger os seus investimentos no exterior, à medida em que uma série de países em desenvolvimento conquistava a independência das potências coloniais europeias. Liderados pelo presidente do Deutsche Bank, Hermann Abs, chamaram a sua proposta de uma “carta magna internacional” para os investidores privados.

Nos anos 1960, a ideia foi assumida pelo Banco Mundial, para o qual esse sistema poderia ajudar os países mais pobres do mundo a atrair capital estrangeiro. “Estou convencido”, disse à época o presidente do Banco Mundial, George Woods, “de que aqueles …. que adotarem como política nacional um [ambiente] amigável para o investimento internacional – e isso significa, para não mudar nenhuma palavra, dar aos investidores estrangeiros uma oportunidade justa de obter lucros atraentes – vão atingir seus objetivos de desenvolvimento mais rapidamente do que aqueles que não o fizerem”.

No encontro anual do Banco Mundial em Tóquio, em 1964, aprovou-se uma resolução para montar um mecanismo para lidar com casos de investidores contra o Estado. A primeira linha do preâmbulo da Convenção do ICSID define seu objetivo como de “cooperação internacional para desenvolvimento econômico”. Havia oposição acirrada a esse sistema desde o começo, com um bloco de países em desenvolvimento alertando que poderia sabotar sua soberania. Um grupo de 21 países – quase todas as nações latino-americanas, mais Iraque e Filipinas – votou contra a proposta em Tóquio. Mas, a despeito disso, o Banco Mundial seguiu adiante. Andreas Lowenfeld, um acadêmico de direito norte-americano que esteve envolvido em algumas dessas primeiras discussões, afirmou mais tarde: “Acredito que essa foi a primeira vez que uma grande resolução do Banco Mundial foi forçada, apesar de tanta oposição.”

Desenvolvimento global continua a ser a meta afirmada pelo ICSID. “A ideia”, disse a atual secretária-geral da instituição, Meg Kinnear, “é que, quando os investidores sentem que há um mecanismo justo e imparcial, eles nunca entram em disputa – então, terão muito mais confiança, o que ajudará a promover investimento … e quando você investe numa país obviamente leva emprego, renda, tecnologia e assim por diante.”

Mas agora os governos estão descobrindo, muito tarde, o verdadeiro preço dessa confiança. A instalação da Kraftwerk Moorburg foi polêmica muito antes de o caso ser arquivado. Durante anos, os moradores locais e os grupos ambientalistas se opuseram à sua construção, em meio à crescente preocupação com as mudanças climáticas e o impacto que o projeto teria sobre o rio Elba. Em 2008, a Vattenfall recebeu garantia de uso de água para seu projeto de Moorburg. Mas, em resposta à pressão local, as autoridades impuseram condições ambientais estritas para limitar o uso da água e seu impacto sobre os peixes.

A Vattenfall processou Hamburgo na corte local. Mas, como investor estrangeiro, ela tinha também direito a entrar com o caso no ICSID. Essas medidas ambientais, ela disse, eram tão estritas que constituíam uma violação dos direitos garantidos pelo Tratado de Escritura de Energia, um acordo multilateral de investimento assinado por mais de 50 países, incluindo a Suécia e a Alemanha. A empresa alegava que as condições ambientais firmadas na permissão eram tão severas que tornaram a usina anti-econômica e constituíram atos de expropriação indireta.

“Foi uma surpresa completa para nós”, disse rindo o líder do Partido Verde local, Jens Kerstan, numa reunião em seu ensolarado escritório em Hamburgo no ano passado. “Tanto quanto eu saiba, havia alguns [tratados] para proteger empresas alemãs no mundo em desenvolvimento ou em ditaduras — mas que uma companhia europeia possa processar a Alemanha, isso foi uma total surpresa para mim.”

O caso Vattenfall versus Alemanha acabou num acordo em 2011, depois que a empresa venceu o caso num tribunal local e recebeu uma nova permissão de uso de água para suas instalações em Moorburg. Foram rebaixados significativamente os padrões ambientais antes impostos, de acordo com especialistas legais, permitindo o uso de mais água do rio e enfraquecendo medidas para proteger os peixes. A Comissão Europeia entrou no caso, levando a Alemanha à Corte de Justiça da UE sob a alegação de que a usina de carvão Moorburg violou as leis ambientais da UE ao não fazer mais exigências para reduzir o risco e proteger as espécies animais, inclusive salmão, que passam perto da usina ao migrar do Mar do Norte.

Um ano depois que o caso Moorburg foi encerrado, a Vattenfall entrou com outra queixa contra a Alemanha, desta vez sobre a decisão do governo federal de eliminar progressivamente o uso da energia nuclear. Este segundo processo – do qual há muito pouca informação disponível de domínio público, a despeito de relatos de que a companhia está tentando tirar 4,7 bilhões de euros dos contribuintes alemães – ainda está correndo. Cerca de um terço de todos os casos encerrados no ICSID são considerados como “acordos”, o que – como mostra a disputa do Moorburg – pode ser muito lucrativo para investidores, embora seus termos sejam raramente revelados.

Há agora milhares de acordos de investimento internacional e leis de livre comércio, assinados pelos Estados, que dão a companhias estrangeiras acesso ao sistema de disputas investidor-Estado, no caso de decidirem desafiar decisões governamentais. As disputas em geral são resolvidas por painéis de três árbitros. Cada lado seleciona um, e o terceiro é definido em acordo entre as partes. As decisões são tomadas por maioria de votos, e são soberanas e irrecorríveis. Não há processo de apelação – apenas uma possibilidade de anulação que pode ser usada em termos muito limitados. Se os estados não pagam após a decisão, os seus ativos ficam sujeitos a apreensão em quase todos os países do mundo (a empresa pode entrar nos tribunais locais com uma ordem de execução). Embora um tribunal não possa forçar um país a mudar suas leis, ou dar autorização a uma empresa, o risco de danos maciços pode, em alguns casos, ser suficiente para persuadir um governo a reconsiderar suas ações. A possibilidade de processos de arbitragem pode ser usada para encorajar os Estados a entrar em negociações para acordos relevantes.

