A guerra de todos contra todos: A crise brasileira

Eduardo Costa Pinto, professor e pesquisador da UFRJ, informa sobre o seminário da próxima terça feira, 28/3, no Instituto de Pesquisa do PPGE. Leia a seguir.

Paulo Martins

“Na próxima terça vou apresentar no Instituto (Seminário de Pesquisa do PPGE) o texto coletivo do GAMA (Grupo de Análise Marxista Aplicada) sobre a crise brasileira (escrito por mim, José Paulo Guedes Pinto, Alex Saludj, Isabela Nogueira de Morais, Grasiela Baruco, Carlos Schönerwald e Paulo Balanco)
Segue o link do texto:”

Clique para acessar o tdie0062017pinto-et-al.pdf

Pureza, neutralidade, ideologia … (Revisado em 25/03/2017)

Marilena Chauí cita em uma de suas palestras que Baruch Spinoza, filósofo que nunca li, dizia que numa discussão as pessoas apresentam suas conclusões sem apresentar suas premissas. Aprendi, ao longo desses meus quase 65 anos, a ler nas entrelinhas dos discursos pretensamente neutros e a adivinhar premissas, propositalmente escondidas ou disfarçadas. Nem sempre consigo, claro.

Compartilho, a seguir, dois textos que apresentam pontos comuns sobre a suposta neutralidade científica que alguns insistem em julgar-se portadores, em contraponto com os seus contrários chamados, com certa conotação pejorativa, de ideológicos.

Não percebem que, como muito bem afirma Flávio Antônio da Cruz, autor do primeiro  texto apresentado abaixo, “nada escapa à ideologia”.

O segundo texto é parte do prefácio do livro História do Pensamento Econômico – Uma Perspectiva Crítica, de E. K. Hunt, publicado pela Editora Campus. O autor deixa claro não ser possível em economia dissociar inteiramente o elemento cognitivo, científico, do elemento emotivo, moral ou ideológico.

“Direito sem ideologia é o direito da conservação do status quo”, afirma Flávio da Cruz. Igualmente, uma economia política acrítica, é a economia das conclusões inconsistentes e das premissas escondidas, sem conexão com a realidade que pretendem explicar, e a economia da manutenção do poder em mãos do poderoso econômico, afirmo.

Leia os dois textos abaixo e, a partir de hoje, desconfie das receitas de bolo e das conclusões soltas no ar, especialmente nas ciências sociais e, mais especificamente, em direito e economia, as armas modernas de tomada e manutenção do poder.

“Ser sem ideologia é o ser da ideologia de quem manda”

Paulo Martins

Texto 1:

“Há quem imagine que haja direito puro. Direito sem ideologia. Estudo das estruturas normativas… Há quem pense que Direito é com uma escada… e passa a estudar, de forma analítica, cada um dos seus pretensos degraus, classificando-os segundo esses ou aqueles juristas de plantão…, sem se perguntar sobre que massa de corpos a escada se sustenta e para que destinos ela orienta os passos…. Há quem imagine que Direito seja ciência… Cuida-se, não raro, de uma tentativa de se suspender – Aufhebung ou epochè, diriam os fenomenólogos – as perguntas realmente relevantes…

Muitos deploram o caráter altamente ‘ideológico’ das teorias críticas, sem perceber que nada escapa à ideologia. Não notam que ‘direito sem ideologia’ é o direito da conservação do status quo. Ser sem ideologia é ser da ideologia de quem manda. Assim, talvez nada seja mais danoso para o discurso jurídico do que a pretensão de cientificidade que muitos ingenuamente ainda hoje alimentam…

Sem dúvida que a tal cientificidade pode se traduzir em um compromisso efetivo com a probidade intelectual: não dizer qualquer coisa de qualquer coisa. Isso é imprescindível. Mas, a despeito dessa vantagem, é também fato que, em temas valorativos, fazer ‘ciência’ pode significar simplesmente o fornecimento de estruturas argumentativas para que tudo continue como sempre foi”.

Texto 2:

“O escritor de uma história do pensamento econômico deve, acima de tudo, ter alguns princípios de seletividade.

Durante os últimos 200 anos, muitas centenas de pensadores econômicos escreveram muitos milhares de livros sobre teoria econômica e capitalismo. O historiador contemporâneo, no espaço de um livro, pode, portanto, apresentar somente um limitado número das mais importantes ideias dos mais importantes pensadores.

Entretanto, “importância”não é uma categoria científica sobre a qual todos os historiadores do pensamento devem estar de acordo.

Todo historiador deve ter alguns critérios de seletividade.

Quando se examinam todos os livros publicados sobre a história do pensamento econômico, tem-se a impressão de que os costumes e a tradição são os critérios principais. As ideias incluídas nas histórias do pensamentos uma geração parecem repetidas, com poucas mudanças, pela maioria dos historiadores da geração seguinte.

É difícil saber até que ponto a semelhança é simplesmente uma questão de os historiadores reafirmarem o que encontraram em fontes secundárias anteriores ou uma consequência de um conjunto comum de critérios de seleção.

Este livro, entretanto, é muito diferente de qualquer outra história do pensamento já publicada. Assim, é importante dar ao leitor alguma ideia dos pressupostos intelectuais fundamentais implícitos em nossos critérios de seleção. Os critérios aqui utilizados derivam de três crenças gerais.

Primeiro, acreditamos que as teorias sociais e os processos sócio-históricos são interligados. Teorias são baseadas em eventos e circunstâncias sociais em curso, do mesmo modo que deles surgem, refletem-nos e procuram explicá-los. Assim, em certo sentido, pode-se dizer que as teorias sociais são produto das circunstâncias econômicas e sociais em que são concebidas. É igualmente verdadeiro, entretanto, que os seres humanos agem, criam, formam e mudam essas circunstâncias econômicas e sociais com base em ideias que têm sobre essas circunstâncias. Consequentemente, pode-se concluir que as circunstâncias sociais e econômicas são produto de ideias e teorias sociais. Desse modo, embora o livro trate da história do pensamento econômico, foram incluídas várias descrições breves de alguns aspectos de história econômica e social que serão úteis para melhor compreender as ideias discutidas.

Em segundo lugar, acreditamos que, enquanto as mudanças sociais e econômicas são contínuas e enquanto o capitalismo de hoje é, em inúmeros aspectos, diferente do capitalismo do final do século XVIII, existem importantes características institucionais básicas no capitalismo que, através de todas essas mudanças, permaneceram tão óbvias e marcantes quanto as próprias mudanças. Portanto, na medida em que os economistas se preocupam com essas características fundamentais do capitalismo, as muitas diferenças entre os pontos de vista dos economistas do final do século XVIII e do século XIX repetem-se, hoje, nos escritos dos economistas contemporâneos. Consequentemente, ao escrever este livro, tentamos lançar luz sobre a natureza das controvérsias contemporâneas em torno da teoria econômica, examinando seus antecedentes históricos. Isso afetou a seleção de teorias a a examinar. Por exemplo, a maioria das histórias do pensamento econômico não discute as ideias de Thompson, Hodgskin e Bastiat. Nós as incluímos, porque acreditamos serem exposições claras e convincentes de pontos de vista que, de uma forma apenas ligeiramente modificada, são muito importantes hoje. Da mesma forma, as ideias de Hobson, Luxemburgo e Lênin têm sido, geralmente, ignoradas na história do pensamento econômico. Contudo, para nós, suas ideias representam contribuições significativas para a compreensão dos debates contemporâneos sobre as implicações da globalização.

Em terceiro lugar, acreditamos que todos os economistas estejam e sempre estiveram essencialmente comprometidos com questões morais, políticas, sociais e práticas. Consequentemente, seus escritos têm tanto um elemento cognitivo, científico, quanto um elemento emotivo, moral ou ideológico. Além do mais, esses dois elementos não são inteiramente dissociáveis. A investigação cognitiva, científica, é sempre dirigida para certos problemas e questões, e o leque de soluções para essas questões e problemas que qualquer pensador considerará como “legítimas” é limitado. Os valores morais e a visão ideológica do pensador darão a direção de investigação científica, cognitiva, e fixarão limites quanto ao que constituirá o leque de soluções “legítimo”  para este pensador. Além do mais, os valores morais e a visão ideológica do pensador baseiam-se em suas teorias científicas, ou cognitivas, de como a sociedade funciona de fato, e por meio delas são defendidos. Daí, mesmo que conceitualmente possamos, ao menos em parte, separar elementos científicos e ideológicos de uma teoria social, essa separação nunca poderá ser completa. Jamais poderemos compreender completamente o elemento científico, cognitivo, na teoria de um economista, sem compreender, nem que seja em parte, os elementos valorativos e ideológicos da teoria. Neste livro, discutimos ambos os elementos nas várias teorias consideradas.

A terceira crença é, talvez, o que mais marcadamente diferencia este livro da maioria dos outros de sua espécie. Existe, nos meios acadêmicos, uma opinião generalizada de que ciência e juízo de valor são antitéticos. Segundo essa visão, na medida em que juízos de valor se insinuam em um trabalho, ele deixa de ser científico.  Consequentemente, historiadores com essa postura, em geral, veem seu próprio trabalho, na história do pensamento econômico, como livre de juízos de valor e apresentam os escritos daqueles teóricos que lhes agradam como se fossem também isentos de juízos de valor. Analogamente, teóricos de quem não gostam, em especial Marx, são apresentados como tendo juízos de valor em seus trabalhos, o que (ao menos implicitamente) diminui o valor científico desses trabalhos. Na minha opinião, todos os teóricos, todos os historiadores e todos os seres humanos ( inclusive eu mesmo, é claro) têm valores que permeiam de modo significativo todos os esforços cognitivos. Assim, quando discuto os valores e os aspectos ideológicos dos escritos dos vários teóricos, não há qualquer intenção de induzir a noção de que o fato de ter valores, per se, sirva de base para criticar um pensador. Acredito que a tese de que alguns teóricos são “isentos de valor” seja uma tentativa de iludir os outros ou uma auto-ilusão. Os julgamentos não deveriam se basear no fato de um pensador ter ou não valores – já que todos eles têm – mas, sim, na fundamentação concreta da natureza desses valores. Por essa rezão, discuti alguns valores subjacentes às teorias apresentadas e conclui este livro com a exposição de alguns dos meus valores que afetaram a elaboração deste livro.

Reforma da Previdência ignora os vários Brasis, por Laura Carvalho

Reforma da Previdência ignora os vários Brasis
Reforma da Previdência e os principais pontos

Publicado na Folha de São Paulo

Por Laura Carvalho

Em sua mais recente coluna nesta Folha, Samuel Pessôa negou que a reforma da Previdência proposta por Temer contribua para ampliar as desigualdades profundas de nosso país -tese que defendi no artigo “Velho Brasil”, publicado em 16/3.

Samuel argumenta que “grande parte dos benefícios nas cidades é concedida por tempo de contribuição”, aos 55 anos em média, estando a aposentadoria por idade restrita à zona rural. Sendo assim, mesmo que a nova idade mínima atinja sobretudo os mais pobres, conclui que “não é claro que a reforma aumente a desigualdade, já que ela afeta [também] a aposentadoria por tempo de contribuição, que são os maiores benefícios”.

Nas áreas urbanas, 19,6% das aposentadorias são por idade. No entanto, é verdade que as aposentadorias por tempo de contribuição são mais importantes nas cidades (30% do total) e quase irrelevantes nas áreas rurais (0,2%). O que surpreende é que se tire daí a conclusão de que a reforma proposta não amplia desigualdades.

O trabalhador rural, que hoje consegue se aposentar por idade desde que comprovados ao menos 15 anos de trabalho, passaria a ter de contribuir mensalmente por 25 anos no mínimo para ter direito a uma aposentadoria parcial.

Ainda que ignorássemos, como Samuel, o forte impacto da alteração da idade mínima e do tempo mínimo de contribuição nas áreas rurais e das mudanças no BPC (Benefício de Prestação Continuada) —que atingem deficientes e idosos mais carentes—, a maior parte dos atingidos estaria na base da pirâmide de distribuição de renda brasileira. Afinal, mesmo entre os aposentados de áreas urbanas, 54,6% recebem até um salário mínimo.

Samuel parece ter esquecido também que a lei 13.183, de 2015, já atacou o problema da aposentadoria precoce nas cidades, pois fixou fórmula que leva em conta a soma de anos de idade e anos de contribuição (85/95) com regra de ajuste demográfico.

Pessôa afirma ainda que “o tempo de sobrevida para as pessoas que chegaram aos 60 anos é no Brasil praticamente igual ao valor europeu” e que “a diferença de sobrevida aos 60 ou 65 anos entre Estados da Federação brasileira e entre a zona rural e urbana no Brasil também é muito baixa”.

A diferença na expectativa de sobrevida entre o Brasil e os países da OCDE pode parecer pequena, mas não é. Uma diferença de um ou dois anos nesse indicador pode demorar décadas para ser tirada —a depender, entre outros fatores, de como avança o nosso sistema de saúde (e o deles!).

