Piketty: como colocar a extrema direita no poder

Piketty: como colocar a extrema direita no poder
– 23 DE JANEIRO DE 2017
Publicado em Outraspalavras.net

Economista adverte: na França, tachar Marine Le Pen de “populista”, tentando deslegitimar suas críticas a uma globalização devastadora, só irá jogá-la nos braços dos eleitores

Por Thomas Piketty, com tradução do IHU

Em menos de quatro meses, a França terá um novo presidente. Ou uma presidente: depois de Trump e do Brexit, não se pode excluir que as pesquisas, mais uma vez, estejam erradas, e que a direita nacionalista de Marine Le Pen esteja se aproximando da vitória. E, mesmo que se conseguisse evitar o cataclisma, existe um risco real. Le Pen é capaz de se posicionar como a única oposição credível para a direita liberal no segundo turno.

No lado da esquerda radical, espera-se, naturalmente, no sucesso de Jean-Luc Mélenchon, mas, infelizmente, não é o cenário mais provável.

Essas duas candidaturas têm um ponto em comum: põem novamente em discussão os tratados europeus e o regime atual de concorrência exacerbada entre países e territórios. Isso atrai muitos daqueles que a globalização deixou para trás. Há também diferenças substanciais: apesar de uma retórica destrutiva e de um imaginário geopolítico às vezes inquietante, Mélenchon conserva, apesar de tudo, uma certa inspiração internacionalista e progressista.

O risco desta eleição presidencial é que todas as outras forças políticas – e a grande mídia – se contentem em fustigar essas duas candidaturas e em colocar ambas no mesmo saco, definindo-as como “populistas”. Esse novo insulto supremo da política, já utilizado nos Estados Unidos com Sanders, com o resultado que sabemos, corre o risco, mais uma vez, de ocultar a questão de fundo.

O populismo nada mais é do que uma resposta, confusa mas legítima, ao sentimento de abandono das classes populares dos países desenvolvidos diante da globalização e do aumento da desigualdade. É preciso confiar nos elementos populistas mais internacionalistas (e, portanto, na esquerda radical, encarnada nos diversos países pelo Podemos, pelo Syriza, por Sanders ou por Mélenchon, independentemente dos seus limites) para construir respostas precisas a esses desafios. Caso contrário, a tendência nacionalista e xenófoba acabará por abalar tudo.

Infelizmente, é a estratégia da negação que os candidatos da direita liberal (Fillon) e do centro (Macron), estão se preparando para seguir, determinados, ambos, a defender o status quo integral sobre o fiscal compact, o pacto de orçamento europeu assinado em 2012. Não que isso chame a atenção, já que um o negociou, e o outro o aplicou. Todas as pesquisas confirmam isto: esses dois candidatos seduzem, acima de tudo, os vencedores da globalização com nuances interessantes (os católicos com o primeiro, e os burgueses radical-chic com o segundo). Mas, em última análise, são pontos secundários em relação à questão social. Os candidatos citados pretendem encarnar o perímetro da razão: quando a França tiver reconquistado a confiança da Alemanha, de Bruxelas e dos mercados, desregulando o mercado de trabalho, reduzindo os gastos públicos e os déficits, eliminando o imposto sobre o patrimônio e aumentando o imposto sobre o consumo (IVA), então finalmente será possível pedir que os nossos parceiros venham ao nosso encontro a respeito da austeridade e da dívida.

O problema desse discurso que parece ser razoável é que ele não o é de todo. O tratado de 2012 é um erro monumental, que aprisiona a zona do euro em uma armadilha mortífera, impedindo-a de investir no futuro. A experiência histórica mostra que é impossível reduzir uma dívida pública desse nível sem recorrer a medidas excepcionais. A menos que os países se condenem a registrar superávits primários durante décadas, compremetendo no longo prazo qualquer capacidade de investimento.

De 1815 a 1914, o Reino Unido passou um século registrando excedentes orçamentários enormes para reembolsar os seus rentistas e reduzir a dívida exorbitante produzida pelas guerras napoleônicas. Essa escolha nefasta produziu investimentos em formação inadequados e um novo impasse do país. Entre 1945 e 1955, ao contrário, Alemanha e França conseguiram se desembaraçar rapidamente de uma dívida de proporções semelhantes com uma combinação de medidas de cancelamento da dívida, inflação e impostos excepcionais sobre o capital privado, colocando-se em condições de investir no crescimento.

Seria preciso fazer o mesmo hoje, impondo à Alemanha um Parlamento da zona do euro para aliviar as dívidas com toda a legitimidade democrática necessária. Se não for assim, o atraso nos investimentos e a estagnação da produtividade já observados na Itália acabarão por se estender para a França e para toda a zona do euro (já há sinais nesse sentido).

É mergulhando novamente na história que conseguiremos sair do impasse atual, como acabaram de recordar os autores da magnífica Histoire mondiale de la France, ótimo antídoto às tendências identitárias do país. De maneira mais prosaica e menos divertida, é preciso também mergulhar nas primárias organizadas pela esquerda de “governo” (chamamo-la assim por não ter conseguiu organizar primárias com a esquerda radical, algo que pode afastá-la do governo).

É essencial que essas primárias designem um candidato decidido a colocar drasticamente em discussão novamente as regras europeias. Hamon e Montebourg parecem mais próximos dessa linha do que Valls ou Peillon, mas com a condição de que superem as suas posições sobre a renda universal e o made in France e, finalmente, formulem propostas específicas para substituir o pacto fiscal de 2012 (mencionado apenas de passagem no primeiro debate da televisão, talvez porque, há cinco anos, todos votaram nele: mas é precisamente por isso que é ainda mais urgente esclarecer as coisas, apresentando uma alternativa detalhada) [Benoit Hamon, o candidato mais à esquerda do Partido Socialista, venceu o primeiro turno das “primárias cidadãs”, em 22/1. Ele enfrentará o candidato neoliberal Manuel Valls no segundo turno destas primárias (Nota de “Outras Palavras”)].

Nem tudo está perdido, mas é preciso agir com pressa, se se quiser evitar colocar a Frente Nacional em uma posição de força.

EUA: mais quatro jornalistas processados por exercerem sua profissão (texto em inglês)


Deve ser horrível viver em um país assim, não é dona “Organização” Globo? Liberdade de imprensa, só a favor, não é mesmo?

Onde estão os indignados com a Venezuela? São seletivos, sabemos. Mas precisavam esconder a notícia? Perderam a capacidade de manipular a informação e escolheram omitir? Estão sem saber onde esconder a perplexidade e a incoerência?

Paulo Martins

NEWS & POLITICS
Four More Journalists Slapped with Felony Charges for Covering Inauguration Unrest
Each faces 10 years in prison and a $25,000 fine if convicted.
By Jon Swaine / The Guardian January 24, 2017

Photo Credit: Rena Schild / Shutterstock

Four more journalists have been charged with felonies after being arrested while covering the unrest around Donald Trump’s inauguration, meaning that at least six media workers are facing up to 10 years in prison and a $25,000 fine if convicted.

A documentary producer, a photojournalist, a live-streamer and a freelance reporter were each charged with the most serious level of offense under Washington DC’s law against rioting, after being caught up in the police action against demonstrators.

The Guardian learned of their arrests after reporting on Monday that the journalists Evan Engel of Vocativ and Alex Rubinstein of RT America had also been taken into custody by police and charged with felonies while covering the same unrest on Friday morning.

Jack Keller, a producer for the web documentary series Story of America, said that he was detained for about 36 hours after being kettled by police at 12th and L streets on Friday morning and then arrested despite telling officers that he was covering the demonstrations as a journalist.

“The way we were treated was an absolute travesty,” said Keller, whose cellphone has been kept by the authorities. Keller’s editor, Annabel Park, said: “It is a maddening and frustrating situation. These are people who were there observing and documenting.”
Matt Hopard, an independent journalist who was live-streaming the Friday protests, was arrested at the same site as Keller, Engel and Rubinstein, according to metropolitan police records. He said in a message that he denied the charge against him.

Also arrested while covering the demonstrations at 12th and L streets were Shay Horse, an independent photojournalist and activist, and Aaron Cantú, a freelance journalist and activist, who has written for outlets including the Baffler, the Washington Spectator and the New Inquiry. Both deny wrongdoing.

In all, more than 200 people were arrested on Friday, after property was vandalized in the US capital in the hours around Trump’s swearing-in as president. Police said that six officers suffered minor injuries.

The National Lawyers’ Guild accused Washington DC’s metropolitan police department of having “indiscriminately targeted people for arrest en masse based on location alone” and said they unlawfully used teargas and other weapons.

“These illegal acts are clearly designed to chill the speech of protesters engaging in First Amendment activity,” Maggie Ellinger-Locke, of the guild’s DC branch, said in a statement.

None of the arrest reports for the six journalists makes any specific allegations about what any of them are supposed to have done wrong. Keller’s report, which also covers the arrests of an unknown number of unidentified other people, includes a note that a police vehicle was vandalized. “I had absolutely nothing to do with the vandalism,” said Keller.

Reports on the arrests of five of the six journalists contain identical language alleging that “numerous crimes were occurring in police presence”. They state that windows were broken, fires were lit and vehicles were damaged. “The crowd was observed enticing a riot by organizing, promoting, encouraging and participating in acts of violence in furtherance of the riot,” the police reports said.
The US attorney’s office for Washington DC, which is prosecuting those arrested, declined to comment on the journalists’ specific cases but said it was continuing to review evidence from the day with the police.
“Based on the facts and circumstances, we determined that probable cause existed to support the filing of felony rioting charges,” William Miller, a spokesman for the office, said in a statement. “As in all of our cases, we are always willing to consider additional information that people bring forward.”

