A mão-grande invisível

Adam Smith (1723 – 1790), economista escocês, publicou em 1776 sua obra mais importante: An Inquiry into The Nature and Causes of the Wealth of Nations (geralmente conhecida como a A Riqueza das Nações). Smith se distingue de todos os economistas que o antecederam … foi o primeiro a elaborar um modelo abstrato completo e relativamente coerente da natureza, da estrutura e do funcionamento do sistema capitalista (1).

Neste livro, Adam Smith menciona a “mão invisível” em apenas uma passagem, que traduzo:

“À medida que todo indivíduo, … direciona seu investimento de tal maneira a obter o maior resultado possível, ele visa somente o seu exclusivo benefício e, neste caso, como em muitos outros, é conduzido por uma mão invisível a alcançar um resultado o qual não era a sua intenção. … Ao perseguir seu próprio interesse individual ele, frequentemente, promove o interesse da sociedade mais efetivamente do que se tivesse esta intenção”.

Os partidários do credo neoliberal sempre se utilizam do modelo abstrato de Smith para embasar a defesa do livre mercado e da não interferência do Estado na economia. Para estes defensores dos mercados livres, sem regulação, a mão invisível do mercado seria capaz de resolver todos os problemas e levar sempre a economia para o equilíbrio, com o nível mais alto de eficiência. No longo prazo, toda a sociedade se beneficiaria.

Assistindo ao noticiário da TV e lendo os jornais do dia, só ouço falar em empresas privadas de diversos setores da economia, no Brasil e no mundo, envolvidas em fusões, propinas, formação de cartéis, superfaturamento, manipulação de valor de mercado, acordos espúrios, lobby ilegal, compra de legisladores e de leis, dispensa irregulares de licitação, aditivos contratuais fraudulentos, trégua competitiva, fraudes nas embalagens, maquiagem de produtos, cobranças de taxas irregulares e conluios para ludibriar clientes.

Pelo visto, estas empresas resolveram inovar em relação aos ensinamentos de Adam Smith e criaram um modelo que, contrário ao seu modelo abstrato, é bem concreto: “a mão-grande invisível”.

Tratado geral das grandezas do ínfimo – Manoel de Barros

Diálogos Essenciais

A poesia está guardada nas palavras — é tudo que eu sei.
Meu fado é o de não saber quase tudo.
Sobre o nada eu tenho profundidades.
Não tenho conexões com a realidade.
Poderoso para mim não é aquele que descobre ouro.
Para mim poderoso é aquele que descobre as insignificâncias (do mundo e as nossas).
Por essa pequena sentença me elogiaram de imbecil.
Fiquei emocionado.
Sou fraco para elogios.

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O fazedor de amanhecer – Manoel de Barros

Diálogos Essenciais

Sou leso em tratagens com máquina.
Tenho desapetite para inventar coisas prestáveis.
Em toda a minha vida só engenhei
3 máquinas
Como sejam:
Uma pequena manivela para pegar no sono.
Um fazedor de amanhecer
para usamentos de poetas
E um platinado de mandioca para o
fordeco de meu irmão.
Cheguei de ganhar um prêmio das indústrias
automobilísticas pelo Platinado de Mandioca.
Fui aclamado de idiota pela maioria
das autoridades na entrega do prêmio.
Pelo que fiquei um tanto soberbo.
E a glória entronizou-se para sempre
em minha existência.

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Retrato do artista quando coisa – Manoel de Barros

Diálogos Essenciais

Retrato do artista quando coisa

A maior riqueza
do homem
é sua incompletude.
Nesse ponto
sou abastado.
Palavras que me aceitam
como sou
— eu não aceito.
Não aguento ser apenas
um sujeito que abre
portas, que puxa
válvulas, que olha o
relógio, que compra pão
às 6 da tarde, que vai
lá fora, que aponta lápis,
que vê a uva etc. etc.
Perdoai. Mas eu
preciso ser Outros.
Eu penso
renovar o homem
usando borboletas.

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Neoliberalismo: o mercado como princípio que governa governos e nossas vidas

No prefácio à edição brasileira, datado de fevereiro de 2016, do livro A Nova Razão do Mundo – Ensaio Sobre a Sociedade Neoliberal, de Pierre Dardot e Christian Laval, editado pela Boitempo, os autores informam que seu livro foi escrito “no período da gestação da crise financeira mundial de 2008 e foi publicado no momento em que se podia constatar a amplidão dos estragos causados pelo neoliberalismo”.

Os pontos principais registrados pelos autores foram:

– O neoliberalismo tem história e coerência. Para combatê-lo não bastam denúncias e slogans. São necessários conhecimento, análise lúcida e crítica. Nas palavras dos autores: “eficácia política pressupõe uma análise precisa, documentada, circunstanciada e atualizada da situação”.

– A crise não fez o neoliberalismo desaparecer. Ao contrário, ficou demonstrado que apesar dos desastres que engendra, o neoliberalismo tem capacidade de recuperação. Na verdade, a crise fez surgir um sistema ainda mais perverso que asfixia as sociedades.

– Contrário ao que ocorreu nos anos 1930, quando a crise trouxe uma revisão das doutrinas e das políticas do “laissez-faire”, na atual crise não há espaço para soluções no âmbito do próprio sistema, dado o “caráter sistêmico do dispositivo neoliberal”.

– A recuperação da economia global pós-crise de 2008 é provisória e está sendo conseguida com um remédio extremamente perigoso: inundação de moeda especulativa emitida pelos bancos centrais.

– Há um acúmulo de problemas não resolvidos, reforço nas tendências no aumento da desigualdade e dos desequilíbrios especulativos.

– Do ponto de vista político o neoliberalismo traz uma ideia antidemocrática: o direito privado isento de qualquer discussão e controle, mesmo em situações de sufrágio universal, ou seja, há uma desativação do jogo verdadeiramente democrático e da política, representando a “entrada em uma era pós-democrática”.

– “Oligarquias burocráticas e políticas, multinacionais, atores financeiros e grandes organismos econômicos internacionais” assumem “poderes que exercem certa função política em escala mundial”.

– Estes fatores sociológicos e políticos complementados pelas dificuldades de mobilização tornam a ação coletiva para enfrentar o neoliberalismo muito difícil.

– O neoliberalismo provocou mutações subjetivas. É visível o aumento do egoísmo na sociedade, que mina a solidariedade e a cidadania. A competição pela sobrevivência das empresas e pessoas, o desemprego e a precarização do trabalho tornam as pessoas vulneráveis. A abstenção eleitoral, a dessindicalização, o racismo e a xenofobia desunem e tornam a luta ainda mais difícil.

– A esquerda precisa curar-se da sua “pane de imaginação”. Existem hoje movimentos e lutas que vão de encontro “à racionalidade neoliberal”. O “princípio do comum” que emana desses movimentos e lutas  faz prevalecer o uso comum em detrimento da propriedade privada exclusiva.

– Seja como for, o nascimento de outra razão do mundo exigirá muito trabalho. Será necessário “desenvolver uma capacidade coletiva que ponha a imaginação para trabalhar” a partir das experiências e lutas do presente.

Na introdução à edição inglesa (2014), bem mais detalhada que o prefácio à edição brasileira, reforça a tese do livro de que o neoliberalismo não é simplesmente o retorno ao liberalismo original ou sua restauração. Nas palavras dos autores: “não se trata aqui de procurar restabelecer uma simples continuidade entre liberalismo e neoliberalismo, como se costuma fazer, mas sublinhar o que constitui propriamente a novidade do neoliberalismo”.

“O neoliberalismo, portanto, não é o herdeiro natural do primeiro liberalismo, assim como não é seu extravio nem sua traição. Não retoma a questão dos limites do governo do ponto em que ficou. O neoliberalismo não se perguntou mais sobre que tipo de limite dar ao governo político, ao mercado (Adam Smith), aos direitos (John Locke) ou o cálculo da utilidade (Jeremy Bentham), mas, sim, sobre como fazer do mercado tanto o princípio do governo dos homens como o governo de si (Parte I). Considerado uma racionalidade governamental, e não uma doutrina mais ou menos heteróclita, o neoliberalismo é precisamente o desenvolvimento da lógica do mercado como lógica normativa generalizada, desde o Estado até o mais íntimo da subjetividade (Parte II)”.

Assim, a novidade do neoliberalismo é fazer o mercado como o princípio que governa os governos e a vida das pessoas.

A vida humana e dos demais elementos da natureza que a cercam e lhe dão a necessária sustentação, coisificadas, ou melhor, mercantilizadas, tornam-se mera questão de compra e venda de força de trabalho, de matéria prima e de bens de comércio.

Meras máquinas, há que extrair de cada ser humano níveis crescentes de produtividade e descartar cada um como bem inservível tão logo possa ser substituído por outra “máquina” mais nova e mais barata.

Meros números, componentes de um cálculo econômico perverso em que, por um lado, ao alienar sua força de trabalho, recebe cada vez menos em empregos cada vez mais escassos e inseguros e, por outro lado, como consumidor de produtos e serviços para suas necessidades básicas é, cada vez mais, imprensado por oligopólios e monopólios poderosos e abandonados pelo Estado gerencial mínimo neoliberal.

Paulo Martins

Há Golpe!

Já escrevi e postei o suficiente neste blog para mostrar com transparência e argumentos irretorquíveis que o circo que foi armado na Câmara dos Deputados e está sendo preparado no Senado é um golpe parlamentar, com sustentação na grande mídia coronelista e no Judiciário que veste camisa ideológica.

O fato de não ser um golpe tradicional a golpes de baioneta, com tiros de canhão ou de fuzis de assalto não tiram sua principal característica: foi tramado deste o seu nascimento no discurso do senador e candidato derrotado Aécio Neves no dia 04/11/2014, para tirar do poder um projeto para o país, vencedor nas urnas pelo voto direto, e colocar no seu lugar outro projeto, derrotado. Tudo sem legitimidade, interrompendo o fluxo normal da tênue democracia que havia sido implantada com a constituição de 1988.

O Paraguai serve como exemplo de que não faz a menor diferença se o golpe foi com violência e assassinato, como no caso da deposição de Salvador Allende no Chile ou com simples violência simbólica. A vaselina parlamentar não faz o golpe menos golpe, quando os seus efeitos práticos, teratológicos, estão bem visíveis.