Entre 1991 e 2000, a expectativa de sobrevida aos 65 anos subiu apenas de 15,4 para 15,8 anos no Brasil, para dar um triste exemplo. Além disso, a expectativa de duração da aposentadoria é de 13,4 anos no Brasil e chega a 17,6 anos na média dos países da OCDE.

Quanto às desigualdades dentro do país, a expectativa de sobrevida aos 65 anos é de apenas 15,8 anos em Rondônia e 20 anos no Espírito Santo, por exemplo.

Infelizmente, não há dados do IBGE para a expectativa de vida desagregados por área urbana e rural —talvez Samuel possa nos dar acesso aos seus—, mas parece muito improvável que a heterogeneidade seja negligenciável ou similar à de países europeus.

Diante da estagnação do desenvolvimento humano brasileiro revelada pelos novos dados do Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), o economista Naércio Menezes alertou para os riscos de “tratar macroeconomia e questão social como separadas”.

“Na hora de fazer as reformas, o país precisa pensar muito nas famílias mais pobres”, afirmou em entrevista ao “Valor Econômico” de 22/3.

Na Belíndia, reformas que imponham a todos o padrão da Bélgica são fáceis de desenhar, mas não levam ao desenvolvimento.

Eduardo Guimarães, jornalista: “Como se deu minha prisão. E o interrogatório” (24/03/2017)

Trata-se de mais um registro das arbitrariedades cometidas pelo juiz-detetive-promotor-Deus nestes tempos de recrudescimento da censura, aberta ou velada, dos métodos escusos para calar desafetos, nestes país que criou e pratica ‘teorias condenatórias”. Ficará registrado  como post fixo na página inicial  blog para que todos, quando chegar o dia do “juízo final”, se lembrem que avisamos.

Leia, abaixo o texto de Eduardo Guimarães dando a sua versão sobre a condução coercitiva a que, devido ao exercício da sua profissão de jornalista, foi submetido.

Paulo Martins
“Como se deu minha prisão. E o interrogatório

O juiz Sergio Moro, nesta quinta-feira 23, recuou de sua decisão para reconhecer que sou jornalista e, como consequência, mandar excluir as provas obtidas mediante violação do sigilo de fonte.

Todavia, em sua decisão, ele faz afirmações sobre como se deu meu depoimento as quais não correspondem aos fatos e devem ser esclarecidas.

Às 6 horas do dia 21 de março deste ano, eu e minha esposa dormíamos quando escutamos um barulho semelhante a arrombamento da porta da frente do nosso apartamento.

Achei que era algum vizinho começando alguma obra antes da hora e, como fora dormir poucas horas antes, virei-me para o lado e voltei a dormir. Segundos depois, ouço minha esposa dizer, desesperada, que tinham vindo me prender.

Minha filha Victoria, 18 anos, 26 quilos, portadora de paralisia cerebral, que dormia no quarto ao lado, assustou-se com os golpes desferidos pelos policiais na porta e começou a reclamar, como faz quando está nervosa.

Levanto-me assustado, corro para a sala e encontro minha mulher à porta, entreaberta. Termino de abrir a porta, vejo quatro policiais federais. E o porteiro do prédio com expressão assustada no rosto

Detalhe: minha mulher vestia roupas sumárias de dormir. Pediu para se trocar. Não obteve permissão dos policiais.

Enquanto isso, Victoria assistia a tudo com olhos arregalados.

Os policiais comunicaram que tinham uma ordem de busca e apreensão e começaram a vasculhar o apartamento. Obrigaram o porteiro a entrar no meu quarto de dormir, que começaram a vasculhar, abrindo gavetas, portas de armário e qualquer outro lugar possível.

Acharam meu computador (notebook), exigiram a senha para ligá-lo e, assim, poderem mudar essa senha para terem acesso quando quisessem. Pedi para copiar alguns dados pessoais, mas não me foi permitido. Pediram para desbloquear meu celular com a mesma finalidade.

Após a busca, nada tendo sido encontrado, os policiais anunciaram minha condução coercitiva.

Tentei ligar para meu advogado, doutor Fernando Hideo, mas não consegui. Passava um pouco das 6 horas. Minha esposa pediu para esperarem que eu conseguisse falar com o advogado, mas não permitiram. Exigiram que eu me vestisse e os acompanhasse.

Eu e minha esposa entramos no quarto de Victoria, onde respeitaram mais, para nos abraçarmos. Ela chorava, minha filha fazia seus sons característicos, pois não fala.

Imaginei se voltaria a vê-las.

Tentei, porém, aparentar calma. Até então, achava que estava sendo conduzido por conta da denúncia de ameaça contra Moro, feita por ele.

No meio do caminho, fui informado pelos policiais de que estava sendo detido por conta do post que publiquei em 26 de fevereiro do ano passado divulgando a quebra de sigilo de Lula.

Como não estava ainda raciocinando direito, pois fora dormir tarde e depois fui acordado daquele jeito poucas horas depois, comecei a debater a operação Lava Jato com os policiais. Enquanto eu dizia que era uma operação de caráter partidário contra o PT, eles defendiam as investigações com as argumentações que todos conhecem.

Chegamos à sala do delegado que me interrogou. Eu já não tinha mais telefone, já não tinha mais como me comunicar. O delegado iniciou o interrogatório sem a presença de qualquer advogado.

O delegado me comunicou que já sabia quem fora a minha fonte, mostrou-me o nome da fonte, contou-me que ela obtivera a informação que me passara de uma “auditora da Receita” (fonte da minha fonte), mas não quis me dizer a profissão da pessoa que entrou em contato comigo.

Mostrou-me a foto da “auditora da Receita” que vazou a informação. Perguntou se eu a conhecia e me disse que estava tentando determinar se nós três agíamos juntos.

Fiquei surpreso, pois a fonte, o tal jornalista, dissera-me que obtivera as informações com a imprensa. Disse-me que toda a imprensa de São Paulo já tinha aquelas informações que me estava passando. Então, descubro que uma servidora da Receita subtraiu de lá as informações ilegalmente.

O delegado deixou claro que eu era suspeito de ser “cúmplice” daquelas pessoas. Eu disse que isso não era verdade e me perguntei, em voz alta, por que o tal jornalista me dera informação inverídica.

O delegado respondeu minha pergunta retórica. Disse que, provavelmente, fora para me “induzir” a divulgar os dados sem medo de estar cometendo um crime. Repito: o delegado me disse que minha fonte me enganou.

Enquanto isso, minha esposa tentava falar com o doutor Fernando, mas não conseguia. Então, NO DESESPERO, recorreu a uma parente que é advogada da área de Direito da Família e não tem maiores conhecimentos sobre a área criminal.

A nossa familiar chegou à sede da PF em São Paulo, à sala em que eu era interrogado, lá pela metade do depoimento. Porém, não teve condição técnica de me passar qualquer orientação enquanto eu respondia. Apenas assistiu à oitiva.

O meu interrogador deu a entender que eu teria que provar não ser cúmplice do tal jornalista e da auditora da Receita Federal, ambos de Curitiba. Nesse momento, decidi dizer ao delegado que tinha o telefone no qual recebera as mensagens e que elas poderiam demonstrar que eu não conhecia o jornalista curitibano dos quais eles tinham todos os dados, pois, nas mensagens, ele se apresentava a mim e eu fazia perguntas a ele sobre sua identidade.

Contudo, cerca de dois meses após a condução coercitiva de Lula, o aparelho travou.

No segundo semestre de 2016, o celular de minha esposa se quebrou e ela precisava de um novo. Achando que não iria precisar mais do celular no qual estava registrada a conversa com o jornalista de Curitiba, minha fonte, levei o aparelho à assistência técnica. Lá, fui informado de que, para consertá-lo, teriam que apagar todos os dados.

Concordei e o celular teve sua memória “formatada” e me foi devolvido absolutamente “em branco”.

De volta ao interrogatório a que fui submetido no último dia 21. Colocado diante da hipótese de ser preso se não provasse que não tinha relações com o jornalista de Curitiba que me passou as informações sobre Lula, disse a ele que tinha provas, sim, de que não conhecia a pessoa, pois ele me dissera que “já sabia tudo”.

Eis a informação que o juiz Sergio Moro divulgou nesta data e que não corresponde aos fatos, apesar de que não se sabe como ele foi informado da forma como transcorreu meu interrogatório. Ele diz que não fui pressionado, eu digo o contrário.

Só o que posso afirmar é que não havia fonte a preservar porque as autoridades me disseram mais sobre elas do que eu sabia. Antes de começar a depor, fui informado de que meus interrogadores sabiam quem era a fonte.

Ora, vamos repassar os fatos.

Fui ouvido sem um advogado com condições de me orientar sobre o que eu precisava ou não responder. Tudo isso após o trauma pelo qual eu, minha esposa e minha filha doente passamos ao raiar do dia.

Avisei ao delegado que me interrogou que a familiar de minha esposa não tinha conhecimentos da área criminal e que estava lá mais para eu não ficar sozinho em um depoimento, mas ela nem sequer se manifestou durante a oitiva.

Como se diz, ela “pegou o bonde andando”, ou seja, apesar de ser uma excelente advogada em sua área, nem conhecia o caso a fundo e nunca atuou na área criminal.

Fui informado de que, se não provasse que não tinha relações com as pessoas de Curitiba que conseguiram os dados que recebi, eu seria considerado parte de um grupo, ou uma quadrilha.

Meu advogado que atua nessa área, doutor Fernando Hideo Lacerda, chegou bem depois do fim do depoimento, no exato momento em que eu iria firmá-lo. Doutor Fernando descobriu vários pontos que haviam sido inseridos indevidamente no depoimento e pediu retificação, após eu informar que não havia dito certas coisas que lá constavam.

O delegado aceitou os pedidos de retificação e reconheceu que eram justificados. Se meu advogado não tivesse chegado a tempo, meus direitos civis teriam sido violados de forma ainda mais séria.

Sobre eu ter avisado o instituto Lula, o juiz Sergio Moro dá a impressão de que a Lava Jato apurou alguma coisa. Não é o que ocorreu.

Em 23 de fevereiro de 2016 recebi as informações do jornalista de Curitiba. Recebi uma relação de mais de 40 nomes de pessoas e empresas que seriam ligadas ao ex-presidente Lula. Precisava saber se não era alguma armação – eu corria o risco de divulgar mentiras sobre o ex-presidente.

Procurei o assessor de imprensa do instituto Lula para saber se o ex-presidente conhecia aqueles nomes. Nada disse a ele sobre condução coercitiva. O assessor de imprensa do ex-presidente pediu prazo para verificar as informações antes que eu as divulgasse.

Concordei, ressaltando que não poderia demorar muito para divulgar as informações.

Em resumo: se eu não tivesse publicado a matéria de 26 de fevereiro de 2016, na qual EU disse que informei o Instituto Lula os 40 nomes de empresas e pessoas, Sergio Moro e a Lava Jato nunca saberiam que o ex-presidente foi informado de alguma coisa.

Aliás, vale dizer que o Instituto Lula só foi informado dos nomes que teriam sigilos quebrados. Mais nada. E com a finalidade de ser perguntado sobre se, de fato, aquelas pessoas e empresas tinham alguma ligação consigo ou com pessoas próximas a si, de modo que eu não divulgasse mentiras.

O juiz Sergio Moro parece muito preocupado em negar arbitrariedades, mas não se cansa de cometê-las. A nota que soltou demonstra intenção clara de me acusar de ter revelado informações que não me foram pedidas. Ou seja: ele procura me atingir moralmente.

Bem, eu digo o que realmente aconteceu: ele quebrou meu sigilo de forma irremediável ao determinar a quebra de sigilo de meu extrato telefônico.

O magistrado determinou que a operadora de celular informasse o meu extrato telefônico, com o objetivo claro de identificar a fonte que teria me passado a informação divulgada no blog.

Portanto, a decisão não corresponde à realidade ao afirmar que eu teria revelado “de pronto, ao ser indagado pela autoridade policial e sem qualquer espécie de coação, quem seria a sua fonte de informação”.

Basta perceber que o próprio juiz Sérgio Moro agora reconhece a ilegalidade das medidas tomadas visando à obtenção prévia da fonte de informação, para concluir que houve nítida coação ilegal no meu depoimento.

Está devidamente comprovado que, na ocasião do depoimento, as autoridades já tinham conhecimento da sua fonte de informação, obtido mediante o emprego de meios que o próprio magistrado agora assume serem ilegais.

O juiz Sergio Moro se converteu em meu inimigo. Está me processando depois de ter sido por mim representado no CNJ e depois de ter representado criminalmente contra mim em razão de uma publicação em rede social, em que se considera vítima de ameaça praticada por mim.

Não é mais juiz, é parte de um litígio. Não posso ser julgado por um inimigo. Isso é uma aberração, isso é coisa de ditaduras.

Você gostaria de ser julgado por um desafeto? Isso é Justiça?!!

