Olavo viveu para entender que foi usado e descartado por Bolsonaro

Publicado no Uol Notícias

Por Leonardo Sakamoto

25 de janeiro de 2022

Olavo de Carvalho destratou as pessoas como se todas fossem ignorantes e ele sábio. E talvez tenha morrido de uma doença para a qual já existe vacina por recusar a tomá-la. Foi sim um farol para milhares, como postou de forma oportunista Jair Bolsonaro. Pena que chamou multidões em direção às pedras ao invés de alertar para seu perigo.

É irônico escrever um texto respeitoso de alguém que desrespeitava tanta gente a todo e qualquer momento. Talvez ele próprio preferisse um texto cheio de palavrões e insultos como ele faria.

Lamento a sua morte como lamento as das 5,6 milhões de vítimas mundiais da covid-19 e de suas complicações. Creio que todos os que lutam para que os direitos humanos não sejam um monte de palavras bonitas emolduradas em uma declaração septuagenária não acreditam que uma morte vingue qualquer coisa. Até porque, convenhamos, amor pela morte é departamento do bolsonarismo.

Mas também lamento que ele tenha falecido sem poder constatar que a guerra cultural que ajudou a fomentar por um ultraconservadorismo excludente, preconceituoso e violento não vai prosperar. Lamento que ele tenha morrido no meio da longa noite, antes de constatar que o dia sempre volta a nascer.

Olavo, contudo, viveu o suficiente para perceber algo que outros ex-colaboradores do atual regime autoritário sob o qual estamos submetidos também já haviam percebido: que foi usado e descartado por Bolsonaro.

“Ele me usou como ‘poster boy’, ele me usou para se promover e se eleger. Depois disso não só esqueceu tudo o que eu dizia, mas até os meus amigos que estavam no governo ele tirou”, afirmou em live, no dia 20 de dezembro do ano passado, em que também participaram os ex-ministros Abraham Weintraub (Educação), Ernesto Araújo (Relações Exteriores) e Ricardo Salles (Meio Ambiente).

Claro que rolou uma simbiose, mais do que um parasitismo. Olavo também se aproveitou da proximidade com o uso que Bolsonaro estava fazendo dele para ganhar estatura, tornar-se pauta importante na mídia, indicar ministros e secretários, ser convidado para jantares. Mas, no final, com o casamento do presidente com o centrão, sua importância relativa já havia decaído muito. Pelo contrário, os novos aliados queriam que o histrionismo fosse deixado de lado em nome do pragmatismo eleitoral.

Mas é notória em Brasília a capacidade de Bolsonaro de usar quem está à sua volta para depois abandoná-lo no meio da estrada. Isso não aconteceu apenas com ala olavista do governo, da qual os três ex-ministros supracitados faziam parte, mas também com pessoas que consideravam o capitão um amigo, como o general Santos Cruz, Magno Malta ou Gustavo Bebianno.

O astrólogo e polemista tinha clara consciência de que nunca foi o “guru” do presidente e de que Jair nunca tinha lido um livro seu. Bolsonaro usou Olavo como ração para uma parte de seu rebanho. Mas o presidente nunca foi olavista e sim bolsonarista, com um projeto de país que não passa pela cartilha professada pelo falecido, mas por qualquer coisa que garanta sua perpetuação no poder. Bolsonaro, em última instância, não é ideológico, mas um aproveitador.

O bolsonarismo é sincrético, com espaço para as relíquias confusas e extremistas de Olavo, mas também para igrejas com estátuas do centrão, símbolos milicianos, sacramentos militares e preces do fundamentalismo religioso. Agora, com a morte de Olavo, o presidente pode usar o polemista nos seus discursos voltados ao bolsonarismo-raiz sem que o próprio venha reclamar.

O olavismo não se vai com Olavo, contudo. Há na macabra negativa de vacinas a crianças, levada a cabo pelo governo federal para excitar os seus seguidores, uma clara influência do movimento que o polemista ajudou a fomentar. Tanto que há seguidores seus dentro do Ministério da Saúde transformando estupidez em política pública.

Da mesma forma que o bolsonarismo deve sobreviver a Bolsonaro, o olavismo vai sobreviver a Olavo.