Como já deixei claro em diversos artigos e publicações, não houve base legal para a instauração do processo de impeachment, que nasceu de uma chantagem do presidente da Câmara dos Deputados, Sr. Eduardo Cunha.

Em um dos meus grupos na rede social, um amigo postou a onomatopeia de um grupo de animais, começando pela galinha, que cacareja, e encerrando com a anta, que segundo ele, “diz que é golpe” e com o  burro, “que confirma”. Acho que o compartilhamento deste tipo de ofensa denigre mais a imagem do ofensor do que a dos eventuais ofendidos.

No caso, eu não saberia como classificar o tradicional e respeitado jornalista Elio Gaspari que no título de seu artigo disse que “há golpe” mas, ao mesmo tempo, “aumentou o ponto para ajustá-lo à linha reta”, ou seja, conseguiu arranjar um jeito de dizer, ao mesmo tempo, que há e que não há golpe.

Quem acompanhou com atenção as sessões da Comissão Especial do Impeachment do Senado pôde verificar que não houve infringência às regras fiscais na edição dos quatro decretos de crédito suplementar e nos atrasos de pagamento do Plano Safra, que possam ser atribuídos diretamente à Sra. presidente da República.

Restou cabalmente provada a não existência de crime de responsabilidade. Sem crime de responsabilidade, sem culpa ou sem dolo, não há que falar em base legal para o impeachment. Prosseguindo o feito sem atenção às provas, está configurado o golpe.

O jornalista Elio Gaspari confunde-se em seu artigo publicado no jornal Folha de São Paulo quando afirma que “no caso dos três decretos assinados pela presidente, houve crime”. Ora, ele compra pelo preço de face, sem qualquer cuidado, o relatório de auditores do Senado que afirmaram não ter havido ato da presidente para praticar as chamadas pedaladas nem efeito sobre a meta fiscal de um dos decretos.  Mas que nos três outros decretos teria havido, em tese, desrespeito à meta fiscal do “momento” de assinatura dos tais decretos.

Entramos, então, no território do imponderável, do quem sabe e do talvez: desde quando existem metas fiscais anuais de determinado “momento”? As metas fiscais são anuais, ponto. Se é legal, é razoável supor que o cumprimento ou não da meta será aferido mediante relatório detalhado, para o período de 12 meses completos. Como aferir metas momentâneas? Como governar um país tão complexo com as metas fiscais do minuto?

Mesmo que tivesse havido descumprimento momentâneo da meta fiscal na edição dos três decretos, ficou sobejamente comprovado nos autos do processo que não houve a configuração de crime, nem por omissão, nem por dolo.

Pisar na linha ao cobrar um lateral pode ser considerada uma infração das regras do jogo, mas estas mesmas regras não autorizam o juiz, por este motivo, a expulsar o jogador infrator dando-lhe cartão vermelho.

Se querem derrubar a presidente eleita e não querem enfiar na cabeça a carapuça de golpistas, que achem crimes de verdade, provem, apresentem um processo de impeachment sério e sigam o que dita a Constituição Federal. Fora disso, é golpe. Com vaselina e desfaçatez parlamentar, mas é.

Uma dúvida persiste: o meu amigo me chamou de ANTA ou de BURRO? Se eu puder escolher, prefiro que ele me julgue um  BURRO. Combina mais com minha teimosia e decisão de nunca desistir de argumentar, mesmo sem chance de sucesso.

Paulo Martins

Abaixo compartilho o artigo do jornalista Elio Gaspari:

No sábado, dia 25, a senadora Rose de Freitas, líder do governo de Michel Temer no Senado, disse o seguinte: “Na minha tese, não teve esse negócio de pedalada, nada disso. O que teve foi um país paralisado, sem direção e sem base nenhuma para administrar.”

Na segunda-feira, dia 27, a perícia do corpo técnico do Senado informou que Dilma Rousseff não deixou suas digitais nas “pedaladas fiscais” que formam a espinha dorsal do processo de impeachment. Ela delinquiu ao assinar três decretos que descumpriam a meta fiscal vigente à época em que foram assinados. Juridicamente, é o que basta para que seja condenada por crime de responsabilidade. (Depois a meta foi alterada, mas essa é outra história.)

Paralisia, falta de rumo e incapacidade administrativa podem ser motivos para se desejar a deposição de um governo e milhões de pessoas foram para a rua pedindo isso, mas são insuficientes para instruir um processo de impedimento. Como diria o presidente Temer: não “está no livrinho”.

Se uma coisa tem o nome de julgamento, ela precisa guardar alguma semelhança com um julgamento, mesmo que a decisão venha a ser política.

Durante a ditadura, parlamentares perdiam seus mandatos em sessões durante as quais, em tese, era “ouvido” o Conselho de Segurança Nacional. Nelas, cada ministro votava. Ninguém foi absolvido, mas o conselho era “ouvido”. Tamanha teatralidade teve seu melhor momento quando o major-meirinho que lia o prontuário das vítimas anunciou:

– Simão da Cunha, mineiro, bacharel…

Foi interrompido pelo general Orlando Geisel, chefe do Estado Maior das Forças Armadas:

… Basta!

Bastou, e o major passou à próxima vítima.

Dilma Rousseff é ré num processo que respeita regras legais, mas se a convicção prévia dos senadores já está definida na “tese” da líder do governo, o que rola em Brasília não é um julgamento. É uma versão legal e ritualizada do “basta” de Orlando Geisel.

O constrangimento provocado pelo resultado da analise técnica das pedaladas aumenta quando se sabe que a maioria do atual governo na comissão de senadores passou a rolo compressor em cima do pedido de perícia, feito por José Eduardo Cardozo, advogado de Dilma. Ela só aconteceu porque Cardozo recorreu ao Supremo Tribunal Federal e o ministro Ricardo Lewandowski deu-lhe razão.

Desde o início do processo de impeachment estava entendido que a peça acusatória não viria com a artilharia do petrolão e de outros escândalos da presidente afastada. Haveria uma só bala, de prata, contábil. No caso dos três decretos assinados pela presidente, houve crime. Isso é o que basta para um impedimento, mas deve-se admitir que esse critério derrubaria todos os governantes, de Michel Temer a Tomé de Sousa.

Os partidários da presidente sustentam que o seu impedimento é um golpe. Não é, porque vem sendo obedecida a Constituição e todo o processo está sob a vigilância do Supremo Tribunal Federal.

Pelas características que adquiriu, o julgamento de Dilma Rousseff vai noutra direção. Não é um golpe à luz da lei, mas nele há um golpe no sentido vocabular. O verbete de golpe no dicionário Houaiss tem dezenas de definições, inclusive esta: “ato pelo qual a pessoa, utilizando-se de práticas ardilosas, obtém proveitos indevidos, estratagema, ardil, trama”.

Lá, como aqui: o neoliberalismo foi inoculado no seu DNA

E você acha que é livre para pensar e agir …

Quando fui morar nos EUA em 1979 – e fiquei lá por 4 anos – tive contato com os principais aspectos da cultura daquele país. Sendo um forasteiro, foi muito mais fácil para mim dar dois passos para trás e observar aquela sociedade de competição desenfreada, de todos contra todos.

Tendo terminado minha graduação em Economia em 1974 e realizado estudos de pós-graduação latu sensu em 1978, estavam muito vivas em meu pensamento as discussões sobre as opções que nós, os países em desenvolvimento, e o Brasil, em particular, teríamos para acelerar o nosso desenvolvimento e tirar nosso país do seu atraso.

Estudávamos, mesmo com as limitações impostas pela ditadura de 1964, as opções que estavam disponíveis para o Brasil. Discutíamos. Muito.

Minha maior surpresa, ao chegar aos Estados Unidos e, especialmente ao entrar na universidade para cursar o mestrado Comércio Internacional, foi observar que não havia qualquer discussão sobre vantagens e desvantagens dos modelos de desenvolvimento disponíveis. Estava tudo dominado. Não é que houvesse consenso conscientemente trabalhado. Na verdade, não havia qualquer dúvida. Era tudo censurado. Era proibido discutir. Estavam mais preocupados em “vender” a receita para outros países do que discutir suas próprias mazelas e enxaquecas sociais.

Em uma aula do mestrado o professor nos solicitou leitura de um livro intitulado, se a minha memória não estiver falhando, “American Social Patterns” – “Padrões Sociais Americanos” – que se referia aos traços culturais mais evidentes dos Estados Unidos. Eram listados e discutidos uns dez traços, tentando-se separar traços característicos comprovados de esteriótipos e preconceitos.

Durante a discussão o professor solicitava que nós mencionássemos um traço cultural, explicássemos do que se tratava e apresentássemos exemplos. Fui o único que puxava o cordão. E recebia críticas e contestações de quase toda a turma de alunos.  Felizmente a turma era  pequena. Eles, os norte-americanos, simplesmente não se enxergavam naquelas descrições. Vejam, não eram opiniões minhas, pura e simplesmente. Eram estudos fundamentados de um livro acadêmico, escrito por um autor norte-americano estudioso de sua sociedade e cultura.

Hoje, nos Estados Unidos, está tudo dominado. Foi implantado o pensamento único. Com a crise do sub-prime que está afetando a economia dos Estados Unidos e de todo o mundo desde 2008, começamos a ouvir vozes que apresentam alternativas para curar as feridas da economia e da sociedade norte-americana, muito embora representem, em sua maioria, simples pintura de parede, troca de móveis e colocação de pastilhas na fachada do capitalismo neoliberal, sem mexer nas estruturas do edifício.

No Brasil, copiadores tardios de tudo que dá errado nos Estados Unidos, estamos tentando inocular a bactéria do neoliberalismo no nosso DNA. Não bastam os exemplos dos Estados Unidos e da Europa, enredados na maior crise do capitalismo desde 1929. Queremos copiar.

Assista ao vídeo, com legenda em português. O narrador está fazendo um relato sobre a realidade atual da sociedade norte-americana. Parece que está falando do Brasil. As reações de alguns que negam essa realidade lembram a reação dos meus colegas de turma do mestrado que não se enxergavam nos relatos do livro que estávamos estudando. Achavam que o livro falava de outro país.