Un mundo estrecho y ajeno

Não nos faz falta viajar aos Estados Unidos para desfrutar semelhantes “cavernícolas”.

Compartilho artigo publicado no Iniciate Debate.

Paulo Martins

Un mundo estrecho y ajeno
Por Medios CC/CL – 24/01/2017

Donald Trump, junto a su esposa Melania, hace un gesto a la audiencia durante el Baile de la Libertad, celebrado tras su toma de posesión. Google images.

Javier Pérez de Albéniz | Cuarto Poder | 24/1/2017

El mundo es estrecho y ajeno. Esta adaptación torticera del título de la novela más conocida de Ciro Alegría, escritor indigenista peruano muy recomendable, nos puede servir para resumir la ideología política, y los planes, de Donald Trump. Para el nuevo presidente de Estados Unidos, el mundo es tan estrecho que comienza donde acaba Canadá y termina en la frontera con México. El resto del planeta le resulta ajeno. Terra ignota.

El nacionalismo musculoso y desacomplejado que adoran aquellos que no viajan, que no leen, que no trabajan, que no tienen futuro. La patriotería que se cultiva entre la pobreza y la ignorancia. Escucho en la radio que la mayoría de norteamericanos no entienden The New York Times. Es decir, que carecen de la preparación necesaria como para estar medianamente bien informados. Algo que les debilita como ciudadanos, les anestesia como votantes, y les convierte en presas perfectas para un depredador de la calaña de Trump, uno de esos leones de densa melena rubia que no hacen prisioneros.

En el discurso inaugural Trump dijo, a modo de declaración de intenciones, un sinfín de barbaridades. Pero mi favorita tiene que ver con el futuro, con el progreso, con la seguridad: “Estaremos protegidos por los grandes hombres y mujeres de nuestro Ejército, por las fuerzas de seguridad y, lo más importante, estamos protegidos por Dios”. Efectivamente, pensará algún lector: ¡Que Dios nos proteja! Pero no solo del fanático capitalista desmelenado. Seguramente sea mucho más peligroso el hombre prehistórico, el individuo primitivo y poco evolucionado cuya diminuta sesera se agazapa bajo un manto de crines doradas. Trump es un ultraconservador clasista que invoca a Dios, que no cree en el cambio climático, que frenará la educación y la sanidad públicas, que desprecia a los inmigrantes, que se siente un patriota sobre todas las cosas…

Trump es el futuro sin porvenir, es el mañana sin progreso, es el destino yéndose a negro. Trump es la involución. Es un mundo estrecho y ajeno.

¿Le suena todo esto? Será porque no hace falta viajar a Estados Unidos para disfrutar de semejantes cavernícolas.

O fascismo está no ar (revisado)

Eu ouvi um discurso dos anos 30 e 40, com nítido ranço da Alemanha hitlerista, que apenas adota um velho disfarce ao substituir a supremacia da raça pura alemã pela supremacia da nação norte-americana e por apelos ao nacionalismo e engrandecimento dos EUA em detrimento do resto do mundo.

Trump inverteu completamente a realidade e atribuiu a decadência da classe média norte-americana à exploração dos outros países. Falou do sucateamento da indústria norte-americana atribuindo a culpa ao Estado, à tributação e à falta de patriotismo do empresário norte-americano. Jogou Adam Smith e David Ricardo na lata do lixo. Talvez seja um lugar merecido no século XXI. Esqueceu-se, convenientemente, do desmantelamento da economia norte-americana causado pelo neoliberalismo e pela desregulação, especialmente do mercado financeiro, iniciados na era Ronald Reagan.

Os editores do Jornal Nacional, “inocentes”, coitados, escolheram ver um discurso forte. Alguns chamariam a expressão “forte”, que nada define, de mero eufemismo de conveniência; outros, de mistificação corriqueira, norma já tradicional na Organização.

Comentarista da GNT, empresa da mesma Organização, definiu o discurso de Trump  como Nacional Populista. Outro eufemismo.Um pouco mais próximo da realidade mas, mesmo assim, eufemismo. Todos sabemos qual a correta classificação do lamentável discurso de Donald Trump.

Se Trump realmente gosta de um palavreado xenófobo, misógino e racista,  que a Globo escolheu chamar de “forte”, nós também temos o direito de usar linguajar apropriado, expresso em “trumpês”, para classificar seu discurso de posse. Nesse novo  idioma, que causa calafrios na China e na Alemanha, a correta definição do discurso de Trump, é “fascismo”. Reciclado, revisado, semi-novo, transgênico, gourmetizado, mas o mesmo fascismo de sempre.

Hitler reencarnou-se em Trump. Só faltou escolher “Ordem e Progresso” como o lema deste novo tempo. A expressão já havia sido exportada para um determinado país sul-americano, igualmente carente de ideias e inspiração.

Preparem-se. Os novos tempos são de cuidados e de mediocridade. Stephen Bannon reina. God save us.

Leia, a seguir, texto complementar de Luiz Carlos Oliveira e Silva:

TRUMP E HITLER
1. O discurso de “inauguração” do mandato de Donald Trump, em diversos pontos, lembrou o de Hitler antes da guerra.
2. A ideia de que o povo retomou o poder, na figura do presidente, contra os políticos e as instituições, é um deles.
3. Há outros… Por exemplo:
4. Unir a nação contra os inimigos internos e externos é uma das ideias-força de Hitler que Trump está tomando como sua.
5. Os “judeus” de Trump são os assim chamados “imigrantes ilegais” e os “comunistas” da vez são os “radicais islâmicos terroristas”.
6. Outra ideia-força de Hitler que Trump estás abraçando denodadamente é a de atribuir as dificuldades econômicas à traição antinacional dos políticos.
7. O “Tratado de Versalhes” de Trump é a globalização.
8. Onde se ouvia “Alemanha para os alemães”, ouça-se agora “Buy American, hire American”.
9. Onde se ouvia “Deutschland über alles”, ouça-se agora “America First”.
10. O discurso de “inauguração” foi a reiteração do que ele disse na campanha. Diferentemente do que muitos esperavam.
11. Trump não amarelou. Hitler não amarelava… E deu no que deu…

A queda do avião com o ministro Teori

Não gosto de teorias conspiratórias. Por absoluta coerência. Se uma das minhas maiores críticas neste blog é o papel deletério exercido pela grande imprensa nacional que “topa tudo por dinheiro”, destruindo biografias e arruinando a vida de pessoas, com suposições, irresponsabilidade, ilações, mentiras e seletividade, não posso, por princípio, sem nenhuma informação, especular sobre o acidente aéreo que causou a morte de todos os passageiros e do piloto hoje, 19/01/2017, em Parati, no Rio de Janeiro.

Até este momento não está definido, com exatidão, nem o número nem a identidade das pessoas mortas no acidente. Então, está muito cedo para adiantar qualquer julgamento sobre o ocorrido.

Trata-se de um evento que causa perplexidade, embora já esteja, como outras mazelas destes tristes trópicos, tornando-se habitual. A morte de políticos, executivos e autoridades em viagens aéreas em dias de chuva, em aviões de pequeno porte, no Brasil, é uma triste realidade. Basta um pouco de memória.

Assim como abominei os comentários nas redes sociais sobre o acidente aéreo com morte do candidato presidencial Eduardo Campos, entendo que não convém alimentar teorias conspiratórias.

Teoria conspiratória é o que menos precisamos neste país perdido e sequestrado.

Temos, já, crises e mazelas suficientes para dar conta e tentar construir um país habitável, justo.

Hoje temos um país insalubre para pessoas éticas, com sensibilidade social.

Temos uma nação partida, perigosa para os vulneráveis, que morrem ou têm suas vidas destruídas em motins, epidemias, deslizamentos, enxurradas e rompimento de barragens, mas igualmente perigosa para os veneráveis, com a queda de aviões de mais de um milhão de dólares, sequestros-relâmpago ou bala perdida.

É necessário investigar com cuidado, seriedade e transparência as causas do acidente. E cobrar informações fidedignas.

Eu me preocupo muito mais com o novo ministro a ser nomeado pelos super-citados presidente usurpador e seus ministros implicados e com o novo relator a ser indicado para os processos da Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal.

O falecido ministro Teori Zavascki tinha uma importância enorme como relator da Lava-Jato, especialmente pelo número e relevância dos políticos com foro privilegiado e cargos de presidentes e ministros no Poder Executivo e, em especial, no Poder Legislativo,  arrolados no processo. Circulou a informação que o ministro era responsável por um grande número de processos, sendo que mais de cem estariam protegidos por sigilo.

Quanto à queda do avião, por enquanto, eu não acho nada. Sigo observando, atento. Recomenda-se prudência.

 

 

 

Poodles e vira-latas da imprensa nacional

Embora o autor, Ulysses Ferraz, deixe de mencionar diversas das grandes mazelas da mídia tal qual é praticada no Brasil  – a concentração de mercado, a pauta viciada, a seletividade perversa e deliberada, só para citar alguns exemplos – o texto é interessante.

Ulysses aborda em seu texto, entre outros aspectos, um ponto que eu tinha observado: o processo de seleção das espécies que vão sobreviver na mídia nacional seleciona, cada vez mais, cãezinhos amestrados. Este processo seletivo foi aperfeiçoado. Os cãezinhos amestrados só ladram e só mordem a quem interessa ao seu patrão. Trata-se de processo de adestramento, cada vez mais eficaz, que se retroalimenta e influencia toda a sociedade. Nem é preciso mais que os novos jornalistas e articulistas passem pelo adestramento nas redações. Estão lá fora, adestrados pela máquina de fabricar consensos superficiais. Basta pegar na prateleira e usar.