Mensagem do filho do poeta Thiago de Mello

Passei três semanas no Amazonas, viajando sozinho. Se é que é possível dizer que viajei sozinho, pois sempre estive acompanhado de gente que me quer bem, amigos e familiares que encontrei pelo caminho. Gente que amo e que me constitui. Fui com dois propósitos nessa imersão solitária. O primeiro, visitar meu pai. Estar com ele por alguns momentos, já ciente da situação de saúde e cuidados na qual ele se encontrava. Depois, fui com o objetivo de iniciar uma reforma inadiável em nossa casa à beira do rio, em Freguesia do Andirá, no interior do município de Barreirinha, a quase 350 km de Manaus. Um dia de barco pra chegar até lá. A casa me pede zelo já há um tempo e estou há uns meses organizando uma campanha para arrecadar recursos para as obras. Consegui uma parte do dinheiro através da generosidade e da compreensão de muitos amigos e conhecidos, todos amantes da amizade, da poesia, da Amazônia e da obra literária de meu pai. Todos sonhadores como eu, que sabem, como meu pai, que arte e cultura geram evolução individual e progresso social. Embarquei no final de Dezembro para Manaus, sendo acolhido pela minha família amazonense que tanto quero bem. Fui ao apartamento de meu pai e Pollyanna. Ele já estava praticamente sem se levantar. Fui até o quarto. Quando ouviu minha voz, comentou: “voz bonita a do meu filho”. Com a memória dissolvida pelo tempo (do qual não se corre) e pelas neuropatias, perguntou meu nome e se eu tinha filhos. Disse que me chamava Thiago e que tinha duas filhas. Nossas mãos entrelaçadas num carinho suave e ancestral. “Mas então nós temos o mesmo nome”, ele notou. Falei que isso tinha sido invenção dele, pôr meu nome Thiago Thiago de Mello. No que ele, após um certo silêncio, falou baixinho: foi pra ficarmos juntos até mesmo no nome. “Cuida bem das suas filhas”. (Eu me emocionei muito nessa hora porque queria dizer a ele que se sou um bom pai é porque ele foi o melhor formador e educador que eu pude ter). Seguimos nossa conversa cheia de silêncios e respirações. Quis saber o que eu fazia da vida. “Canções e poemas”, não titubeei. Ele fez que sim com a cabeça e repetiu “canções e poemas, isso”. Perguntei se eu estava indo no caminho certo. “Certíssimo”, ele me disse com a voz grave de trovão adormecido. Comentei que estava indo para Barreirinha cuidar da nossa casa, pedi a sua benção (“Deus lhe abençoe”, me beijando a mão) e segui o meu caminho rumo ao rio Andirá, dos Saterês-maués. Fiquei semanas num país submerso, me nutrindo do passado, de banho de cheiro, tucumãs, ovas de curimatã, sombra de castanheira, amizades verdadeiras e caldeiradas de tucunaré e tambaqui. As obras começaram. Retiramos as vigas podres. Os esteios corroídos substituímos por madeira nova. Passamos óleo queimado para afugentar o cupim de terra traiçoeiro. Compramos tinta, cimento, ferro. Vieram os trabalhadores. As telhas chegaram de Parintins, presente de Antonio Beti, cuja doação jamais esquecerei. Recebi tanto em minha jornada pelas águas. Fiz um trabalho firme, aguentando o rojão sob chuva e sol quente. Barreirinha, onde meu umbigo está enterrado, me acolheu como sempre. Vi a felicidade nos olhos de gente simples, hospitaleira, contadora de histórias. É com meus irmãos e irmãs ribeirinhos que meu espírito se molda e evolui. Na verdade estava, sem saber, me preparando para um adeus após uma longa despedida. Fortaleci minha alma estando naquele lugar, berço meu, que aprendi a amar com meu pai e minha mãe desde que pra lá fui levado aos 6 meses de idade. Voltei pra Manaus e fui ao apartamento ver meu pai. Ele não me respondeu, já completamente dentro do seu próprio mundo, distante daqui. Pedi um violão e, então, comecei a tocar. As lágrimas caíram, eu sentado e ele deitado na cama. Tirei do baú as canções que sempre cantávamos juntos: “Azulão”, “Por que tu te escondes”, “Linda vida”, “Pai velho”, “Quem me levará sou eu”, “Faz escuro, mas eu canto”. Fiquei ali cantando por mais de trinta minutos, a primeira vez em nossas vidas que ele não cantou junto comigo. Foi um concerto de despedida. A nossa despedida tinha que ser com música e poesia, universo no qual sempre nos encontrávamos. Saí dali e fui comer um pacu assado de brasa em sua homenagem. Botei bastante pimenta murupi e tomei um suco de taperebá pra aliviar o peito. No dia seguinte, logo cedo pela manhã, papai atravessou o rio da vida. Morreu dormindo, bravo merecedor. Parece que estava só me esperando para seguir à Casa do Infinito. Sincronicidade astral, projeto dos deuses, dádiva da natureza. Ele foi em paz. Estamos de luto, mas em breve cantaremos com alegria, como ele sempre nos ensinou.”

A beleza da vida em sociedade

A primeira frase que li em um texto sobre Ciências Humanas e Sociais há, talvez, mais de 50 anos, dizia : ”O ser humano é um ser gregário” e explicava que a sobrevivência do ser humano na Terra só se tornou possível pela colaboração e pela solidariedade. Este é um conceito muito simples de entender e, até, intuitivo: tudo à nossa volta, que nos proporcionou sobreviver em um meio-ambiente hostil, escapar ou curar nossas doenças ou manter nossa saúde física e mental, foi construído por grupos organizados, acumulando e compartilhando conhecimentos adquiridos pela vida em sociedade.

A vida em sociedade é bela, também, pelas lições que traz.

As pessoas anti-vacina, individualistas, que pregavam não querer participar de um experimento, estão servindo exatamente para isso: como grupo de controle para os cientistas estudarem os efeitos das variantes do vírus em indivíduos não vacinados.
Se uma decisão de aplicar placebo, ou seja, não aplicar vacina, em determinado grupo de pessoas para que sirvam de grupo de controle tem sérios questionamentos éticos, a existência de um grupo que escolheu não tomar a vacina, embora cause contaminação, superlotação nos hospitais e mortes de inocentes, pelo menos atenua a preocupação dos cientistas.
Esse grupo de anti-vacinas involuntariamente “participa do experimento”.
Aliás, desde o seu nascimento, tendo seu parto sido feito por uma parteira, numa choupana, ou por uma equipe de médicos “pica das galáxias, no mais sofisticado hospital do país, a pessoa está inserida em determinado grupo social e depende dele para nascer e sobreviver. Participarão sempre, mesmo sem querer, desse belo experimento que é o ato de viver. Viver é o experimento.

Destaque

Atacar Sérgio Moro é uma boa estratégia?