A realidade social não é transparente, prontamente visível aos olhos nus. Para enxergar esta realidade é necessário usar óculos críticos e dar dois passos para trás. Aí, só não enxerga quem não quer.

Se, depois de enxergar a dura realidade, você quiser permanecer como mera peça descartável na imensa e poderosa máquina de moer vidas, a escolha é sua. Siga em frente. Estou fora.

Paulo Martins

Não queremos voltar para o Mapa da Fome

Publicado na Plataforma Política Social

Artigo 26 | Não queremos voltar para o Mapa da Fome
JUNHO 24, 2016 /
Se não quisermos voltar para o Mapa da Fome, precisamos deter a nefasta sanha de destruição das políticas que colocaram o Brasil como exemplo na luta contra a fome e a pobreza.
Francisco Menezes | No site Alerta Social

Até o início dos anos 2000, o Brasil aparecia entre os países que viviam as situações mais dramáticas de fome e desnutrição em todo o mundo. Esta situação foi enfrentada e reduzida em tais níveis que as Nações Unidas reconheceram, em 2014, que havíamos saído do mapa da fome.

Em meio a tantas preocupações com desmontes de políticas sociais por parte do governo interino, divulgou-se o relatório “Voices of the Hungry”, da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO). O documento compara taxas estimadas de insegurança alimentar em adultos e, novamente, o Brasil aparece como o grande destaque, com a prevalência de insegurança alimentar severa reduzida a menos do que 0,5% dessa população. Trata-se de um resultado que, há pouco tempo, era inimaginável, pelo prazo tão curto em que foi conquistado e por ter revertido algo que sempre se considerou como uma fatalidade a que o país estava fadado.

Não foi por milagre que nos tornamos uma referência mundial no combate à fome. Isto se deu, a partir de 2003, pela persistente aplicação de políticas públicas de grande efetividade. De fato, as políticas de recuperação e acesso à renda, através de substantiva recuperação do salário mínimo, da expansão e formalização do emprego e da transferência de renda para os mais pobres propiciaram alterar positivamente o acesso à alimentação de milhões de pessoas.

Não menos importantes foram a revitalização ou a criação de programas de segurança alimentar, decisivos para os resultados alcançados. O Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar (PAA) e o Programa Nacional da Alimentação Escolar (PNAE), que garantiram acesso a mercados institucionais por parte de pequenos agricultores, gerando renda e condições de produtividade, e o Programa de Cisternas no Semiárido, que fortaleceu a política de resiliência à seca, são alguns dos exemplos da correta política adotada.

Assim, preocupam muito as intenções declaradas e as medidas já tomadas pelo governo ilegítimo que se instaurou no Brasil, desde maio. O ministro interino do Desenvolvimento Social e Agrário declarou que não está preocupado neste momento com a renovação de contratos e convênios relacionados ao PAA e ao programa de cisternas, deixando inseguros agricultores familiares que tiveram suas vidas transformadas pela criação de condições para o cultivo e a comercialização de produtos alimentares, garantindo segurança alimentar e geração de renda no campo brasileiro, mesmo nas regiões mais secas do país. Há duas semanas, revogou-se uma chamada pública de Assistência Técnica e Extensão Rural para a contratação de técnicos para o assessoramento de cooperativas ou organizações produtivas de pequenos agricultores no acesso a mercados. Com o cancelamento, aproximadamente 188 mil famílias deixarão de ser apoiadas ou assessoradas na gestão de suas atividades.

Por fim, vale resgatar o alerta de que não foi pago o reajuste já programado de 9% do Bolsa Família para este mês de junho. Política de redistribuição de renda num país tão desigual como o Brasil é pagamento de uma dívida histórica. Se não quisermos voltar para o Mapa da Fome, precisamos deter a nefasta sanha de destruição das políticas que colocaram o Brasil como exemplo na luta contra a fome e a pobreza.

*Francisco Menezes é ex-presidente do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional e pesquisador da ActionAid e do Ibase

Economia, dinâmica de classes e Golpe de Estado no Brasil (anatomia da crise brasileira)

Compartilho texto para discussão publicado na Plataforma Política Social:

Economia, dinâmica de classes e Golpe de Estado no Brasil (anatomia da crise brasileira)
MAIO 26, 2016 /
Alexis Dantas e Elias Jabbour

RESUMO: O objetivo deste artigo é demonstrar que a crise política brasileira, que culminou no impeachment da presidente da república Dilma Roussef, antes de ser fruto de uma profunda crise econômica tem causação na formação de um amplo condomínio empresarial, partidário e midiático com tentáculos no seio do aparelho do Estado. A formação deste condomínio político de caráter conservador foi parte de um processo de acúmulo de forças diante do crescente papel do Estado na economia e os consequentes reflexos positivos sobre o emprego, a renda do trabalho e o padrão de vida dos trabalhadores brasileiros. A crise econômica, assim, é um epifenômeno da crise política, sob a forma de lockout produtivo com efeitos sob forma de curva ascendente na relação dívida x PIB, o aumento da inflação, do nível de desemprego e, principalmente, no crescimento negativo do PIB.

Para acessar o artigo, clique abaixo:

Clique para acessar o Artigo-Brasil-Alexis-e-Elias1.pdf

Pensando a longo prazo, por Wladimir Pomar

Compartilho artigo de Wladimir Pomar com comentários ao livro de Jessé Souza, intitulado A Tolice da Inteligência Brasileira.

Como estamos procurando a porta de saída, a luz no fim do túnel, vamos discutir … Quem sabe, ao final de tudo, após muita discussão entre nós, vamos conseguir achar o real inimigo e descobrir um jeito de derrotá-lo.

Paulo Martins

Pensando a longo prazo

24 de junho de 2016
POR WLADIMIR POMAR*

Por uma dessas coincidências que a razão desconheça, o sociólogo Jessé Souza decidiu lançar seu livro A Tolice da Inteligência Brasileira quase no momento em que a maioria do Congresso Nacional deu uma demonstração inequívoca do nível cultural predominante na elite política brasileira. Elite que tem, ou deveria ter, como pressuposto, possuir aquilo que o próprio Jessé classifica, junto com Pierre Bourdier, de “capital social” e “capital cultural”, e supõem ser as condições básicas para o exercício dos poderes econômico, social e político.

Apresentado, na contracapa, como “uma abordagem teórica e histórica inédita”, oferecendo “um caminho para devolver ao povo brasileiro a possibilidade de entender as reais contradições de nossa sociedade”, o livro, apesar disso, em seus capítulos finais, brinda aos leitores com afirmações que, embora não tendo nada de “inéditas”, confirmam avaliações preciosas, e nada “tolas” de parte considerável da “inteligência brasileira”.

Ele afirma, peremptoriamente, que estamos diante de uma “guinada conservadora” (p.245), numa das “sociedades complexas mais perversas e conservadoras da história moderna” (p.246). Repete que o “mote da ‘corrupção e ineficiência estatal’, contraposta à suposta virtude e eficiência do mercado…é a única bandeira de legitimação do modelo excludente de sociedade ainda no poder real e construído pela ‘intelectualidade orgânica’ do apartheid conservador” (p.246).

Confirma que o “mercado capitalista, aqui e em qualquer lugar, sempre foi uma forma de ‘corrupção organizada’ (p.247). E que “o 1% dos endinheirados” é “a única parcela que efetivamente tem algo a ganhar quando se encurta o Estado e se mercantiliza toda a sociedade”. O “caráter antidemocrático que vemos nas manifestações dos ‘coxinhas politizados’ não (teria) nada de novo”, pois a “vontade geral indivisa, ilusão autoritária” teria sido “a meta de toda revolta política com base de classe média” (p.256).

Em resumo, “esse caldo” tem que “ser mobilizado pela imprensa conservadora… sempre que a política tende a sair do acordo de gabinete dos poderosos e endinheirados para o interesse da maioria da população” (p.256). Só que, agora, “os órgãos de controle… constituem o projeto de substituição das forças armadas como nova instância de ‘poder moderador’ da pseudo democracia” (p.260), embora quem “continua mandando de verdade em toda a encenação do teatro de marionetes (sejam) os mesmos 1% que controlam a riqueza e o poder, e instrumentalizam a informação a seu bel prazer”.

Em outras palavras, Jessé Souza, do ponto de vista político atual, se encontra nas fileiras daqueles que combatem a guinada conservadora e reacionária. Guinada que se materializa na tentativa de confirmar “legalmente” a derrubada golpista da presidente Dilma. Que tenta impor uma reforma na economia que a privatize, a desnacionalize e a primarize ainda mais. Que objetiva penalizar os trabalhadores para garantir os altos lucros do 1% burguês. Que procura substituir a política externa soberana e integradora pela política de subserviência às potências capitalistas, em especial aos Estados Unidos. E que se empenha em liquidar as conquistas democráticas e os direitos sociais da Constituição de 1988.

Porém, apesar daquelas afirmações, hoje relativamente consensuais em grande parte da “inteligência brasileira” comprometida com o país e seu povo (embora “inteligência” ainda não “orgânica” no sentido que lhe deu Gramsci), A Tolice da Inteligência Brasileira contém uma série de afirmações e conceitos que, vistos numa perspectiva de longo prazo e do futuro da luta de classes sociais no Brasil, merecem uma crítica mais demorada.

De imediato, ao afirmar que a “guinada conservadora” está relacionada à luta “entre dois projetos históricos no Brasil, oportunidade que se abriu com a industrialização comandada por Vargas a partir de 1930”. Ou seja: “ou bem o Brasil se transforma em uma sociedade de consumo de massas e inclui a maior parte de sua população, ou o país mantém intactas todas as estruturas de privilégio e se constitui em uma sociedade de consumo para 20% da população” (p.246).

Para quem, como veremos em outros comentários, se insurge contra o “economicismo”, a opção entre capitalismo abastado e capitalismo atrasado é não apenas economicista, mas também extremamente ilusória. É lógico que Jessé procura explicitar melhor o caráter do embate ao nível, digamos, tático, ao afirmar que se trata de “um embate entre um projeto de apartheid excludente e outro um pouco mais inclusivo, que reflete a história política do Brasil moderno”, por existirem limites claros para um Estado reformador em meio a uma sociedade conservadora” (p. 247).