Na Guatemala, documentos internos do governo obtidos por meio da Lei de Liberdade de Informação do país mostram como o risco de um desses casos pesou significativamente numa decisão estatal de não desafiar uma controversa mina de ouro, a despeito de protestos de seus cidadãos e uma recomendação de Comissão Interamericana de Direitos Humanos para que ela fosse fechada. Tal ação, os documentos alertavam, poderia provocar a companhia, propriedade da gigante mineradora canadense Goldcorp, a acionar o ICSID ou invocar cláusulas do Acordo de Livre Comércio Centro-Americano (Cafta) a ganhar “acesso à arbitragem internacional e subsequente reivindicação de danos contra o Estado”. A mina teve permissão de continuar aberta.

À medida em que as reivindicações feitas pelas empresas crescem, parece cada vez mais provável que os enormes riscos financeiros associados com a arbitragem investidor-Estado irão efetivamente garantir a investidores estrangeiros um veto sobre as decisões governamentais.


Mesmo quando as empresas fracassam, em suas ações contra Estados, há outras vantagens a ser buscadas. Em 2004, passou a valer, na África do Sul pós-apartheid, a nova Lei de Desenvolvimento de Recursos Minerais e de Petróleo (MPRDA, na sigla em inglês). Junto com uma nova carta de mineração, a lei procurou corrigir as desigualdades históricas no setor de mineração, em parte ao obrigar as empresas a fazer parceira com cidadãos que sofreram sob o regime do apartheid. O novo sistema rescindiu todos os direitos anteriormente detidos pela mineração e obrigou as empresas a solicitar uma nova licença, para continuar suas operações. Também instituiu uma participação obrigatória para negros sul-africanos, de 26%, nas ações de empresas de mineração do país. Dois anos depois, um grupo de investidores italianos, que juntos controlam a maioria da indústria sul-africana de granito, entrou com uma queixa no marco de disputas investidor-Estado contra a África do Sul. O novo regime de mineração do país, argumentaram, havia expropriado ilegalmente seus investimentos e os tratou injustamente. Demandavam uma indenização de 350 milhões de dólares.

O caso foi apresentado por membros das famílias Foresti e Conti, proeminentes industriais da Toscana, e pela Finstone, uma holding sediada em Luxemburgo. Eles citaram dois tratados bilaterais de investimento, ambos assinados no fim dos anos 1990, durante a presidência de Nelson Mandela. Jason Brickhill, advogado do Centro de Recursos Jurídicos com sede em Johannesburgo, disse que o governo pós-apartheid parecia ver esses acordos “mais como atos de boa vontade diplomática do que compromissos jurídicos sérios, com consequências econômicas de longo alcance potencialmente graves”.

Durante aquele tempo, funcionários eram convidados para reuniões na Europa, disse ele, “e havia todo tipo de discussão sobre a direção comercial e econômica [da África do Sul]. Parte disso devia-se à expectativa de que se estava celebrando um tratado de investimento – mas os sul-africanos não tinham entendimento real do que estavam convertendo em lei”. Peter Draper, ex-funcionário do Departamento de Comércio e Indústria Sul-Africano, apresenta os fatos mais duramente: “Estávamos essencialmente entregando os pontos, sem fazer qualquer pergunta, ou proteger o espaço político crucial.”

O caso da empresa contra a África do Sul arrastou-se por quatro anos, antes de terminar abruptamente quando o grupo italiano desistiu de suas reivindicações e o tribunal ordenou que contribuíssem com 400 mil euros para as custas da África do Sul. Na época, um comunicado de imprensa do governo celebrou o ocorrido como “final bem sucedido” – apesar de que a África do Sul ainda teve 5 milhões de euros de taxas jurídicas não reembolsadas. Mas os investidores clamavam por uma vitória mais significativa: a pressão do caso, disseram, permitiu que fizessem um negócio sem precedentes com o governo da África do Sul. Isso possibilitou a suas empresas transferir apenas 5% da propriedade para sul-africanos negros – ao invés dos 26% determinados pela autoridade estatal de mineração. “Nenhuma outra empresa de mineração na África do Sul foi tratada tão generosamente desde o advento do [novo regime de mineração]”, gabou-se então Peter Leon, um dos advogados dos investidores.

O governo parece ter concordado com esse acordo, que vai contra o espírito das reparações pós-apartheid na África do Sul, para prevenir uma enchente de outras queixas contra si. “Se o mérito do caso fosse decidido contra o governo, pensaram, ‘não tem jeito, vamos nos afundar’. E penso que é por isso que aceitaram concordar com aquela resolução”, disse Jonathan Veeran, outro advogado da empresa, numa entrevista em seu escritório de Joanesburgo. Seus clientes, disse, “estavam muito felizes com o resultado”.


Um pequeno número de países está agora tentando desembaraçar-se das amarras do sistema de litígio entre investidores e Estados. Um deles é a Bolívia, onde milhares de pessoas tomaram as ruas da terceira maior cidade do país, Cochabamba, em 2000, para protestar contra um aumento dramático nas tarifas de água por uma empresa privada de propriedade da Bechtel — uma corporação de engenharia civil dos EUA. Durante as manifestações, o governo boliviano resolveu por fim à concessão dada à companhia. Ela então entrou com uma ação de 50 milhões de dólares contra a Bolívia no ICSID. Em 2006, depois de uma campanha pelo arquivamento do caso, a empresa concordou em aceitar um pagamento simbólico de menos de um dólar.

Após esse caso, a Bolívia cancelou acordos internacionais que havia assinado com outros Estados, quando davam acesso a esses tribunais para seus investidores. Mas sair do sistema não é coisa fácil. A maioria desses acordos internacionais têm cláusulas de caducidade, sob as quais suas disposições permanecem em vigor por mais 10 ou mesmo 20 anos, mesmo que os próprios tratados sejam cancelados.