Carol Proner

As últimas pesquisas mostram que Sérgio Moro não convence. Mesmo com padrinhos influentes na mídia, que o sustentam há anos, como se vê agora na sua enésima capa da Veja, o ex-juiz não decola e frustra os planos da terceira via. Como tal, opinam alguns, mereceria ser ignorado. No campo jurídico esse impasse do cômputo político também aparece, de que críticas podem evidenciá-lo e, ao fim, beneficiá-lo de forma inversa.
O dilema se instalou no meio jurídico após Moro, via twitter, recusar um convite do grupo Prerrogativas para um debate a respeito da Lava Jato. A recusa reavivou uma enxurrada de mensagens e artigos do grupo lembrando da conduta do ex-juiz na chefia da operação farsesca que abalou o curso natural da democracia brasileira.
É difícil esperar que juristas moderem suas críticas porque levamos anos dizendo a mesma coisa e é exasperante que o ex-juiz que feriu gravemente os interesses brasileiros tenha o descaramento de se candidatar. Aliás, essas mesmas críticas foram as que, muito antes da Vaza Jato, sempre identificaram no juiz a intencionalidade de condenar Lula sem provas e de capitanear um novo processo penal no Brasil, imediatamente compreendido pelos especialistas como um processo penal de exceção.
Faço um testemunho do dia em que a sentença condenatória do Triplex do Guarujá foi publicada, um dia trágico para o direito brasileiro. Era uma quarta-feira, 12 de julho de 2017, quando o professor Juarez Tavares me telefonou dizendo que deveríamos nos reunir imediatamente para avaliar a longa sentença, pois à primeira vista lhe parecia grave. Fomos para o escritório e ali, acompanhados dos professores Gisele Cittadino, Gisele Ricobom e João Ricardo Dornelles, decidimos organizar um livro-denúncia contra as aberrações jurídicas prolatadas por Sérgio Moro numa decisão de 217 páginas que é um documento ímpar do arbítrio judicial no Brasil.
Após extenuante trabalho de revisão e diagramação, o livro foi publicado menos de um mês depois da sentença e o resultado foi inesperado. Recebemos 103 artigos de 122 juristas que esmiuçaram o procedimento esclarecendo as regras efetivamente em vigor e concluindo, em uníssono, que se tratava de uma decisão injusta e ilegal.
Portanto, um mês após a decisão, já havia um livro com farto matéria técnico e acadêmico de uma centena de articulistas que fundamentavam a intencionalidade condenatória de Moro contra Lula.
Importante notar que muitos dos autores jamais votariam em Lula ou teriam qualquer relação com a esquerda partidária. O que convocou a todos foi a percepção de perigo iminente, de que poderia ser firmado grave precedente de atribuir a um réu a condenação por crimes de corrupção e lavagem de dinheiro a partir de fatos indeterminados com a justificativa de que era necessário combater a corrupção a qualquer preço. Em síntese, era o power point do Dallagnol tornado sentença.
Logo na apresentação da coletânea, o jurista Geraldo Prado destacou que o juiz recorreu a critérios de avaliação que convertem o ordinário em exceção: “O raciocínio condenatório que se apoia na exceção, recorre retoricamente a modelos jurídicos estrangeiros e traduz indevidamente conceitos penais – como salta aos olhos na condenação do ex-presidente por corrupção – fazendo letra morta da advertência da impossibilidade de transplantes do gênero, haveria de provocar vívida reação entre estudiosos do direito”.
O livro foi traduzido ao inglês e ao espanhol e motivou lançamentos em mais de 40 cidades no Brasil e no exterior, eventos levados pela Frente Brasil de Juristas pela Democracia, que depois viria a se institucionalizar na forma de Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD). Ali também se consolidava o papel do grupo Prerrogativas que, naquele momento, ainda confiava que os tribunais fariam justiça revertendo a aberrante decisão.
Poucos meses depois, e mesmo com todos os apelos e recursos impetrados pela ciosa defesa técnica, o acórdão do TRF4 confirmou a sentença contra Lula e deu razão às insinuações de que a Lava Jato fazia parte de uma estratégia maior de desestabilização política em curso no Brasil.
As escutas de Walter Delgatti ainda nem eram conhecidas quando lançamos, em maio de 2018, outro livro-denúncia, “Comentários a um acórdão anunciado”, organizado pelo mesmo grupo. Lembro-me que, às vésperas da decisão que possibilitaria a aplicação da pena antecipada de prisão a Lula, vivemos, Gisele Cittadino e eu, uma experiência incomum para professores de direito. A palestra que deveríamos proferir em Porto Alegre tinha como palco o carro de som da CUT estacionado em frente ao TRF4 e lá fomos nós, bastante surpreendidas e tímidas a princípio, mas logo entendendo que a luta pela presunção de inocência não estava nas academias de direito, mas nas ruas, e então soltamos a voz no megafone em direção às paredes moucas do Tribunal.
Essas são apenas algumas memórias entre tantas que vivemos, entre outros livros que lançamos depois e que fazem recordar a necessidade de denunciar a farsa jurídica que estava em curso e que prosperou graças à conivência dos tribunais superiores e da imprensa que hoje apoia o candidato Moro.
Cada um de nós do campo jurídico é capaz de lembrar onde estava no momento em que o habeas corpus a favor de Lula foi negado, abrindo alas para a espetaculosa prisão efetivada no Sindicado dos Metalúrgicos em São Bernardo do Campo. Ali, assim como nas decisões anteriores, nós fomos abatidos como juristas na defesa da Constituição e da democracia.
Com as revelações da Vaza Jato, os detalhes sórdidos da farsa jurídica tornaram-se finalmente conhecidos, embora só tardiamente reconhecidos pelo STF. Descobrimos que o MPF de Curitiba, liderado por Dallagnol, operava uma espécie de organização criminosa em conluio com Moro e integrantes da Polícia Federal, praticando ilegalidades no esquema de cooperação internacional com autoridades americanas. Com o passar do tempo e as revelações divulgadas, também percebemos que os integrantes do conluio tinham pretensões políticas, de formar o partido da Lava Jato, o que agora se confirma com a pré-candidatura de Moro. A mera candidatura de Moro, acompanhada por um livro autobiográfico que é pleno de cinismos e mentiras, é a demonstração de que a farsa ainda não acabou.
Os meandros da operação não são totalmente conhecidos e as consequências da Lava Jato ainda precisam ser mensuradas, mas o que está cada vez mais evidente é que a intencionalidade do ex-juiz que condenou Lula e o tirou da corrida eleitoral de 2018 vai além da saga contra o Partido dos Trabalhadores. Seja estagiando como Ministro de Jair Bolsonaro ou atuando como advogado em firma estadunidense, as conexões de Sérgio Moro com órgãos de inteligência daquele país sempre foram prioridade.
Nesse sentido, nem que seja por estratégia pedagógica, acredito que os integrantes do grupo Prerrogativas, do qual faço parte, e também da ABJD, do MP Transforma, da AJD e de tantas outras entidades que reúnem defensores das garantias jurídicas, devem sim seguir denunciando as atitudes perversas de um ex-servidor público que tem como traço de personalidade a perfídia.
Sérgio Moro desmereceu a toga para perseguir adversários políticos beneficiando interesses próprios quando não obscuros. Como Ministro, defendeu o excludente de ilicitude e outras teses punitivistas. Como advogado, traiu a profissão atuando, num evidente conflito de interesses, em processo de recuperação judicial no qual foi o juiz.
Acertam também os que o criticam em nome da memória histórica e do direito à reparação. Se é verdade que fomos vítimas de um golpe de novo tipo, menos ostensivo, híbrido, também é verdade que precisamos de algum tipo de justiça de transição para seguir adiante, pois são inúmeras suas vítimas diretas e indiretas.
E se Moro pretende se candidatar à Presidência depois de tudo o que fez, deve ser exposto por inteiro à luz dos holofotes.”