E mais: quero lembrar a todos os brasileiros que, até o momento, ninguém nem mesmo ousou afirmar que informei alguma coisa ao ex-presidente Lula com a finalidade de obter qualquer lucro.

Não fui acusado de me corromper, de corromper alguém, de ter feito qualquer coisa para obter benefícios. Agi de acordo com a minha consciência sem visar lucro pessoal. Tenho a consciência tranquila.

Considero uma honra lutar contra todo esse arbítrio. Estou lutando em defesa da democracia brasileira, ameaçada por processos Kafkianos como esse do qual sou vítima simplesmente por fazer jornalismo, ainda que o juiz me negue a condição de jornalista.

Por fim, o mais irônico em toda essa história é que aqueles que me acusam de vazamento, eles mesmos vazaram meu processo, então sigiloso, para um site que se dedica a atacar o PT, Lula, a esquerda. Todo santo dia. E que é ligado ao PSDB e ao governo Temer.

O mundo precisa saber do que está acontecendo no Brasil e, enquanto eu tiver vida e voz (liberdade), vou me dedicar a denunciar a ditadura que se abateu sobre o nosso país. Para que minhas três netas – e outros netos que virão – não vivam em uma ditadura.”

Brasil: Fábrica de teorias condenatórias

Quando um juiz assume o papel de promotor de justiça em flagrante infração às regras mínimas que regem a atuação de magistrados em estados democráticos de direito; quando a ausência de prova transforma-se em “prova de destruição ou ocultação de provas”; quando as pessoas são previamente condenadas por convicção; quando há quebra do direito constitucional de acesso à informação e resguardo do sigilo da fonte -“Título II – Dos Direitos e Garantias Fundamentais Capítulo I – Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos – XIV – é assegurado o acesso à informação e resguardo do sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional”; quando é conspurcado o direito constitucional da presunção de inocência; quando “Justiceiros e Direitistas” chafurdam no lodaçal e batem boca em público ferindo o decoro e nossos ouvidos, resta-nos exigir desses senhores: compostura!

Compartilho abaixo texto, como sempre preciso e elegante, do amigo de Facebook Flávio Antônio da Cruz. O título, a foto e a introdução são de minha autoria. O autor do texto compartilhado ainda perde o seu precioso tempo discutindo o atual estado de coisas no Brasil. Eu, curto e grosso, não tenho dúvidas em afirmar: caímos no precipício, no estado de exceção, antes sutil, agora escancarado.

Paulo Martins

Segundo Karl Popper, determinadas asserções são verificacionistas. Isso significa que são afirmações vagas, ambíguas, porosas, suscetíveis de se amoldarem a qualquer conjunto de fatos, mediante remendos ad hoc. Essa é a diferença básica entre astrologia e astronomia…. A astrologia profetiza que, no próximo ano, algum artista famoso morrerá. Não diz quem, não precisa a data, não diz a causa. Apenas afirma, de modo vago, algo altamente provável… A astronomia preocupa-se com a precessão do periélio de Mercúrio, elabora cálculos, busca causas e faz prognósticos com elevado grau de acurácia a respeito de eventos futuros… Urbain Le Verrier profetizou a descoberta de Netuno – por décadas, chamado de planeta de Le Verrier – justamente por meio da aplicação das equações newtonianas… Claro que ele cometeu o equívoco de imaginar que a precessão do periélio de Mercúrio seria explicada pela pretensa existência de Vulcano, o planeta imaginário (Le Verrier defrontou-se com um problema que apenas seria solucionado com a teoria da relatividade geral de Einstein, quase um século depois)… De modo semelhante, Gauss calculou a órbita de Ceres, com elevada precisão, dispondo apenas dos dados de Tycho Brahe e seu elevado conhecimento de matrizes… Bom, o fato é que o verificacionismo aproxima-se da paranoia. Como dissuadir alguém de que a sua teoria da conspiração não corresponde à realidade dos fatos? Qualquer afirmação que o interlocutor empreenda pode ser empregada como mais uma prova de que, na verdade, haveria um grande complô…. O processo penal também pode ser verificacionista… A autoridade manda empreender uma busca e apreensão. Caso a prova do pretenso delito seja obtida, voilà: confirma-se o que se julga saber… Caso a prova do pretenso delito não seja localizada, isso pode se converter na ‘prova’ de que o suspeito a destruiu… A ausência de prova pode se converter em simples ‘prova da ausência’… e, com isso, se imaginar uma pretensa obstrução à justiça… e, com isso, a demonstração do cogitado delito… Afinal de contas, alguém apenas destruiria provas tendo interesse em impedir a apuração… Enfim, dado que o verificacionismo é muito frequente – basta ler qualquer jornal para se perceber isso -, é fato que, não raro, as pessoas podem interpretar qualquer evento como a prova cabal daquilo que imaginam saber… O verificacionismo guarda certo liame, pois, com aquela tentativa – presente em muitos discursos – de se promover uma leitura do mundo a partir de uma chave única de decodificação das relações humanas…, como se houvesse algum código (chave mestra) que conferisse sentido a tudo o mais… O verificacionista está convencido… e, com isso, qualquer elemento – mesmo aqueles que evidenciem que a convicção é equivocada – pode se converter em instrumento de mera confirmação do que acredita saber… Confrontado com fósseis de dinossauros, o criacionista responde que se trata de um mero teste de fé…, ossos deixados na Terra para testar a crença dos fiéis… Dizia Popper que, se a teoria for refutada pelos fatos, abandona-se a teoria e se fica com os fatos. Melhor seria dizer: se a teoria for refutada pelas provas dos fatos – já que não lidamos diretamente com ‘fatos’ , em si, mas com a sua demonstração -, abandona-se a teoria…. Confia-se no mapa… mas, se o terreno destoar do mapa, confia-se no terreno…, com o perdão do truísmo. Por questões de regras democráticas para a solução de non liquet probatório, a ausência de prova não pode se converter, de forma automática, em ‘prova da destruição da prova’…. A regra democrática é a de que todo suspeito faz jus ao respeito ao estado de inocência, cabendo a quem acusa apresentar as provas – efetivas, reais – da sua responsabilidade penal… Quando a ausência de prova se converte em prova da destruição das provas… tem-se, na ponta, verdadeiro círculo vicioso argumentativo… Talvez seja por isso que os alemães denominam, com certa dose de razão, os círculos viciosos de círculos diabólicos (Teufelskreis…).

CARTA ABERTA AO “COLEGA” KARNAL

compartilhandohistorias

Prezado:

Antes de mais nada, devo dizer que não lhe desejo mal e nem vou integrar a multidão de “aldeões com tochas” que ora se forma para lhe tomar satisfações senão pelo seu rol de amizades, ao menos pela divulgação de uma eventual parceria com gente profundamente indigesta.

Peço encarecidamente que me desculpe o atrevimento de chamá-lo de colega, afinal, eu sou pouco mais que uma dona de casa com uma caixinha bem sortida de diplomas e certificados guardada na biblioteca, cujo trabalho na área de História não alcançou a excelência suficiente para que possa ombrear consigo pelos corredores acadêmicos.

De acordo com o projeto de reconhecimento da nossa profissão, mesmo com toda a minha dedicação, ainda assim jamais poderei intitular-me historiadora ou sequer professora, uma vez que não tenho o abrigo de uma grande instituição de ensino que responda por mim e por meu trabalho.

Tudo o que tenho…

Ver o post original 599 mais palavras

Uma agenda para destruir um País, por Esther Dweck

Compartilho artigo de Esther Dweck publicado em alertasocial.com.br.

Não me agrada constatar que todos os meus temores em relação às medidas que seriam adotadas pelos diferentes grupos de interesse que se uniram para golpear a democracia estão se realizando com espantosa velocidade.

Não tenho nenhum prazer em observar a situação. No período de 1971 – 1974, quando cursei a Faculdade de Economia, em plena ditadura militar, o Brasil foi usado como laboratório de teste de ideias econômicas anti-distributivas – ficou famosa, na época, a frase de Delfim Neto de que o bolo (a economia) precisava crescer primeiro para depois haver distribuição (da renda). Bom, quem comeu, comeu. Quem não pode ter acesso aos benefícios do crescimento ficou “chupando os dedos”. Passados 45 anos e a lenga-lenga é a mesma de sempre.

Como resultado da política econômica “austericida” adotada por Temer e seus ministros amestrados, no curto prazo as pessoas perdem seus empregos, as empresas fecham as portas, a depressão econômica se instala, a economia se desnacionaliza. No médio prazo, o crescimento, sobre uma base econômica super deprimida, pode ocorrer, com uso de capacidade ociosa nas empresas, sem criação de empregos significativa. No longo prazo, os empregos retornam, com baixa qualidade e níveis médios salariais abaixo dos níveis pré-crise. Mas não retornam às quantidades prévias, pois as empresas aprenderam a extrair mais trabalho e produção de um número menor de trabalhadores. Como esta sendo destruída toda a rede de proteção social implantada nos treze anos de governos Lula e Dilma, além do ataque à política de reajuste do salário mínimo, à previdência social e à legislação trabalhista, o resultado final será, lamento registrar, mais miséria e desolação.

O texto de Esther Dweck representa um grito de alerta. Infelizmente um grito para fundamentalistas surdos. Leia o texto abaixo.

Paulo Martins

Uma agenda para destruir um País, por Esther Dweck

Nesta terça (7), houve uma apresentação do Ministro Meirelles para o “Conselhão”. A apresentação poderia se chamar como destruir um projeto de desenvolvimento inclusivo, mas segundo ele é a pauta para retomada do crescimento. Os pontos apresentados deixariam os ideólogos do Consenso de Washington com inveja: como não pensaram em tanta maldade junta?

Publicado em 9 de março de 2017

O governo Temer tem se aproveitado de diversas medidas dos governos Lula e Dilma. A transposição do Rio São Francisco é talvez o exemplo mais emblemático. Outro exemplo é o “Conselhão”, criado por Lula em 2003, para dialogar com a Sociedade Brasileira, com academia, trabalhadores e empresários, foi reconfigurado por Temer.

Nesta terça (7), houve uma apresentação do Ministro Meirelles para o “Conselhão”. A apresentação poderia se chamar como destruir um projeto de desenvolvimento inclusivo, mas segundo ele é a pauta para retomada do crescimento. Os pontos apresentados deixariam os ideólogos do Consenso de Washington com inveja: como não pensaram em tanta maldade junta?

O neoliberalismo começou em 1973, com um golpe de Estado no Chile. No Brasil, ele entrou pela via eleitoral e, justamente por isso, foi mais tímido do que em outros países. A memória do regime militar e toda a agenda defendida na Constituição Cidadã ainda estavam muito frescas durante os Governos Collor e FHC para que fossem destruídos os pilares básicos da Constituição. Não faltaram tentativas, mas os instrumentos não foram destruídos.

Com a vitória de um projeto inclusivo nas urnas, em 2002, os instrumentos foram utilizados para promover, pela primeira vez na história do Brasil, um projeto de crescimento inclusivo. Podem existir várias críticas e muitos podem achar que faltou aprofundar em áreas-chave. Mas é difícil não reconhecer todos os avanços dos 13 anos que terminaram com mais um golpe.

Ontem, foi apresentada a destruição desses mecanismos pelo Sr. Meirelles.

Em primeiro lugar, ele propõe o ajuste fiscal permanente como condição necessária para retomada do crescimento, tendo como os elementos centrais dois pontos. A EC95/2016 (teto declinante dos gastos), que promoveu uma redução dos mínimos constitucionais de saúde e educação e irá impor diversos cortes nas despesas sociais. E o segundo ponto é a Reforma da Previdência, uma mudança que irá excluir diversos brasileiros do sistema e que o destrói como pilar de distribuição de renda e da proteção social no Brasil.

Eu não sei em que mundo eles vivem, mas há um movimento mundial para demonstrar que ajuste fiscal só aprofunda a crise econômica.

Na apresentação, Meirelles chegou a afirmar que o crescimento está sendo retomado. Eu não sei em qual País, porque os últimos números divulgados pelo IBGE mostram que, na margem, nos últimos dois trimestres de 2016, a economia voltou a piorar. O carryover para o crescimento de 2017, que é o crescimento da economia se esta ficar onde está, é de -1,1%. Ou seja, se nada acontecer, teríamos uma terceira queda do PIB. Algo visto apenas em países com grandes catástrofes. Depois, ele apresentou a tal Agenda de Produtividade e Crescimento no Longo Prazo. O início é uma agenda de desburocratização, sem impactos concretos e com alguma penalidade aos consumidores. O mais interessante é que apresentou reformas relacionadas ao crédito, sem fazer o básico, que era aumentar o crédito dos bancos públicos. O BNDES tem acumulado caixa ao invés de contribuir para retomada do crescimento. Os números são de mais de R$100 bilhões em caixa, fora a devolução antecipada de R$ 100 bilhões ao Tesouro.