Em outras palavras, ele reduz o “projeto histórico” inclusivo do Brasil à continuidade da industrialização iniciada por Vargas e ao “processo “reformador” limitado dos governos Lula e Dilma. Deixa de lado o fato de que a “história política do Brasil moderno” tem contemplado tanto projetos, que podemos chamar de estratégicos, como o democrático-popular e o socialista, quanto projetos táticos que abrangem outras dimensões do papel do Estado e do capital, que poderiam romper os limites do conservadorismo e ampliar a inclusão social e os direitos democráticos.

Essa dificuldade em entender as diferenças entre projetos históricos estratégicos e projetos históricos táticos talvez esteja relacionada ao entendimento confuso de Jessé a respeito do “poder político”. Ele afirma, por exemplo, que a “fragilidade das conquistas realizadas pelo segundo modelo (inclusivo) é explicada pela manutenção do modelo anterior (de apartheid), as quais se mantiveram intocadas mesmo depois da eventual perda do poder político” (p.247).

Convém perguntar: quem perdeu o poder político, e para quem? Supor que o PT, com Lula e Dilma, “conquistou o poder político” é de uma ingenuidade atroz. Ingenuidade que se explicita mais claramente quando Jessé afirma que “o Estado ousou aumentar o número de incluídos no mundo de consumo”.

O Estado brasileiro é um aparato de poder político complexo que, além do governo, ou do poder executivo, engloba as duas casas do parlamento, os múltiplos órgãos do poder judiciário, as forças armadas (incluindo as polícias militares e civis), a burocracia civil et caterva, nas quais estão incluídos, como alerta o próprio Jessé, até mesmo “Juízes Justiceiros”. E, além de incluir o Estado, o poder político engloba uma série considerável de outros instrumentos de poder, entre os quais basta citar a hegemonia da propriedade midiática.

Assim, confundir aquele governo, ainda mais governo de coalizão, com Estado e poder político, em termos de análise de qualquer realidade histórica, tem consequências nos seus resultados e, também, na ação social e política. O que procuraremos examinar em outros textos a respeito de A tolice da Inteligência Brasileira, se quisermos pensar a longo prazo.

  • Wladimir Pomar é escritor e analista político

A volta dos uniformizados de óculos escuros

Um amigo de Facebook, com formação jurídica que lhe permite ter os conhecimentos necessários para opinar sobre este assunto, apresentou sua posição sobre a operação da Polícia Federal que vasculhou o apartamento da senadora Gleisi Hoffman em Brasília e sua casa no Paraná sem autorização prévia do STF.

Nem precisaria ter formação jurídica para opinar,  pois o óbvio salta aos olhos: bastam boa-vontade e bom-senso, artigos em falta no país.

Leia o texto em negrito.  Mais claro, impossível:

“Apartamento funcional não é inviolável. Óbvio.

O ponto não é esse.

O ponto é que a busca e apreensão de objetos de um(a) senador(a) em exercício apenas podem ser deferidas pelo Supremo.

Se houver condições de apartar o que é do senador e o que é de quem mora com ele, tudo ok, e a busca poderá ser deferida por algum outro órgão judicial.

O problema está em saber se, deferindo-se busca em face de quem mora com o(a) senador(a), não se estaria deferindo diligências, na verdade, e de forma oblíqua, em face do(a) próprio(a) parlamentar.

Melhor seria que não houvesse prerrogativa de foro para parlamentares, juízes e assim por diante. Mas, querendo ou não, há. Querendo-se responder a questão, é isso que dever ser resolvido”.

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Obs: embora o post tenha sido publicado pelo amigo de Facebook em seu mural, não publico seu nome pois não solicitei autorização para compartilhar sua opinião. Não se trata, é óbvio, de um parecer jurídico. Trata-se de uma opinião em tese, sem provas nas mãos.

Foram levados objetos, documentos e violado o sigilo bancário da senadora pelo acesso a extratos bancários de contas correntes e de investimento?.

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O computador que foi levado pertenceria ao filho da senadora, segundo suas informações. Havia autorização legal para apreendê-lo?

Se a Polícia Federal pode tudo contra qualquer cidadão, suspeito ou não, o que resta de liberdade para todos nós, cidadãos? Se se viola residência de pessoa com direito de foro, o que fariam conosco, simples mortais? Violência explícita? A tão aplaudida tortura, que os saudosistas dos torturadores querem de volta?

O filho da senadora não tem direitos a serem protegidos pela Constituição ou os direitos de crianças e adolescentes, quando filhos de pai investigado, são sumariamente revogados por qualquer  “cão farejador” da Polícia Federal vestido com uniforme de guerra?

Não conheço o ex-ministro Paulo Bernardo e não tenho a mínima ideia se ele cometeu, ou não, os crimes apontados.

Se existem somente indícios, não se justificam prisões arbitrárias e espalhafatosas. Se já existem provas robustas, não se justificam buscas e apreensões amplas, gerais, indiscriminadas e espalhafatosas. Nada justifica os espetáculos e o prejulgamento arbitrário.

Preocupa-me a espetacularização e a violência, simbólica, mas não menos sufocante.

Preocupa-me a condenação prévia pela mídia e pelos desinformados das ruas.

Preocupa-me o modo de operação dos acusadores que buscam conseguir uma condenação prévia, pela mídia e pelas ruas, para justificar uma prisão arbitrária que, estendida indefinidamente, possa levar a uma delação premiada – que é hoje, no Brasil, mais fácil e mais vantajosa que ganhar na Mega-Sena.

Ora, os Srs. juízes, procuradores e delegados da Polícia Federal são servidores públicos federais muitíssimo bem remunerados e têm deveres a cumprir, claramente delineados na Constituição Federal, na sua atuação de auxiliares na prestação de justiça. Ganham “os tubos”, muito acima do que os demais cidadãos da República e devem, por dever de ofício, prestar um serviço público exemplar, dentro da lei.

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Será que vamos assistir, calados e indefesos, a volta dos uniformizados de óculos escuros dos tempos da tenebrosa ditadura de 64?.

 

 

Comissão Especial do Impeachment ouve testemunhas – 23/06/2016

Em complemento a um comentário no Facebook de uma pessoa que está acompanhando os trabalhos da Comissão do Impeachment no Senado, fiz as seguintes observações:

Também acompanhei diversas sessões e fiquei com esta mesma certeza: a defesa demoliu as teses da acusação e esvaziou a denúncia.

Infelizmente, as decisões da Comissão de Impeachment já estão definidas, como já declarou o senador Álvaro Dias, em um ataque de sinceridade.

A Comissão foi escolhida de tal forma que não tem como reverter seu resultado. Nada demoverá os 15 membros e o relator de suas posições favoráveis ao impeachment.

Na minha opinião, não resta qualquer dúvida que o assunto vai ser submetido ao plenário do Senado com a recomendação de cassação, apesar da absoluta falta de provas.

O que é mais trágico em tudo isso é que os golpistas não estão nem se dando ao trabalho de tentar produzir provas da existência dos crimes de responsabilidade apontados na denúncia.

O ônus de tentar provar que não houve crime de responsabilidade está praticamente concentrado na defesa da Sra. presidente.

Em direito, o ônus da prova cabe à acusação. Os acusadores, porém, apresentaram somente duas testemunhas do TCU, que falam em tese pois estão distantes do dia-a-dia da gestão do Executivo. Estas testemunhas foram apresentadas somente no início dos trabalhos da Comissão. Além de abrirem mão de apresentar testemunhas, os acusadores tentaram limitar o número e restringir a convocação de determinadas testemunhas de defesa. O tempo de perguntas e o tempo que as testemunhas têm para apresentar respostas está rigidamente limitado.

Insisto: em regime onde prevalece o estado democrático de direito, o ônus da prova cabe à acusação. Se os senadores favoráveis ao golpe abriram mão de apresentar testemunhas e tentaram bloquear a apresentação de testemunhas e perícia pela defesa, a conclusão é lógica: não há crime a provar.

Depois que ficou evidente a falta de crime de responsabilidade, cabalmente demonstrada pelo Sr. advogado de defesa, as emissoras que transmitiam as sessões praticamente na íntegra – como era o caso da TV Senado – e a da Globo News, parcialmente, limitaram muito o nosso acesso às sessões. Assim, só nos resta o acesso aos áudios, os quais estou compartilhando abaixo.

Ouça o áudio dos depoimentos das testemunhas na comissão especial do impeachment em 23/06/2016.

Foram ouvidas a Ex-secretária do Orçamento Federal, Esther Dweck e o subsecretário de Planejamento, Orçamento e Administração do MCTIC, Anderson Lozi da Rocha.

Paulo Martins

http://www12.senado.leg.br/radio/1/comissoes/comissao-do-impeachment-1/comissao-especial-do-impeachment-ouve-testemunhas-2

A função socioambiental do patrimônio da União na Amazônia – IPEA

Compartilho mais uma publicação relevante do IPEA- Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada.

Paulo Martins

Publicação avalia a política de acesso a terras públicas federais na Amazônia, com vistas a apurar a efetividade da ação na garantia de direitos e no cumprimento da função socioambiental, bem como dispor de mecanismos de monitoramento e de aperfeiçoamento da política.

Acesse o livro: http://goo.gl/jvEOx6

Muito além da estagnação, por Laura Carvalho

Compartilho artigo de Laura Carvalho, publicado na Folha de São Paulo

Muito além da estagnação
23/06/2016 02h00
Duas manchetes desta Folha de segunda-feira (20) chamaram a atenção para os efeitos da crise econômica sobre a desigualdade de renda no país. Os números apresentados no estudo do professor Rodolfo Hoffmann sugerem que, desde o início de 2015, a escalada do desemprego foi responsável por uma forte elevação da pobreza.

A segunda reportagem destaca que a mesma recessão não impediu, no entanto, a elevação da renda dos 10% mais ricos da população. O desemprego aumentou sobretudo entre os trabalhadores que tinham menos qualificação, ou seja, nas camadas inferiores da distribuição de renda.