(Carol Proner é advogada, doutora em direito, membro do Grupo Prerrogativas e da ABJD)

Terrorista islâmico em Nice

Mateus Ziebell ,
Bom dia. Não vou pedir para você estudá-lo não. Muita gente boa só leu alguns poucos livros, se tanto, da extensa e importante produção de Marx em História, Filosofia, Direito, Sociologia e, naturalmente, mais tarde, em Economia. Deixou centenas de volumes manuscritos, sem edição. Mesmo Das Kapital ficou incompleto e foi terminado após a sua morte. Diversas universidades norte-americanas tinham e, com a crise do sub-prime de 2007/2008, voltaram a ter, professores especializados em Marx, com cursos regulares. Sem falar nas universidades europeias tradicionais, que sabem ser impossível ignorar a dissensão marxista.
Quando eu estudava Economia na Universidade Federal Fluminense, em 1971, em plena ditadura militar, havia censura sufocante. Só um lado da teoria econômica era permitido. Seria como um médico, na aula de Anatomia, receber um corpo humano cortado ao meio, longitudinalmente, somente o lado direito e estudá-lo como se fosse o corpo todo. Quando fui fazer o mestrado nos Estados Unidos, em 1979, a quantidade de livros e artigos mostrando a existência do “outro lado do corpo” era estonteante. E nas livrarias, mesmo as de bairro, em pequenos shopping center (Mall), a disponibilidade de livros era boa. E isso em Atlanta, no estado sulista da Geórgia! Imagine em Boston ou em São Francisco e Los Angeles.
Eu não sei como alguém pode condenar um autor, verdadeiro intelectual, mundialmente reconhecido, sem ter lido uma só linha. Durante meus estudos tive que ler Adam Smith, David Ricardo, Hayek, Milton Friedman (consultor e colaborador de Pinochet) e outros economistas conservadores, liberais ou neoliberais (“o lado direito do cadáver”) e, só assim, posso dizer que estudei anatomia completa.
Condenar um autor pelo uso inadequado de uma parte de sua imensa obra é como condenar o inventor do avião pelo seu uso como arma de guerra e para transporte das bombas atômicas de Hiroshima e Nagasaki.

Ou o inventor do caminhão, porque um terrorista jogou o caminhão em cima do público, em Nice, na França, em 2009, matando xxx pessoas e ferindo outras tantas. A culpa não foi do caminhão, é óbvio, e sim do uso que foi feito dele.
Vai aí uma listinha da extensa bibliografia de Karl Max. Talvez sirva para você imprimir e colar na estante da biblioteca da sua casa, como lista de livros proibidos para seus filhos e sua esposa. Mas, cuidado, você não vai estar mais por aí e seus netos poderão se interessar pelo assunto, que estará mais atual do que nunca no futuro.

Jovem Marx (1839 a 1850)

Nesta é a época do chamado “jovem Marx”,onde predominam escritos mais voltados para a filosofia pura.

Oulanem[2]
Ano: 1839
Diferença da Filosofia da Natureza em Demócrito e Epicuro[3]
Título original: Über die Differenz der Demokritischen und Epikureischen Naturphilosophie
Ano: 1841
Tese de doutoramento na Universidade de Iena

Crítica da Filosofia do Direito de Hegel
Título original: Kritik des Hegelschen Staatsrech
Ano: 1843
A Questão Judaica
Título original: Zur Judenfrage
Ano: 1843
Contribuição para a Crítica da Filosofia do Direito em Hegel: Introdução
Título original: Zur Kritik der Hegelschen Rechtsphilosophie: Einleitung
Ano: 1844
Manuscritos Econômico-filosóficos
Título original: Ökonomisch-philosophischen Manuskripte
Ano: 1844
Teses sobre Feuerbach
Título original: Thesen über Feuerbach
Ano: 1845
A Sagrada Família[4]
Título original: Die Heilige Famile
Ano: 1845
A Ideologia Alemã[4]
Título original: Die deutsche Ideologie
Ano: 1845-1846
Miséria da Filosofia
Título original: Misère de la philosophie: réponse à la philosophie de la misère de Proudhon
Ano: 1847
A Burguesia e a Contra-Revolução[5]
Ano: 1848
Manifesto Comunista[4]
Título original: Manifest der Kommunistischen Partei
Ano: 1848
Trabalho Assalariado e Capital[6]
Título original: Lohnarbeit und Kapital
Ano: 1849
As Lutas de Classe na França de 1848 a 1850[7]
Título original: Die Klassenkämpfe in Frankreich 1848-1850
Ano: 1850
Mensagem da Direção Central da Liga Comunista[4]
Título original: Ansprache der Zentralbehörde an den Bund
Ano: 1850
Transição (1852 a 1856)

Esta época é chamada de “período de transição”, quando o Marx passa a ler menos filósofos e mais economistas — nesse período a produção dele se resume a artigos e panfletos, produz o clássico 18 de brumário.

O 18 de Brumário de Luís Bonaparte
Título original: Der Achtzehnte Brumaire des Louis Bonaparte
Ano: 1852
Punição Capital
Título original: Capital Punishment
Ano: 1853
Artigo publicado no New York Daily Tribune em 18 de fevereiro de 1853

Revolução na China e na Europa
Título original: Revolution in China and Europa
Ano: 1853
Artigo publicado no New York Daily Tribune em 14 de junho de 1853

O Domínio Britânico na Índia
Título original: The British Rule in India
Ano: 1853
Artigo publicado no New York Daily Tribune em 25 de junho de 1853

Guerra na Birmânia
Título original: War in Burma
Ano: 1853
Artigo publicado no New York Daily Tribune em 30 de junho de 1853)

Resultados Futuros do Domínio Britânico na Índia
Título original: The future results of British Rule in India
Ano: 1853
Artigo publicado no New York Daily Tribune em 8 de agosto de 1853)

A Decadência da Autoridade Religiosa
Título original: The Decay of Religious Authority
Ano: 1854
Artigo publicado no New York Daily Tribune em 24 de outubro de 1854

Revolução na Espanha
Título original: Revolution in Spain
Ano: 1856
Artigo publicado no New York Daily Tribune em duas partes, 8 e 18 de agosto de 1856

Fase adulta (1857 a 1880)

Esta época é chamada de “Marx maduro”, quando os estudos econômicos transparecem claramente em seus escritos.

Grundrisse
Título original: Grundrisse der Kritik der Politschen Ökonomie
Ano: 1857-1858
Para a Crítica da Economia Política
Título original: Zur Kritik der Politschen Ökonomie
Ano: 1859
População, Crime e Pauperismo
Título original: Population, crime and pauperism
Ano: 1859
Artigo publicado no New York Daily Tribune em 16 de setembro de 1859

Manifesto de Lançamento da Primeira Internacional
Título original: Inaugural Address of the Working Men’s International Association
Ano: 1864
Salário, Preço e Lucro[8]
Título original: Value, Price and Profit
Ano: 1865
O Capital: crítica da economia política (Livro I: O processo de produção do capital) (Magnum Opus)[9][10]
Título original: Das Kapital: Kritik der politschen Ökonomie (Erster Band: Der Produktion Prozess des Kapitals)
Ano: 1867
Durante os anos seguintes, até o fim de sua vida, Marx se dedicará à redação dos demais volumes d’O Capital (publicados postumamente por Engels).