Em seguida, vem o receituário de abertura comercial, com destaque para a liberação da venda de terra para estrangeiros. Consolidam assim a agenda entreguista imposta desde maio de 2016.

Mas a cereja do bolo é o slide onde apresenta as “Várias Reformas Liberalizantes”, como se as anteriores não fossem ingredientes típicos das agendas mais fundamentalistas do liberalismo econômico.

Os pontos principais dessas reformas liberalizantes são três. O primeiro é a destruição da legislação trabalhista, com terceirização geral e irrestrita, a prevalência do negociado versus o legislado e a flexibilização da jornada. O mais interessante é que o Brasil tinha, em 2014, a menor taxa de desemprego da história, sem que tivessem sido necessárias quaisquer dessas mudanças.

As outras duas medidas demonstram a falta total de compromisso com o desenvolvimento do País. A proposta é a reversão de medidas essenciais para garantir que recursos públicos ou recursos naturais do País sejam utilizados para gerar desenvolvimento tecnológico e emprego industrial no Brasil. Fim da margem de preferência nas compras governamentais e a “reforma” do conteúdo nacional do setor de Óleo e Gás, com a proposta de “horizontalização” e globalização dos requisitos de conteúdo nacional, que na prática elimina a exigência.

Mesmo que por uma questão estatística e pelos atuais estabilizadores automáticos a economia pare de cair e até encontre um crescimento positivo, se todas as propostas forem efetivamente implementadas, será o fim de um modelo de crescimento inclusivo e para todos.

Esther Dweck é professora do Instituto de Economia da UFRJ, atualmente assessora do Senado Federal.

Moro, Lula e a hora da verdade, por Aldo Fornazieri

Compartilho, para leitura atenta e discussão, texto publicado  no jornalggn.com.br.

Paulo Martins

Moro, Lula e a hora da verdade

por Aldo Fornazieri

O juiz Sérgio Moro, como se sabe, marcou a data do depoimento de Lula, na condição de réu, para o dia 3 de maio. Nas últimas semanas Lula voltou a ocupar grande espaço nas mídias de todas as colorações e nas redes sociais, por duas razões: a aproximação do desfecho de sua situação nas denúncias da Lava Jato e as movimentações em torno da sua candidatura. Os dois movimentos terão uma evolução inseparável e, o segundo, embora possa ser temporalmente antecipado, dependerá inextricavelmente do destino do ex-presidente no Judiciário.

É nesse contexto que petistas e progressistas em geral parecem estar embarcando numa nova canoa da ilusão. Não resta a menor dúvida de que Sérgio Moro, pelas suas parcialidades, pelo uso político sistemático de conduções coercitivas, prisões, delações premiadas e vazamentos politicamente orientados fez parte, de forma ostensiva, do golpe que derrubou Dilma. O golpe, com vários interesses agregados, tinha o como objetivo central retomar inteiramente o controle do Estado por parte da elite nativa, aliada ao capital financeiro e transnacional. Para que este controle seja garantido, o golpe se subdividiu em duas etapas, sendo a primeira, a retirada de Dilma do governo e, a segunda, o impedimento da candidatura Lula em 2018.

A ilusão petista-progressita reside exatamente aqui: a crença de que Moro e as demais forças do Judiciário e do Ministério Público, articuladas com o projeto de afastar os segmentos populares e de esquerda do poder, não terão coragem para prender Lula ou de, alguma maneira, impedi-lo de ser candidato a presidente. Ora, essas forças não teriam pago o preço de destruir a democracia, de aprofundar a crise econômica, de achacar os direitos e o mínimo de bem estar dos trabalhadores para deixar o serviço pela metade.

O lançamento prematuro da candidatura Lula parece conter dois elementos de estratégia: 1) constranger sua condenação nos processos em que é réu; 2) defini-lo como a bala de prata do PT em 2018 e no futuro próximo, pois sem Lula o partido não será capaz de se recuperar no médio prazo. É duvidoso que esta estratégia seja a mais correta por que: a) o lançamento de sua candidatura estreita e restringe o movimento de sua defesa, e b) a sua possível candidatura deveria vir no bojo de um processo de reformulação programática e de construção de um leque amplo de forças para sustentá-la, com uma concepção voltada mais para enfrentar os desafios futuros do que olhar para o passado.

Uma estratégia mais sensata e eficaz parece ser a de criar um amplo movimento democrático e progressista de defesa de Lula, denunciando a parcialidade da Lava Jato, a ação persecutória contra o ex-presidente e a inconsistência jurídica das acusações que são lançadas contra ele. Esse movimento deveria se estruturar independentemente das opções de candidaturas para 2018. O lançamento prematuro da candidatura Lula inibe esta opção. Ademais, esse movimento deveria se articular com as lutas populares contra a reforma da Previdência e das demais reformas retrógradas, com a exigência de renúncia de Temer, com a antecipação das eleições gerais e com o combate à corrupção.

Os testes das esquerdas e a hora da verdade

A atual conjuntura é marcada pelo seguinte paradoxo: existe uma monumental desmoralização do governo Temer e profunda deslegitimação das instituições em contraste com a clara liderança de Lula nas pesquisas eleitorais e, mesmo assim, as forças populares e progressistas não são capazes de promover manifestações significativas contra o governo e contra as reformas anti-sociais. A desmoralização do governo, do PMDB e do PSDB empurra cada vez mais os movimentos que se mobilizaram pelo impeachment a buscar a construção de uma candidatura de direita e a retomar as mobilizações de rua.

A hora da verdade das esquerdas e dos progressistas chegará, mais uma vez, por razões históricas. Tome-se como referência apenas três fatos históricos Em 1964 garantia-se a Jango que ele dispunha de sustentação sindical, social e militar para resistir ao golpe. Jango foi derrubado sem que houvesse resistência significativa. Na campanha das Diretas Já, milhões de pessoas foram às ruas defendendo esta bandeira. Na hora decisiva, os liberais conservadores fizeram um acordo com parte da direita e desaguaram o movimento no Colégio Eleitoral sem que houvesse uma reação dos setores populares e progressistas para garantir as eleições diretas.

Finalmente, no processo de impeachment de Dilma falou-se em “exército do Stédile”, garantiu-se que as forças da CUT “desceriam às trincheiras” para defender a democracia, proclamou-se que “golpistas, fascistas não passarão” etc. No dia 17 de abril de 2016, data efetiva do golpe, quem estava no Vale do Anhangabaú viu algumas milhares de pessoas se retirarem cabisbaixas de desmoralizadas com o acolhimento do impeachment por uma horda de deputados que gerou vergonha e perplexidade no mundo pela sua desqualificação. Não houve nenhuma reação. O próprio comando do governo e do PT errou gravemente de avaliação, pois, dois dias antes da decisão da Câmara, julgava-se que Dilma teria votos suficientes para barrar o impeachment.

As lições da história mostram que os democratas, os progressistas e as esquerdas não foram efetivos na construção de uma consolidada democracia social no Brasil. Nos momentos críticos em que isto poderia proporcionar uma virada, essas forças foram derrotadas até mesmo quanto o elemento militar não interveio no jogo político. A causa principal dessas derrotas está na incompreensão do fator força organizada para promover as mudanças. Negligenciar a organização e o acúmulo de forças políticas e sociais significa perder no jogo institucional quando o país passa por momentos críticos e os avanços conquistados podem sofrer graves retrocessos, a exemplo do que ocorre neste momento.

Se Lula for preso ou impedido de ser candidato o que acontecerá? Esta pergunta não tem uma resposta assertiva. Não basta apenas proclamar que “Lula é meu amigo: mexeu com ele, mexeu comigo”. Esta proclamação só será algo efetivo se existir força organizada capaz de barrar a prisão ou a inviabilização da candidatura de Lula nas ruas.

Independentemente de se apoiar ou não uma eventual candidatura Lula em 2018 é preciso perceber que o jogo do seu destino na Justiça está imbricado com o futuro da democracia. Por isso, a tarefa agora não é definir candidaturas, mas ganhar esse jogo. Caso contrário, os trabalhadores e movimentos sociais sofrerão uma devastadora derrota histórica e a destruição do Brasil será de tal magnitude que serão necessárias décadas para se recuperar. Afinal de contas estamos diante de um governo que destrói de forma sistemática e organizada as linhas de força que poderiam imprimir alguma significação positiva ao Brasil no futuro. Estamos diante de um governo que faz da humilhação e da degradação do povo o seu método de governar.

Queira-se ou não, goste-se ou não, o fato é que a realidade impôs uma imbricação entre o destino jurídico de Lula e o destino da democracia, já que a solução desta equação dirá se o golpe sairá inteiramente vitorioso ou parcialmente derrotado. Neste momento parece que a possibilidade da consumação completa do golpe é maior, pois, de um lado, as esquerdas críticas ao PT não conseguem compreender o que está em jogo e o PT prefere jogar com uma única bala de prata.

Aldo Fornazieri – Professor da Escola de Sociologia e Política.

Última Coluna, por Guilherme Boulos

Última coluna
09/03/2017 11h48
Por Guilherme Boulos
Publicado na Folha de São Paulo

Foto: Eduardo Anizelli-20.fev.2017/Folhapress
Manifestantes ligados ao MTST acampam na avenida Paulista, na região central de SP

Recebi nesta quarta-feira (8) uma ligação da direção da Folha dizendo que esta seria minha última coluna. Não estranhei. Estranhei, na verdade, que essa ligação tenha demorado tanto tempo para acontecer. Tenho posições antagônicas às do jornal e, principalmente, uma militância que incomoda a maior parte dos leitores e anunciantes que o mantém.

O argumento dado foi de uma renovação “natural”, uma rotatividade de colunistas. Pode ser. Porém, até pelo momento em que ocorre, me parece impossível não relacionar o gesto ao acampamento do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) na Paulista, com todas as reações de hostilidade que gerou em empresários e associações sediadas naquela avenida.

A gritaria de desqualificação da luta do movimento acaba dando o tom na maioria do leitorado da Folha, cada vez mais conservador. Sucumbir a esta grita é tentador.

Saio pela porta da frente, sem ter recuado em nenhuma de minhas posições nesses mais de dois anos escrevendo para o jornal. Devo dizer também que em nenhum momento houve intervenção no conteúdo do que publiquei.

Quando decidi aceitar esta coluna, numa decisão tomada junto com meus companheiros de militância, foi pelo esforço de dialogar com um público mais amplo do que aquele que está próximo dos movimentos sociais.

Funcionou, para o bem e para o mal. Frequentemente meus textos tornaram-se objeto da ruminação rançosa dos comentadores de internet. É o que sabem fazer. Como disse Criolo, cada um dá o que tem, quem tem ódio dá ódio. Mas os textos também chegaram em gente que lê com espírito aberto e ajudaram a quebrar preconceitos sobre a luta do movimento popular.

Tenho o maior respeito e amizade por vários colunistas da Folha. Gente da qualidade de Gregório Duvivier, Vladimir Safatle, Laura Carvalho, André Singer, Juca Kfouri e tantos outros. Nem tantos, na verdade, alguns…

Não é porque deixo de escrever esta coluna que mudarei minha opinião sobre a importância dos textos desses escritores para o debate público. Tenho também grande respeito pelos profissionais jornalistas que trabalham ali.

Seguirei meu caminho, sem transigir um passo. Continuarei escrevendo textos, em outros lugares. E principalmente continuarei lutando, junto com meus companheiros, por moradia e igualdade social, ocupando e resistindo.

Se isso constrange e incomoda parte dos leitores da Folha e seus anunciantes é apenas mais uma demonstração de que estamos em lados opostos. Até que durou bastante, muito mais do que esperava.

A vida é feita de escolhas. Quando um jornal que pretende ser equilibrado toma a decisão de reduzir seu já restrito grupo de colunistas afinados com o pensamento de esquerda e manter um batalhão de colunistas conservadores e de direita, aprofunda sua opção por um certo tipo de público. Sinal dos tempos.

Aos leitores cativos desta coluna podem continuar acompanhando o que escrevo através de minha página no Facebook e, em breve, em algum novo front.
Saio pela porta da frente, sem ter recuado em nenhuma de minhas posições nesses mais de dois anos escrevendo para o jornal. Devo dizer também que em nenhum momento houve intervenção no conteúdo do que publiquei.

Quando decidi aceitar esta coluna, numa decisão tomada junto com meus companheiros de militância, foi pelo esforço de dialogar com um público mais amplo do que aquele que está próximo dos movimentos sociais.

Funcionou, para o bem e para o mal. Frequentemente meus textos tornaram-se objeto da ruminação rançosa dos comentadores de internet. É o que sabem fazer. Como disse Criolo, cada um dá o que tem, quem tem ódio dá ódio. Mas os textos também chegaram em gente que lê com espírito aberto e ajudaram a quebrar preconceitos sobre a luta do movimento popular.