Nem precisam mais passar por cursos de jornalismo ou qualquer formação universitária. Basta a notória opinião conforme. Alguns, na verdade a grande maioria, são vítimas inconscientes que começam sua vida profissional como poodles e terminam virando latas. Outros, não tão inconscientes e mais sagazes, conseguem manipular o sistema, amoldando-se, tornam-se seus grandes beneficiários, emulando seus patrões.

Quem não se adapta, é expelido.

O problema é que o fato de alguém acreditar realmente no que fala e escreve – como é o caso dos “cãezinhos amestrados” da imprensa nacional – não os faz menos responsáveis. O fato de um jornalista amestrado acreditar, por exemplo, que só existe uma forma de organizar a economia, universal, maravilhosa e infalível, expõe a ignorância deste jornalista, mas não os exime de culpa.

Quem pretende fazer do jornalismo econômico sua profissão para toda a vida não pode sair por aí desfilando sua ignorância nas passarelas da vida, como se palpite fosse ciência, por mais demanda que exista no mercado. Mesmo que sua ignorância seja legítima, que ele ou ela acredite piamente no que fala e escreve, sua responsabilidade não diminui.

Quem fala e escreve em um grande jornal, revista, no rádio ou na TV tem um canhão nas mãos e não pode usar este meio para prestar um desserviço e disseminar sua ignorância, por mais inocente que ela seja, quando ela for, realmente, inocente.

Paulo Martins

Leia, a seguir, o texto de Ulysses Ferraz:

Por Ulysses Ferraz

A tragédia da revista Veja, do jornal O Globo e similares não está nos conteúdos publicados. Afinal, a liberdade de expressão, atendidos alguns pressupostos mínimos de respeito à dignidade humana, deve ser respeitada. A tragédia tampouco está nos argumentos utilizados pelos seus articulistas, eivados de lugares comuns e irracionalidades, quase sempre sem nenhum rigor formal e cujas conclusões raramente derivam das premissas. Não há nenhuma tragédia nisso. Tampouco é trágica a falta de embasamento técnico demonstrado em matérias sobre assuntos mais complexos, como economia, administração pública e privada, direito e, agora, contabilidade.

O nível de conhecimento apresentado nessas áreas está em conformidade com o pensamento médio de grande parte da sociedade brasileira com acesso ao sistema de educação formal e que se abastece de informações periodicamente por meio dos jornais/revistas de grande circulação e dos telejornais. Até aí nada demais.

E onde estaria a tragédia então? A tragédia está no fato de seus articulistas acreditarem apaixonadamente no que escrevem. Os conteúdos expressam aquilo que eles de fato pensam. Pelo menos na maior parte das vezes, não se trata de canalhice, de conspiração golpista, nada disso. Os textos representam a mais completa tradução da visão de mundo de seus autores. Pessoas comuns, “gente como a gente”, que buscam um lugar ao sol, um espaço digno em seus campos de atuação profissional, lutam por bons salários, crescimento na carreira, consagração e reconhecimento entre os pares.

E quanto mais acreditam no que escrevem, mais úteis são para os veículos dos quais fazem parte. Estes sim os grandes beneficiários do sistema que buscam perpetuar. As grandes corporações da mídia são parte da infraestrutura (economia) e da superestrutura (ideologia). Talvez seja o setor em que ambas as características, infraestrutura e superestrutura, estejam mais claramente presentes. Portanto, além de ser um negócio como outro qualquer, que depende de vendas e lucro, é também parte interessada no que publica. Mas possuem o álibi da objetividade e da neutralidade jornalística, o que mascara, como em nenhum outro setor, o fato de serem agentes autorizados para falar dos próprios interesses. Imagine se a indústria do tabaco fosse o agente autorizado para formar opinião sobre os efeitos do vício de fumar? É o que acontece com a grande mídia. E, no fundo, os profissionais da mídia são tão dominados quanto aqueles que pretendem dominar. São soldados obedientes, esforçados, que exercem com bastante competência seus papéis de conservadores dos sistemas de dominação a que pertencem.

Por outro lado, o campo jornalístico é um campo cada vez mais precário para quem nele atua. Seus porta-vozes também são, numa certa medida, vítimas de seus próprios discursos. São profissionais cada vez mais terceirizados, cada vez mais mal remunerados, cada vez mais explorados e precarizados pelas gigantes do setor de comunicações. Vivem sujeitos a reestruturações, reengenharias e os famosos “passaralhos”. É certo que alguns profissionais tornam-se dominantes no campo e se confundem com a própria força econômica do setor. É o caso dos âncoras, dos editores-chefes e de todos os mandachuvas do campo. Mas são minoria. E ainda assim, de tempos em tempos, são trocados, demitidos, substituídos, reciclados e reduzidos a uma quase caricatura do que um dia representaram. No fim, somos todos descartáveis. Essa é a grande tragédia. O grande capital subjuga todos.

Os dados provam: desigualdade é a lógica do sistema e não uma disfunção ocasional

Contrário ao que as matérias jornalísticas tentam fazer crer, a desigualdade não é uma simples disfunção da máquina econômica global. Sem controle, esta máquina produz, de um lado, extrema concentração de riqueza e, de outro, pobreza e “desposse”. O funcionamento normal dessa máquina gera bolhas e desequilíbrios, excluindo os derrotados no perverso jogo da competição e da ganância.

O capitalismo necessita de crescimento composto infinito, concentração de renda e riqueza entre poucos e exclusão dos demais.Esta é a lógica de funcionamento do modelo.  O mercado é incapaz de criar mecanismos que permitam, em prazo razoável, em nível local ou global, obter crescimento equilibrado e estável. De uma máquina que gera, em seu funcionamento regular, desequilíbrios e crises, não se pode esperar estabilidade.

Todos os bilionários citados beneficiaram-se de extrema concentração nos mercados em que atuam. Eliminaram concorrentes, sonegaram tributos, manipularam informação, formataram a opinião pública, pagaram propinas, fizeram lobby, compraram leis, isenções, benefícios e empréstimos com juros subsidiados, concentraram renda, diminuíram salários apesar de aumentos extraordinários de produtividade e foram capazes, mediante expedientes anti-livre competição, de assumirem domínio monopolista ou oligopolista nos mercados globais.

Entra ano, sai ano, jornalistas, economistas e autoridades reunem-se no Fórum Econômico Global para tentar consertar a máquina econômica global. Ora, os mecânicos que construíram a máquina que funciona tão mal não serão capazes de renegar seu invento e declarar que a tal máquina tem defeitos básicos de concepção e que não é possível repará-la.

Não é necessária nenhuma genialidade para verificar que a máquina econômica global tal qual concebida não funciona para a grande maioria. E que não há conserto capaz de fazê-la funcionar. É o que os números mostram e os míopes fingem não enxergar.

É necessário substituí-la. Não sei quantas linhas serão escritas, quantas palavras serão jogadas ao vento, quantos fóruns e conferências globais serão necessários até que se conclua que o desarranjo da máquina econômica  global é fatal. A paciência não será infinita.

Se o aumento na desigualdade não é “uma lei de ferro do capitalismo” como afirma a instituição que organiza o Fórum Econômico Mundial e que tudo é apenas uma questão de escolha de políticas corretas, tendo em vista a caótica situação das pessoas resultante do mal funcionamento da economia, podemos concluir que os formuladores de políticas ou não querem ou não sabem quais seriam as tais escolhas políticas corretas. Fazem escolhas erradas, não admitem o erro e, quando questionado, dobram a aposta. Quando surgem os resultados catastróficos que provam o funcionamento perverso da máquina econômica, fingem surpresa alguns e perplexidade outros. Leia, abaixo, a tradução do texto da The Guardian que eu fiz. Veja os noticiários e observe que eles, todos eles, evitam tocar na raiz do problema.

Paulo Martins

Larry Elliott, Editor de Economia,The Guardian

Segunda-feira 16 janeiro 2017

Os oito bilionários mais ricos do mundo controlam entre eles a mesma riqueza que a metade mais pobre da população global, de acordo com uma organização dedicada à caridade que emitiu o alerta sobre a crescente e perigosa concentração de riqueza.

Em um relatório publicado para coincidir com o início da semana de Fórum Econômico Mundial, em Davos,  Oxfam declarou que ser “além do grotesco” que um punhado de homens ricos liderados pelo fundador da Microsoft, Bill Gates valem US$ 426 bilhões (£ 350 bilhões), equivalente à riqueza de 3.6 bilhões de pessoas.

A associação de caridade para o desenvolvimento pediu um novo modelo econômico para reverter a tendência à desigualdade que ela considera que ajuda a explicar a vitória do Brexit e de Donald Trump na eleição presidencial dos Estados Unidos.

Robótica, Trump e Brexit aqueceram a temperatura na neve de Davos

Oxfam culpou o aumento da desigualdade em razão da agressiva restrição nos salários, da sonegação de tributos e da exploração de produtores por empresas, acrescentando que empresas também focaram em entregar para os proprietários e top executivos  retornos cada mais mais altos.

O Fórum Econômico Mundial declarou na semana passada que o aumento na desigualdade e polarização social são os dois maiores riscos para a economia global em 2017 e que poderia resultar em volta atrás da globalização.

A Oxfam declarou que os 50% mais pobres do mundo eram proprietários do mesmo valor em ativos  dos US$ 426 bilhões possuídos por um grupo encabeçado por Gates,  Amancio Ortega, espanhol fundador da cadeia de moda Zara e Warren Buffett, o famoso investidor e chefe executivo de Berkshire Hathaway.

Os outros são Carlos Slim Helú: o magnata mexicano das telecomunicações e proprietário do conglomerado Grupo Carso; Jeff bezos: o fundador da Amazon; Mark Zuckerberg: o fundador de Facebook; Larry Ellison, chefe executivo da empresa norte-americana de tecnologia Oracle; e Michael Bloomberg; um ex-prefeito de Nova Iorque e fundador e proprietário do serviço de notícias e informações financeiras Bloomberg.