A Guerra Civil na França
Título original: The Civil War in France
Ano: 1871
Resumo de “Estatismo e Anarquia”, obra de Bakunin
Título original: Konzpekt von Bakunins Buch “Staatlichkeit und Anarchie”
Ano: 1874-1875
Crítica ao Programa de Gotha
Título original: Kritik des Gothaer Programms
Ano: 1875
Artigo em defesa da Polônia, publicado em Der Volksaat[4]
Ano: 1875
Carta sobre o futuro do desenvolvimento da sociedade na Rússia, escrita ao editor do periódico russo Otechesvenniye Zapiski e não enviada.
Ano: 1877
Notas sobre Adolph Wagner
Título original: Randglossen zu Adolph Wagners
Ano: 1880

Os cavalos do holandês, o Auxílio Brasil, a inflação e o economista chicagoan

Brasileiros desempregados e miseráveis esperam, desesperados o pagamento do Auxílio Brasil pelo governo federal. Tendo em vista a grave crise econômica alimentada – eu nem devia usar essa palavra fora de moda – pela catastrófica política econômica de Bolsonaro/Guedes e pela inflação galopante, o Auxílio será limitado e insuficiente.

Para muitos o Auxílio chegará muito tarde e eles terão o mesmo destino dos cavalos do holandês.

Um holandês criava cavalos e o preço da ração aumentou muito. Então o holandês contratou um economista brasileiro, formado na Universidade da maldade (Chicago), chamado Guedes, um verdadeiro chicagoan. O economista aconselhou o criador holandês a comprar somente metade da ração, para fazer o preço baixar. Para isto, recomendou deixar os cavalos comendo a metade das suas necessidades diárias de ração. O economista Guedes convenceu o criador holandês que, em um mês, os preços da ração cairiam pela metade. De fato, os preços da ração caíram, até mais do que isso. O plano de redução de custo e da inflação do brilhante economista só não deu totalmente certo porque os cavalos morreram, todos, 15 dias antes de fechar o mês. Questionado pelo criador holandês que estava desesperado, o economista brasileiro culpou a falta de colaboração dos cavalos e sua incapacidade de fazer sacrifícios em prol do bem comum. Ele sugeriu ao criador holandês plantar capim, empacotar em embalagem gourmet nas cores verde e amarelo e exportar para o Brasil. O economista brasileiro, que não entendia nada de nada mas se achava, sugeriu também a marca – Myth – The Edible Grass.

Segundo o seu consultor chicagoan havia, no Brasil, conforme dados do último trimestre de 2018, mais de 57 milhões de consumidores do produto.

O holandês, tendo em vista as notícias que circulavam no mundo sobre o Brasil, achou a ideia excelente, sorriu agradecido e elogiou a genialidade do seu consultor brasileiro. Conforme sugerido, exportou toneladas do produto para o Brasil em contentores refrigerados, por via aérea, para manter a qualidade do produto e fidelizar seus clientes brasileiros. Vendeu, coitado do holandês, sem garantia bancária. Tomou calote e faliu.

Questionado, o consultor brasileiro declarou que a falência do fabricante holandês comprovava a superioridade de sua estratégia de investimento em ativos financeiros abrigados em paraíso fiscal e, portanto, isentos de quaisquer tributos e riscos de calote. O holandês retrucou que esta situação, se ocorresse na Holanda, de uma pessoa aumentar sua fortuna com suas decisões como ministro, configuraria no mínimo conflito de interesses e, comprovado o dolo, crime financeiro, sujeito a demissão, julgamento, condenação e prisão.

Moral da história: não adianta procurar. Não tem.

PauloM

Blog dialogosessenciais.com

Thiago de Mello

Por Eric Nepomuceno (jornalista e escritor)

Um adeus: Thiago de Mello
Uma homenagem ao poeta Thiago de Mello, falecido nesta sexta-feira (14).

Na manhã desta sexta-feira, 14 de janeiro, sou massacrado pela notícia de que um dos maiores e mais generosos corações que conheci na vida, o do poeta Thiago de Mello, parou de bater.

Amarga coincidência: também num 14 de janeiro, o de 2014, que caiu numa terça-feira, foi-se embora meu irmão Juan Gelman, o argentino que permanece como um dos maiores poetas do idioma castelhano dos últimos pelo menos 80 anos.

A última notícia que tive de Thiago de Mello foi através de um amigo que era parente próximo dele. Contou que sua memória, que sempre considerei infinita, estava indo embora rapidamente. E que isso acontecia justamente quando Thiago estava trabalhando num livro de memórias.

Pois agora essa memória se foi de vez.

Conheci Thiago de Mello em Buenos Aires, por onde ele passou rapidamente depois do golpe sangrento que liquidou Salvador Allende e a democracia no Chile, onde ele vivia exilado pela ditadura instalada em 1964 aqui no Brasil. Quem me levou para conhecer Thiago foi, sempre ele, o irmão mais velho que a vida me deu, Eduardo Galeano.

Lembro de um homem angustiado, indignado, mas cheio de fé na vida. Falamos do Brasil distante e de seus tempos chilenos, de sua amizade muito próxima com Pablo Neruda e Violeta Parra. De como foi ter traduzido Neruda para o português do Brasil e ter sido por Neruda traduzido para o castelhano. Falamos da sua dor por ter visto sua pátria adotiva ser destroçada.

Pouco depois ele foi para Lisboa, onde tornei a encontrá-lo em 1976, quando foi a minha vez de me refugiar de outro golpe sangrento, o do general Jorge Videla, que mergulhou a Argentina no breu.

A partir desse reencontro nos aproximamos para sempre. Mesmo quando passávamos um longo tempo sem nos ver, quando nos encontrávamos era sempre como se tivéssemos estado juntos domingo passado. Assim foi em Cuba, no México, em Manaus, no Rio, onde fosse.

Thiago de Mello foi figura crucial para a minha e muitas outras gerações, e não só no Brasil. Aliás, tenho a sensação de que ele foi e é muito mais incensado lá fora, na América Hispânica, do que aqui.

