Os militares se aprontam para as eleições

Sábado, 17 de julho de 2021
Braço forte, e-mail amigo

Os militares se aprontam para a eleição do ano que vem.

Um alto oficial do Exército mandou que fosse distribuído esta semana um questionário elaborado por três instituições privadas e que servirá para “criar condições objetivas para o Brasil proporcionar um futuro de justiça e felicidade ao povo brasileiro”. O e-mail, enviado por um coronel a pedido do general Valério Stumpf Trindade, comandante militar do Sul,  encaminha uma pesquisa de algo chamado de “Projeto Nação”. 

Sim, é exatamente o que você pensou: uma espécie de plano de governo para o país, elaborado com a colaboração de militares da ativa por institutos privados que pertencem, também, a militares. Ele nasceu das mentes de um militar de extrema direita chamado Luiz Eduardo Rocha Paiva e de uma figura da várzea política chamada Thomas Korontai.

Korontai vive em Curitiba,  já tentou ser candidato a presidente da República em 2018 (mesmo sem ter um partido legalmente registrado) prometendo extinguir o MEC, encabeça um tal Instituto Federalista e espalha fake news sobre o voto eletrônico no Brasil e a fraude inventada eleitoral por Donald Trump nos EUA aos poucos seguidores que possui nas redes sociais.

Mas o nonsense se revestiu de alguma seriedade quando foi abraçado pelo Instituto Villas Bôas, criado pelo general Eduardo Villas Bôas, ex-comandante geral do Exército, autor do tweet que ameaçou o Supremo Tribunal Federal na véspera do julgamento de um habeas corpus de Lula, em 2016. Jair Bolsonaro já disse que foi Villas Bôas quem o elegeu presidente em 2018. 

O site do Instituto Federalista dá uma pista da entrada de Villas Bôas na jogada: “Através do Instituto Sagres, tivemos conhecimento [de] que o general Villas Boas, ex-comandante do Exército, sentia a necessidade e trabalhava no sentido de criar um instituto [e] que entre suas finalidades estava a elaboração do referido projeto. Assim, as três entidades uniram-se com o objetivo de elaborar um projeto de nação para o Brasil”.

 

Os militares e seus negócios

O Instituto Sagres é uma empresa fundada por militares da reserva para ganhar dinheiro em Brasília. Uma entre várias, como, por exemplo, o Instituto Força Brasil, investigado no inquérito das fake news e, desde a quinta passada, suspeito de participar de negociatas na compra de vacinas pelo governo Bolsonaro. 

O Sagres diz fazer “pesquisas em política e gestão estratégica” e formalmente é uma organização da sociedade civil de interesse público, o que lhe garante inúmeras benesses tributárias. Na prática, faz lobby – produziu publicações patrocinadas pela Associação Brasileira de Relações Institucionais e Governamentais – e vende enigmáticos serviços de consultoria a órgãos públicos, majoritariamente. Também já andou enroscado na operação Satiagraha, que prendeu o banqueiro Daniel Dantas.

Tem também ligações partidárias com a extrema direita: um ex-presidente (e atualmente membro do conselho consultivo) coordenou a bancada legislativa do PSL no Rio Grande do Sul e aventou uma candidatura a prefeito no interior do estado. Mas quem interessa para nossa história é o “diretor de geopolítica e conflitos”: o general da reserva Luiz Eduardo Rocha Paiva.

Fã do torturador Brilhante Ustra, Rocha Paiva é dado a chiliques golpistas. No mais recente, de 8 de março passado, afirmou em texto reproduzido pelo Clube Militar que “aproxima-se o ponto de ruptura” após a decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal Edson Fachin que retirou da Justiça Federal de Curitiba os processos contra Lula, “uma criatura deplorável”.

É justamente Rocha Paiva o responsável pela “Concepção do Projeto Nação”, expressa num PowerPoint de causar inveja a Deltan Dallagnol e disponível no site do Sagres. O documento de 11 páginas é um amontado de platitudes que não se aprofunda em coisa nenhuma, mas deixa entrever temas caros à extrema direita. Na projeção otimista, produzirá uma conclusão em fins de 2021, a tempo, portanto, de alimentar uma candidatura presidencial – ou ser vendida a algum incauto (como o governo). 