Ano passado, a Oxfam havia declarado que os 62 bilionários mais ricos do mundo eram tão ricos quanto a metade da população global. Contudo, este número tem caiu para oito em 2017 porque nova informação mostra que a pobreza na China e na Índia está pior do que anteriormente pensado, piorando a situação dos 50% faixa de renda mais baixa e aumentando a distância entre ricos e pobres.

Com os membros de o Fórum sendo esperados para esta  segunda-feira na Suí ça, onde os hóspedes variarão do presidente chinês Xi Jinping, a estrela pop Shakira, o WEF – World Economic Forum lançou seu próprio relatório sobre crescimento e desenvolvimento inclusivo em que ele declara que o rendimento mediano tinha caído por um média de 2,4% entre 2008 e 2013 em 26 nações desenvolvidas.

Noruega, Luxemburgo, Suíça, Islândia e Dinamarca ocuparam o cinco primeiros lugares no índice de desenvolvimento econômico  inclusivo do WEF, com a Grã-Bretanha em vigésimo- primeiro e os Estados Unidos em vigésimo-terceiro. A instituição que organiza o evento em Davos disse que o aumento da desigualdade não é uma “lei de ferro do capitalismo”, mas uma matéria de fazer as escolhas políticas corretas.

O relatório do WEF encontrou que 51% dos 103 países para os quais os dados estavam disponíveis viram suas pontuações no índice de desenvolvimento inclusivo declinar nos período dos últimos cinco anos, “atestando para o legitimidade da preocupação pública e o desafio a ser enfrentado pelos formuladores de políticas quanto à dificuldade de traduzir crescimento econômico em amplo progresso social”.

Baseando sua pesquisa na lista de ricos da Forbes e em dados fornecidos pelo banco de investimento Credit Suisse, Oxfam disse que a vasta maioria das pessoas sitiadas na metade inferior da faixa de riqueza da população do mundo defrontaram com uma luta diária para sobreviver , com 70% deles vivendo em países de baixa-renda.

Faz quatro anos que o WEF primeiro identificou a desigualdade como uma ameaça à  estabilidade social, mas a distância entre ricos e pobres continuou a aumentar, acrescentou a Oxfam.

“Do Brexit ao sucesso da campanha presidencial de Donald Trump, o aumento preocupante do racismo e a desilusão geral com a política tradicional, existem crescentes sinais de que mais e mais pessoas em países ricos não estão mais desejando tolerar esse estado de coisas”, o relatório afirmou.

A instituição de caridade declarou que novas infrmações mostraram que pessoas pobres na China e na Índia eram proprietárias de menos ativos do que se havia pensado anteriormente, tornando a desigualdade de riqueza ainda mais pronunciada do que pensado um ano atrás, quando foi anunciado que 62 bilionários eram proprietários da mesma riqueza que a metade mais pobre da população global.

Mark Goldring, chefe executivo da Oxfam GB, declarou: “a fotografia da desigualdade deste ano está mais clara, mais exata e mais chocante do que antes. É além de grotesco que um grupo de homens que poderia facilmente encaixar um único carrinho de golfe tenha mais do que a metade mais pobre da humanidade.

“Enquanto uma em cada nove pessoas no planeta irá para a cama com fome hoje à noite, um pequeno punhado de bilionários tem tanta riqueza que eles precisariam de vários vidas para gastar tudo. O fato que uma elite super-rica seja capaz para prosperar às custas do resto nós em casa e no exterior mostra quão deformada nossa economia tornou-se.

Mark Littlewood, diretor geral do “think tank” Instituto de Assuntos Econômicos, declarou: “uma vez mais Oxfam publicou um relatório que demoniza o capitalismo, esquecendo-se convenientemente  do fato de que o mercados ajudou 100 milhão pessoas a sair da pobreza no ano passado”.

“O relatório da Oxfam acrescentou que desde 2015 o 1% mais rico é proprietário de mais riqueza do que o resto o planeta. Ele afirma que nos próximos 20 anos, 500 pessoas vão repassar 2.1 trilhões de dólares para seus herdeiros – um soma maior do que o PIB da Índia, um país com 1.3 bilhão de pessoas. Entre 1988 e 2011 os rendimentos dos 10% mais pobres aumentou por apenas 65 dólares, enquanto o rendimentos do 1% mais ricos cresceu 11.800 dólares- 182 vezes mais.

Oxfam exortou para uma mudança fundamental alterar para assegurar que economias trabalhem para todos, não apenas para “uma minoria privilegiada”.

Articuladores do impeachment são responsáveis pela atual indignidade, por Jânio Freitas

Articuladores do impeachment são responsáveis pela atual indignidade

[Janio de Freitas, na Folha de S. Paulo, de hoje, 15/01]

A combinação de pessoas e ineficácias a que chamamos de governo Temer tem uma particularidade. Nos tortuosos 117 anos de República e ditaduras no Brasil, jamais houve um governo forçado a tantas quedas de integrantes seus em tão pouco tempo, por motivos éticos e morais, quanto nos oito meses de Presidência entregue a Michel Temer e seu grupo.

Entre Romero Jucá, que em 12 dias estava inviabilizado como ministro, e o brutamontes Bruno Julio, que, instalado na Presidência, propôs mais degolas de presos, a dúzia de ministros e secretários forçados a sair é mais numerosa do que os meses de Temer no Planalto.

Foi para isso que o PSDB, o PMDB, a Fiesp, o jurista Miguel Reale e o ex-promotor Hélio Bicudo, a direita marchadora e tantos meios de comunicação quiseram o impeachment de uma presidente de reconhecida honestidade?

Sim. À vista da ausência, nem se diga de reação, mas de qualquer preocupação entre os autores do impeachment, a resposta só pode ser afirmativa. Até antecipada pelo descaso, também ético e moral, dos aécios, da Fiesp, de reales e bicudos. Estes também são partes do governo Temer, como o PSDB, ou seus associados. Logo, tão responsáveis pela indignidade dominante quanto o próprio Temer.

O Geddel que começa a estrelar mais uma peça da ordinarice foi expelido do governo em tempo de evitar que as novas revelações explodissem em uma sala do Planalto. Mas é inesquecível que até poucas semanas Geddel disputava com Eliseu Padilha o comando de fato do governo. Instalado no centro da Presidência por desejo do próprio Temer, que fez o possível para inocentá-lo do favorecimento ilegal a um negócio imobiliário.

Não havendo petistas nem próximos de Lula envolvíveis, a Polícia Federal não se interessou. Se o novo escândalo chegar ao negócio que derrubou Geddel, porém, a PF verá que antes de uma frustração pode haver muitos lances bem sucedidos. Apesar de nada admiráveis.

Mais sugestiva do que a inclusão de Geddel no Planalto é sua nomeação para a diretoria da Caixa Econômica: foi escolha pessoal, o que vale como pedido, do então vice-presidente à presidente. E não qualquer diretoria, não. A de negócios com pessoas jurídicas. Empresas, empresários, projetos privados, sociedades de particulares com governos.

Michel Temer fez mesmo o serviço completo: como outra escolha pessoal, conectada ao PMDB, indicou também para a direção da Caixa ninguém menos do que Moreira Franco.

O que daí resultaria era tão óbvio que aqui mesmo, e logo, se pressentiu. Com a mesma obviedade, o que seria a entrega do governo a Michel Temer e seu grupo não ficou impressentido pela cúpula do PSDB, pelos reales e bicudos do impeachment. Tão responsáveis, hoje, quanto Michel Temer.

UM LIVRO

Dinheiro e interesses não políticos fizeram o lado (ainda) obscuro do impeachment. Os fatos, ideias e sentimentos que viveram o processo de dentro da Presidência e do governo eram o lado sombrio. Não são mais. “À Sombra do Poder – Bastidores da Crise que Derrubou Dilma Rousseff” os ilumina.

E o faz muito além do seu resultado presente. É um livro que ficará como referência. Jornalista e doutor em ciência política, o brilhante Rodrigo de Almeida se propôs a fazer um “livro de observação” –e conseguiu.

Secretário de imprensa da Fazenda com Joaquim Levy e, depois, da Presidência até a destituição de Dilma Rousseff, Rodrigo de Almeida faz uso tão objetivo do seu testemunho quanto seria possível. É jornalismo na melhor acepção da palavra.

Não teme falar do temperamento, das reações e dos erros de Dilma Rousseff, e o faz com elegante franqueza. Trata o decorrer dos acontecimentos, desde o início do segundo mandato, sem ceder a impulsos de militância.

Conduz a exposição do cerco intransponível a Dilma, e a original conduta por ela mantida, sem se perder em considerações dispensáveis e sem perder, jamais, a noção do que refletiria, de fato, a essência do testemunhado.

O texto excelente de Rodrigo de Almeida leva a uma leitura agradável, que a boa edição da LeYa mais honraria se não desprezasse o índice onomástico.

39 Anos de um Cidadão Brasileiro, Thiago de Mello

39 Anos de um Cidadão Brasileiro

Pois aqui estou

cara a cara

com a vida

Dia 31 de março,
confiro meus documentos.
Cidadão brasileiro,
legítimo: sei que a lei
mudou, mas não mudou tanto.
Alguma coisa ainda vale
no chão amado da infância,
chão com cheiro de marirana
e flor de cajueiro,
chão por onde hoje campeia,
solta e grossa,
a botina rombuda.

Está na certidão:
natural do Amazonas,
barrancos do Bom Socorro.

(Um dia achei no capinzal

um canudo enferrujado

e fiquei sabendo que meu avô

tinha sido coronel, era um diploma,

eram os tempos da Guarda Nacional,

meu avô nem se lembrava, mas gostava do rei.)