Tenho, sim, oceanos e cordilheiras de cálidas lembranças desse bom, generoso e solidário amigo.

Uma, porém, tem especial espaço na minha memória.

Foi em Lisboa, em meados de 1978. Tivemos uma longa e dolorosa conversa no modesto apartamento em que Thiago vivia.

Ele me contou, pedindo segredo, que ia voltar para o Brasil. Ainda não havia lei de anistia, e Thiago era odiado – com razão – pela ditadura.

Eu disse a ele que era uma loucura. Ele respondeu dizendo que naquela loucura havia dignidade e o direito de voltar ao seu país.

E então fez uma pergunta direta: “Vou chegar e vão me prender. Levo comigo minha caderneta de telefones e endereços. O seu nome está nela. Quer que eu borre?”.

Respondi que de jeito nenhum. Eu estava fora, não podia voltar, não podiam fazer nada comigo.

“Pense no seu pai, na sua família”, advertiu Thiago. Mantive minha resposta. Da mesma forma que mantive com ele minha amizade, e da mesma forma que agora, com sua partida, mergulho numa saudade amazônica.

Adeus, poeta. Matéria do 247

Luta contra os agrotóxicos: Lei Zé Maria do Tomé

Matéria que já rolou por aí mas que muito a pena a gente publicar novamente. “Conheça a lei Zé Maria do Tomé que proíbe pulverização aérea de agrotóxicos
Ceará é o único estado brasileiro que possui legislação que proíbe pulverização de agrotóxicos por aeronaves
Por Leandro Cavalcante*
Brasil de Fato | Fortaleza (CE)
Zé Maria do Tomé se voltou contra a prática da pulverização aérea e mobilizou luta contra o uso de agrotóxicos
Zé Maria do Tomé se voltou contra a prática da pulverização aérea e mobilizou luta contra o uso de agrotóxicos – Marilu Cabañas
Dentre tantas ameaças que impactam diretamente a vida dos povos do campo está a pulverização aérea de agrotóxicos, responsável por despejar grandes quantidades de veneno nas lavouras do agronegócio e que também contaminam o solo e os corpos d’água, bem como as pessoas que estiverem no caminho da chuva tóxica, acarretando graves problemas de saúde.

:: Há 10 anos, Zé Maria do Tomé era assassinado no Ceará por luta contra agrotóxicos ::

O Brasil todo sofre com os agravos da pulverização aérea, exceto um único estado, o Ceará, em função da aprovação da Lei 16.820 de 2019, que proíbe o despejo de agrotóxicos por aeronaves em território cearense. Trata-se de um grande e importante passo para a produção de territórios livres de veneno e com mais dignidade no campo.

A aprovação da Lei 16.820/19, chamada de Lei Zé Maria do Tomé, representou uma conquista muito importante para todas e todos que sofriam cotidianamente com os impactos da pulverização aérea de agrotóxicos em suas comunidades.

Na Chapada do Apodi, no leste do Ceará, isso era uma realidade constante e que tirava o sono e a saúde dos moradores, já que era comum a prática do despejo de agrotóxicos por aeronaves nas plantações de banana, e que por vezes banhava também os quintais, os reservatórios d’água e as casas das comunidades.

Empresas do agronegócio tinham na pulverização aérea a forma mais viável de expurgar veneno em seus cultivos de banana, expondo o ambiente, os trabalhadores e os moradores aos riscos de contaminação.

É nesse contexto que emerge a figura de Zé Maria do Tomé, um camponês que se voltou contra a prática da pulverização aérea e mobilizou as comunidades, entidades, movimentos populares e universidades na luta contra o uso de agrotóxicos. Por conta disso, Zé Maria foi assassinado, revelando a ganância dos poderosos do agronegócio em seu projeto de morte para a Chapada do Apodi.

Reunidos no Movimento 21 de Abril (M21), essas comunidades, entidades, movimentos populares e universidades, apoiadas em inúmeras pesquisas científicas, que atestaram os danos à saúde das pessoas e do ambiente em decorrência da contaminação por agrotóxicos, continuaram a luta de Zé Maria do Tomé e conseguiram, por intermédio do deputado estadual Renato Roseno (Psol), a aprovação da Lei 16.820/19.

Essa lei proíbe a pulverização aérea de agrotóxicos em todo o estado do Ceará e foi pioneira no Brasil, representando uma grande esperança de territórios livres de veneno, sem o risco de as pessoas serem literalmente banhadas de agrotóxicos e terem seus alimentos e a água de beber contaminados.

A lei é uma garantia de um mínimo de dignidade para as populações camponesas que se veem ameaçadas pela invasão do alronegócio em seus territórios, com a expansão do latifúndio, da monocultura e do uso em larga escala de agrotóxicos.

Os efeitos dessa lei, vigente há apenas dois anos, são visíveis e significativos. Há um importante impacto positivo do ponto de vista ambiental e social na vida das pessoas que residem em comunidades cercadas pelo agronegócio, especialmente naquelas onde as monoculturas de bananas eram banhadas de veneno, como ocorria na Chapada do Apodi.

Só em saber que a contaminação por agrotóxicos não virá mais pelo ar já é motivo de grande alívio para as comunidades, diferente do que recentemente temos observado em outros estados pelo Brasil, como ocorreu no Maranhão, no Pará, em Goiás e no Rio Grande do Sul, para citar apenas os casos mais recentes, quando agrotóxicos foram lançados sobre as pessoas.

Nesse sentido, o Ceará é o exemplo a ser seguido no Brasil e no Mundo. É uma lei que garante a manutenção da vida nesses territórios vulnerabilizados pela ameaça do agronegócio e dos agrotóxicos.

Por isso é importante e necessário defendermos a Lei Zé Maria do Tomé, que vem sendo ameaçada por representantes do agronegócio que alegam perda de produtividade e redução das áreas cultivadas por banana, especificamente.

Todavia, essa alegação não se sustenta cientificamente, visto que dados divulgados pelo IBGE comprovam justamente o oposto. Em 2018, o Ceará produziu 337.636 cachos da fruta, em 2019 foram 406.334 cachos – dados da PAM/IBGE.

Já as projeções para 2020, segundo dados do LSPA/IBGE, apontam que a produção de banana pelo Ceará chegou aos 430.336 cachos. Ou seja, um aumento de 100.000 cachos em dois anos, antes e depois da aprovação da Lei, em 2019.