Em 2010, o presidente boliviano, Evo Morales, nacionalizou o maior fornecedor de energia do país, a Empresa Elétrica Guaracachi. A investidora em energia inglesa Rurelec, que indiretamente detinha 50,001% das ações da companhia, levou a Bolívia para a corte permanente de arbitragem em Haia, pedindo 100 milhões de dólares em compensação. Ano passado, foi determinado que a Bolívia pagasse 35 milhões de dólares à Rurelec; depois de meses de negociações, os dois lados acordaram num pagamento de pouco mais de 31 milhões de dólares, em maio de 2014. A Rurelec, que recusou-se a comentar o assunto para este artigo, celebrou o prêmio com uma série de press releases em seu site. “Minha única tristeza é que tenha demorado tanto para chegar ao acordo”, disso o CEO do fundo, em uma de suas declarações. “Tudo o que queríamos era uma negociação amigável e um aperto de mão do presidente Morales”.

Até mesmo Estados que inicialmente rejeitaram a introdução do sistema de disputa investidor-Estado na reunião do Banco Mundial em 1964 assinaram, de lá para cá, dezenas de acordos que expandem seu alcance. Com o rápido crescimento desses tratados – há hoje mais de 3 mil em vigor – desenvolveu-se uma indústria de especialistas em aconselhar as empresas sobre como explorar melhor os tratados que dão acesso ao sistema de resolução de disputas, e como estruturar seu negocio para tirar vantagem das diferentes proteções oferecidas. É um setor lucrativo: só os honorários são, em média, de 8 milhões de dólares por caso, mas já chegaram a mais de 30 milhões de dólares em algumas disputas. Os honorários de advogados começam em 3 mil dólares por dia, mais despesas. Embora não haja nada equivalente a uma ajuda legal para Estados que estão tentando se defender nesses processos, as corporações têm acesso a um crescente grupo de financiadores de terceiros, interessados em oferecer recursos para seus casos contra os Estados, geralmente em troca de uma parte de eventual ganho.

Cada vez mais, essas ações estão se tornando valiosas mesmo antes que as queixas tenham um resultado. Depois de entrar na justiça contra a Bolívia, a Rurelec levou seu caso ao mercado e garantiu um empréstimo corporativo de milhões de dólares, usando sua disputa com a Bolívia como garantia, expandindo seus negócios. Ao longo dos últimos dez anos, e particularmente desde a crise financeira global, um número crescente de fundos de investimento especializados passou a levantar dinheiro através desses casos, tratando as reclamações multimilionárias das empresas contra os Estados como uma nova “classe de ativos”.

Um dos maiores, entre estes fundos que se especializaram em apoiar as ações de corporações contra governos, a Burford Capital, tem sua sede a apenas alguns quarteirões da estação de trem East Croydon, Londres, no quinto andar de um edifício de tijolo vermelho comum. As empresas raramente informam quando seus casos estão sendo financiados por um desses investidores, mas no caso da Rurelec contra a Bolívia a Burford divulgou um press release triunfante celebrando seu envolvimento “inovador”. Tipicamente, patrocinador deste tipo concordam em dar respaldo a queixas das companhias contra Estados em troca de participação em qualquer recompensa eventual. Nesse caso, a Burford deu à Rurelec um empréstimo de 15 milhões de dólares, usando a queixa contra a Bolívia como garantia.

“A Rurelec não precisa de capital para pagar seus advogados. Ao contrário, precisa de capital para ampliar seu negócio”, disse Burford numa declaração. “Essa é uma boa demonstração de que os benefícios de financiar litígio vão bem além de simplesmente ajudar a pagar taxas legais”, acrescentou o executivo-chefe, “e em vários casos podem oferecer um método alternativo efetivo de financiamento para ajudar as empresas a alcançar suas metas estratégicas”. Foi altamente gratificante também para a Burford: ela anunciou ter obtido, com a disputa, um lucro líquido de 11 milhões de dólares.

Um porta-voz da Burford explicou depois: “a Burford não financiou a queixa de arbitragem da Rurelec, que já corria havia mais de dois anos, antes do nosso envolvimento com a companhia. Antes, nós fornecemos uma linha de crédito corporativo para permitir à Rurelec expandir suas operações na América do Sul, mas nós contamos com o pedido de arbitragem (um ativo contingente) para ajudar no pagamento do empréstimo”.

Desde o início, parte da justificativa para o sistema internacional de disputa investidor-Estado foi criar um “forum neutro” para a resolução de conflitos, com os investidores desistindo do direito de procurar apoio diplomático em seus países de origem quando apresentam casos como esse. Mas documentos obtidos em resposta a um pedido baseado em leis de acesso à informação revelam que a Rurelec também pôde confiar no governo britânico, que interveio ativamente para apoiar seu caso.

O relatório do caso, de 44 páginas, inclui dezenas de emails e briefings internos produzidos de maio de 2010 a junho de 2014. Vários destes referem-se explicitamente ao lobby britânico em favor da companhia. Um email ao embaixador britânico da Bolívia, Ross Denny, afirma: “Nosso constante lobby de alto nível, em benefício da Rurelec, ajudou a demonstrar a seriedade com que cuidamos dos interesses de nossas companhias”. Um outro registra, simplesmente: “A Rurelec necessita da nossa ajuda.”

Parece que a embaixada britânica sabia que o sistema de arbitragem deve ser imparcial. Um email, aparentemente sobre como responder a uma pergunta de uma pessoa do público, estabelece: “Se todas as coisas são iguais, nossa linha seria que o governo britânico não se envolvesse em processo judicial, como querem os tratados de investimento que assinamos.” A mensagem continua: “Se o ministério dos Negócios Estrangeiros e da Commonwealth [FCO, Foreign and Commonwealth Office] teve um diálogo permanente com a empresa sobre este tema, provavelmente seria mais adequado responder com algumas linhas genéricas sobre nós e os benefícios dos tratados de investimento.”


El Salvador já gastou mais de 12 milhões de dólares defendendo-se contra a Pacific Rim, mas apesar de ter derrotado a companhia numa ação de 284 milhões de dólares, nunca se recuperará esse valor. Durante anos, grupos de protesto salvadorenhos apelaram ao Banco Mundial para iniciar uma revisão aberta e pública do ICSID. Até agora, tal estudo não começou. Nos últimos anos, uma série de ideias têm sido debatidas para reformar o sistema internacional de controvérsias investidor-Estado – a adoção de “o perdedor paga os custos”, por exemplo, ou mais transparência. A solução pode estar na criação de um sistema de recursos, de modo que os julgamentos controversos possam ser revistos.