Pois brasileiro, caboclo,

39 Anos. Feitos ontem.

É. Mas não chegou ninguém,

remando de canoa. Ninguém veio

pelas águas dos remansos,

  • curimatãs, tucumãs –

ninguém chegou lá de longe

varando a noite do vento

para amanhecer na festa

do meu dia aniversário.

É. São 39 anos.

Casado mais de uma vez,

mas a lei diz que é uma só;

não vou dizer o contrário,

vou vivendo a lei da vida

pela mão da companheira,

que sabe muitas magias,

de ternura faz estrelas,

disfarça flor em canção,

cada dia é mais menina,

como a estrela matutina.

Pois brasileiro casado,

e pai de dois filhos homens,

O menor ficou tão longe,

nem sabe o lugar que tem

no fundo azul do meu peito.

O outro vem vindo comigo:

é o bem maior de uma vida

que se acabou já faz tempo,

nem parece que passou.

Com este menino conto,

todos podemos contar.

Seu perfil já vai no rumo,

vai ser brasa de mandar.

Dói não poder dar mais,

e amor que sobra dói,

mas é amor, nunca se estraga.

Folha corrida não há.

A de serviços é pouca,
nem sei se vale. O que vale
é este papel esquecido,
todo comido de tempo,
que só me acende desgostos
e durezas dos meus dias
de serviço militar.
Provo que sou reservista,
dei muito tiro no muro,
desmontei muito fuzil,
decorei o regulamento,
bom mesmo era rastejar
no cheiro fresco da lama.
Fiz meias-voltas, volver,
fiz tudo para entender
a alma daquele tenente:
estava sempre engomado,
limitava-se ao comando,
nunca nenhuma palavra
de gratuita convivência.
Às vezes vinha a cavalo,
solene e só, silencioso
na altura do seu desprezo.
Foi o ser mais solitário,
o mais feroz que eu já vi.

Aqui tenho o documento.

Reservista. De segunda,

como convém, se convém.

Reservista é casado,

brasileiro do Amazonas.

De eleitor, além do título
— que de repente se ameaça
de nenhuma serventia —
guardo a alegria de sempre
ter escolhido sozinho,
mas guardo a pena de nunca
ter dado o amor do meu voto
a um homem do povo e ao povo
num homem: assim como Arraes.

A profissão é a de poeta
ou de empinador de papagaios
o que vem a dar no mesmo.

Podia dar outros títulos

que me deram para usar

nos meus trabalhos de vida.

Mas cara a cara, defronte

do espelho enxuto, a poesia

mais que ofício é contingência

da minha vida de homem.

Nem por isso tenho muito

para o final deste rol.

Algumas canções de rua,

mas as moças se esqueceram,

umas canções de acalanto,

que uns meninos ainda sabem.

O resto é a literatura:

oito livros publicados,

dos quais, tirante os cantares,

uns de amigo, outros de amor

  • tudo o mais são geometrias

perguntando pelo ser.

Pois deixei de perguntar

e o ser vai muito bem,

vai sendo simplesmente

o que é, sem se indagar,

tratando de ser bom,

de ser também um pouco

para os outros que vão

sendo ao lado o que são;

o ser vai trabalhando

para que todos sejam

capazes da alegria

que deve ser geral.

Deixando o ser livre limpo,
chegaram os cantos que eu amo.
De todos os que mais valem,
são os poemas sobre a rosa
na parede da prisão,
é a canção da rebeldia
dos fonemas da alegria,
é o canto companheiro
chegando do ao coração,
é a toada pro menino
que vai levando o pendão.

Por isso estou aqui com a minha vida,
na cordilheira longe do meu povo,
do qual jamais tão perto estive tanto.

Cidadão brasileiro,
natural do Amazonas,
39 anos, casado,
eleitor e reservista,
pai de dois filhos e poeta,
que ficou desempregado.
Nunca no entanto tive tanto trabalho,
trabalho o tempo inteiro e não me canso
porque trabalho cantando
na construção da manhã:
manhã geral de amor que vai chegar.

Santiago do Chile,
31 de março de 1965

Publicado no livro Faz Escuro Mas Eu Canto: Porque a Manhã Vai Chegar (1965).

4.a ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira

 

Belluzzo: o Brasil não tem elite, só ricos

Belluzzo: ‘Quanto mais selvagem a sociedade, pior trata crianças, velhos e prisioneiros’

Para economista, o Brasil não tem elite, só rico – que não quer saber do Brasil. “Voltamos à época do pau-brasil, virou campo de caça. Como se viessem fazer algo extrativista: tirar e ir morar em Miami”

por Eduardo Maretti, da RBA publicado 10/01/2017 09h31, última modificação 10/01/2017 19h51
EDUARDO MARETTI/RBA
Luiz Gonzaga Belluzzo

Belluzzo: Sergio Moro é o que nos anos 1920 ainda se chamava idiot savant, expressão psiquiátrica para falar do sábio idiota

São Paulo – O economista Luiz Gonzaga Belluzzo não gosta de analisar conjuntura sem contextualizar o cenário em um panorama histórico mais amplo. Assim, por exemplo, para responder se o mercado está começando a sinalizar sua decepção com o presidente Michel Temer, ou, mais concretamente, se o mercado está de fato abandonando Temer, ele começa dizendo: “Eu não acho que essa seja uma pergunta que esclareça a situação”. Para Belluzzo, é preciso situar o atual cenário no processo que começou a se formar a partir do fim de 2014, quando a ex-presidenta Dilma Rousseff começou a consolidar a ideia do ajuste fiscal.

Para ele, na sequência dos acontecimentos que culminaram no impeachment, as pessoas continuaram falando que era só passar o impeachment que ia melhorar a confiança. O que é um pensamento simplista numa conjuntura de grave crise. “A ideia de que uma vez deflagrado o impeachment você iria recuperar a confiança é primária. O que aconteceu foi que a situação se agravou, continuamos numa espiral descendente, e todas as pesquisas de confiança dos empreendedores acabaram se mostrando negativas”, diz.

O economista considera que o cenário atual do país “é obscuro” e é difícil fazer previsões. “Acho que a recuperação da economia vai demorar muito, mas esse sistema político que está aí é um obstáculo.” Um exemplo para ilustrar a cor cinzenta do horizonte hoje é a chamada “PEC do Fim do Mundo”, que congela gastos públicos em áreas vitais como saúde e educação. “É uma insensatez. Qualquer pessoa com inteligência acima de dois neurônios se dá conta de que isso é um desastre. É coisa de hospício.”

Ele episódios recentes nos presídios brasileiros para dizer, citando o filósofo italiano Norberto Bobbio (autor de Teoria Geral da Política), que se pode avaliar “o grau de civilidade de uma sociedade pela forma como trata as crianças, os velhos e os prisioneiros”. “Quanto mais selvagem e mais bárbara a sociedade, pior o tratamento que dá a essas categorias de pessoas”, disse, ao receber a reportagem da RBA em seu apartamento em São Paulo para esta entrevista.

Palmeirense histórico, Belluzzo corrigiu o repórter, que lhe perguntou se o Palmeiras voltou a ser grande em 2016, com o título do campeonato brasileiro: “O Palmeiras sempre foi grande”. Ele presidiu o clube no biênio 2009/2010.

O mercado está abandonando Temer?

Eu não acho que essa seja uma pergunta que esclareça a situação. As opiniões prevalecentes no mercado foram importantes para fazer com que a Dilma mudasse de ponto de vista, entre o momento em que ela estava fazendo a campanha eleitoral, e portanto propondo um outro programa, e a decisão que ela tomou no final de 2014 (quando o pacote fiscal começou a tomar corpo).

Na época eu disse que ela ia fazer um ajuste equivocado e eu esperava consequências desastrosas (leia aqui a entrevista de Belluzzo à RBA em dezembro de 2014). Eu já fiz muita previsão errada, mas nesse caso não precisaria nem ser economista, precisaria de elementar bom senso e ter um mínimo de conhecimento para ver que adotar aquele programa de ajustamento, como foi feito, quando a economia estava desacelerando fortemente, ia desencadear um processo cumulativo que se autorreforçava, de queda do PIB e aumento dos custos das empresas, porque houve um choque de tarifas – gasolina, energia, água, esgoto – e explosão do serviço das dívidas contraídas no período de expansão, quando empresas e famílias se endividaram.

A inflação saiu de 6,4% no final de 2014 e foi para 10,25%, se não estou enganado (em janeiro de 2016, o IPCA chegou a 10,71% e o INPC, a 11,31%). Com a subida da taxa de juros e cortes de investimento, a economia entrou num processo de derrocada que se autoalimenta: queda do nível de atividade, menos receitas para empresas e menos impostos para o governo. À medida que as condições das empresas foram piorando, pioraram também as condições do crédito, para as empresas e famílias. Você jogou a economia não numa recessão, mas numa depressão. A despeito disso, as pessoas continuaram falando que era só passar o impeachment que ia melhorar a confiança. Ora, isso é uma visão tosca de como você recompõe a confiança de uma economia de mercado.

Isso sob uma ótica política…

Político-econômica, porque as coisas estão muito entrelaçadas. A ideia de que uma vez deflagrado o impeachment você iria recuperar a confiança é uma ideia primária. O que aconteceu foi que a situação se agravou, continuamos numa espiral descendente, todas as pesquisas de confiança dos empreendedores acabaram se mostrando negativas. No caso das empresas houve uma piora grave do serviço da dívida e aumento da capacidade ociosa, como no setor automobilístico.

As empresas estão muito machucadas pelo choque de tarifas e de juros e pela deterioração dos seus balanços. Essa é uma recessão muito grave porque a piora do balanço das empresas, de serviços ou industriais, afeta também os bancos, que começam a ter problemas com seus balanços. O que estou vendo é que começa um movimento de percepção entre aqueles que ou aceitaram ou concordaram não só com o impeachment, mas com o programa.