É verdade que nem toda expansão econômica vem acompanhada de redução das desigualdades, mas também é verdade que nem toda crise é tão mal distribuída. O círculo vicioso atual parece uma imagem no espelho do processo de crescimento econômico brasileiro que vigorou entre 2005 e 2010, cuja natureza deve ser mais bem compreendida, caso o objetivo ainda seja impedir sua completa reversão.

O ensaio intitulado “Além da estagnação”, escrito no início dos anos 1970 pela mestra Maria da Conceição Tavares e pelo hoje chanceler provisório José Serra, introduziu importante diagnóstico sobre o processo de crescimento com alta das desigualdades que caracterizou o chamado milagre econômico brasileiro.

A ideia central dos autores é que o aumento da concentração de renda durante os anos da ditadura militar teria levado a uma expansão do consumo por produtos então considerados de luxo, como automóveis e eletrodomésticos, que por sua vez demandavam uma mão de obra mais qualificada. O processo teria contribuído, assim, para concentrar ainda mais a renda no país, na medida em que aumentou a diferença entre os salários mais altos e os mais baixos.

Um processo do mesmo tipo pode ter caracterizado o período entre 2005 e 2010, desta vez com a redução das desigualdades e o crescimento maior reforçando-se mutuamente. A valorização mais acelerada do salário mínimo e a inclusão no mercado de consumo de uma parte significativa da população brasileira teriam levado à expansão de setores cuja produção demanda uma mão de obra menos qualificada, essencialmente de serviços.

Ao reforçar a redução das desigualdades salariais pelo aumento mais acelerado da renda dos trabalhadores com menor grau de escolaridade, tais alterações no padrão de consumo e na estrutura produtiva colaboraram com o círculo virtuoso de dinamismo do mercado interno e do mercado de trabalho que vigorou até 2010, em uma versão às avessas do milagre econômico. Esse diagnóstico foi bem elaborado pelo professor Fernando Rugitsky no artigo intitulado “Milagre, miragem, antimilagre”, publicado na mais recente edição da revista “Fevereiro”.

A continuidade desse processo, bem como sua compatibilidade com o controle da inflação, o equilíbrio das contas públicas e a ausência de restrição externa –até então facilitada pelo cenário externo favorável–, dependia de políticas mais efetivas de elevação da produtividade do trabalho e de diversificação da estrutura produtiva. Dependia também do aprofundamento do processo de redistribuição de renda, que nunca chegou ao topo.

Infelizmente, o caminho seguido não foi o de dar solidez aos pilares do modelo anterior, com maiores investimentos em infraestrutura física, melhoras na política educacional, uma reforma tributária progressiva e simplificadora ou uma política industrial estratégica. Nem a partir de 2011 e menos ainda a partir de 2015. Em 2016, com o tal caminho já fora do mapa e diante dos que continuam à espera de um milagre, Mario Quintana já se espantava: “Milagre é acreditarem nisso tudo!”.

A Destituição de uma Constituição, por Luiz Gonzaga Belluzzo

Enquanto na Europa discutem-se políticas de aumento de salário mínimo e nos Estados Unidos o presidente Barak Obama ensaia uma ampliação do acesso aos serviços de saúde, no Brasil, apesar de todas as suas desigualdades, colocam-se propostas de privatização e fragmentação do SUS. A crítica do economista Luiz Gonzaga Belluzzo, professor das Faculdades de Campinas (Facamp), está nesta entrevista exclusiva que concedeu à pesquisa Região e Redes. “O que precisa é reforçar o SUS, ou as pessoas vão morrer sem atendimento”, exclamou. Capitalismo, democracia, política nacional e conjuntura internacional também são alguns dos temas abordados na conversa.

Região e Redes – Depois da segunda guerra (pós 1945) o mundo viveu durante décadas uma possibilidade de conciliação das questões econômicas e sociais. A partir dos anos 1980 e, com mais força, após a crise iniciada em 2007 (que se intensificou no Brasil a partir de 2014), parece haver um choque entre a economia e as questões sociais. Isso é conjuntural ou algo definitivo?

Luiz Gonzaga Belluzzo – Estamos nos referindo, eufemisticamente, ao capitalismo e à democracia. O que se conseguiu articular no pós-guerra foi a domesticação do capitalismo e a ampliação da democracia. Esses dois movimentos caminharam de mãos dadas. Depois de 1945 surgiram as primeiras experiências de direitos universais, como o National Health Service (NHS), na Inglaterra. Na Itália, que vivia situação de penúria, os salários tiveram aumentos contínuos, como bem mostra o filme “A classe operária vai ao paraíso”. As pessoas começaram a se apresentar como consumidores. Houve uma sucessão de “milagres”, o italiano, o alemão. Na Alemanha criaram a economia social de mercado, que conseguiu recuperar rapidamente o país. Conseguiu-se naquele momento colocar o conflito social embutido no pós-guerra dentro da democracia. E as democracias funcionaram muito bem, com os partidos defendendo a Constituição. Foi um período de mútua fertilização dos arranjos capitalistas, mas conseguiu-se estruturar um capitalismo mais controlado e menos danoso para as pessoas.

RR – E o Brasil?

LGB – O Brasil foi o país que mais se beneficiou da expansão capitalista do século 20 porque foi receptor de investimentos internacionais, por conta das políticas nacionais, desde Getúlio [Vargas], mas, sobretudo, por Juscelino Kubitschek. O Brasil era uma espécie de China daquele momento econômico, mas no avanço da universalização das políticas ficamos muito atrás. Só conseguimos e fizemos isso com a Constituição Federal de 1988, que agora querem desmontar. É isso que estão dizendo: a democracia não cabe no orçamento. Como se orçamento não fosse uma peça importante do debate democrático. O orçamento é fundamental! Aliás, o debate democrático deve se concentrar, em boa medida, no orçamento. Como é que se usa o orçamento como instrumento de universalização dos direitos?

RR – A democracia como mediadora de conflitos…

LGB – O que está em discussão hoje é de outra ordem. Querem colocar o orçamento a serviço dos mercados. Esta é a questão central. Quando se debate a composição do gasto público, jamais se introduz o quanto se tem despendido com os juros da dívida. Esta questão não entra, porque os juros não fazem parte do debate. Esse tema fica ali escondido, apesar de o maior gasto do orçamento ser com juros. Temos aí um conflito que não é técnico, mas sim social.

Essa proposta do governo “Uma ponte para o futuro” é um atentado aos direitos sociais escassamente conquistados recentemente. Qualquer pessoa com um mínimo de noção está preocupadíssima, porque se percebeu que houve melhoras. Mas as pessoas querem mais.

Aí vem uma questão importante que é a mediação da democracia. Não é a mais perfeita, mas é a melhor forma que encontraram para a mediação de uma sociedade que está afundada em conflitos de interesses. Isso é importante afirmar porque os interesses não convergem naturalmente e é a democracia que tem de fazer essa recomposição. Mas o que nós estamos assistindo hoje, mais que a política econômica, é a ideia de que você pode propor um programa sem atentar para a natureza conflitiva que temos nessa sociedade hoje. É um conflito que está expresso nas manifestações pelas ruas. Os jovens não concordam em sua maioria. Colocou-se 10 milhões de jovens no ensino superior e eles sabem o que receberam. Não adianta vir com uma proposta tecnocrática, porque isso não vai passar assim fácil. É esse momento que nós vivemos, de ressurgimento claro da luta entre a democracia e o capitalismo que estão querendo impor no Brasil. A “ponte para o futuro” não vai levar a lugar algum. Eles estão pensando num mundo que não vai existir mais daqui a 10 anos.

RR – Por quê?

LGB – Por várias razões. Uma delas, porque isso tudo está maltratando uma parte importante da população, que está indo para o trabalho precário. É impressionante como as ocupações de baixa produtividade nos serviços cresceram. E digo que o Brasil está atrasado também porque nós não chegamos a alcançar um patamar de mais estabilidade e já partimos para uma tentativa de atender às vontades dos mercados, mas isso não vai dar certo. Não tem nenhum fundamento social. A menos que se queira repetir de forma tosca o que já foi feito, como controlar sindicatos, dos salários e dos movimentos sociais. Senão não vão segurar essa peteca. Nós, que por tantas vezes soubemos caminhar na mão da história, estamos caminhando na contramão, por mais de 30 anos.

RR – Algumas das propostas colocadas como alternativas à crise vão no sentido de destituir uma Constituição que está em processo de implementação. O SUS é um exemplo cristalino. Os 26 anos do sistema não foram suficientes para colocá-lo como um direito pleno como descrito na carta de 1988…

LGB – Exatamente! É a destituição de uma Constituição. Com propostas contrárias a que vários países do mundo têm feito. Na Europa se discute políticas de aumento de salário mínimo, nos Estados Unido o presidente Obama ensaiando uma ampliação do acesso aos serviços de saúde. As propostas colocadas para o Brasil são inviáveis, sobretudo num país com as desigualdades do Brasil. O SUS é fundamental para o Brasil, porque apesar de todas as deficiências que conhecemos, é um dos programas mais universais que se tem em matéria de saúde dentro de um país em desenvolvimento. Ele precisa de aperfeiçoamentos, mas se você perguntar para as pessoas que usam o sistema, elas falam da diferença de antes. Fazer essa privatização e fragmentação no SUS é um desatino, é um crime. As pessoas vão morrer sem atendimento. O que precisa é reforçar o SUS. Agora estão propondo a desvinculação das receitas para a saúde e educação. Por que acham que se vinculou? Porque se não tiver obrigação legal os políticos preferem fazer uma ponte sobre um rio seco do que investir em saúde.

Para a educação é a mesma coisa. Eles falam em educação fiado. Eles não sabem nem o que é e nem como fazer. Não têm a menor noção. Eu falo da minha experiência pessoal de 50 anos nessa área, no público e no privado, e sei como isso funciona. Eles não sabem. A educação é a formação integral de cidadãos. Não é só formar especialistas como estamos formando. Esse é um debate que está no mundo. As duas questões, saúde e educação, são alguns dos temas mais republicanos que se tem. São questões centrais que deviam mobilizar todos os cidadãos.

RR – As propostas para esses dois sistemas que a Constituição consagrou como universais não são adequadas para combater as profundas desigualdades que assolam o Brasil. Como seria uma política correta nessas duas áreas de modo a contribuir com a construção de um país mais igualitário e equânime?