No ano passado, David Morales, ouvidor de direitos humanos de El Salvador (um cargo estatal criado como parte do processo de paz depois da guerra civil do país, que durou entre 1979 a 1992) colocou um anúncio de página inteira no jornal nacional La Prensa Gráfica, convocando o governo a rever todos os tratados de investimento internacional que assinou, com vistas a renegociá-los ou cancelá-los. Luis Parada, representante de El Salvador em sua disputa com a Pacific Rim, concorda que esse seria um passo inteligente: “Eu pessoalmente não penso que, nesses tratados, os países tenha mais vantagens que riscos, ao submeterem-se a arbitragem internacional.”

Outros países já decidiram reduzir suas perdas, e tentam sair desses tratados. Pouco tempo depois de ter resolvido o processo das empresas de mineração estrangeiras contra suas novas regras pós-apartheid, a África do Sul começou a rever muitos de seus próprios acordos de investimento.

“O que era preocupante para nós era que você poderia ter uma arbitragem internacional – três indivíduos tomando uma decisão – com riscos de anular o que era um projeto legislativo na África do Sul, adotado democraticamente. De alguma forma, esse painel de arbitragem podia levantou a questão”, disse Xavier Carim, um ex-deputado que era diretor geral do departamento de Comércio e Indústria da África do Sul. “Estava muito, muito claro que esses tratados são abertos para amplas interpretações pelos paineis, ou por investidores procurando desafiar qualquer medida governamental, com a possibilidade de um pagamento significativo no final”, disse Carim, que é agora representante da África do Sul na Organização Mundial do Comércio. “O fato cru é que esses tratados dão muito poucos benefícios e só trazem riscos.”

Antes de agir para rever seus tratados, o governo sul-africano encomendou um estudo interno para ajudar a determinar se estes compromissos de fato ajudaram a aumentar os investimentos estrangeiros. “Não havia relação entre assinar tratados e receber investimentos”, explicou Carim. “Tivemos grandes investimentos dos EUA, Japão, Índia e diversos outros países com quem não temos tratados de investimentos. As companhias não investem ou deixa de investir num país porque ele tem ou não tem um tratado bilateral de investimento. Eles investem se há retorno a ser obtido.”

O Brasil nunca assinou nada desse sistema [1] – não entrou num único tratado que inclua provisões para disputas investidor-Estado – e apesar disso não tem tido problemas para atrair investimento estrangeiro.

Parada disse que é necessário “um amplo consenso de determinados Estados” para rever verdadeiramente nesse sistema. “Os Estados que criaram o sistema são os únicos que podem consertá-lo”, disse. “Não vi, até hoje, um número suficiente de países dispostos a isso… menos ainda, um amplo consenso a favor da mudança. Mas ainda espero que aconteça”.

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[1] No entanto, algumas das propostas apresentadas ao acordo de “livre” comércio entre Mercosul e União Europeia, em fase de negociação, preveem mecanismos de solução de controvérsias entre empresas e Estados semelhantes aos mencionados neste artigo. Para informações mais completas, leia texto da Rebrip — Rede Brasileira pela Integração entre os Povos. [Nota de “Outras Palavras”]

Contração fiscal em 2011; austericídio em 2015?

Diálogos Essenciais

Pedro Rossi, professor do Instituto de Economia da UNICAMP, publicou um artigo na Folha de São Paulo, republicado na plataformapolíticasocial.com de 01/12/2014. Trata-se de contraponto necessário à avalanche de opiniões favoráveis ao receituário neoliberal.

Hoje, 22/10/2015, passados mais de 10 meses da publicação do artigo preminitório, acho que vale a pena consultá-lo novamente.

Paulo Martins

Pedro Rossi* | Publicado originalmente na Folha de São Paulo

Em sua mais recente coluna na Folha, Samuel Pessôa discute a contração fiscal de 2011 e seu impacto no crescimento do primeiro mandato do governo Dilma. A motivação para tal discussão veio de artigo no “Valor Econômico” de minha autoria no qual defendo um regime de bandas fiscais como forma de contornar o caráter pró-cíclico da política fiscal brasileira.

Pessôa parece concordar com o argumento principal, ao reconhecer a interação entre a política fiscal o ciclo econômico: “Se a política econômica tentar neutralizar a piora…

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O PIB é um indicador medíocre – Ladislau Dowbor

Diálogos Essenciais

Entrevista a Catia Santana, no Jus Economico | Outras Mídias

A tímida previsão de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil tem tomando conta do noticiário econômico deste ano. O indicador que mede a soma anual dos bens e serviços produzidos, não mede,  no entanto, resultados ou progressos obtidos pelo País. Para Ladislau Dowbor, professor titular no departamento de pós-graduação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, nas áreas de economia e administração, formado em economia política pela Universidade de Lausanne, Suiça; Doutor em Ciências Econômicas pela Escola Central de Planejamento e Estatística de Varsóvia, Polônia (1976), consultor para diversas agências das Nações Unidas, governos e municípios , “o PIB é uma cifra que, tecnicamente, ajuda a medir a velocidade que a máquina gira, mas não diz o que ela produz, c

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Para ler em 2050, por Boaventura de Sousa Santos

Diálogos Essenciais

Porque teimamos, depois de tudo?

Porque estamos a reaprender a alimentar-nos da utopia, erva daninha que a época passada mais radicalmente tentou erradicar, recorrendo para isso aos mais potentes e destrutivos herbicidas mentais.

Por Boaventura de Sousa Santos

Publicado em Carta Maior

Para ler em 2050
É estranho que uma época que começou como só tendo futuro tenha terminado como só tendo passado.

“Quando um dia se puder caracterizar a época em que vivemos, o espanto maior será que se viveu tudo sem antes nem depois, substituindo a causalidade pela simultaneidade, a história pela notícia, a memória pelo silêncio, o futuro pelo passado, o problema pela solução.