Tenho o maior respeito e amizade por vários colunistas da Folha. Gente da qualidade de Gregório Duvivier, Vladimir Safatle, Laura Carvalho, André Singer, Juca Kfouri e tantos outros. Nem tantos, na verdade, alguns…

Não é porque deixo de escrever esta coluna que mudarei minha opinião sobre a importância dos textos desses escritores para o debate público. Tenho também grande respeito pelos profissionais jornalistas que trabalham ali.

Seguirei meu caminho, sem transigir um passo. Continuarei escrevendo textos, em outros lugares. E principalmente continuarei lutando, junto com meus companheiros, por moradia e igualdade social, ocupando e resistindo.

Se isso constrange e incomoda parte dos leitores da Folha e seus anunciantes é apenas mais uma demonstração de que estamos em lados opostos. Até que durou bastante, muito mais do que esperava.

A vida é feita de escolhas. Quando um jornal que pretende ser equilibrado toma a decisão de reduzir seu já restrito grupo de colunistas afinados com o pensamento de esquerda e manter um batalhão de colunistas conservadores e de direita, aprofunda sua opção por um certo tipo de público. Sinal dos tempos.

Aos leitores cativos desta coluna podem continuar acompanhando o que escrevo através de minha página no Facebook e, em breve, em algum novo front.

APOCALIPSE DO JORNALISMO

Em 18/05/2016 o jornalista Mario Vitor Santos publicou, no site do jornal Folha de São Paulo, o texto intitulado “Apocalipse do Jornalismo”. Este artigo foi publicado aqui no blog em 22 de maio de 2016. Destaco dois trechos do referido texto: “quando informações em off dão as cartas e o outro lado é uma formalidade, o jornalismo não existe senão como contrafação”. No segundo trecho destacado, Mario Vitor lança uma espécie de desafio a ser conferido: “para conferir se a mídia terá no governo Temer a mesma obsessão higienizadoras e incriminatória que exibe contra a ordem petista”.

Mario Vitor não precisará esperar muito. O caso de amor da ORGANIZAÇÃO GLOBO com poderosos selecionados, em vigor desde a ditadura de 1964, continua firme e forte, apesar de denúncias, delações, inquéritos e provas. Esta evidente promiscuidade está registrada no site do Governo Federal, que noticia a presença de presidente usurpador na festa de comemoração de 50 anos de jornalismo chapa branca de Ricardo Noblat. Melhor ilustração para o artigo do Mario Vitor não é necessária. As imagens são eloquentes.

07/03/2017 COMEMORAÇÃO DOS 50 ANOS DE JORNALISMO DE RICARDO NOBLAT: http://www.planalto.gov.br

Confraternização para comemorar o apocalipse do jornalismo sério

General Figueiredo, ditador de plantão, de braços dados com Roberto Marinho, dono do jornal O Globo.

Paulo Maluf de braços dados com Roberto Marinho. Prova de que escolher andar com más companhias é da natureza destes senhores.

Aécio Neves de braços dados com Temer na festa de Noblat. Afogados agarrados um no outro como se fossem tábuas de salvação.

Leia o texto abaixo.
Paulo Martins

Apocalipse do jornalismo
22 de maio de 2016
A ruptura institucional em via de ser completada no Brasil é resultado direto da degradação do jornalismo posto em prática por quase todos os meios de comunicação no país. Os cuidados éticos foram sacrificados a tal ponto que o jornalismo promove a derrubada de uma presidente até agora considerada honesta.

Jornalismo deve informar os fatos de pontos de vista diferentes e contrários, encarnar ideias em disputa, canalizar o entrechoque de versões, sublimar antagonismos.

Veículos brasileiros, ao contrário, quase todos em dificuldades financeiras e assediados pelos novos hábitos do público, uniram esforços na defesa de uma ideia única. Compactaram-se em exageros, catastrofismo e idiossincrasias. Agruparam-se de um lado só da balança, fortes para nocautear um governo, mas fracos para manter sua própria razão de existir, a autonomia.

Poderia ser diferente. As denúncias de corrupção da Operação Lava Jato deveriam mesmo merecer toda a atenção de uma imprensa aguerrida. Deveriam mobilizar controles e cuidados na mesma proporção. No entanto, se a justiça da Lava Jato tem alvo preferencial, o jornalismo não deveria ter. Quem defende o equilíbrio quando justiça seletiva e jornalismo discricionário se fundem?

Normas e técnicas jornalísticas não são meros enfeites para códigos ou lições esquecidas nos bancos da escola. São peças essenciais para a sobrevivência da democracia. Na Lava Jato, o que deveria motivar uma custosa operação de checagem independente e edição autônoma derivou numa repetição inglória dos piores momentos do jornalismo do passado. A audição generosa e justa do chamado outro lado das denúncias, tanto na apuração das informações como em sua edição, não existiu.

O abuso de reportagens baseadas exclusivamente em fontes mantidas em sigilo tornou-se a regra. Vazamentos com objetivo manipulatório foram a tônica. Quando informações em “off” dão as cartas e o outro lado é uma formalidade, o jornalismo não existe senão como contrafação.

O que foi feito do esforço de convivência de tantos profissionais de ponta com outras culturas jornalísticas mais avançadas, tolerantes e variadas? Onde estão as intenções de controle técnico, equidistância, sobriedade e isenção?

Os ombudsmans, os rigores autonomistas das técnicas de investigação independentes e as autocríticas não serviram para nada. Virou pó o empenho de ao menos uma geração de profissionais para que o jornalismo, depois do infame apoio majoritário ao golpe de 1964, viesse a seguir melhores padrões.

Não pode haver fracasso maior para quem ao longo dos anos aspirou a se legitimar como instituição pilar de uma jovem democracia. Veículos de mídia cederam ao populismo que inflama os ódios de classe e leva o país a vivenciar mais um golpe contra as instituições.

Fica para conferir se a mídia terá no governo Temer a mesma obsessão higienizadora e incriminatória que exibe contra a ordem petista.

Já se diz que a queda do governo Dilma marca o ocaso do arranjo democrático da Constituição de 1988. Corporifica também o fim do breve ensaio de jornalismo surgido no bojo do movimento que levou à Nova República.

Parodiando o poema trágico de Murilo Mendes, essa mídia nativa, em busca da sobrevivência, nasceu para a catástrofe.

MARIO VITOR SANTOS é jornalista. Na Folha, foi diretor da sucursal de Brasília, secretário de Redação e ombudsman (1991-93 e 97). É mestre em drama antigo pela Universidade de Exeter (Inglaterra) e doutor em letras clássicas pela USP

Publicado em www1.folha.uol.com.br em 18/05/2016

“Há uma fadiga da democracia, um ódio das elites”, entrevista com Bernard-Henry Lévy

Não concordo com todas as posições do entrevistado. Mas se vamos discutir tudo com honestidade intelectual, convém ler e avaliar.

Paulo Martins

Bernard-Henri Lévy: ‘Há uma fadiga da democracia, um ódio das elites’
Filósofo e diretor francês alerta para a ascensão da extrema-direita e, em âmbito global, acredita que os Estados democráticos rumam para o populismo e o niilismo

POR FERNANDO EICHENBERG, ESPECIAL PARA O GLOBO 05/03/2017 4:30 / atualizado 05/03/2017 7:29

Como o senhor analisa o estado atual da democracia no mundo?

Infelizmente, os Estados democráticos avançam, mas na direção errada. Avançam na direção do populismo, para o niilismo, para o que os vienenses de pré-1914 chamavam de “apocalipse alegre”. Há um romance de Hermann Broch que se chama “Os sonâmbulos”: as pessoas avançavam como sonâmbulas para a guerra de 1914. Estamos hoje em situação análoga. Muitas vezes se faz a comparação com os anos 1930. Mas a verdadeira comparação seja, talvez, com os anos anteriores a 1914. Porque o sonambulismo, este clima de hipnose coletiva, esta maneira como as grandes democracias rumam para sua destruição, estas ameaças sobre a segurança coletiva criadas por Vladimir Putin e Donald Trump, isso tudo é muito novo. E não há como não nos fazer lembrar do clima às vésperas de 1914.

As eleições presidenciais francesas integram este contexto?

Se olharmos para a França, estamos a pleno neste sonambulismo. Veja a forma como a esquerda destruiu seus dois candidatos mais críveis, (o presidente) François Hollande e (o premier) Manuel Valls. E a forma como a direita destruiu sucessivamente seus três: Nicolas Sarkozy, Alain Juppé e, agora, François Fillon. Há algo muito estranho neste jogo de massacre, dos dois lados. Se a França quisesse criar um bulevar para (a candidata de extrema-direita) Marine Le Pen, não teria como fazer melhor.

Acredita na possibilidade de vitória da direita radical de Le Pen?

Sim. Houve uma constante na História da Europa: o fascismo passa quando a direita cede, e o fascismo é vencido quando a direita se sustenta. É assim. O fascismo passou quando a direita desmoronou. A direita que é a proteção ao fascismo, não a esquerda. A esquerda dá o alerta. Ela sustenta o muro de valores. Mas o que faz, concretamente, que o fascismo não passe, é a determinação da direita liberal, a boa resistência da direita democrática. E ela está em frangalhos. Está fazendo harakiri. Com uma terrível mistura: a torpeza dos homens e a forma como isso está sendo orquestrado a poucas semanas da eleição presidencial. Estamos vendo o bastião liberal contra Marine Le Pen ameaçado de ruir.

O que o senhor pensa da candidatura de Emmanuel Macron, ex-ministro da Economia do governo Hollande, apontado hoje como um dos favoritos no pleito?

Eu o conheço muito pouco, mas é alguém extremamente bom. Será que tem a dimensão, a experiência soberana, o conhecimento real dos recursos da potência francesa? Não sei. Mas, em todo caso, é uma pessoa do bem.

E Benoît Hamon, o candidato que venceu as primárias do Partido Socialista (PS)?

Não, Hamon não! Ele não tem experiência das questões soberanas, e não possui a estatura para ser presidente de uma grande potência. E além disso, francamente: vir em 2017 com os antigos refrões da União da Esquerda, no estilo de (ex-presidente) François Mitterrand de 1981, que pobreza!

Benoît Hamon fala com a imprensa, em Paris – BERTRAND GUAY / AFP
O senhor cita com frequência a frase do escritor e pensador francês Maurice Clavel: “A única forma de vencer a direita é, em primeiro lugar, quebrar a esquerda.” A sentença ainda vale para hoje?

Eu citava esta frase já nos anos 1970. E ainda estamos nisso. Na França, estamos face a uma esquerda que anda para trás, que está voltando às conquistas da batalha antitotalitária. Que batalha é esta? É parar de falar “a” esquerda como uma espécie de entidade englobando as esquerdas liberal e totalitária. É parar de fazer como se houvesse um gênero comum à esquerda, do qual a esquerda democrática e a esquerda totalitária seriam duas espécies. A modernidade, o resultado das lutas antitotalitárias do fim do século XX, é que paramos de fazer esta confusão entre Pierre Mendès France e Maurice Thorez, ou entre Manuel Valls e tal obtuso trotskista da Luta Operária. Ou ainda, na América do Sul, entre Lula e Hugo Chávez. O primeiro, Lula: voilà, para mim, a esquerda respeitável. O segundo, Chávez: um tipo de populista vagamente antissemita, adulando os baixos instintos, e que não tem nada mais a ver com a esquerda. Eu permaneço fiel à esquerda de Jean Jaurès, Léon Blum ou Lula. Não partilho nada com os agentes de Moscou, os assassinos deste ou daquele país comunista, os castristas, os cambojanos. Não são “irmãos inimigos”. É o zero grau da fraternidade. É o grande mal-entendido que Maurice Clavel pedia que fosse quebrado. E o mérito de François Mitterrand, François Hollande ou Manuel Valls terá sido o de começar a operar esta quebra.

‘“Hoje, estamos na situação que provavelmente queria Putin. Um cara a cara entre o Estado Islâmico e Assad, entre a lepra e a cólera”’
– BERNARD-HENRI LÉVY

A esquerda deve ser totalmente refeita?

Escrevi há dez anos um livro que se chamava “Ce grand cadavre à la renverse” (Este grande cadáver de pernas pro ar, em tradução livre). É onde estamos hoje. Um Partido Socialista encarnado por Monsieur Hamon é a última etapa antes da agonia. E como a direita francesa está também na agonia, a situação é muito inquietante.

Como o senhor explica o crescimento do populismo?

Há uma fadiga da democracia, um ódio das elites. Os gregos distinguiam dois povos, o povo cidadão e o povo da demagogia. Um era o demos, e o outro, o ochlos. O populismo é o fim do demos e a glória do ochlos. É o fim do populus e o triunfo da tourba.

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No dia da posse de Donald Trump, em Washington, o senhor estava nos EUA, ao lado do escritor americano Philip Roth…

Presenciei o inauguration day junto com Philip Roth. E foi uma experiência muito estranha a de viver com o autor de “Complô contra a América” (2004) a concretização de seu pesadelo. Trump é um pesadelo de Philip Roth. Como estava ele? Como ficam todos os escritores quando veem sua ficção se tornar realidade: estupefato. E como todos os cidadãos decentes naquele dia: chocado.