LGB – Vamos voltar à discussão inicial do orçamento e seu financiamento. Há uma convergência no mundo inteiro entre o sistema tributário progressivo e a redução da desigualdade. Em todos os países se observa isso. No Brasil, tivemos um avanço das políticas sociais via gastos do orçamento, mas o orçamento continua a ser financiado pelos mesmos: os mais pobres. Quem ganha até cinco salários mínimos no Brasil paga pelo menos 56% de sua renda em impostos, em grande parte impostos indiretos.

Quando se discute a questão fiscal, deixa-se de discutir o modelo tributário brasileiro do ponto de vista da equidade fiscal. Além do que, existem inúmeras maneiras de escapar das obrigações fiscais no espaço jurídico e político brasileiro. Segundo, a receita tem hoje cerca de 500 bilhões de dólares no exterior.

A discussão que importa precisa tratar de quem paga e quem recebe. É uma discussão democrática. Estamos todos na mesma sociedade, ou eles pensam que são Robinson Crusoé? Eles vivem do nosso trabalho, da nossa atividade. Essa é uma discussão fundamental neste momento.

RR – Como se resolve isso com um Congresso de senhores ricos, conservadores, representantes dos interesses financeiros mais diversos, portanto, diretamente interessado em manter uma carga tributária como a atual, regressiva?

LGB – Tem o estudo chamado Progressividade tributária: a agenda esquecida, de Rodrigo Octávio Orair e Sergio Wulff Gobetti, publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), que não tem espaço no debate público, mas é fundamental compreender, porque hoje em dia os que parecem que mais recebem são os que verdadeiramente mais pagam.

Agora, a saída dessa situação, se o Parlamento não consegue, é transferir o debate para as ruas e todas as partes interessadas. É uma obrigação cidadã fazer esse debate crucial. É verdade que o Congresso brasileiro é a expressão das oligarquias regionais. Que representa o povo brasileiro é uma conversa mole. E o povo não tem escolhas, afinal, os candidatos são selecionados pelas burocracias partidárias e essas burocracias são esses que querem controlar o Brasil a qualquer custo. Quem acha que eles vão fazer reforma politica? Não vão! Eles são fruto disso. Isso é uma ilusão.

RR – Como as elites políticas veem a democracia brasileira?

LGB – Com um olhar primitivo do que é, de fato, democracia. Sempre queremos resolver tudo na mão grande, sem considerar os diferentes olhares que nos cercam e que precisam ser mediados para que a sociedade possa superar os seus problemas a partir da discussão de pontos de vista distintos. A democracia é muito complicada e tem custo. O Estado democrático tem o dever de decidir a favor do que é o interesse da maioria. Mas aqui não, estamos vendo o Estado sendo capturado pelos interesses da minoria. É o que estamos assistindo.

RR – O linguista e filósofo Noam Chomsky disse recentemente em entrevista ao jornal espanhol El Mundo que “está diminuindo o apoio às democracias formais, porque não são verdadeiras democracias. Não é de se estranhar que as pessoas não estejam entusiasmadas com esse tipo de democracia”. Você concorda com essa colocação?

LGB – O Chomsky está apontando para um fenômeno que hoje é universal, porque está se manifestando de forma muito mais clara na Europa e agora nos Estados Unidos e a eleição americana é uma prova disso. Se fosse possível juntar os eleitores do [Donald] Trump e do [Bernie] Sanders, eles ganhariam com uma maioria esmagadora. De forma diferente, eles exprimem a mesma coisa. É preciso entender esse fenômeno Sanders-Trump. Uma pesquisa da CNN diz que 57% dos americanos trabalhadores votam no Trump porque não estão felizes com a situação que estão vivenciando.

Voltando um pouco, a democracia nunca foi tão forte na Europa e nos EUA como quando foi possível conciliar a difusão dos direitos com o funcionamento da economia. Quando se conseguiu juntar isso, se deu o Estado de Bem Estar, aquele período chamado de 30 anos gloriosos. Acontece que nos últimos 30 anos, tem-se passado por um processo de dissolução que está no seu ápice hoje e que afeta a democracia formal, porque isso vai solapando a adesão das pessoas ao processo democrático porque faz as pessoas rejeitarem e procurarem outras soluções. Afinal, vai se concentrando o poder de decisões nas burocracias, cada vez mais controladas pelo dinheiro e pelas grandes corporações e assim vai-se encurtando o espaço para a decisão democrática e acantonando os indivíduos em espaços onde as pessoas não têm poder de deliberação.

No Brasil isso também tem acontecido. Só que por aqui é pior porque estamos fazendo de maneira atrasada e obsoleta. Isso não vai dar certo. Não tem nada a ver com o que foi criado nos últimos anos no imaginário social de que é preciso não apenas preservar os direitos conquistados, mas também ampliá-los. Esse golpe não é contra o PT, mas contra o que eles imaginam que o PT representa. É um golpe conservador, de direita, pobre de ideias, inviável do ponto de vista econômico. O que eles estão fazendo não vai prosperar, não tem a mínima chance de prosperar. Temos observado no Brasil uma degradação do debate cultural. As pessoas repetem coisas que já estão obsoletas e não valem mais nada. Todos sabem que as medidas conservadoras, ditas de austeridade, não encontram nenhum apoio das populações.

RR – Essas políticas fortalecem a ideia de que o indivíduo é o único responsável pelo seu sucesso ou fracasso…

LGB – Sim. Essa narrativa da austeridade afetou muito a subjetividade, porque é algo ambíguo. É claro que nos últimos anos houve um reforço da ideia de que o indivíduo tem o seu próprio capital humano e tem de valorizá-lo e se ele fracassar a responsabilidade é só dele. Mas é importante entender que se construiu essa subjetividade neoliberal, mas que agora essa linguagem começa a desmoronar junto com todos os componentes do edifício neoliberal.

Veja a questão do Brexit [abreviação das palavras em inglês Britain (Grã-Bretanha) e exit (saída) para designar a saída do Reino Unido da União Europeia] na Inglaterra. A questão não é se eles saem ou ficam na União Europeia, mas sim é uma discussão de uma Inglaterra vista como espaço democrático, onde as questões são decidas no Parlamento, e a Europa vista como espaço tecnocrático onde as decisões são tomadas em Bruxelas. Os ingleses contrários a manutenção do país na UE não querem ficar a mercê de uma burocracia irresponsável. O ator MIchael Caine acabou de dizer que “não quer ser controlado por uma burocracia sem rosto”. Então, eu diria que estamos diante de um momento de transição, que pode durar muito tempo, mas é irreversível porque essa visão de mundo neoliberal é insustentável. No caso dos EUA prometem que o indivíduo trabalhando duro será bem sucedido e não entregam essa promessa. Esse que é o problema.

RR – A agenda que está posta como alternativa à crise ataca alguns dos pilares da democracia e do que restou dos Estados de Bem-Estar Social: a previdência social, a educação e a saúde universais. Como você vê esses constantes ataques ao ideal de solidariedade que foi fundamental na construção das sociedades mais justas e civilizadas que o mundo conhece?

LGB – Vejo que isso tem umas cores, umas marcas bem brasileiras, que têm a ver com a história social do Brasil. Se tomarmos vários momentos ao longo da história do desenvolvimento, da industrialização e da transformação da sociedade brasileira nós temos de tempos em tempos uma reação conservadora, retrógrada que se exprime em tentativas autoritárias de impedir o avanço da sociedade. Somos uma sociedade profundamente antidemocrática, preconceituosa e mais que isso, culturalmente deformada. Estamos assistindo hoje uma degeneração do que já é degenerado. Aqui não prosperaram os ideais de democracia e Estado de Direito. Tudo é feito com truculência, com arbitrariedade, mesmo aquilo que pretensamente é feito em nome da lei. Sempre com a ideia de que nós sabemos mais do que vocês, por isso você tem que ficar no seu lugar. No Brasil, o que está em curso não é a diminuição da intervenção do Estado na economia, mas sim a apropriação do Estado.

RR – Quanto disso tem a ver com a educação? Por quê?

LGB – Mais que a educação formal é a cultura. É a vida cultural. Nós tivemos uma vida cultural muito rica durante a ditadura pelo lado dos artistas, dos intelectuais, que está se empobrecendo neste momento. E isso reflete mudanças de outra natureza que chegaram aqui e foram incorporadas a essa pobreza em que as classes médias brasileiras vivem. Isso tem a ver sim com o sistema educacional e não acho que seja um fenômeno brasileiro, mas aqui ele pega mais duro. Tenho lido muito sobre a educação na Europa e nos Estados Unidos e esse fenômeno está ocorrendo.

Temos visto aqui no Brasil um movimento por “escolas sem ideologias”. Se o filósofo espanhol José Ortega y Gasset, conservador, ouvisse isso ele morreria, porque ele dizia que temos que permitir que os estudantes tenham acesso a todas as tendências, todas as visões de seu tempo. Esse é o sistema educacional que presta. Não é uma questão de doutrinar, mas de discutir o que chamam de ideologias. Nós todos somos portadores de visões do mundo.

Incitamento, aleivosias e o otimismo de Sakamoto

Tenho deixado clara, em diversas postagens, minha preocupação  com o desrespeito a direitos e garantias fundamentais básicos previstos no Código Penal e, principalmente, na Constituição Federal.

Observo, acompanhando o dia-a-dia do Congresso Nacional, as redes sociais e, mesmo, nas ruas, que muitos perderam a noção da fronteira entre o direito à livre expressão da opinião por um lado e a incitação à prática de crimes de racismo e estupro, demonstrações explícitas de homofobia e cometimento de crime de injúria, calúnia e difamação, por outro lado.

Antigamente lavava-se a ofensa à honra com sangue do ofensor, em duelos com paridade de armas e regras definidas. Naquele tempo o ofensor podia pagar pela ofensa com a própria vida. Ofender era muito grave.

Tratava-se de costume bárbaro, abolido pelos avanços civilizatórios que vieram para proteger o ofendido e que representaram uma espécie de pacto. Sou de um tempo em que o respeito à honra e à dignidade de cada pessoa eram um valor a ser preservado por todos.

Não sei a partir de que ponto a ofensa, as ilações, as aleivosias e o incitamento ao ódio e a crimes passaram a ser aceitos sem espanto e reação.