Apenas de posse desses números, e com uma análise rápida, é possível contrapor o discurso defendido pelo agronegócio, de modo a demonstrar que a lei não impactou de modo negativo diretamente a produção de banana no Ceará, muito pelo contrário.

Apesar da grande importância da lei, fruto de muita luta do ativista Zé Maria do Tomé, dos coletivos que compõem o M21 e do mandato do deputado estadual Renato Roseno, é preciso que faça muito mais.

Apenas proibir a pulverização aérea de agrotóxicos não é suficiente para impedir o aumento do consumo de veneno nos cultivos agrícolas, como observado em todo o país.

É preciso que haja políticas públicas e uma legislação específica que reduza progressivamente a utilização de agrotóxicos, ao passo que incentive e potencialize a produção de alimentos orgânicos e agroecológicos.

Não há como descansarmos enquanto for permitido o uso de veneno nas plantações, já que não haverá saúde para os trabalhadores do campo, os moradores das comunidades e os consumidores dos alimentos contaminados.

Defender o fim do uso de agrotóxicos é, antes de mais nada, ter um compromisso com a vida! Viva a Lei Zé Maria do Tomé e a luta contra os agrotóxicos!”

*Leandro Cavalcante é professor da UFRN, Doutor em Geografia e Ativista do M21

Compartilhado do Facebook do João Lopes.

Brasil, o país que pula as 7 ondinhas em homenagem a Iemanjá e odeia as religiões afro 

Tradição de pular as 7 ondas na virada de ano é associada às religiões de matriz africana no Brasil

Texto / Pedro Borges I Imagem / Projeto Anima Afro

Publicado em almapreta.com

Quem passa a virada de ano no litoral e escolhe a praia para celebrar a passagem com amigos e familiares costuma ter um ritual: ir para a beira do mar pular 7 ondas e pedir um desejo para cada uma delas.

O ato, uma homenagem à orixá do mar e das águas, Iemanjá, trata-se de uma cerimônia mais próxima ao culto da Umbanda, uma das religiões afro-brasileiras. O ritual é uma forma de desejar melhores momentos para o ano que se aproxima e deixar para o passado os problemas do ciclo que se encerra.

Felipe Brito, Ebomi do Ilê Maroketu Axé Oxum (SP) e diretor geral da Ocupação Cultural Jeholu, recorda que o número 7 também tem uma relação direta com diversas tradições das religiões afro.

“Pensando na simbologia do número 7, que na Umbanda tem muito a ver com o universo das entidades chamadas de Exu, os guardiões, como 7 Encruzilhadas, 7 Pombagiras, 7 Saias, 7 Caldeiras, entre outras entidades, que cuidam dos caminhos e apresentam novas possibilidades e renovação”, explica.

O nome Iemanjá tem origem Iorubá, que é a soma das palavras yèyé, omo e ejá, que juntas significam a mãe cujos filhos são peixes. Iemanjá, a senhora das águas, dos rios e dos mares, é uma figura religiosa consagrada no Brasil, em especial por conta da devoção dos pescadores com essa divindade, que pediam para ela uma boa pesca. 

A orixá é também responsável por trazer calma e tranquilidade ao Ori, que nas religiões de matriz africana é o nome utilizado para se referir à cabeça de cada sujeito. 

“Iemanjá é aquela que cuida do Ori, aquela que acalma as cabeças que estão com alguma perturbação, que estão sofrendo de algum mal mental, emocional. Ela é sempre vista como a mãe de todos os orixás, como a grande mãe”, conta Felipe Brito.

Racismo Religioso

Questionado sobre o atual momento do país, de fortalecimento do fundamentalismo religioso evangélico e de ódio às religiões de matriz africana, Felipe Brito fez uma ressalva. “A questão do racismo em relação às comunidades de terreiro é um processo histórico e contínuo, que toma formas diferentes em cada época”. 

Ele aponta, contudo, a existência de um momento conturbado no país, em especial no Rio de Janeiro, onde há um cenário de invasão dos terreiros.

“São muitas as violações de direito às comunidades de terreiro no Brasil. Com essa nova categoria que foi criada, se é que assim pode ser chamado, dos traficantes de jesus, os traficantes evangélicos. é um fenômeno brasileiro, que usa de um discurso de ódio e da força do crime organizado para expulsar os terreiros e as comunidades de matriz africana das comunidades fluminenses”.

De acordo com dados do Disque 100 apurados pelo Gênero e Número e pelo DataLabe, 59% de todos os casos de violência religiosa registrados entre 2011 e junho de 2018 eram destinadas às religiões de matriz africana, caso da umbanda e do candomblé. O Disque 100 é um canal, criado em 2011 pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, para receber denúncias de violação de direitos humanos no país.

Diante de números expressivos de ódio contra as religiões de matriz africana, Felipe Brito acredita que as pessoas aceitam pular as 7 ondas, uma tradição ligada à Umbanda, por entenderem figuras como Iemanjá como uma pessoa branca. Para ele, símbolos religiosos da comunidade negra foram “embranquecidos” pela cultura nacional.

“Quando procuramos entender como que em um país extremamente racista como o Brasil, essas pessoas conseguem ao final do ano pular 7 ondas, sendo que grande parcela da população repudia qualquer manifestação religiosa que não seja cristã, precisamos entender a partir um único aspecto: Iemanjá é branca na cabeça das pessoas”, afirma. 

Para ele, em um cenário de ódio contra as religiões afro, o ritual de pular as 7 ondas não é uma referência à ancestralidade negra. “O pular 7 ondas não é um ato para a Iemanjá do povo Iorubá, africana, nigeriana, negra. Você está pulando para aquela Iemanjá idealizada branca do cabelo preto, escorrido, liso até a cintura, com o corpo fitness. Uma Iemanjá extremamente padronizada e eurocêntrica”, completa.

Papa Francisco x Arautos do Evangelho

Lucia Helena Issa31 de dezembro de 2021 às 12:55 

Logo que voltei a viver no Brasil, depois de seis anos na Itália, fui convidada por um amigo a conhecer, na Serra da Cantareira, em São Paulo, um castelo medieval fundado por um grupo católico no coração da floresta, um castelo que só horas depois eu descobriria ter sido fundado pelos ultraconservadores Arautos do Evangelho, uma associação católica nascida do conflito entre os dirigentes do grupo extremista TFP, ou Tradição, Família e Propriedade.