O senhor também ficou chocado?

Sim, porque penso que Trump é uma catástrofe para os EUA e para o mundo. E também uma ameaça para o mundo. Penso que não se pode ter na liderança da primeira potência mundial este personagem instável, incerto de suas próprias convicções, pragmático, o que também quer dizer cínico. É muito inquietante. Os europeus, os sul-americanos, viviam até hoje na ideia de que o risco sistêmico para a democracia vinha do islamismo radical. Ou da Rússia. E, em outros tempos, do comunismo. E, de repente, o risco vem dos EUA. Há um risco sistêmico para o sistema político mundial que pode vir dos EUA, e essa é uma situação sem precedente.

O senhor definiu o decreto migratório de Trump como “perseguição obscena”.

Sim. Há algumas semanas, estava em Nova York para um festival de cinema com uma delegação de peshmergas, que são amigos dos EUA, foram formados em academias militares americanas e estão empenhados na mesma luta do Ocidente. Oito dias depois, eles teriam sido proibidos de entrar nos EUA, porque são iraquianos. Portanto, sim, há algo de horrível, de obsceno, neste decreto de Trump.

Montagem coloca Trump e Putin lado a lado – AFP
Como se explica a eleição de Trump?

Há muitas explicações. Mas há uma espécie de revolução mundial que está em marcha, que é a revolução das ideias simples, dos que buscam bodes expiatórios, dos racistas, das pessoas que desprezam a democracia. É um movimento de caráter mundial e que se desenvolve também nos EUA. E há razões quase técnicas: a forma como as redes sociais tratam a noção de verdade; esta história de “fatos alternativos”, que não é somente uma loucura de Trump, pois tem a ver com o regime de circulação da informação etc. Muitas pessoas votaram em Trump persuadidas que Obama era muçulmano, que Hillary Clinton era corrupta, que os EUA só dariam certo se bloqueassem a porta à América do Sul. Hoje, a mentira e a verdade têm o mesmo status, e é muito difícil distinguir uma da outra. É uma situação filosófica totalmente nova.

O senhor acusa o crescimento do sentimento antissemita na Europa, mas também nos EUA.

Os EUA foram um lugar de abrigo para os judeus do mundo, mas hoje o surto antissemita atinge o país de duas formas, nas duas bordas do tabuleiro, à direita e à esquerda. À esquerda, com um aumento do antissemitismo em sua versão antissionista e pró-palestina. Afinal, o país hoje no mundo em que o movimento BDS (Boicote, Desinvestimento e Sanções) alcança seu apogeu são os Estados Unidos. À direita, o velho antissemitismo tradicional, racista, assimilando os judeus ao mundo do dinheiro etc, se expressou nas fileiras dos apoiadores de Trump com uma violência inesperada. Dos dois lados do espectro ideológico americano, houve um forte crescimento do antissemitismo. O slogan de Donald Trump “Estados Unidos primeiro” é um slogan fascista. Houve um movimento fascista nos EUA, em 1940, que se chamava “Estados Unidos primeiro”, do qual a figura proeminente era o célebre aviador Charles Lindbergh. Donald Trump sabia disso, e em plena consciência adotou este slogan ligado à história do fascismo americano.

Putin também é uma ameaça?

‘“Há uma espécie de revolução mundial em marcha, das ideias simples, dos que desprezam a democracia”’
– BERNARD-HENRI LÉVY

Putin é uma ameaça explícita. Sabemos que ele quer desestabilizar a Europa, acentuar a crise das democracias, e que apoia e financia todos os partidos de extrema-direita na Europa. Sabemos também que em todos os lugares em que se trava a batalha entre a barbárie e a civilização, como na Síria e na Ucrânia, ele está do lado errado, ao lado dos bárbaros. Aí está uma verdadeira e grande ameaça.

Qual a solução para o conflito sírio?

Na Síria, há quatro anos deveria ter sido criado uma zona de exclusão aérea, no move roads, e também zonas tampão. Teriam sido necessárias, no mínimo, essas três coisas para proteger os civis: impedir os aviões de voar, os tanques de circular, e criar zonas seguras para os refugiados. Deveriam ter sido impostos limites a (ditador sírio) Bashar al-Assad, e sancioná-lo a cada vez que ele os desrespeitasse. Nada disso foi feito. Deixou-se as mãos livres a Assad e a seus aliados russos e iranianos. Enfim, teria sido preciso apoiar a oposição democrática. Hoje, estamos na situação que provavelmente queria Putin. Ou seja, um cara a cara entre o Estado Islâmico (EI) e Assad, entre a lepra e a cólera. O que se deve fazer a partir de agora? É preciso obrigar Assad a partir. É preciso ter em Damasco um regime verdadeiramente decidido a lutar contra o EI. Ora, Assad criou o EI, ele não o destruiu.

Como combater hoje o terrorismo?

Face ao EI, há duas atitudes possíveis. Há a atitude que consiste em compreender, desculpar, encontrar razões, atribuir esta violência niilista ao empobrecimento, à desesperança, tudo isso. Essa é a melhor maneira de alimentar o EI. E há a forma de responder à guerra niilista que nos é declarada com uma atitude muito mais firme. Essa é a boa atitude. Penso que a França de hoje tem a boa abordagem, não é o caso de outros países da Europa.

O senhor lamenta o fato de François Hollande não ter se candidatado a um segundo mandato?

Sim. Creio que sentiremos falta do presidente Hollande. Terá sido um bom presidente. Em relação aos temas que acabamos de abordar, a Rússia, a Síria, o terrorismo, ele foi excelente. Mas estamos numa estranha situação, talvez pré-revolucionária, em que todas as figuras decentes da política europeia estão sendo demolidas. Veja a Itália. A Espanha com o sucesso do Podemos. As “democraturas” na Europa central e oriental.

Brexit é uma das incertezas para o crescimento da União Europeia – REUTERS/Yves Herman
O senhor aponta um clima hoje de “desconfiança dos povos”.

Sim, há uma tal desconfiança dos povos em relação aos sábios, aos atores políticos, aos partidos, que o fato de rejeitar isso tudo se tornou um objetivo em si. Entramos em uma época em que repudiar as elites pode se tornar mais desejável para um povo do que assegurar sua prosperidade. É uma nova variante do “Discurso da Servidão Voluntária”, de Étienne de La Boétie. Uma outra forma de fazer passar sua sobrevivência e seu bem estar depois desta frenética paixão que é o ódio das elites, das mediações e das instituições.

O senhor definiu o Brexit como o “crepúsculo de um projeto de civilização”.

O Brexit é uma catástrofe para a Inglaterra, que já começa a pagar o preço. Mas é também uma catástrofe para a Europa. Fala-se sempre no motor franco-alemão. Mas há um terceiro motor, que é o inglês. O formato de Europa no qual se aposta há 60 anos foi inventado na Inglaterra. É um modelo democrata e liberal, de sociedade aberta, e nasceu na Inglaterra. O discurso de Churchill em 1946, em Zurique, é um dos discursos fundadores da Europa. Não sei o que poderá ser a Europa sem o motor britânico.

A Europa, como entidade política, tem futuro?

‘“Estamos numa estranha situação, talvez pré-revolucionária, em que todas as figuras decentes da política europeia estão sendo demolidas”’
– BERNARD-HENRI LÉVY

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A Europa pode acabar se desfazendo. O grande erro dos europeus foi o de pensar que a Europa era irreversível. Na verdade, não é. A Europa se fez e se desfez várias vezes. E isso do império romano até o império austro-húngaro, passando por Carlos Magno, Carlos Quinto, Napoleão. Houve vários momentos em que a Europa estava à beira de se formar e se desconstruiu. Se isso ocorrer de novo, será um acréscimo de desordem e de miséria para os povos da Europa. Seria um empobrecimento da Europa. Mesmo o euro não sobreviverá sem uma união política. Uma moeda única só funciona quando está ligada a uma política única. O dólar levou um século a tatear nos Estados Unidos, esteve à beira de desaparecer, a coabitar com outras moedas, até a Guerra da Secessão, quando o Norte ganhou a luta política contra o Sul. Sem este passo adiante – sangrento – na direção do federalismo, o dólar não teria dado certo. As duas únicas moedas únicas na história dos dois últimos séculos que funcionaram imediatamente foram a lira italiana e o franco suíço. Porque a unidade da moeda e a unidade nacional ocorreram no mesmo momento. Não há outro exemplo de uma moeda única que funcione sem uma política comum.

O que o senhor achou do prêmio Nobel concedido a Bob Dylan?

Gostei que lhe deram o prêmio. É um escritor. Dylan, é literatura. Os textos de suas canções são literatura. Uma literatura magra, breve, rara, mas uma literatura.

O senhor mantém ainda otimismo?

Não faria o que faço, não iria prejudicar minha saúde no Iraque e em outros lugares, durante várias semanas, se não guardasse uma parte de esperança.

Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/mundo/bernard-henri-levy-ha-uma-fadiga-da-democracia-um-odio-das-elites-21010594#ixzz4ag5rKkWq
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O fim daquele medo bobo, por Luís Felipe Miguel

Publicado no blogdaboitempo.com.br

O fim daquele medo bobo
A história política brasileira é marcada por canções. A trilha sonora do momento brasileiro é “Medo bobo”, de Maiara e Maraisa. Tal como o casal da música, o governo Temer ficou paralisado por um medo que, mais tarde, percebeu que não tinha razão de ser.
Posted on 03/03/2017
medo-bobo-lfmiguel

Por Luis Felipe Miguel.

Na sua maior contribuição para o pensamento político nacional, o senador Romero Jucá explicou como funcionam as instituições: “É um acordo, botar o Michel, num grande acordo nacional”. Acrescentando: “Com o Supremo, com tudo”.

A conversa foi em março de 2016, quando Michel já estava a caminho da presidência. Logo em seguida, em maio, Dilma Rousseff foi afastada do cargo; tratava-se só de executar o tal acordo. Mas o embalo do impeachment continuava. As ruas tinham rugido em nome do combate à corrupção, do fim da impunidade. Seus heróis não eram os parlamentares que tinham afastado uma presidente ao arrepio da lei – embora alguns, mais desinibidos, até fizessem homenagens a Eduardo Cunha. Os heróis eram figuras imbuídas de espírito messiânico, que se apresentavam como dispostas a limpar o país a ferro e fogo, movidos por uma convicção que dispensava provas.

Como implementar o acordo, diante deste clima de opinião?

O próprio Jucá, por ironia do destino, foi o primeiro a ser comido. O vazamento da gravação do “grande acordo nacional” o apeou da cadeira de ministro do Planejamento, menos de duas semanas depois de Michel tê-lo colocado lá. Permaneceu como um dos cabeças do novo regime, pontificando até em reuniões de gabinete, mas ministro não era mais. E, como ele, muitos outros amigos queridos se foram, imolados diante do tribunal da opinião pública: Henrique Alves, Geddel Vieira Lima, José Yunes.

De que vale o bendito acordo se nem os nossos são salvos?

Os “movimentos” que surgiram na campanha pela derrubada da presidente Dilma Rousseff até cumpriram, obedientemente, o papel que se esperava deles. Mantiveram uma defesa pro forma da Operação Lava Jato, mas focavam em nova agenda. O MBL dedicou o segundo semestre de 2016 a estimular a violência contra estudantes que ocupavam escolas e universidades. Parecia estar pronto a transitar de organização astroturf (falso movimento de base cevado com dinheiro empresarial) para milícia da extrema-direita. Em 2017, passou a priorizar a defesa dos retrocessos promovidos pelo governo que emergiu do golpe, sobretudo nos campos trabalhista e previdenciário. Dedica-se à inglória tarefa de chamar as pessoas para irem às ruas contra seus próprios direitos.

Sumiram de cena a classe média nas manifestações e o bater de panelas, mas mesmo assim havia o receio de escancarar o acordo. Foi isso o que mudou com a invenção de um ministério para Moreira Franco e a nomeação de Alexandre de Moraes para o Supremo Tribunal Federal. O governo, que já cumpria com afinco seu compromisso de destruição dos direitos sociais e de entrega das riquezas nacionais, está pronto para realizar o outro ponto de sua agenda, que é restaurar as práticas tradicionais de saque da riqueza pública pela elite política e econômica, minimizando os riscos para os envolvidos.