Assim, as atrocidades puderam ser atribuídas às vítimas, os agressores foram condecorados pela sua coragem na luta contra as agressões, os ladrões foram juízes, os grandes decisores políticos puderam ter uma qualidade moral minúscula quando comparada com a enormidade das consequências das suas…

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Balmaceda de Chile – Pablo Neruda

A decisão do presidente José Manuel Balmaceda de cobrar tributos sobre o salitre chileno exportado, controlado por capitais britânicos, desencadeou a guerra civil chilena de 1891, que derrubou Balmaceda.

Os aliados internos dos interesses ingleses se associaram a forças militares para destituir o presidente. Balmaceda suicidou-se em 19 de setembro de 1891.

História tristemente comum em nossa América Latina. Hoje a entrega se faz de forma mais sutil: compra-se eleições, muda-se as leis e entrega-se o pré-sal. Se ficar muito difícil, plantam notícias e crises. Derrubam presidentes com golpes paraguaios.

A seguir, leia o poema do Pablo Neruda e, logo a seguir, um texto da Fundación Balmaceda.

Não se trata de endosso a tudo o que Balmaceda representou. As histórias a respeito desta personagem da história são confusas: não fosse a história oficial a consolidação da versão contada pelos vencedores. Por isso, publicamos a versão da Fundación Balmaceda. A bem da verdade, o que nos interessa é mostrar como a história se repete em nossa América Latina todas as vezes que os interesses do capital internacional e dos seus aliados locais são contrariados.

Paulo Martins

Balmaceda de Chile (1891) –  Pablo Neruda

Tradução de Paulo Mendes Campos

Mr. North chegou de Londres.

É um magnata no nitrato.

Antes trabalhou no pampa,

de jornaleiro, algum tempo,

mas despediu-se e se foi.

Volta agora, envolto em libras.

Traz dois cavalinhos árabes

e uma pequena locomotiva

toda de ouro. São presentes

para o presidente, um tal de

José Manuel Balmaceda.

“You are very clever, Mr. North.

” Rubén Darío entra por esta casa,

por esta presidência como quer.

Uma garrafa de conhaque o espera.

O jovem Minotauro envolto em névoa

de rios, transpassado de sons,

sobe a grande escada que será

tão difícil de subir para Mr. North.

O presidente regressou há pouco

do desolado norte salitroso,

ali dizendo: “Esta terra, esta riqueza

será do Chile, esta matéria branca

converterei em escolas, em estradas,

em pão para o meu povo”.

Agora entre papéis, no seu palácio,

sua fina forma, seu intenso olhar,

olha para os desertos do salitre.

Seu nobre rosto não sorri.

A cabeça, de pálida postura,

tem a antiga qualidade de um morto,

de um velho antepassado da pátria.

Todo o seu ser é um exame solene.

Algo desassossega, como rajada fria,

a sua paz, o seu movimento pensativo.

Rechaçou os cavalos, a maquininha de ouro

de Mr. North. Remeteu-os sem vê-los

para o dono, o poderoso gringo.

Apenas acenou com a mão desdenhosa.

“Agora, Mr. North, não posso

entregar-lhe estas concessões,

não posso amarrar a minha pátria

aos mistérios da City.”

Mr. North instala-se no Club.

Cem uísques vão para a sua mesa,

cem jantares para advogados,

para o Parlamento, champanha

para os tradicionalistas.

Correm agentes para o norte,

os fios vão e vêm e voltam.

As suaves libras esterlinas

tecem como aranhas douradas

uma teia inglesa, legítima

para o meu povo, uma roupa, sob medida

de sangue, pólvora e miséria.

“You are very clever, Mr. North.”

A sombra sitia Balmaceda.

Ao chegar o dia, o insultam

e o escarnecem os aristocratas,

ladram-lhe no Parlamento,

o fustigam e caluniam.

Mas não basta: é preciso torcer

a história. As boas vinhas

se “sacrificam” e o álcool

enche a noite miserável.

Os elegantes mocinhos

marcam as portas e uma horda

assalta as casas, arremessa

os pianos dos balcões.

Aristocrático piquenique

com cadáveres no canal

e champanhe francesa no Club.

“You are very clever, Mr. North.”

A Embaixada argentina abriu

as suas portas ao Presidente.

Nessa tarde escreve com a mesma

segurança de mão fina,

a sombra penetra seus grandes olhos

como escura mariposa,

de profundidade fatigada.

E a magnitude de seu rosto

sai do mundo solitário,

da pequena moradia,

ilumina a noite escura.

Escreve seu nítido nome,

as letras de longo perfil

de sua doutrina traída.

Tem o revólver na mão.

Olha através da janela

um derradeiro trecho da pátria,

pensando em todo o longo corpo

do Chile, sombreado

como uma página noturna.

Viaja e sem ver cruzam seus olhos,

como nas vidraças de um trem,

rápidos campos, casarios,

torres, ribeiras inundadas,

pobreza, dores, farrapos.

Ele sonhou um sonho preciso,

quis trocar a desgarrada

paisagem, o corpo consumido

do povo, quis defendê-lo.

Já é tarde, escuta disparos

isolados, os gritos vitoriosos,

o selvagem ataque, os uivos

da “aristocracia”, escuta

o último rumor, o grã silêncio,

e, com ele, recostado, entra na morte.

Texto da Fundación Balmaceda:

La decisión del Presidente José Manuel Balmaceda de cobrar por cada quintal de salitre chileno exportado, -controlado por capitales británicos-, desató la agresión del imperialismo inglés. Sus aliados internos, los políticos Edwards, Walker, Montt y Mac Iver, entre otros, formaron con oficiales prusianos (encabezados por Emil Körner) un ejército que venció a las fuerzas balmacedistas en Concón y Placilla.

El 21 de agosto de 1891, en el transcurso de la llamada “Revolución de 1891”, se enfrentaron las fuerzas gubernamentales, constituidas por el Ejército de Chile y dirigido por los héroes de la Guerra del Pacífico, al mando del Presidente Balmaceda, contra las fuerzas armadas del Congreso Nacional, denominado “ejército congresista” conducido por el coronel Emil Körner y la marina. La lucha fue sangrienta y duró más de 5 horas. Las fuerzas congresistas en disposición de moderno armamento, traído desde Europa, ametralladoras y artillería ligera, hicieron retroceder a los destacamentos del Ejército hacia las colinas de la ribera sur del Aconcagua, con grandes pérdidas. Según la historiográfica oficial, los caídos superaron los 10.000 combatientes.