O castelo, naquela tarde de tempestades outonais, me remeteu imediatamente às Cruzadas, às invasões, ataques, roubos e assassinatos de milhares de muçulmanos palestinos, iniciados por nós, cristãos, em Jerusalém, na Palestina. Os uniformes militares das crianças presentes, os gritos e a atmosfera medieval foram tão assustadores para mim quanto as histórias e depoimentos que fui descobrindo e ouvindo, como jornalista, nos anos seguintes, relatadas pelos pais dos jovens e crianças que ali estudavam.

Mães de origem humilde ou de classe média se encantaram com a possibilidade de seus filhos estudarem gratuitamente, num castelo, com uniformes medievais, princípios católicos e disciplina militar.

O que parecia um sonho para elas, transformou-se em um dos maiores pesadelos da história da educação católica no Brasil, com os dirigentes da “escola” hoje acusados de violência, abusos psicológicos, alienação parental, instigação de intolerância religiosa e abusos sexuais. O Ministério Público de São Paulo já acolheu mais de cinquenta denúncias, quatro delas envolvendo abusos sexuais e morais. Vídeos já veiculados na grande mídia comprovam uma série de abusos morais, desrespeito pela família de alguns alunos, uma disciplina militar extremamente violenta e até um vídeo em que o fundador do grupo católico extremista, o Monsenhor João Clá Dias, ex membro da TFP, insulta o Papa Francisco com palavras bem pesadas, e simula um diálogo patético com o Diabo, como se Satanás em pessoa estivesse ali e afirmasse que Francisco obedece às suas ordens, enquanto o extremista bolsonarista João Clá Dias seria o enviado de Deus para aquela comunidade.

LEIA: Relembrando o assassinato de Vladimir Herzog

Os casos de jovens ex-alunos são gravíssimos e vão de castigos físicos impostos por Monsenhor João Clá aos abusos perpetrados por outros membros e à morte de uma menina, que segundo seus pais teria se suicidado dentro da instituição.

À medida em que mais depoimentos surgem contra o grupo extremista católico, os Arautos do Evangelho aumentam o tom nos seus ataques ao papa Francisco, aos pais que conseguiram na Justiça o direito de resgatar os filhos dos castelos, onde todos viviam em regime de internato e sem direito de visitar os pais frequentemente, e toda a ala mais humana e mais progressista da igreja Católica em toda a América Latina, onde o grupo vem fundando suas escolas desde 1997.

Diante de tantos depoimentos sobre os abusos, vídeos e provas de que os alunos não podiam sequer ter contato telefônico com seus pais, Francisco determinou o fechamento de todas as escolas fundadas pelo grupo extremista em várias cidades do mundo e nomeou D. Raimundo Damasceno como interventor dos Arautos do Evangelho, enquanto as investigações das autoridades e do Vaticano continuam.

Enganam-se os brasileiros que acreditam que apenas entre os cristãos evangélicos há líderes religiosos que alimentam a intolerância, o ódio, a islamofobia e o racismo em geral.

O ódio, o filho mais velho da ignorância, vem sendo alimentado por extremistas cristãos de várias denominações, inclusive na minha Igreja Católica, e tem nos catapultado para os círculos medievais do Inferno descritos por Dante.

Os ataques do monsenhor João Clá Dias, em seu falso diálogo com o Diabo, apenas confirmam que um dos maiores alvos dos Torquemadas atuais tem sido um dos mais iluminados de todos os homens que já ocuparam o pontificado em Roma e o trono de Pedro. Francisco, o homem que lavou os pés de um grupo de moradores de rua e os recebeu no Vaticano, o homem que trocou a luxuosa “sedia gestatória” por uma cadeira de imensa simplicidade ao assumir seu pontificado, o homem que surpreendeu o mundo ao usar um crucifixo de franciscana simplicidade, o homem que pede que a Igreja seja a porta-voz da tolerância, do acolhimento aos refugiados e do diálogo entre as religiões, o homem que pede aos católicos menos julgamentos e mais empatia pela dor do outro, o homem que tem lutado pelos direitos dos refugiados de guerra, dos negros, e de todos os excluídos, o homem que eu tive a honra de conhecer na coletiva de imprensa durante a Jornada Mundial da Juventude em 2013 aqui no Rio de Janeiro, tem sido alvo de ataques protagonizados pelos mais abomináveis religiosos da minha Igreja Católica, homens da extrema-direita mais mercenária, subordinada aos interesses do Apartheid de Israel e aos princípios mais distantes da mensagem de Cristo que se possa imaginar. Morei em Roma durante seis anos, escrevi matérias sobre o Vaticano para a Folha de São Paulo e também escrevi um livro-reportagem, o “Quando amanhece na Sicília” , em que relato a histórica relação entre padres e bispos de extrema-direita em Roma, os mafiosos da Cosa Nostra, e a misteriosa morte do Papa João Paulo I, assassinado dentro do Vaticano em 1978 e que exerceu o pontificado por apenas 33 dias.

Testemunhei tristemente nos anos 2000 como agem em Roma ou em São Paulo os católicos que promovem o ódio religioso, o assassinato de muçulmanos na Europa e o negacionismo que mata.  Os autores dos ataques ao Papa Francisco, pessoas como o Monsenhor João Clá Dias, como o italiano Carlo Maria Vigano, o norte-americano Burke e o brasileiro Olavo de Carvalho representam o que há de mais desumano, repugnante e hipócrita dentro do catolicismo atual.

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Homens como o fundador dos “Arautos do Evangelho”, João Clá Dias, doutrinam adolescentes a odiar os mais pobres, os progressistas e os negros, ensinam a odiar o que há de mais humano no legado de Cristo, o amor e a empatia pelos mais vulneráveis, pelos diferentes, pelos de outra religião, pelos imigrantes, e pelos que vivem à margem da sociedade.

Os extremistas cristãos alegam que Francisco tem sido “tolerante demais com os homossexuais do mundo”, ou que tem sido “conciliador demais na questão dos refugiados muçulmanos”.

São apenas hipócritas que jamais se perguntaram de que lado Jesus estaria hoje.

Cardeais, padres, leigos e monsenhores católicos ultraconservadores têm encontrado amplo apoio em falsos  “cristãos” como Olavo de Carvalho, o sujeito que chegou a excomungar Francisco, sem nenhuma autoridade para isso, provocando apenas subordinações bovinas por parte de seus seguidores  ou desprezo por parte de quem decidiu seguir os passos de Jesus.

Como católica praticante, deixo aqui meu imenso repúdio aos cristãos hipócritas e malignos como o fundador do grupo “Arautos do Evangelho” e minha imensa solidariedade e empatia ao Papa Francisco.