A história política brasileira é marcada por canções. Foi “Para não dizer que não falei de flores”, no momento de fechamento do regime militar; “Apesar de você”, quando a derrota da esquerda estava configurada; “O bêbado e a equilibrista”, na luta pela anistia; “Vai passar”, anunciando a redemocratização; “Brasil, mostra a tua cara”, para as decepções da Nova República, e assim por diante. A trilha sonora do momento brasileiro é “Medo bobo”, imortalizada (?) por Maiara e Maraisa – o que, por si só, revela a decadência criativa da música popular, mas essa é outra conversa.*

Tal como o casal da música, o governo do Michel ficou paralisado por um medo que, mais tarde, percebeu que não tinha razão de ser. As pessoas que foram às ruas com camiseta da CBF eram guiadas pelo antipetismo, um tipo de discurso de ódio que não atinge apenas o PT, seus líderes ou suas políticas, mas tudo o que é visto como sendo a esquerda e seus valores. O antipetismo é um grande achado, pois cria um inimigo palpável, ou melhor, cria o Inimigo, a encarnação do mal. E desculpa todos os que se opõem ao Inimigo. O caso de Eduardo Cunha já revelava isso: seus pecados eram alegremente perdoados, uma vez que tornara instrumento da derrubada de Dilma. Com a vitória do impeachment, o gozo de ter tirado o PT do poder anestesiou qualquer reação a escândalos que são, em tudo e por tudo, idênticos àqueles que eram apresentados como justificativa para o golpe. Por isso o silêncio das panelas. Por isso e porque, no final das contas, a questão nunca foi a corrupção, ou principalmente a corrupção. O alimento do antipetismo – e é por isso que ele se estende a toda a esquerda – é o temor de que sejam abaladas as velhas hierarquias de classe, de gênero e de raça.

Já os derrotados de 2016 permanecem na lona. Michel percebeu isso logo de cara, aprovando com velocidade invulgar medidas que implicam em enorme retrocesso, enfrentando resistência pífia – a PEC de congelamento do gastos sociais, a entrega do pré-sal para as petroleiras estrangeiras e a reforma do ensino médio são os casos principais, com a destruição da legislação trabalhista e da previdência social já a caminho. Em um punhado de meses, um governo ilegítimo está fazendo o Brasil recuar décadas e, em síntese, anunciando que o Estado não tem mais nenhum tipo de compromisso, nem da boca pra fora, com a promoção da igualdade social. A classe trabalhadora, as mulheres e a juventude são os alvos. Se não se levantaram por isso, não seria para ver um gato angorá na gaiola.

O jogo de verdade foi jogado em outro espaço, sem atenção para as ruas, que voltam a ser o que sempre foram para a elite governante brasileira, um detalhe que se deve reduzir à insignificância. Michel é o chefe acidental de uma coalizão heterogênea, não tanto pelo programa, mas pelas ambições políticas. E é o PSDB, condenado à posição de parceiro minoritário, quem possui as conexões com os operadores centrais da Lava Jato, seja em Curitiba, no Supremo, no Ministério Público ou na imprensa. O PSDB não precisa ter medo dos desdobramentos da operação, pois seus chefes estão blindados – que o diga Aécio Neves, que, contrariando a previsão de Jucá, parece que não vai ficar nem para sobremesa. Era ao PSDB, em primeiro lugar, que interessava manter o usurpador na berlinda, o que valoriza seus próprios serviços como fiador do novo governo.

De alguma maneira, Michel conseguiu, na virada de 2016 para 2017, mostrar que estão todos no mesmo barco. É por isso que a nomeação de Alexandre de Moraes para o STF é tão emblemática. Não apenas porque o ministro é a cara do governo, com sua desonestidade intelectual, desprezo pelos direitos, inclinação pelas soluções de força e mistura de ignorância com empáfia. Mas sobretudo porque Moraes é esse híbrido: é o tucano de Temer. Por isso, chega à mais alta corte do País com a missão de se tornar o operador do “grande acordo nacional” que a derrubada de uma presidente legítima deveria propiciar.

  • Fui apresentado a “Medo bobo” por meu sobrinho Jorge, que também elaborou o paralelo com a atualidade nacional. Agradeço a ele por ter permitido que eu surrupiasse sua ideia.

Luis Felipe Miguel é professor do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília, onde coordena o Grupo de Pesquisa sobre Democracia e Desigualdades – Demodê, que mantém o Blog do Demodê, onde escreve regularmente. Autor, entre outros, de Democracia e representação: territórias em disputa (Editora Unesp, 2014), e, junto com Flávia Biroli, de Feminismo e política: uma introdução (Boitempo, 2014). É um dos autores do livro de intervenção Por que gritamos golpe? Para entender o impeachment e a crise política no Brasil. Ambos colaboram com o Blog da Boitempo mensalmente às sextas.

Xadrez da sinuca de bico da mídia/O XADREZ DO GOLPE, por Luis Nassif

Xadrez da sinuca de bico da mídia
O XADREZ DO GOLPE
SEX, 03/03/2017 – 06:54
Luis Nassif
Os jornais estão entrando em uma encrenca cada vez maior.

Diz-se que o jornalismo é o exercício do caráter. Especialmente no jornalismo opinativo e na linha editorial dos jornais, o caráter é ponto central. Constrói-se o caráter de cada publicação analisando seu apego aos fatos, sua generosidade ou dureza de julgamento, sua capacidade de mediação ou parcialidade gritante. E, principalmente, sua credibilidade, o respeito com que trata a informação. Houve um bom período em que mesmo os adversários mais ferrenhos do Estadão respeitavam a seriedade com que tratava os fatos.

Desde que a mídia brasileira caiu de cabeça no pós-verdade e no jornalismo de guerra, esse quadro mudou.

No Olimpo da mídia de massa, há dois tipos de jornalistas e de celebridades: os que seguem cegamente a linha criada pelos veículos; e os que já têm ou caminham para ter personalidade própria, inclusive para se contrapor aos movimentos de manada.

Nesse grupo abrigado pela mídia, pequeno, mas influente, há um mal-estar crescente em relação ao governo Temer, à parcialidade da Lava Jato e ao próprio esforço da mídia em dourar a pílula do governo com um jornalismo eminentemente chapa-branca.

Por outro lado, após perder os leitores de esquerda, a velha mídia começa a perder os de direita, que se agrupam em torno de outros veículos. E está diante de um grave problema moral e jornalístico: qual a cara dos jornais? Que tipo de pensamento eles representam? Qual é seu caráter?

A imagem que passam é dúbia. E a aproximação com Temer agravou radicalmente esse quadro:

  1. Eu sei, os jornais sabem, a torcida do Flamengo sabe que o governo Temer é eminentemente corrupto.
  2. Mesmo assim, os jornais teimam em apoiá-lo, depois de justificar o impeachment como combate à corrupção.

Como pretendem se diferenciar dos blogs e sites jornalísticos sem tradição? Publicando artigos sobre a pós-verdade e, ao mesmo tempo, continuando adeptos incondicionais do jornalismo de guerra? E, agora, perdendo qualquer veleidade de encenação de superioridade moral, apoiando uma plutocracia unanimemente reconhecida como corrupta.

Peça 2 – o jornalismo chapa-branca
A maneira como os jornais atuam, sempre de forma concatenada, é sinal indiscutível de uma articulação, como a de um cartel combinando preços.

Analisem os jornais de hoje. Todos batem em três teclas simultaneamente: a de melhoria da economia e a leitura enviesada do depoimento de Marcelo Odebrecht, e a repetição das denúncias contra o PT, todas buscando beneficiar o governo Temer.

A crise está longe de ser vencida. Persiste a crise fiscal da União e dos estados, os principais setores – como o automobilístico – amargam quedas recordes, o pior bimestre nos últimos 11 anos, o desemprego avança de forma avassaladora. E a cada dia que passa mais se escancara a natureza fundamentalmente corrupta do governo Temer.

Como gerar notícias positivas?

O Valor Econômico, que já praticou um jornalismo mais objetivo, recorre a uma entrevista com Michel Temer e transforma em manchete sua “previsão”: “Temer aposta em alta do PIB acima de 3% em 2018” (https://goo.gl/tMvvs5). Fantástico! Um deputado que jamais se interessou por temas econômicos, que não tem nenhum histórico de previsões ou cenários, “aposta” em PIB acima de 3% e a aposta merece manchete principal do jornal.

Já a Folha prefere transformar a pessoa física de Temer em “gestão Temer”, e coloca na manchete principal a extraordinária informação de que a gestão vê retomada da economia e diminui corte orçamentário. E quais os indicadores? A informação de que a arrecadação continua caindo, sim, mas em ritmo mais lento. Ou seja, após 8% de queda do PINB, ainda não se chegou ao fundo do poço.

Em outros cantos, o jogo de previsões sombrias de que a saída de Temer poderia comprometer a salvação nacional, que são as reformas constitucionais empurradas goela abaixo da população – e, por isso mesmo, extremamente vulneráveis a futuros governos.

Assim, o jornalismo econômico e político na velha mídia fica dependendo de alguns raros praticantes de jornalismo efetivo, como José Paulo Kupfer, do Globo, e Vinicius Torres, da Folha. Ou ainda de analistas políticos escondidos pelo jornal, como José Roberto Toledo, do Estadão, ou, menos escondida, Maria Cristina Fernandes, do Valor e Bernardo Mello Franco, da Folha, Kennedy Alencar, da CBN. E os referenciais de sempre, como Jânio de Freitas.

Peça 3 – a desinformação de quem informa
Esses contrapontos são utilizados pelos jornais não como elementos de análise, mas como exemplo restritíssimo de biodiversidade política. No fundo, a inteligência interna, a visão estratégica dos veículos é tão rasa quanto a do público que cultivam, tal o desleixo com que trabalham as notícias, tal a mesmice das análises econômicas e políticas, sem nenhum controle de qualidade, nenhuma punição aos grandes erros factuais, e nenhuma visão de futuro.

Foi esse mesmo espírito que levou, no início de 1999, as empresas jornalísticas à maior crise da história porque acreditaram em suas fontes do mercado financeiro – e, muitas delas, em seus colunistas financeiros – de que não haveria desvalorização do real.

Agora, incorrem na mesma falta de visão estratégica, no simplismo de quem não consegue analisar os múltiplos desdobramentos do quadro econômico e político e, especialmente, as resultantes da própria ação midiática.

Mesmo estando em jogo o futuro do jornalismo e deles, como empresas, são incapazes de montar um conselho diversificado, capaz de traçar cenários minimamente complexos para orientar as estratégias editoriais. Subordinam-se à cartelização, provavelmente montada dentro do fórum do Instituto Millenium, que é a melhor maneira de minimizar responsabilidades: afinal, se houver erros, será coletivo. Para quem não sabe o que fazer, não deixa de ser um consolo.

Se não houver uma correção de rumos, se terá o seguinte quadro pela frente:

  1. A velha mídia vai continuar bancando um plano econômico sem nenhuma condição de superar a crise. O plano não tem nenhum componente anticíclico. Vai apenas prolongar a recessão e aprofundar as tensões sociais e políticas.
  • Passar o desmonte da Previdência e do fim dos direitos sociais, sem nenhuma espécie de negociação, em um quadro de ampla recessão, é jogar gasolina na fogueira.

  • Como intermediária e avalista da Lava Jato e, agora, de Temer perante a classe média, conseguirá se desmoralizar cada vez mais perante seu público, a exemplo do que está acontecendo com seus candidatos do PSDB, nenhum deles em condição competitiva para 2018. Apesar de merecer esse fim, não é bom para o país. Será o fracasso definitivo da sociedade civil, uma das últimas formas de articulação da institucionalidade, embora profundamente corroída por anos de discursos de ódio.

  • Peça 4 – o desafio das delações da Odebrecht
    É assim, sem nenhuma visão, que a mídia entrará agora na cobertura das delações da Odebrecht.

    Já está delineada uma estratégia para impedir que a Lava Jato chegue nos seus.

    1 A denúncia dos abusos cometidos no período anterior, no qual as vítimas foram Lula e o PT. O destaque dado pelo Estadão à entrevista do ex-Ministro Nelson Jobim – no qual ele desanca as ilegalidades da Lava Jato e reclama da falta de punição aos abusos mais ostensivos – com mais de um ano de atraso.

    2 A parceria renovada de Jobim com Gilmar Mendes.

    3 Os inquéritos internos contra os delegados da Lava Jato, pela colocação de escuta clandestina na cela de Alberto Yousseff e outros. Até agora empurrou-se com a barriga o inquérito. Bastará trata-lo com seriedade para se enquadrar os dois principais delegados da Lava Jato. Que, assim como José Serra, decidiram abdicar de seus cargos em Curitiba e buscar paragens mais amenas.

    4 O jogo de postergações de inquéritos envolvendo os parceiros da mídia e da Procuradoria Geral da República (PGR).

    Todos esses movimentos são carne fresca a alimentar o leão das ruas, que vem embalando os sonhos de Bolsonaro, ou os sonhos com o general Villas Boas.