El frente del Ejército cedió finalmente y sus restos se replegaron hacia Valparaíso en gran desorden, mientras las fuerzas congresistas al mando de Körner recuperaron sus bajas y aumentaron sus efectivos con numerosos soldados del Ejército capturados. Cayeron en poder de los vencedores toda la artillería, municiones, parque y miles de fusiles. Posteriormente, las fuerzas congresistas avanzaron hacia Valparaíso para tomar la ciudad, pero las fuerzas del Ejército, reforzadas con tropas provenientes del sur y que llegaron a la ciudad por ferrocarril, les hicieron frente y se desplegaron en batalla en la actual ciudad de Viña del Mar, obligando a los congresistas a rodear Valparaíso por el Este. Las fuerzas de Balmaceda les salieron al paso, dando lugar al segundo combate, a la Batalla de Placilla, el 28 de Agosto de 1891, donde finalmente el Ejército fue vencido.

Los vencedores tomaron el control total del poder, del salitre chileno y reformaron a las órdenes del coronel prusiano Emil Körner la imagen y estructura del Ejército chileno dándole el actual aspecto a la usanza alemana.

Balmaceda fue el primer Jefe de Estado de Chile que visitó las provincias del norte. En su discurso del 7 de marzo de 1889 señaló: “Mis conciudadanos tienen sus ojos fijos en Tarapacá. Y es natural, porque de esta región mana la sustancia solicitada en todos los mercados del mundo para rejuvenecer la tierra envejecida, y porque somos los transformadores necesarios de las fuerzas productivas de la superficie cultivada por las manos del hombre. La extracción, la elaboración, el acarreo, el embarque, los fletes de mar y la aplicación del salitre, lo mismo que la minería y la industria subalternas y el comercio y el ejercicio del crédito y la resultante económica de la variedad de factores tan graves como interesantes, se imponen a la contemplación de todos, y especialmente del legislador y del hombre de Estado. La extracción corresponde a la libre competencia de la industria misma. Más la propiedad salitrera particular y la propiedad nacional son objeto de seria meditación y estudio. La propiedad particular es casi toda de extranjeros y se concentra activamente en individuos de una sola nacionalidad. Preferible sería que aquella propiedad fuese también de chilenos, pero si el capital nacional es indolente o receloso, no debemos sorprendernos de que el capital extranjero llene con previsión e inteligencia el vacío que el progreso de esta comarca hace la incuria de nuestros compatriotas. La próxima enajenación de una parte de la propiedad salitrera del Estado abrirá nuevos horizontes al capital chileno, si se modifican las condiciones en que gira, y si se corrigen las preocupaciones que lo retraen. La aplicación del capital chileno en aquella industria producirá los beneficios de la explotación por nosotros de nuestras riquezas, y la regularidad de la producción sin los peligros de un posible monopolio. Ha llegado el momento de hacer una declaración a la faz de la república entera. El monopolio industrial del salitre no puede ser empresa del Estado, cuya misión fundamental es sólo garantizar la propiedad y la libertad. Tampoco debe ser obra de particulares, ya sean éstos nacionales o extranjeros, porque no aceptaremos jamás la tiranía económica de muchos ni de pocos. El Estado habrá de conservar siempre la propiedad salitrera suficiente para resguardar con su influencia la producción y su venta, y frustrar en toda eventualidad la dictadura industrial en Tarapacá”.

El Gobierno de Balmaceda tenía una política económica orientada a lograr la industrialización de Chile, que tenía 3 millones de habitantes, romper con la dependencia del capital inglés en la industria salitrera y elaboraba un programa para generar las condiciones para el desarrollo de un capital nacional. Hoy se cumplen 124 años desde la Batalla de Concón y reflexionamos sobre lo ocurrido y el futuro del país.

Cunha e a lata de lixo da história

O golpe é maior do que o presidente da Câmara, Eduardo Cunha. Cunha era apenas um instrumento utilizado pelos golpistas; ao mesmo tempo, Cunha jogava o jogo para poder entregar a quem comprou o seu voto ( e os votos de sua turma ) a agenda conservadora e retrógrada que foi traballhada nestes primeiros oito meses de legislatura.

Agora Cunha tornou-se um defunto político incômodo. Atrapalha o golpe. Os golpistas e a mídia agrícola – a que planta notícias para colher crises – já iniciaram o trabalho de jogar Cunha na lata de lixo da história. Já estão procurando outro presidente da Câmara que aceite fazer o papelão que o Cunha fazia.

Cunha é deles, dos golpistas. Eles são milhões de Cunhas – o jênio que “cunhou” esta frase deve estar escondido. Não adianta desovar o presunto político no jardim do Palácio do Planalto. Cunha pertence ä Câmara, que deve destituí-lo do cargo de presidente da Câmara e cassar-lhe o mandato. Cunha pertence ao PSDB, ao DEM, ao PPS, ao PMDB e à mídia agrícola. Cunha estava, há pouco tempo, em visita e conversas não divulgadas na sede do O Globo, no Rio de Janeiro.

É ridícula a tentativa da mídia agrícola de colar em nossas testas rótulo de idiotas. A matéria da revista Isto É neste final de semana ofende a inteligência de todos. Não sei se é trabalho do mesmo jênio das frases das manifestações.  Não sei se é trabalho do Escotegui. Mas, de qualquer forma, vai aí o recado: quem pariu Mateus, que o embale. Toma que o filho é teu.

Ladrão que rouba ladrão, tem cem anos de perdão. Traidor que trai o traidor espero, tenha, a mesma execração.

Na minha opinião, os golpistas não vão encontrar ninguém com o caráter e a competência maquiavélicos do Cunha para continuar o  trabalho.

Parte do estrago institucional pretendido pelos associados Cunha-mídia-golpistas já está feito.

Mas este cadáver político vai recusar-se baixar à sua sepultura. Vai ficar por aí penando, puxando a perna   de alguns, atormentando as noites de outros. Ameaçou, se cair, levar junto consigo outros para dividir a mesma sepultura. Torço para que isso aconteça, mas tenho pena deste pobre país e do seu povo: quase um ano de delírio golpista!