É para municiar tal conclusão que servirá a pesquisa distribuída por ordem do general Stumpf. E tão ou mais importante que ela é o uso de um canal oficial e do prestígio do Exército para dar propulsão a um negócio que deveria ser privado e correr fora do ambiente da caserna.

Eu telefonei ao coronel Brisolla, o autor do e-mail, para lhe perguntar a respeito. Ele se mostrou contrariado ao saber que o e-mail havia vazado. “Só mandamos para aqueles que são da nossa rede de colaboradores”. Mas acabou falando – talvez até demais.

“[A pesquisa] É para formação de um cenário prospectivo, que vai dar condições para ajudar o público privado e a área pública. Trabalhamos no Exército com planejamento estratégico. Esse instituto [Sagres] quem compôs são militares. E [também o instituto] do general Villas Bôas. A gente tem ligação com esses institutos que trabalham com gestão política e administração”.

Brisolla foi adiante: “Planejamento é para a nação, não para partido político. Somos totalmente contra a política, políticos. Não temos viés ideológico”, garantiu-me, deixando claro qual o viés ideológico e o futuro – nada democrático – que imagina para a nação.

Valério Stumpf Trindade é um general de quatro estrelas que nasceu e fez boa parte da carreira no Sul do país – ou no Terceiro Reich, jargão interno usado para se referir a militares do Terceiro Exército, atual Comando Militar do Sul. É tido como sujeito extremamente conservador. E, como veremos, leal a suas raízes.

O Rio Grande do Sul é um estado onde o Exército sempre teve presença marcante, em tamanho e influência, por causa da fronteira porosa com Uruguai e Argentina. Não à toa, é terra natal dos ditadores Emílio Garrastazu Médici, Artur da Costa e Silva e Ernesto Geisel. Também são gaúchos Eduardo Villas Bôas e outro personagem importante nesse quebra-cabeças, Sérgio Etchegoyen.

Etchegoyen é amigo de infância de Villas Bôas (ambos nasceram em Cruz Alta), de quem se tornou uma espécie de guarda-costas após vê-lo acometido pela triste doença degenerativa que hoje o faz dependente de um respirador artificial. Foi também responsável por revisar e sugerir alterações no livro-entrevista em que Villas Bôas narrou suas memórias.

Além disso, Etchegoyen era chefe do estado-maior do Exército (espécie de número dois da força) quando foi um dos fiadores da derrubada de Dilma Rousseff – por quem passou a nutrir profundo rancor após a inclusão do nome do pai dele no relatório da Comissão Nacional da Verdade – e do governo tampão de Michel Temer. Deixou o posto para assumir o Gabinete de Segurança Institucional, o GSI, recriado por Temer. E em dado momento chamou, para ser seu secretário-executivo, o general Stumpf.

Etchegoyen e Villas Bôas são dois dos pontas de lança do movimento que abraçou o capitão reformado Jair Bolsonaro, dono de uma lamentável ficha funcional na força, para recolocar o Exército na política brasileira. Outro é Augusto Heleno, atual titular do GSI, onde Villas Bôas tem cargo de assessor especial. Tudo em casa.

O governo dos militares deu no que estamos vendo: 540 mil mortes por covid-19, boa parte delas evitável, graças à combinação de burrice, teorias da conspiração, negação da ciência, defesa de tratamentos sem eficácia nenhuma e suspeitas em série de corrupção na compra de vacinas, com uma penca de coronéis – e talvez um general – envolvidos. Mas o e-mail descabido e desavergonhado do general Stumpf indica que o buraco em que atiraram o país aparentemente não fez os militares recuarem de seu projeto político ou os tornou mais zelosos da separação desejável entre negócios públicos e privados. Muito pelo contrário.

Enviei perguntas ao comando-geral do Exército sobre o uso da ascendência e do prestígio da corporação para um projeto político dos institutos privados. Não houve resposta até a hora de enviarmos essa newsletter.

Rafael Moro Martins

Editor Contribuinte Sênior

Quem é o patrão de um brigadeiro?

O brigadeiro da aeronáutica falou. Respondeu à altura. Disse que as autoridades não vão tolerar mais desafio. Quem são as autoridades? Ele. Ele próprio. E disse mais. Disse que tem armas não ameaça. Que quer isto dizer? Vai direto às falas? Usa as armas? Dá tiro?