É uma ilusão achar que o impeachment ia recompor a confiança. Como disse, é primário. Tirando alguns que estão começando a manifestar uma inquietação agora, o mercado, os que falavam muito, estão se escondendo. Tenho lido artigos que dizem que o desemprego seria menor se houvesse um ajuste pelo lado do emprego informal. É outra ilusão. É ilusão dizer que, se o salário real caísse mais rapidamente, o combate à inflação seria mais rápido e a recessão seria menor. Francamente, isso não encontra guarida na lógica, porque se a massa de salários cai muito rapidamente, isso vai alimentar a recessão.

A política econômica do governo Temer não parece um arremedo de neoliberalismo, algo mais antigo, ou uma colcha de retalhos, com medidas de supressão de direitos, PEC do Fim do Mundo etc.? Como define essa política?

É difícil lidar com nomes, com siglas. Acho que é uma política, mais do que conservadora, retrógrada. Ela tenta fazer um ajuste que não tem nenhum fundamento no funcionamento real da economia, movido por ideias muito conservadoras e precárias. É um desrespeito com os neoliberais mais atilados chamar essa política de neoliberal (risos).

Há uma crise muito profunda da teoria econômica, que está sendo avaliada e contestada por muita gente fora do Brasil. Aqui esse debate ainda não ganhou corpo, porque os economistas brasileiros ainda estão muito resistentes a abrir mão do aparato teórico que adquiriram fora do Brasil, e que não tem mais validade ou vale muito pouco e até os economistas mais atilados deles já estão começando a reconsiderar algumas questões. Quando a economia estava desacelerando, adotar aquele programa de ajustamento (com Dilma) é simplesmente inacreditável. Inacreditável que pudesse passar pela cabeça de alguém uma ideia que só se pode justificar por concepções equivocadas e mesmo ridículas.

O Moro está encharcado de convicções, foi ensinado assim, estudou nos EUA. Percebe-se que não tem cultura mais ampla. Isso faz falta entre operadores de direito e de economia. A gente sempre precisa achar que a gente sabe menos do que acha que sabe
No atual processo, estamos vendo acontecer com a Petrobras o que nem a ditadura – que tinha setores nacionalistas – e nem Fernando Henrique conseguiram…

Isso nasce de uma situação peculiar, que foi a investigação da Lava Jato. Porém, se você examinar os episódios de crimes financeiros nos Estados Unidos, por exemplo, eles procuraram preservar as empresas. Aqui, conseguimos fazer uma coisa muito grave: prejudicar uma cadeia produtiva muito importante, talvez a mais importante num momento de recuperação. Tem algumas coisas que só podem ser explicadas pela indigência mental dessa gente.

Ou estão certas as teorias da conspiração segundo as quais isso tudo foi orquestrado a partir de interesses externos?

Acho que o Sérgio Moro, por exemplo, nem sabe o que está fazendo. Isso é o pior nessa sociedade em que nós vivemos. Tanto ele (Moro) quanto os que deflagraram o ajuste não têm consciência exata do que estão fazendo. Há estudos agora sobre o caráter da informação, da língua, da linguística, dos falsos conceitos, o que tem a ver com a mídia brasileira, escancaradamente de quinta categoria.

O Moro é o que nos anos 1920 ainda se chamava idiot savant, uma expressão psiquiátrica, para falar do sábio idiota, aquele que só conhece a área dele e não consegue fazer uma relação entre a área dele e as demais. Então não acho que o Moro seja um conspirador. Ele está encharcado dessas convicções, foi ensinado assim, estudou lá, percebe-se claramente que não tem uma cultura mais ampla. Aliás, isso faz falta entre operadores de direito e de economia. A gente sempre precisa achar que a gente sabe menos do que acha que sabe.

O Brasil passa por uma conjuntura em que não se sabe se o governo vai cair, se vai haver parlamentarismo ou o que vai acontecer. É possível prever um cenário?

O cenário é muito obscuro, muito difícil de fazer previsão. Acho que a recuperação da economia vai demorar muito, mas esse sistema político que está aí é um obstáculo, não oferece nenhuma possibilidade de solução. Eles se comprometeram muito. Essa “PEC do Fim do Mundo” é uma insensatez. Qualquer pessoa com inteligência acima de dois neurônios se dá conta de que isso é um desastre. É uma coisa de hospício.

No entanto, passou…

Passou. Pois é. A gente tem que buscar a explicação numa região mais profunda da sociedade brasileira. Você está vendo o que está acontecendo com os presídios. Uma vez li no Norberto Bobbio que você pode avaliar o grau de civilidade de uma sociedade pela forma com que trata as crianças, os velhos e os prisioneiros. Quanto mais selvagem e mais bárbara a sociedade, pior o tratamento que dá a essas categorias de pessoas, que são as que estão à mercê do Estado, e deveriam estar sob a proteção do Estado. Você viu manifestações de deputados, secretários de Estado, dizendo que não tinha nenhum santo (nos presídios). Não se trata de santo ou não santo, trata-se de um sujeito que está investido da condição humana.

Há o atraso secular do Brasil, atraso social, moral e ideológico que vem lá do escravismo, e depois vem da desigualdade, e de todas as mazelas das quais esse país não se livrou. Isso tudo está cristalizado hoje em duas coisas: no mercado financeiro e na mídia de massas. Isso é que conforma o imaginário, a compreensão de muitos brasileiros entregues a isso sem nenhum poder de reação e nenhuma possibilidade de se informar alternativamente.

Depois de tanta luta pela redemocratização, o impeachment, como ocorreu, provocou em muitas pessoas um sentimento de total descrença no Brasil, os que acham que o país não tem mais jeito. Qual sua posição, está entre esses?

Não, porque se eu tivesse essa visão eu teria me retirado de alguma forma. Acho que a gente pode juntar forças democráticas e acho que uma parte da esquerda tem que entender que a democracia é importante. A gente está aprendendo que é importante, que as instituições são importantes. A gente está voltando às origens do pensamento de esquerda que era liberal democrático. O liberalismo político faz parte da construção dessa forma de ver o mundo, de organizar as instituições, junto com o controle da economia pelo Estado, sem que você se deixe iludir pela ideia de que o mercado se autorregule.

Não estou falando nada de novo, mas simplesmente voltando ao que disseram e praticaram os grandes estadistas do pós-guerra, como (Konrad) Adenauer (Charles) De Gaulle, (Alcide) De Gasperi, gente que se deu conta de que a democracia só pode florescer enquanto houver segurança econômica do cidadão, senão você desencadeia um processo perverso, como o que a gente está vendo aqui. O que é assustador aqui é nosso atraso cultural, intelectual, sobretudo nas camadas dos que se consideram acima dos mais fracos e mais pobres. Seria bom que o Brasil tivesse uma elite, mas não tem. O Brasil tem ricos, mas não tem elite.

As camadas superiores não querem saber do Brasil. É como se estivéssemos voltando à época do pau-brasil, isso aqui virou um campo de caça. Como se viessem fazer uma coisa extrativista: tirar e ir morar em Miami. Não têm solidariedade com o outro. E isso é fundamental, foi o que cimentou a construção do Estado do bem estar, que hoje está começando a se dissolver também na Europa. Isso é que é terrível. O capitalismo não consegue mais se proteger dele mesmo.

Mas, pelo menos no Brasil, a pouca civilidade que tinha está indo pelo ralo…

Sim, aqui a coisa é mais grave, mas na Europa a situação da Grécia, por exemplo, é terrível. Aumentou o número de suicídios violentamente. O que a gente quer? A gente quer dar uma contribuição para a sociedade e ao mesmo tempo ter direito de viver melhor. O que está colocado aí na frente pelo avanço tecnológico etc. é que você vai poder trabalhar menos horas. Precisamos nos livrar dessas relações postas nas empresas com os trabalhadores e a população, para que as pessoas possam trabalhar menos, curtir mais a vida.

E o Palmeiras? Voltou a ser grande em 2016?

O Palmeiras sempre foi grande.

registrado em: luiz gonzaga belluzzo palmeiras dilma rousseff michel temer crise política crise econômica
Edição dez/2016-jan/2017
HADDAD E A CIDADE
‘São Paulo teve ganhos civilizatórios e a casa está em ordem’
JUSTIÇA DO TRABALHO
Para ministro do TST, terceirização faz de pessoas mercadorias

tvtlogo2.jpg
ÚLTIMAS NOTÍCIAS
‘Encontramos doentes mentais na mesma cela que presos comuns’, conta juiz
Doria colocará ambulâncias nas marginais para encarar aumento de velocidade
Justiça faz nova notificação a Alckmin, e reajuste no transporte é suspenso
Parlamentares e entidades de DH querem punir secretário e deputado por incitarem a violência
Com crise prolongada, até ‘mercado’ aposta em corte maior de juros
Últimas Notícias – Mais…
MAIS POLÍTICA
10/01/2017
‘Encontramos doentes mentais na mesma cela que presos comuns’, conta juiz
10/01/2017
Parlamentares e entidades de DH querem punir secretário e deputado por incitarem a violência
10/01/2017
Belluzzo: ‘Quanto mais selvagem a sociedade, pior trata crianças, velhos e prisioneiros’
09/01/2017
Oficial diz que Alckmin se recusou a receber liminar que cancela aumento de integrações
09/01/2017
Parlamentares fazem diligência em presídios e criticam

 

“Ser a favor da vida não admite meio-termo”