Noel promete um pacote de presentes. Muitos não vão gostar.

E os carros, vão a leilão?

A construção do golpe, por Marcus Ianoni

Postado por Paulo Martins ( tomei conhecimento deste artigo pelo blog O Cafezinho, do Miguel do Rosário).

Mídia e golpe branco

Por Marcus Ianoni, cientista político, no Jornal do Brasil.

(A indicação do artigo veio do blog Tijolaço).

Na tentativa de golpe branco em curso no país, o papel de liderança da grande mídia salta aos olhos. O termo grande mídia diz respeito ao reduzido número de poderosas corporações de imprensa que controlam os meios de comunicação, em desacordo com determinações da Constituição de 1988 (carentes de regulamentação), que proíbem monopólio ou oligopólio nesse setor. Algumas dessas corporações – proprietárias, simultaneamente, de redes de televisão aberta e fechada, emissoras de rádio (AM/FM), jornais, revistas e portais na Internet- lideram, na esfera sociopolítica, sobretudo desde o início da Operação Lava Jato, uma campanha de oposição ao governo federal, que tem funcionado como alavanca-chave de poder do movimento de deposição da presidente Dilma Roussef, por impeachment ou renúncia.

Essa campanha da grande mídia articula-se com forças partidárias e do Congresso Nacional, procurando fornecer legitimidade às ações da frente institucional da coalizão do golpe branco, os políticos de oposição, o movimento parlamentar pró-impeachment. A crise política está evidenciando como nunca o quanto a concentração da propriedade da mídia compromete a igualdade política como fundamento da democracia. No limite, é a disputa pela opinião pública entre quem tem ou não voz, mesmo sabendo que o governo, formalmente, não é mudo. As corporações midiáticas e seus aliados estão promovendo uma campanha desigual contra um partido político e suas lideranças, cuja síntese é o movimento para tentar derrubar uma presidente da República eleita a menos de um ano sem que ela tenha cometido crime de responsabilidade. Isso tudo é tão danoso à igualdade política democrática quanto o financiamento empresarial das eleições. Uma outra regulação da comunicação política é fundamental para a democracia brasileira evoluir.

A grande mídia tem feito a cobertura da corrupção através de um sensacionalismo seletivo e partidarizado, praticamente sem discutir suas causas. Ela se omite, por exemplo, sobre a questão do financiamento empresarial de campanhas eleitorais (só muito recentemente abolido da legislação). Não discute a relação entre desigualdade política e captura do Estado pelo interesse econômico das grandes corporações, sendo o financiamento empresarial da política um meio de produção da síntese das duas primeiras variáveis e, assim, elo para a corrupção ativa e passiva. Motivo da omissão: é preciso manter a política como uma espécie de escrava a ser perversamente usada e maltratada pelo senhor, o poder econômico. Motivo do sensacionalismo: corrupção é escândalo, gera audiência, atrai anunciantes, vende jornal. Motivo do partidarismo: um partido de esquerda, que promoveu mudanças sociais importantes em um dos países mais desiguais do mundo, não interessa à coalizão neoliberal, do rentismo e da financeirização, à qual a grande mídia se vincula. Combater a pobreza e, se possível, a desigualdade social, tem custos que os supostos defensores da sociedade meritocrática não querem bancar. A ideologia liberal informa a grande mídia em relação a temas como inflação, juros, orçamento público, Estado, políticas sociais e segurança pública. Por outro lado, corrupção é um mal a ser universalmente combatido, doa a quem doer, mas a mídia tem abordado o problema com a velha máxima: aos amigos, tudo, aos inimigos, a lei. Para Eduardo Cunha e suas contas milionárias na Suíça, com recursos provenientes de desvios na Petrobras, tolerância. Para o mensalão e trensalão tucanos, tolerância também. E por aí vai.

A pesquisa semanal do Manchetômetro evidencia a cobertura negativa que a mídia tem feito de Dilma desde 2014. Há inúmeras evidências, algumas de grandes proporções, de que se trata de um viés antipetista da grande mídia, pois ocorreu discriminação contra Lula também nas três campanhas presidenciais em que ele foi derrotado, 1989, 1994 e 1998, ou seja, quando, até então, o PT não havia se envolvido em problemas de corrupção. Em 1989, a Rede Globo, por exemplo, na reta final do segundo turno, em contexto de acirrada disputa entre Collor e Lula, tomou partido ainda mais incisivo a favor do primeiro, conforme assumiu em 2011 o ex-executivo da emissora, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho. Em 1994, a mesma emissora, que, sob pretexto de apoiar o Plano Real, apoiava, na verdade, o candidato FHC, envolveu-se no escândalo da antena parabólica, com o ministro da Fazenda. Em 1998, o Manchetômetro mostra que a cobertura dos jornais na corrida presidencial apresentou mais conteúdos contrários a Lula, então candidato de oposição, que a FHC, candidato à reeleição. Em 2010, pode-se destacar o episódio da bolinha de papel arremessada na cabeça do candidato José Serra, que disputava com Dilma Roussef, durante um evento de campanha no Rio de Janeiro, em local escolhido criteriosamente pelos autores do espetáculo farsante. O Jornal Nacional noticiou que Serra teria sido agredido por um objeto contundente atirado por militantes petistas e, devido a isso, precisou fazer exames médicos em um hospital. A armação foi desmascarada. O fato inspirou um grupo de sambistas cariocas, liderados por Tantinho da Mangueira, a comporem o hilário Samba da Bolinha de Papel. Em 2014, às vésperas do segundo turno, a revista Veja antecipou a publicação de sua edição semanal e estampou na capa, exibida também nas redes de televisão, fotos de Lula e Dilma com a seguinte manchete, escrita em vermelho: “Eles sabiam de tudo”. O objetivo era vincular Dilma e Lula ao escândalo político-midiático que tem sido a cobertura da Operação Lava Jato pelas corporações da radiodifusão e imprensa.