Leonardo Sakamoto em artigo publicado em seu blog, compartilhado abaixo, mostra otimismo com a decisão tomada pelo STF ao aceitar denúncia contra o deputado federal Jair Bolsonaro pela incitação ao crime de estupro. Segundo Sakamoto, trata-se de decisão emblemática, que deixou aterrorizados os usuários de redes sociais seguidores de Bolsonaro.

Infelizmente não vejo motivos para o otimismo do Sakamoto. A força de Bolsonaro, político semeador de ódio e cultuador de torturadores, deriva da falta de equilíbrio dele e de grande parte de seus seguidores. É difícil imaginar que quem está acostumado a aterrorizar fique, repentinamente, aterrorizado por uma decisão preliminar do Supremo. As reações dos seguidores de Bolsonaro nas redes sociais foram tão desequilibradas quanto era de se esperar. Como esperar equilíbrio e bom senso?

De onde menos se espera, daí mesmo que não vem nada.

Paulo Martins

Leia, abaixo, o artigo do Leonardo Sakamoto.

Muita gente não se deu conta do impacto da decisão do Supremo Tribunal Federal que aceitou, nesta terça (21), denúncia de incitação ao crime de estupro e transformou o deputado federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ) em réu em uma ação penal. Bolsonaro havia declarado, no Congresso Nacional, que não estupraria a deputada Maria do Rosário porque ela “não merece”, repetindo o conteúdo em uma entrevista.

Segundo os ministros que avaliaram a denúncia, apresentada pela Procuradoria Geral da República, Bolsonaro não estava respaldado por imunidade parlamentar porque o ocorrido não teve relação com o exercício de seu mandato. Segundo o relator Luiz Fux, a mensagem que ele proferiu significa que há mulheres em posição de merecimento de estupro. “A violência sexual é um processo consciente de intimidação pelo qual as mulheres são mantidas em estado de medo.”

Independentemente do desfecho do caso, essa decisão é emblemática. Os ministros do STF deixaram claro que ninguém pode usar sua liberdade de expressão para atacar os direitos fundamentais de outros grupos e pessoas. Isso é óbvio, mas vinha sendo ignorado de forma sistemática neste clima de polarização política que vivemos.

Bolsonaro é considerado um exemplo por muita gente – incluindo parte significativa da elite brasileira que o prefere como presidente da República em comparação a outros candidatos de acordo com pesquisas eleitorais. E o seu comportamento – de rolo compressor verbal sobre a dignidade de minorias em direitos – tem certamente inspirado muitas pessoas a fazerem o mesmo com a certeza de que nada aconteceria com eles. Até porque nada acontecia com seu líder.

Agora, aterrorizados, muitos de seus seguidores passaram o dia protestando contra a decisão do STF nas redes sociais. Afinal de contas, se “bolsomito” não é imortal, imbatível e invulnerável, podendo ser punido pela Justiça caso incite violência sem se preocupar com as consequências, o exército digital que o segue (e consegue ser mais violento que seu líder) também pode.

A decisão do Supremo, portanto, é civilizatória. Não apenas para Bolsonaro, mas para aquilo que encaramos no espelho diariamente.

(A íntegra do texto sobre liberdade de expressão e sua relação com outros direitos está no post do blog. Leia antes de xingar.)

O Brasil no interregno de Gramsci, por Célio Turino

  • Compartilho interessante análise de Célio Turino. Vale a pena a leitura.

O que está por vir depende de nós.

Paulo Martins

A crise consiste precisamente no fato de que o velho está morrendo
e o novo não pode nascer; neste interregno,
uma grande variedade de sintomas mórbidos aparecem.
Antonio Gramsci

Três ciclos históricos esgotam-se ao mesmo tempo. O vazio produz, além do golpe, retrocesso e intolerância. Mas é em meio a ele que poderá surgir outra política

Por Célio Turino | Foto: Paulo Martins

Publicado  em outra palavras.net

Acabou, mas ainda não sabemos; acabou, mas ainda não terminamos. Esta é a realidade do Brasil atual. Aqui não me refiro ao governo golpista nem ao que foi deposto, muito menos aos personagens de ordinário perfil. Refiro-me ao nosso tempo, à nossa gente, à encruzilhada em que nos metemos.

Brasil, tão desigual e cada vez mais vulgar. A política, que deveria apresentar um caminho, um rumo na organização do Estado e mediação da Sociedade, colocada em mãos tão mesquinhas, agrava ainda mais o quadro de descaminhos, com a economia se afundando no atoleiro da financeirização, do rentismo e da ganância. E a sociedade se perde, na falta de horizontes, nos ódios e no despreparo. E da Cultura simplesmente se esquece, se despreza.

Há dúvidas de que vivemos um fim de ciclos? Ciclo longo, Ciclo médio e Ciclo curto, todos nos estertores. E como reflexo e vetor deste fim de Ciclos, a crise de desgoverno, quando a votação da autorização para abertura de processo de impeachment contra a presidente Dilma revela um espetáculo grotesco de incultura, retrocessos e vulgaridades. É neste momento que se abre um vácuo de poder, na forma de Interregno Político, em que o atual governo golpista não consegue se consolidar, nem o anterior se reestabelecer. Nas características do presente Interregno brasileiro ainda há disputa entre Poderes da República, a crise no Congresso, o desfazimento dos Partidos outrora hegemônicos, a crise econômica e a ausência de alternativas mais claras.

O Ciclo Longo, que vem desde as Capitanias Hereditárias, resultou e foi resultado de um pais absolutamente predador e desigual, forjado a ferro e fogo, na destruição das matas, tangendo gente, explorando, explorando, extraindo, sugando até não mais ter o que sugar. Tudo pelo imediato, pelo aqui e agora, e olhando sempre para fora, da colônia para a metrópole, esteja em Lisboa ou Miami, sempre uma submetrópole a se mirar.

O Ciclo médio buscou diminuir estas distorções, desde a chamada revolução de Trinta, com o governo Vargas. Houve a busca da industrialização, a consolidação dos direitos do trabalho, a educação pública, a saúde pública e demais serviços públicos (mais serviços que direitos). Mais recentemente, com o fim da Ditadura Militar, em 1985, a busca pela incorporação de mais direitos sociais (Sistema único de Saúde – SUS -, voto aos analfabetos, piso de um salário mínimo para a aposentadoria), a Constituição Cidadã, a busca pela estabilidade da moeda e, a partir do governo Lula, a busca da redução das desigualdades, instalando a “Década Inclusiva” (aumento real do Salário Mínimo e Bolsa Família). Este foi o Ciclo Curto, que ora se interrompe.

Ciclo Longo, Médio e Curto se combinam e se enfrentam. De tal modo que a história do século XX, e das duas primeiras décadas do XXI, revela uma tensão permanente, com avanços e recuos. E com muita intolerância, violência e democracia de baixa intensidade, distorcida sobremaneira pelo poder econômico, político e midiático das classes dominantes. A intolerância, a falta de democracia real e a violência não se revelam apenas no palco da “política”, mas nas relações cotidianas, nas periferias esquecidas, nas aldeias remotas, nos campos sem fim. Basta lembrar que, ao ano, 60 mil brasileiros são assassinados, além da violência no campo, massacre de indígenas e genocídio de jovens pobres nas periferias das grandes cidades, principalmente negros e pardos. Tudo contra gente e contra nossa casa comum. Tudo e todos explorados cada vez mais, até o limite do esgotamento, como se fez em Mariana, matando gente e o rio Doce.

Não há como pensar uma saída para a atual crise política, econômica, social, cultural e ética por que vive o Brasil sem levar em conta esta combinação e enfrentamento de ciclos históricos. De um lado, posturas e imposturas arraigadas; de outro, tentativas de superação, que a cada tentativa são engolidas, cooptadas, ou destruídas, a depender da correlação de forças. No meio disto, o novo que vai brotando por baixo das aparências.

No momento atual ocorre a tentativa de destruição, moral, política e física, se for necessário, do campo que buscava (com erros e acertos) diminuir as distorções geradas pelo Ciclo Longo. De certa forma é a repetição reativa de outros momentos já registrados no Ciclo Médio, iniciado em 1930 (1954, 1964 e 1994, desta vez combinando aparente democracia com avanço neoliberal). A diferença de agora é que o Brasil é mais complexo.

O fato é que ambas as forças em conflito não revelam capacidade de superação do atual quadro e não conseguem estabilizar uma hegemonia política, econômica, social e cultural. Esta incapacidade é resultado tanto da apodrecimento das forças da reação, formados no longo Ciclo de quinhentos anos de iniquidade, como da desmoralização das forças reformistas que foram emergindo a partir da “Revolução de Trinta” e que ganharam força moral no processo de redemocratização, mas que, igualmente, se perderam na incapacidade em superar este padrão histórico. Para sair deste quadro há que romper com os três Ciclos Históricos, instaurando um novo processo de longa duração que, para além de um projeto de poder partidário tem que ser um projeto de país, de povo, de humanidade.

O longo ciclo de desigualdade e exploração, instalado há 500 anos, nada tem a oferecer além de decadência e esgotamento social e das forças produtivas, sejam de ordem física, humana ou natural, agravando a decadência ética e moral que vai tomando conta da sociedade. As forças até recentemente hegemônicas, que, por diferentes meios, buscavam a redução das desigualdades e a retomada de um processo de crescimento, igualmente se revelam exauridas, até porque seu modelo de redução de desigualdade não rompia (nem pretendia romper) com os perversos processos de concentração. Se, em momentos de respiro na acumulação do Capital, com o aumento de preços em commodities e produtos para exportação, foi possível estabelecer alguma fórmula do “ganha-ganha”, em momentos de retração, como a partir da crise internacional de 2008, até mesmo os poucos avanços alcançados foram colocados em retração. Houve também o equívoco na visão de desenvolvimento, que apenas repetiu o modelo predatório, concentrador e dependente de modelos desenvolvimentistas do passado. Bem como a confusão teórica ao compreender o processo de inclusão social como um simples acesso aos bens de consumo individuais, sem o correspondente acesso aos bens coletivos (saneamento básico, educação e saúde públicas de qualidade, desprezo por uma política cultural de caráter emancipador, entre outros).