Por Fernanda Orsomarzo, do Tribunal de Justiça do Paraná

Certo dia, ao chegar ao fórum, avistei uma moça que me aguardava na entrada do gabinete. À medida que me aproximava, ela baixava os olhos para o chão, acuando-se num canto entre a parede e a porta.
– Olá! Posso te ajudar em algo?
– Oi, doutora. Meu marido pediu para que eu falasse com você.
– Quem é seu marido?
– É o João (nome fictício). Ele está preso.
– Ah, sim. O que aconteceu?
Nesse momento, a moça de corpo franzino começou a chorar. Suas lágrimas eram acompanhadas por intensos soluços e, por conta disso, não conseguia falar. Eu, surpresa e sem jeito com a situação, pedia para que ela se acalmasse, o que foi acontecendo aos poucos.
– O que há? Por que chora tanto?
– Eu só queria saber quando meu marido sai da cadeia, doutora.
Eu, então, me calei. Tendo em vista o estado emocional daquela mulher, que me olhava com tanta tristeza, não podia simplesmente dizer que seu companheiro ainda enfrentaria mais sete longos anos de prisão. Contudo, enquanto pensava em como dar a notícia, ela se adiantou:
– Acabei de sair do hospital. Sangrei uma noite inteira sozinha. Pedi ajuda, mas os vizinhos não escutaram. Perdi meu filho. Perdi a criança que preencheria a minha solidão. Estou só, doutora. Não tenho ninguém.
E começou a chorar novamente. Eu, diante dela, experimentava mais uma vez o sentimento que tem sido para mim uma constante na Vara de Execuções Penais: a impotência.
Por que conto esse episódio?
Conto para que não esqueçamos que o cárcere esconde dramas e histórias de vida que vão além, muito além daquelas paredes mofadas e mal cheirosas, daqueles corpos amarelados e abatidos. Conto para que saibamos que existem pais, mães, esposas e filhos que, apesar de não estarem fisicamente presos, encontram-se em intenso sofrimento psíquico. Conto para dizer que é absolutamente possível ser solidário às vítimas da violência e lutar para que o sistema carcerário não faça mais vítimas; afinal, ser a favor da vida não admite meio-termo. Conto para que lembremos que diariamente pessoas são entulhadas como lixo, muitas delas sem decreto condenatório definitivo, a fim de que seja saciada a sede de vingança de uma sociedade doente. Conto para que saibamos que seres humanos “pagam” pelos erros cometidos num lugar que, ao invés de ressocializar, é a barbárie na Terra. Conto para lembrar que cabe ao Estado, sim, a sua proteção, e que a Constituição Federal prevê a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República, sendo um de seus objetivos a promoção do bem estar de todos. TODOS, sem exceção. Conto para dizer que não quero, não posso e não vou me conformar com a situação dessas pessoas, e que no dia em que achar natural a morte de 60 seres humanos, no dia em que não enxergar nada além de “bandidos” naqueles corpos atrás das grades, a magistratura já não estará mais viva em mim. Eu já não estarei mais viva.

Do mural de Antônio Flávio da Cruz

Estamos indo em direção a um mundo sem direitos humanos? Imogen Foulkes, da BBC News em Genebra

Se o autor desta matéria vivesse no Brasil teria farto material para comprovar que, além de estarmos indo em direção a um mundo sem direitos humanos, estamos indo em direção a um mundo sem humanos.

Prevalece a barbárie e as declarações estúpidas de bestas quadradas em cargo de presidente golpista, governador, ministro e secretário.

A besta ao cubo, que usurpa o cargo de presidente, chefe das bestas quadradas ministros e secretários, chama a chacina de Manaus de “acidente”.

Ao comentar o massacre carcerário em Manaus, o secretário nacional de Juventude do governo Temer, Bruno Júlio (PMDB), diz que “tinha era que matar mais”.

— Eu sou meio coxinha sobre isso. Sou filho de polícia, né? Tinha era que matar mais. Tinha que fazer uma chacina por semana.

Bruno Júlio é filho do ex-deputado federal Cabo Júlio (PMDB), hoje deputado estadual em Minas. É também presidente licenciado da juventude do PMDB. A briga entre facções criminosas no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj) deixou 56 mortos, entre os dias 1º e 2.

A jovem besta quadrada deu esta declaração como se estivesse falando as coisas mais inteligentes de sua vida. E, pasmem, ainda tentou fundamentar sua bela demonstração de ignorância com comparações exdrúxulas e argumentos falaciosos. Caracoles. Será que ainda vamos cair mais ou já chegamos ao fundo do poço?

Repito: se vivesse no Brasil, o autor não teria dúvidas … já estamos em um mundo bárbaro.

Paulo Martins

Estamos indo em direção a um mundo sem direitos humanos?
Imogen Foulkes
Da BBC News em Genebra
5 janeiro 2017

Homem contempla a Declaração Universal dos Direitos Humanos, um dos primeiros documentos publicados pela ONU

Image copyright THREE LIONS/GETTY IMAGES

IMG_4817.JPG
Criados em 1940, princípios de Direitos Humanos tornaram-se leis nas décadas seguintes, mas vem sendo cada vez mais desrespeitados
“Hoje estamos no limiar de um grande evento tanto na existência da ONU quanto da humanidade”. Com estas palavras, a diplomata e ex-primeira-dama americana Eleanor Roosevelt apresentou a Declaração Universal dos Direitos Humanos para a Organização das Nações Unidas.
Era 1948 e os estados-membros da ONU, determinados em impedir que os horrores da Segunda Guerra Mundial se repetissem, estavam cheios de idealismo e aspirações.
A declaração universal prometia, entre outras coisas, o direito à vida, o direito a não ser torturado e o direito de pedir asilo contra a perseguição. Apenas um dia depois de sua ratificação, os países adotaram também a As Convenções de Genebra, uma série de tratados elaborados para proteger civis durante guerras e garantir o direito de equipes médicas trabalharem livremente em zonas de conflito.
Oito purificadores de ar, tosse crônica e máscaras: a vida de uma brasileira em meio à poluição de Pequim
O que é e onde fica o mesentério, o ‘novo’ órgão do corpo humano identificado por cientistas
Nas décadas desde 1948, muitos dos princípios da Declaração foram preservados nas leis internacionais, com a convenção de refugiados de 1951 e a proibição absoluta da tortura – a profecia de Roosevelt de que a declaração se tornaria “a carta magna internacional de todos os homens em todos os lugares” parecia estar se cumprindo.
Mas quase 70 anos depois, os ideais dos anos 1940 começam a parecer batidos. Enfrentando ondas de milhares de migrantes e refugiados em suas fronteiras, muitos países europeus parecem relutantes em honrar sua obrigação de oferecer asilo.
Pelo contrário, seus esforços – desde a cerca na Hungria até o debate britânico sobre aceitar ou não algumas dúzias de jovens refugiados afegãos – parecem mais focados em manter as pessoas afastadas.
Do outro lado do Atlântico, o presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, fala em sancionar a controversa técnica de interrogatório conhecida como waterboarding, uma simulação de afogamento considerada tortura.
Questionado sobre o tema, ele afirmou: “Eu faria muito pior… Não me diga que a tortura não funciona… acredite em mim, ela funciona”.
Na Síria e no Iêmen, civis são bombardeados ou morrem de fome, e os médicos e hospitais que tentam tratá-los têm sido atacados por todos os lados dos conflitos.
Por isso, funcionários da ONU e de outras organizações de direitos humanos já se perguntam: qual será o futuro desse tipo de acordo internacional?

Donald TrumpImage copyrightDREW ANGERER/GETTY IMAGES

img_4818
‘A tortura funciona’, disse o presidente eleito dos EUA, Donald Trump, durante a campanha
‘Corrida ao fundo do poço’
Em Genebra, onde estão as sedes do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, da Agência de Refugiados da ONU e do Comitê Internacional da Cruz Vermelha, já se fala em um mundo “pós-direitos humanos”.
“Não se pode negar que estamos enfrentando desafios enormes: o retrocesso que vemos no respeito aos direitos na Europa ocidental e possivelmente também nos Estados Unidos”, diz Peggy Hicks, diretora de programas dos Direitos Humanos.
Virando a esquina, na sede da Cruz Vermelha há provas de que esses desafios são reais.
Cientistas encontram fonte de misteriosas ondas de rádio no espaço
Uma pesquisa de opinião realizada durante o verão europeu pela organização mostra uma tolerância maior à tortura. Entre as pessoas entrevistadas, 36% acreditavam que era aceitável torturar combatentes inimigos capturados para obter informações.
Além disso, menos da metade dos entrevistados que pertenciam aos cinco países membros permanentes do conselho de segurança (EUA, Reino Unido, China, Rússia e França) disseram ser errado atacar áreas muito populosas, sabendo que civis seriam mortos.
Mais de 25% deles disseram achar que impedir o acesso de civis a comida, água e remédios é parte inevitável da guerra.
Para o presidente do Comitê Internacional da Cruz Vermelha, Peter Maurer, os dados são preocupantes. “Até na guerra, todos merecem ser tratados de maneira humana”, diz.
“Usar a tortura só dá início a uma corrida até o fundo do poço. Tem um impacto devastador nas vítimas e também brutaliza sociedades inteiras por gerações.”
Peter Maurer, presidente do Comitê Internacional da Cruz Vermelha