A campanha oposicionista da mídia não é contra a corrupção, é contra uma agremiação partidária de esquerda. A recente cobertura da apreciação das contas da União pelo TCU não dizia respeito a problema de corrupção, mas às chamadas “pedaladas fiscais”. No entanto, um arranjo de comunicação política foi montado, com a colaboração de um politizado TCU, visando fazer da divulgação do esperado resultado desfavorável à presidente da República mais um gol espetacular da coalizão da deposição a ser exibido nacionalmente para a audiência, em horário nobre. Desde a campanha eleitoral de 2014, que acabou resultando na quarta vitória consecutiva de presidentes petistas, a pressão oposicionista, sectária e golpista da mídia têm aumentado e não só servido de suporte organizativo para contestações de rua e panelaços, como também, indiretamente, para as manifestações de intolerância e ódio que estão ocorrendo no país contra políticos petistas, lideranças de movimentos sociais, intelectuais e eleitores do PT em geral. Trata-se de uma campanha contra a esquerda enquanto ideologia social e política e organização. Fanáticos, por assim dizer, falam em chavismo e bolivarianismo, chavões vocalizados na mídia oposicionista, como se fossem heresias e associam o petismo a elas. Referem-se a Cuba, onde empreiteiras brasileiras fizeram obras de infraestrutura, como se fosse a pátria do anticristo. Obama que se cuide desses brasileiros, após ter restabelecido relações diplomáticas com a Ilha!

Salvo raras exceções, os meios de comunicação oligopolizados atacam, direta e subliminarmente, a política e o Estado, deixando implícito que o mundo da virtude é o mercado. Mas o fato é que, na esfera das relações econômicas em mercados competitivos, as corporações, nacionais e internacionais, envolvem-se, corriqueiramente, em ilicitudes de inúmeros tipos, fraudes contábeis, manipulação de licitações públicas, cartéis, espionagem industrial, concorrência desleal, sonegação fiscal etc. A Operação Zelotes, de fraudes com dívida tributária envolvendo burocracia pública e grandes empresas, investiga irregularidades que somam quase 20 bilhões de reais, mas os telespectadores pouco sabem sobre ela. O que isso tudo tem a ver com o golpe branco midiático? Quem endeusa o mercado, sobretudo estando em um país em desenvolvimento e profundamente desigual, demoniza as forças que defendem políticas de desmercantilização, mesmo que em todo o mundo capitalista desenvolvido elas tenham sido implementadas. Essas políticas também existem no Brasil, mas os neoliberais resistem à sua expansão. Quem endeusa o mercado cobiça uma companhia mista do porte da Petrobras, acha um bom negócio comprá-la ou vendê-la, ou, ao menos, que ela não exerça a função de operadora única do pré-sal. Quem endeusa o mercado não se preocupa com política industrial, não tem simpatia por bancos de desenvolvimento como o BNDES, não quer investir em política externa independente, Mercosul, Brics etc. Na grande mídia, a cobertura econômica tira o chapéu para os mercados desregulados. As políticas desenvolvimentistas e sociais implementadas, com resultados positivos e negativos, por Lula e Dilma, provocam visível repulsa nos porta-vozes dos mercados, o oligopólio da radiodifusão e imprensa. Não à toa, emergiu em estratos das camadas médias tradicionais uma crítica vulgar, por exemplo, ao programa Bolsa Família.

Recentemente, o jornalista Ignacio Ramonet, do Le Monde Diplomatique, afirmou o seguinte, referindo-se à América do Sul: “Nos últimos 15 anos, todos os governos progressistas que chegaram ao poder democraticamente na região vêm sendo mantidos por via eleitoral. Nenhum deles foi derrotado nas urnas. Por isso, a resistência à mudança vem sendo cada vez mais brutal, apelando para novos tipos de golpes, alguns com fachada judicial, parlamentar, e sempre com forte ajuda da mídia”. Dois exemplos de golpe branco são a Venezuela, em 2002, e o Paraguai, em 2012. O primeiro caso foi, inclusive, caracterizado de golpe midiático, embora tenha fracassado. O assédio moral da mídia ao PT se dá de várias maneiras: pelas críticas às políticas de seus governos e aos problemas de corrupção, pelo modo de divulgação e precário nível de esclarecimento de procedimentos de instituições de controle externo que podem ser prejudiciais ao governo petista, como ocorreu na semana passada no TCU, pelas manipulações políticas, algumas acima mencionadas etc. A mídia está meramente exercendo a imprescindível liberdade de imprensa ou, sob esse guarda-sol, também a liberdade de empresa interessada e o papel de partido político? Então, é preciso regular melhor esse mercado de comunicação.

Em um de seus trabalhos, o sociólogo Francisco Weffort argumenta que, quando a mídia vai além da emissão de opiniões e parte para a ação, ela se comporta tal como partido político, que possui ideias e atua para colocá-las em prática. Assim ele avalia que atuou a grande imprensa brasileira em 1964. Se já no dia a dia a mídia não emite mera opinião, mas juízos de valor, como fica para a democracia se um pequeno oligopólio de meios de comunicação resolve mesmo partir para a ação para depor um governo eleito? Obviamente, a mídia não é a única força em jogo, não se trata disso. Em 1964, o desfecho foi o golpe militar. Hoje, com instituições democráticas fortes, a opção do regime autoritário está descartada, mas a síntese entre autoritarismo sociopolítico, crise econômica, politização da ação técnica de alguns atores institucionais, em vários órgãos públicos, oportunismo parlamentar e estabilidade da democracia eleitoral pode ser, prevalecendo o interesse da coalizão liberal-conservadora, com a grande mídia à frente, o golpe branco. Que a democracia brasileira resista, dentro da lei, e não dê passagem a esse retrocesso vexaminoso! Que o Congresso Nacional não se deixe aventurar pelo caminho da irresponsabilidade! Que o STF garanta o respeito à Carta Magna! Que a sociedade brasileira enfrente o problema da estrutura concentrada da mídia, para garantir condições mínimas de igualdade democrática de produção e veiculação de informação e comunicação, dentro da ordem capitalista e com plena liberdade de imprensa, como já fizeram outros países sul-americanos e do norte desenvolvido!

  • Marcus Ianoni é cientista político, professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal Fluminense (UFF), pesquisador das relações entre Política e Economia e Visiting Researcher Associate da Universidade de Oxford (Latin American Centre)