Quando o país se depara com a atual miséria política, em realidade está se deparando com a própria putrefação de ciclos históricos já esgotados. Há que abrir outro caminho.

Este caminho já existe, apenas não é suficientemente enxergado. O Brasil da desigualdade, da exploração e violência também é o Brasil do Motirô, os Mutirões dos povos indígenas, exercitando trabalho colaborativo e distribuição comum do esforço coletivo. A Cultura do Mutirão também é praticada nas comunidades rurais, nas periferias das grandes cidades, e é igualmente entrelaçada com festa e alegria, seja nas festas de São João ou regadas a samba, churrasco e cerveja ao fim de mutirões para construção de casas populares. Igualmente se replica nas novas formas de trabalho compartilhado e invenções da juventude urbana.

Se, de um lado há egoísmo e individualismos exacerbados, de outro, o círculo, as brincadeiras de roda, a ciranda, as rodas de samba, o jongo e a capoeira brotam em nossa alma brasileira. A origem está na milenar ética africana do Ubuntu, o “eu sou porque nós somos” e “nós somos porque você é”, menos “eu” e mais “nós”. O novo ciclo histórico emergirá com o ecossocialismo do encontro entre ecologia e ideias generosas da igualdade, justiça e fraternidade, realizadas com liberdade, em que a emancipação humana é o fim. Emancipação essa que só será possível, inclusive, quando rompermos com a própria noção de antropocentrismo, conforme nossos irmãos guarani nos ensinam com o Teko Porã, o Bem Viver, em que estar no planeta, convivendo harmonicamente com os demais seres, é muito mais importante que ter.

Unindo tradição com invenção, os brasileiros conseguirão superar os ciclos de sua longa história de iniquidades e injustiças; do contrário, seguiremos nos atolando em um pântano, ou nos perdendo em um labirinto sem fim. Em meio a toda esta crise de desesperança também nos deparamos com a projeção de nossa imagem, em um espelho distorcido pela ganância e a ignorância — é fato. Mas ainda assim, um espelho da sociedade brasileira e todas suas contradições. Mas também brilham imagens de esperança.

São iniciativas novas na política da vida, a biopolítica, com experimentações coletivas, das ocupações de escolas públicas por secundaristas às hortas urbanas, as ocupações artísticas de espaços comuns, o cicloativismo e a defesa de parques e praças, configurando novas atitudes urbanas. E novas formas de trabalho com a economia solidária, a agroecologia, as ocupações de fábrica, os Bancos do Povo e suas moedas e Empresas Sociais. O protagonismo indígena, quilombola, os jovens de periferia com seus saraus de poesia, o hip hop, os assentamentos da reforma agrária. Os movimentos sociais que se reinventam e se descolam do governismo (seja ele qual for). O feminismo, o ambientalismo e o municipalismo. As Assembleias Populares e os Círculos de Colaboração. Essas novas formas de agir político podem resultar em novas formas de participação social, controle do Estado e Juntas de Bom Governo.

Tudo isso se expressa em uma nova forma de política: o Cidadanismo. E deve ser organizada em novas formas-partido, conceituadas como Partidos-Movimento, ou Partidos-Fluxo, com formas mais flexíveis de organização e deliberação, rompendo com estruturas hierárquicas e verticais. Além de sustentarem a necessidade de novas formas de política, ests Partidos-Movimentos precisam compreender a necessidade de confluências que deem conta da unidade na diversidade — sobretudo em um país com as características do Brasil. Compreender a necessidade de confluências implica em profundas mudanças de atitude no fazer político:

I – se assumir como Partido de Retaguarda e não de Vanguarda; retaguarda no sentido de dar suporte e apoio aos movimentos deste novo tempo histórico, sem que isso signifique qualquer tentativa de cooptação ou controle sobre os movimentos.

II – disposição para conter e estar contido em processos mais amplos de transformação social; o que implica na construção simultânea de personalidade política própria, como Partido-Movimento, com funcionamento institucional ou não, e de uma Frente de caráter permanente e programático, que deve prever em sua gênese o transbordamento dos próprios partidos que a integram, incorporando afetos e potências das forças vivas da sociedade.

III – ter coragem para perder o controle; só quando Partidos (ou Partido-Movimento) perderem o controle da Política é que haverá, de fato, um efetivo empoderamento social, com o fortalecimento de processos de autonomia e protagonismo popular e quando isto ocorrer, o próprio papel dos novos Partidos será muito mais de análise, reflexão, inspiração e instigação que propriamente de execução e controle dos aparatos de Poder.

O resultado destas mudanças profundas deve ser o fortalecimento de zonas autônomas, campos de ação política permeados pelo empoderamento e o protagonismo popular. Essas zonas autônomas de ação política devem ocorrer no campo de movimentos, temáticas e, principalmente, na ocupação de território. Há que tomar consciência, escolher um novo caminho e trilhá-lo com coragem e esperança, independente dos poderes constituídos, para além, até mesmo, dos conceitos e formas que até pouco tempo pareciam as únicas alternativas possíveis. Um exemplo são as ocupações das escolas públicas por estudantes secundaristas e as ocupações do Ministério da Cultura, por artistas e ativistas sociais. Esta escolha ganha ainda mais força quando o poder constituído é ilegítimo, usurpado, de modo que a revolta e a recusa passam a ser reconhecidas como legítimas. Portanto, ocupai. Ocupai as fábricas, as terras, as escolas, as artes. Ocupai o Poder. Mas um poder que emane da potência e das relações de afeto entre as pessoas comuns. Um poder que emane de baixo para cima, de dentro para fora e que pode se realizar em uma nova cultura política, a começar pelos municípios, em políticas locais, radicalizando a democracia e, sobretudo, colocando o Sistema à serviço das pessoas, mais que das pessoas, à serviço da vida, até que não mais a vida seja colocada à serviço do Sistema.

A principal característica dos tempos de Interregno é a ausência de estabilidade e falta de clareza sobre o que está por vir. Também é neste período que se acentua o sentimento de que “os de cima” já não conseguem governar com antes e os “de baixo” já não querem seguir sendo governados como dantes. Em uma situação como esta, abrem-se novos caminhos, mas que não necessariamente levam ao rompimento com os Ciclos anteriores, podendo até reforçarem a permanência do Ciclo longo, com sentido altamente regressivo e repressivo. Mas há também a possibilidade de que, a partir de fendas e fissuras no Sistema, sejam encontradas (e alargadas) frestas que permitam uma ruptura mais efetiva com os ciclos anteriores. É neste momento que se encontra o Interregno brasileiro e o que está por vir só depende de nós. Que o Interregno brasileiro faça germinar um novo Brasil, que vai brotar como nunca se viu!

Bayer/Monsanto: A fusão do Diabo

Tem havido ultimamente grande movimentação no mercado de aquisições e fusões entre as gigantes das indústrias químicas e de produtos para a agricultura. Isto é especialmente grave em um mercado já altamente concentrado em poucas empresas gigantes.

Em dezembro de 2015 as empresas químicas gigantes Du Pont e Dow Chemical fundiram suas atividades, formando uma nova companhia de US $ 130 bilhões (R$ 442.000.000.000,00) em valor de mercado.

Em fevereiro de 2016, a China National Chemical Corp – ChemChina comprou a Syngenta AG, meses depois da Monsanto ter fracassado em sua tentativa de comprar a Syngenta.

Em maio próximo passado, a Bayer anunciou uma oferta de US $ 62 bilhões (R$ 210.000.000.000,00) para comprar a também gigante Monsanto.

Bayer e Monsanto são produtores e líderes globais na produção de pesticidas, sementes tratadas e geneticamente modificadas. A Bayer está situada também entre os maiores produtores mundiais na indústria química e de medicamentos.

Há grande preocupação global com o uso da engenharia genética no mercado de sementes e na produção de alimentos em geral, pelo seu impacto na diminuição da biodiversidade natural e por expor a produção agrícola a riscos de comtaminação.

As fusões observadas na bilionária indústria agroquímica deverá criar quasi-monopólios, aumentar os custos de produção de produtos agrícolas expulsando pequenos e médios agricultores do mercado e enriquecer os executivos do alto escalão destas empresas gigantes.

Alguns periódicos chamaram a fusão da Bayer com a Monsanto de “devil’s merger”, outros consideram que será criado um verdadeiro monstro global, como é o caso da matéria da Telegraph.

Favor consultar:

“The Frankenstein merger: how Bayer’s bid to Monsanto could create a monster” – http://www.telegraph.co.uk

Notícias mais recentes indicam que a Monsanto recusou a proposta da Bayer. Parece ser, apenas, uma questão de tempo.

Enquanto isso, Adam Smith, Hayek, Mises e Friedman olham para o outro lado e fingem-se de mortos. Como, de fato, estão.

Fontes:

marketwatch.com

beyondpesticides.org

Leia, a seguir o comunicado da Bayer sobre sua oferta:

This communication relates to a proposed offer by Bayer Aktiengesellschaft or its subsidiaries (“Bayer AG”), to purchase all of the outstanding shares of common stock, par value $0.01 per share, of Monsanto Company, a Delaware corporation (“Monsanto”). This communication is neither an offer to purchase nor a solicitation of an offer to sell shares of Monsanto. No tender offer for the shares of Monsanto has commenced at this time. At the time a tender offer for the shares of Monsanto is commenced, Bayer AG will file tender offer materials (including an Offer to Purchase, a related Letter of Transmittal and certain other offer documents) with the Securities and Exchange Commission (the “SEC”) with respect to the tender offer. Any definitive tender offer documents will be mailed to the stockholders of Monsanto. STOCKHOLDERS OF MONSANTO ARE URGED TO READ THE RELEVANT TENDER OFFER MATERIALS WHEN THEY BECOME AVAILABLE BECAUSE THEY WILL CONTAIN IMPORTANT INFORMATION ABOUT THE TENDER OFFER THAT STOCKHOLDERS SHOULD CONSIDER BEFORE MAKING ANY DECISION REGARDING THE TENDER OF THEIR SHARES. Stockholders of Monsanto will be able to obtain free copies of these documents (if and when available) and other documents filed by Bayer AG with the SEC through the website maintained by the SEC at http://www.sec.gov.