Ora, brigadeiro. Que história é essa? Quem te deu armas foi o povo brasileiro. Para defender a nação. Não para atacá-la E que diabo é isso de falar em autoridade?

O senhor é mais bonito que os outros? Não aguenta crítica? Não se pode mais falar na sua frente, em público, que tem banda podre nas forças armadas? Por acaso elas são diferentes? São todas puras, limpas, inocentes. Só querem o bem? E também picanha, camarão, leite condensado de sobremesa? Ou fazer como o seu chefe, Jair, que faz um furinho na lata e chupa?

O senhor pode gostar. Tem todo o direito. Mas não com o dinheiro do povo. Prá isso tem salário, todo mês. Grana preta. Acho que se for realmente macho, como quer aparentar, devia por, ao lado de sua declaração decidida, uma foto do recibo que assina, com o seu rendimento mensal.

E esclarecer quem paga a sua moradia, a gasolina que gasta com seu carro e o da sua mulher. Seria bom também esclarecer se Vossa Excelência anda no seu próprio veículo ou também é da Força Aérea. Inclui também soldadinho, vai ver que até cabo, sargento, para dirigi-lo por aí. Prá não gastar as mãos. Ah, agora lembro, vai ver que, como é da Força Aérea, anda de helicoptero e jatinho. Pagos por quem?

Sabemos que é muito ocupado. Tem que bater papo diariamente com os colegas, outros brigadeiros do ar. Refletir sobre a corrupção dos políticos. Principalmente os que acham que Vossas Excelências não passam de um bando de inúteis. A conspirar, a vida inteira, contra a democracia. A passear de graça pelo país. Fora dele também. Nas missões oficiais. Em que conversa com os demais brigadeiros, comandantes das marinhas do continente e do exército, esses últimos sim, são os que mandam mais.

Sei que adoram falar inglês, o seu é macarrônico, mas faz visage para os indígenas aqui deste lado, quando se encontra com os chefes lá de cima. Dos quais tem muita inveja. Eta equipamento bom tem eles. Dá inveja, eu sei.

Brigadeiro, quero informar. Que admiro muito os seus uniformes vistosos. Os cordões dourados. Os botões de ouro (ou será que são de lata pintada?) do seu fino casaco. Aquelas plaquinhas coloridas, que representam os seus cargos, as promoções, as posições que ocupou sem fazer nada. Tudo para impressionar quem? Quanto tempo gasta o senhor para pregar esses botões, as plaquinhas, os cordões? Uma curiosidade, brigadeiro. Não fique zangado, apenas responda. Debaixo do uniforme também tem distintivo. A cueca é colorida ou de listinhas? Sempre quis saber esses detalhes, vamos dizer, íntimos, das grandes autoridades.

E a lista as suas atribuições, brigadeiro? Tem lá uma linha que inclui rosnar, bancar o macho, virar o cano da sua arma para o povo, e atirar? Ou é so fazer cara feia e ameaçar?

Ah, brigadeiro, gostaria tanto de passar uma hora ou duas com o senhor. Numa mesa, talvez até com um chazinho, de erva cidreira, coisa simples. E fazer essas perguntas, num clima de paz. Conseguir as respostas, gravar e publicar. Prá mostrar o que é que o senhor realmente pensa da vida, e saber o que e que a sua mulher pensa do senhor.

Incluiria até perguntar o que o senhor, fez no banheiro, quando se isola, portas fechadas prá dejetar. Ia perguntar se é da mesma cor que o que expele o trabalhador, a dona de casa que sofre prá pagar o gás. O cheiro é o mesmo? Ou é perfumado?

Já que é estudado, queria também aprender. O que acontece com brigadeiro quando morre? É embalsamado, colocado em sarcófago, com muitas resinas. Depois vai prá uma pirâmide? Prá ser estudado daqui a cinco mil anos? Ou vai direto para o céu?

Queria saber o detalhe, a diferença entre o homem do povo e a autoridade. Será que tem?

Não vou fazer como o Felipe Neto, aquele rapaz das redes, bem sucedido. Acho que até melhor que o senhor. Que o mandou para aquele lugar. Sou educado, respeitoso, velhinho. Só sou curioso. Diga ai, brigadeiro. Pode falar. Sem ameaçar.

Do Facebook de Roberto Garcia