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    Temer sanciona lei que reestrutura a EBC e retira toda a sua autonomia

    De acordo com a Lei 11.652/2008, o presidente da EBC – Empresa Brasileira de Comunicação tinha um mandato assegurado de 4 anos, o que lhe garantia a necessária autonomia e neutralidade para apresentar informações e notícias que desagradassem o déspota de plantão.
    Temer demitiu o presidente da EBC nomeado por Dilma Rousseff, quando o mandato deste presidente estava ainda em plena vigência. Não satisfeito, deu continuidade a seu processo de destruição da EBC ao enviar para o Congresso um projeto, hoje transformado em lei, que modifica a estrutura da EBC e transforma seu presidente em mero capacho, demissível a qualquer tempo, a qualquer informação ou notícia que desagrade o traíra usurpador e seus ministros.
    A lei foi sancionada hoje, com vetos, pelo ilegítimo.Ficamos discutindo Lava Jato, depoimentos e delações de criminosos e a divulgação seletiva de vazamentos pela mídia de interesses, enquanto o Congresso Nacional e o Executivo vão votando e sancionando leis e destruindo o país. Acompanhei o noticiário dos jornais da ORGANIZAÇÃO e não vi nenhum comentário sobre a cassação da liberdade e da autonomia dos profissionais da EBC. Na prática, a EBC virou um apêndice, que irá trabalhar como linha auxiliar do golpe e da blindagem dos golpistas. Morrerá de inanição por falta de verbas e de autonomia. A intenção é essa.

    Leia, abaixo, a notícia publicada em conjur.com.br

    Paulo Martins

    SUBSTITUÍDO A QUALQUER MOMENTO
    Sancionada, lei que altera estrutura da EBC dá menos poder ao presidente
    2 de março de 2017, 18h46
    A Lei 13.417/2017, que altera a estrutura da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), foi publicada nesta quinta-feira (2/3) no Diário Oficial da União (DOU). A nova norma acabou com o Conselho Curador e com o mandato do presidente da estatal, que poderá ser substituído a qualquer momento.

    O dispositivo também determina que a empresa será administrada por um Conselho de Administração e por uma diretoria executiva, contando ainda com o Conselho Fiscal e o Comitê Editorial e de Programação. A Lei 13.417/2017 resultou da Medida Provisória 744/2016, aprovada pelo Senado em fevereiro deste ano.

    O Comitê Editorial e de Programação deverá ser integrado por 11 profissionais da área de comunicação que representarão segmentos da sociedade. O mandato dos membros, que não poderão ter filiação partidária, será de dois anos, sem recondução.

    Vetos
    O presidente Michel Temer vetou trechos da lei que permitiam ao Comitê Editorial e de Programação decidir sobre planos editoriais propostos pela diretoria executiva para os veículos da EBC. Também retirou o trecho que trata das alterações na linha editorial e de convocações de audiências e consultas públicas sobre conteúdos produzidos.

    Outro item vetado é o que previa mandato de quatro anos para os membros da diretoria executiva, e dispositivo que determinava a nomeação do diretor-presidente da estatal pelo presidente da República somente após aprovação de sua indicação pelo Senado Federal.

    Motivação indireta
    A nova lei da EBC vem depois de um imbróglio envolvendo o jornalista Ricardo Pereira de Melo, ex-presidente da estatal. Ele foi afastado pelo então presidente interino Michel Temer (PMDB-SP) em maio de 2016, logo depois do afastamento provisório de Dilma Rousseff.

    Um dia após sua demissão, Melo protocolou mandado de segurança (34.205) no Supremo Tribunal Federal questionando sua exoneração. Sua defesa argumentou à época que ele teria estabilidade no cargo. Na antiga estrutura da EBC, organizada pela Lei 11.652/2008, o presidente da estatal tinha um mandato de quatro anos.

    Melo retornou ao cargo em liminar proferida pelo ministro Dias Toffoli, do STF. Na decisão, o magistrado afirmou que o artigo 19, parágrafo 2º, da Lei 11.652/2008 determinou claramente que o mandato do presidente da EBC é de quatro anos e só podia ser interrompido por decisão do conselho diretor.

    Segundo Toffoli, essa condição mostra o “nítido intuito legislativo de assegurar autonomia à gestão da diretoria executiva da EBC, inclusive ao seu diretor-presidente”. “Em análise precária, portanto, me parece que seria esvaziar o cerne normativo dos dispositivos interpretá-los — tal qual propõe a autoridade impetrada — no sentido da existência de mandato apenas na expressão, mas não em seu conteúdo.”

    Até essa decisão, proferida no dia 2 de junho de 2016, a presidência da EBC estava sendo ocupada pelo também jornalista Laerte Rímoli, nomeado por Temer. Para ultrapassar as barreiras impostas pela decisão, o governo federal alterou, em setembro, por decreto, o estatuto da EBC e trocou seu presidente.

    A mudança passou a permitir que o presidente da companhia seja um cargo de livre nomeação do presidente da República. E, por meio de outro decreto, o governo demitiu Ricardo Melo para nomear Laerte Rimoli para o cargo.

    Além dos decretos, o governo também editou a Medida Provisória 744/2016 para alterar a Lei 11.652/2008 e tornar o cargo de diretor-presidente de livre nomeação e exoneração do ministro-chefe da Casa Civil. E também transformar o mandato do cargo em “prazo máximo” de ocupação.

    Essa MP e os decretos foram questionados por Ricardo Melo sob o argumento de que os atos de Temer violaram a soberania da Justiça e do ato jurídico perfeito. A ação fez com que o governo federal voltasse atrás e editasse um terceiro decreto, tornando sem efeito a exoneração do jornalista.

    Essa mudança fez com que Dias Toffoli declarasse a perda de objeto do MS apresentado por Melo logo após a sua exoneração. Com informações da Agência Senado.

    Governo Temer: sob a sombra de uma crise permanente

    A mídia de interesses nacional faz jogo duplo com medo de perder seu resto de credibilidade.

    Precisa apoiar Temer até ele completar o pacote de maldades motivador do golpe – estão no forno do inferno sendo preparadas em fogo alto, a reforma da previdência e a destruição da CLT – e, ao mesmo tempo, teme os efeitos de manter apoio a um governo muito impopular.

    Essa mídia de interesses passa por uma fase de transição da estratégia de curto para a estratégia de médio prazo. Enquanto não desembarca do apoio ao governo Temer, vai preparando os próximos capítulos da cena política nacional.

    As ORGANIZAÇÕES são profissionais, como costumam ser na Itália, na Colômbia, nos Estados Unidos, no mundo todo. Estão sempre implementando suas estratégias de curto, médio e longo prazos, manipulando a opinião pública segundo seus interesses no tempo.

    Embora eu discorde de alguns pontos implícitos no artigo da DW.com, tais como apresentar a queda de juros como indicador de melhora no ambiente econômico quando, na verdade, a queda da inflação e, por consequência, a queda dos juros nominais, são sinais de fraqueza da economia e não de sua robustez, compartilho o artigo para que os leitores deste blog possam ter acesso a informações que, de alguma forma, servem de contraponto àquelas selecionadas e divulgadas pela mídia de interesses nacional.

    Leia abaixo.

    Paulo Martins

    Publicado em dw.com

    ANÁLISE
    Sob a sombra de uma crise permanente

    Plano de Temer era ganhar legitimidade popular com retomada da economia e estabilização política. Seis meses depois, escândalos e posição ambivalente frente à Lava Jato ofuscam reformas de um governo que já parece velho.

    Em fevereiro, uma pesquisa apontou que a avaliação positiva do governo é de apenas 10,3%

    Quando o então presidente interino Michel Temer tomou posse definitiva no cargo em 31 de agosto de 2016, atores políticos em Brasília previram que, com o afastamento da ex-presidente Dilma Rousseff, o novo governo finalmente ganharia força, aprovaria reformas econômicas e estabilizaria a situação institucional do país. Seis meses depois, alguns indicadores econômicos mostram sinais positivos – os juros caíram, as contas públicas melhoraram –, e o governo conseguiu aprovar algumas reformas, quase todas controversas.

    Mas os sinais positivos na economia e a habilidade do governo de lidar com o Congresso têm sido ofuscados pelos constantes escândalos envolvendo o núcleo duro do governo e a posição ambivalente dele em relação à Operação Lava Jato. Além disso, o Planalto sofre com a expectativa da divulgação das delações da Odebrecht, as constantes trocas de ministros e a permanente impopularidade de Temer. Parte da economia pode estar reagindo, mas a política ainda segue o receituário de crise.

    A semana passada foi praticamente um microcosmo de todos esses fatores. No dia 21 de fevereiro, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, comentou que a inflação caiu pela metade em relação ao início de 2016 e destacou a melhora em alguns indicadores de confiança. Segundo Meirelles, “a recessão acabou”.

    O governo Temer esperava passar os dias seguintes colhendo os dividendos desses anúncios, mas uma série de episódios logo enterrou essa expectativa.
    Na noite de 22 de fevereiro, o tucano José Serra (PSDB-SP) pediu demissão do cargo de ministro das Relações Exteriores, marcando a oitava baixa na Esplanada dos Ministérios desde que Temer assumiu interinamente a Presidência, em maio de 2016.

    No dia seguinte, o governo finalmente anunciou um novo nome para ocupar o Ministério da Justiça. Só que a escolha do deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR) repercutiu mal em parte do PMDB, que desejava outro nome. O vice-presidente da Câmara, Fábio Ramalho (PMDB-MG), anunciou que iria romper com o governo.

    No mesmo dia, a Lava Jato mirou em Jorge e Bruno Luz, pai e filho lobistas que atuavam como operadores do PMDB na Petrobras.

    No dia 24, foi a vez de um ex-assessor de Temer, o advogado José Yunes, revelar à imprensa que atuou como “mula” para o ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, um dos homens fortes do governo Temer. Segundo Yunes, ele recebeu, a pedido do ministro, um pacote de dinheiro de um operador do PMDB durante as eleições de 2014.
    O episódio atingiu Padilha em cheio. No dia seguinte, o ministro alegou que precisava fazer uma cirurgia e se afastou temporariamente do cargo. Sua volta ainda é uma incógnita. Em novembro, um escândalo já havia derrubado outro ministro próximo de Temer, Geddel Vieira Lima, implicado em um caso de tráfico de influência.

    Novela sem fim

    Outros meses de Temer na Presidência seguiram um roteiro semelhante. Para cada iniciativa do governo, um novo fato tratava de desestabilizar a situação.

    Em outubro, quando o governo contava os dias para a votação da controversa PEC 241 na Câmara e apostava que sua aprovação era certa, as atenções foram bruscamente direcionadas para a prisão do ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), antigo aliado de Temer. A partir daí, a expectativa de uma eventual delação de Cunha passou a rondar o Planalto.

    Em 8 de fevereiro, mesmo dia em que o governo conseguiu no Senado a aprovação da reforma do ensino médio, um juiz federal determinou a suspensão da concessão de status de ministro para Moreira Franco, outro homem forte de Temer, que foi citado em delações.

    A liminar viria a cair, mas a blindagem do ministro e a nomeação do ex-ministro da Justiça Alexandre Moraes para uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF) ajudaram a reforçar ainda mais as suspeitas da oposição e da imprensa de que o governo age para frear a Lava Jato. Em dezembro, dezenas de deputados da base do governo já haviam tentado desfigurar o pacote de dez medidas contra a corrupção.

    “Popularidade virá depois”

    Essas ações, além da promoção de projetos impopulares como a reforma da Previdência e a persistência das consequências da recessão entre a população (apesar de o governo celebrar alguns índices, o desemprego ainda afeta 12,3 milhões de brasileiros) continuam a impactar a popularidade do governo Temer.

    Em fevereiro, uma pesquisa apontou que a avaliação positiva do governo é de apenas 10,3% – mais baixa do que a de Dilma pouco antes do impeachment. Já a avaliação negativa é de 44,1%. No início do mês, Temer disse que a “popularidade virá depois” do resultado das reformas.

    Oficialmente, o governo continua a agir como se os sucessivos escândalos e a falta de legitimidade diante da opinião pública fossem questões pontuais, e não sintomas de uma crise permanente.

    Diversas ações do governo Temer também demonstram um choque entre um discurso de austeridade e a realidade. O governo seguiu aprovando nos últimos meses reajustes para milhares de servidores federais – o último deles ocorreu no final de dezembro – e recentemente recriou dois ministérios, elevando o total para 28 pastas.

    Temer também ignorou inicialmente crises localizadas pelo Brasil, como os massacres em presídios na região Norte (o presidente demorou três dias para se manifestar) e a greve de policiais no Espírito Santo (uma semana se passou antes de qualquer posicionamento). Pressionado pela escalada de violência no país, o governo lançou às pressas um plano nacional de segurança, que foi criticado por especialistas por apostar em receitas já desacreditadas, como a construção de mais presídios.

    Apesar dos percalços, algumas das vitórias do governo Temer mostram que o presidente pode continuar a pelo menos exibir uma relação estável com o Congresso, ao contrário de sua antecessora. A aprovação de Moraes no Senado passou facilmente, assim como a PEC 241 e a reforma do ensino médio.

    No entanto, a aprovação das reformas da Previdência e trabalhista deve ser mais árdua. Setores que apoiam o presidente já demonstraram que não vão respaldar os pontos mais controversos dos projetos.