Image copyrightYURI KADOBNOV/AFP/GETTY IMAGES

img_4819
Usar tortura em interrogatórios brutaliza sociedade e gera ‘corrida ao fundo do poço’, diz presidente da Cruz Vermelha
Desconexão
Mas quantas pessoas fora da “bolha” de Genebra estão ouvindo?
Peggy Hicks, da ONU, tenta explicar por que as atitudes das pessoas em relação aos direitos humanos podem estar mudando.
“Quando confronto o mal que vemos no mundo de hoje, não me surpreende que as pessoas que não pensaram muito profundamente sobre isso (a tortura) às vezes tenham convicção de que isso pode ser uma boa ideia.”
Mas na Europa e nos Estados Unidos, líderes de opinião tradicionais – desde políticos até funcionários da ONU – têm sido acusados de serem elitistas e desconectados da realidade. Sugerir que algumas pessoas simplesmente não refletiram o suficiente sobre tortura para entender que é errado pode ser parte do problema.
“Eu acho que a comunidade dos direitos humanos – eu mesma incluída – tem o problema de não usar uma linguagem que se conecta com as pessoas num diálogo verdadeiro”, admite Hicks.
“Precisamos fazer melhor, eu realmente acho isso.”
A ideia que ninguém em Genebra parece querer enfrentar, no entanto, é a de que os princípios adotados nos anos 1940 podem simplesmente não ser mais tão relevantes para as pessoas no mundo atual.
Eles parecem pensar que os princípios continuam sendo válidos, só não são respeitados o suficiente.
“Não estamos buscando um mundo de fantasias imaginário”, diz Tammam Aloudat, médico da organização humanitária internacional Médicos Sem Fronteiras (MSF).
“Estamos buscando a manutenção das garantias básicas de proteção e assistência a pessoas afetadas por conflitos.”
Cartaz dos Médicos Sem Fronteiras dizendo:

Image copyrightANDREW BURTON/GETTY IMAGES

img_4820
Médicos Sem Fronteiras defende que as regras estabelecidas para zonas de guerra sejam obedecidas, garantindo atendimento a feridos
‘Visão imoral’
A preocupação de Aloudat é que a mudança de atitude, especialmente em relação a profissionais de saúde trabalhando em zonas de guerra, acabe com essas garantias básicas.
Recentemente, perguntaram a ele por que a equipe do MSF não diferencia – na hora de atender os feridos – quais são civis e quais podem ser combatentes que, se forem tratados, podem retornar à batalha.
“Isso é absurdo. Qualquer pessoa desarmada merece tratamento… Não temos autoridade moral para julgar suas intenções no futuro.”
Seguindo essa lógica, diz ele, podem acabar exigindo que médicos e outros profissionais de saúde recusem tratamento ou alimentação a crianças de países em conflito, para evitar que elas se tornem combatentes ao crescer.
“É uma visão de mundo ilegal, antiética e imoral”, afirma.
“Aceitar a tortura, a privação de mantimentos, o cerco a cidades e outros crimes de guerra como coisas inevitáveis – ou mesmo ‘ok’, caso elas resolvam o conflito rapidamente – é horripilante. Eu não gostaria de estar em um mundo em que essa fosse a regra.”
Peggy Hicks, por sua vez, alerta para o excesso de críticas às leis atuais de direitos humanos sem que haja alternativas genuínas a elas.
“Quando buscamos alternativas, não há nenhuma. Mesmo que o sistema atual tenha problemas, se você não tem nada para substitui-lo, é melhor ter cuidado ao tentar destrui-lo.”

A “fada da confiança” não vai resolver a crise, por Pedro Paulo Zahluth Bastos

Meu artigo na Carta Capital sobre o fracasso das previsões neoliberais sobre o sucesso da austeridade para produzir ajuste fiscal e recuperar o crescimento, ou seja, em realizar a mágica da fada da confiança. Tem bons dados para mostrar que a confiança depende da realidade, e não o contrário, e que a austeridade deprime a realidade e, depois, a confiança, à medida que empresários caem na real a respeito da falácia da teoria que justifica o corte de salários, direitos sociais e trabalhistas. Eles não percebem rapidamente que o corte de gastos e custos na empresa, assim como o corte do gasto público, reduz a demanda agregada e portanto as receitas das empresas, incapacitando-as de pagar suas dívidas e levando-as a vender ativos ou pedir falência. A teoria neoclássica que os empresários amam (porque justifica o corte de salários e evita a mudança na estrutura tributária regressiva) não permite que entendam os efeitos complexos, de segunda ou terceira ordem, das decisões microeconômicas: o individualismo metodológico não funciona porque a economia não é uma casa. O mesmo vale para os economistas do FMI que não leram Keynes e nem mesmo as autocríticas do FMI a respeito do fracasso da “austeridade expansionista”, aliás fracasso reconhecido por um fundador da teoria, Roberto Perotti (http://econpapers.repec.org/bookchap/mtpchapts/0262027348-16.htm). Foi publicado há algumas semanas, e soube agora estar disponível no site. Pode ser lido junto com dois artigos mais teóricos, mas acessíveis, publicados por mim e Luiz Gonzaga Belluzzo na Folha ano passado:
1) Crises econômicas evidenciam reducionismo de modelos teóricos: http://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2016/03/1751590-crises-economicas-evidenciam-reducionismo-de-modelos-teoricos.shtml;
2) Uma crítica aos pressupostos do ajuste econômico: http://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2016/10/1820798-uma-critica-aos-pressupostos-do-ajuste-economico.shtml

Razão neoliberal

Por Ulysses Ferraz

Sob o pretexto de um Estado mínimo, os governos de Ronald Reagan, George H. W. Bush e Margaret Thatcher construíram nos anos 1980/90, em seus respectivos países, Estados de segurança máxima. Colocaram em prática uma lógica de opostos. De mínimos e máximos. Uma lógica binária de minimização ou maximação. Minimizar regulamentações, impostos, benefícios sociais, direitos trabalhistas, educação e saúde públicas. Maximizar desigualdades, concentração de renda e riqueza, privatizações, terceirizações, aparatos repressivos, gastos militares, serviços de informações e espionagem. Maximizar o poder dos mercados financeiros e bancos. Maximizar a riqueza dos ricos. Maximizar bônus dos altos executivos. Minimizar salários da classe trabalhadora.

Sob o pretexto da liberdade, esses governos alimentaram bolhas especulativas, declararam guerras, cortaram benefícios sociais historicamente adquiridos e, ao contrário do discurso de austeridade fiscal que venderam para o mundo, produziram vultosos déficits públicos. Invocaram a liberdade para proteger suas economias, bombardear países, incentivar a indústria bélica, garantir suprimento barato de combustíveis fósseis e acessar mercados externos em condições vantajosas. Invocaram a liberdade para proteger seus mercados internos, ignorar acordos ambientais, instaurar o terror e conservar o antigo modo de fazer negócios. Invocaram a liberdade para implantar um sistema de vigilância próximo à distopia orwelliana, quando exerceram o controle mais abrangente e repressivo do Estado sobre o cidadão em tempos de democracia.

Sob o pretexto de um Estado mínimo e da liberdade máxima, esses governos garantiram o máximo para quem já possuía o máximo. Ofereceram o mínimo para quem já possuía o mínimo. Gastaram recursos escassos para atender apenas a seus grupos de interesse. Ofereceram sempre o mínimo em retornos sociais para a maioria da população. No final das contas, maximizaram a miséria para garantir o máximo de riqueza, renda e luxo para um mínimo de pessoas já privilegiadas. Com o respaldo intelectual de economistas vencedores de prêmio Nobel e prestigiosos intelectuais, conferiram legitimidade moral para o egoísmo, para a ganância e para a destruição. Alastraram essas práticas para o resto do mundo em velocidade máxima, com um mínimo de resistência. Criaram mecanismos simbólicos e materiais para disseminar suas ideologias. Com eufemismos cínicos, construíram uma linguagem própria, uma gramática específica, para a produção de discursos pretensamente científicos e a fabricação de consenso. Capturaram os porta-vozes da grande mídia, das classes políticas e da ilustre academia. Em escala global. Deram luz a uma nova hegemonia. Lançaram trevas sobre os desfavorecidos mundo afora. E chamaram tudo isso de nova economia.

Por que ‘opinião não é argumento’, segundo este professor de lógica da Unicamp

Por que ‘opinião não é argumento’, segundo este professor de lógica da Unicamp

Beatriz Montesanti e Tatiana Dias 27 Dez 2016 (atualizado 27/Dez 17h58)

Publicado em nexojornal.com.br

DISCUSSÕES SERVEM PARA A CONSTRUÇÃO DE CONHECIMENTO, E NÃO PARA A DESTRUIÇÃO

Não é fácil vencer uma discussão. Especialmente em um contexto inflamado, em que as opiniões se polarizam, notícias falsas se proliferam, debatedores recorrem a ofensas e sarcasmo e festas de fim de ano criam ambientes propícios para a briga.

Uma boa discussão, ao contrário do que a maior parte das pessoas pensa, não serve para a disputa – e, sim, para a construção do conhecimento. Nesse sentido, saber sustentar uma boa argumentação é fundamental.

“Um argumento é uma ‘viagem lógica’”, diz Walter Carnielli, matemático, professor de lógica na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e autor de “Pensamento crítico – o poder da lógica e da argumentação” (Editora Rideel), livro escrito em parceria com o economista e jurista americano Richard Epstein.

Para Carnielli, os brasileiros têm uma “péssima educação argumentativa”. Confundimos discussão com briga e não sabemos lidar bem com críticas. Mas há técnicas que podem ajudar na construção de bons argumentos – e também a evitar armadilhas comuns em uma discussão, como o uso de falácias.

Entre elas está, por exemplo, a busca por entender o ponto de vista oposto – ajudando, inclusive, o opositor na construção do próprio argumento. Nesta entrevista ao Nexo, o professor explica algumas delas:

O que é considerado um mau argumento?

WALTER CARNIELLI Um argumento é uma ‘viagem lógica’’ que vai das premissas à conclusão. Conforme a definição dada no nosso livro, um bom argumento é aquele em que há boas razões para que as premissas sejam verdadeiras, e, para além disso, as premissas apresentam boas razões para suportar ou apoiar a conclusão.

Em outras palavras, as premissas que você apresenta devem ser precisas e verdadeiras, e devem produzir uma razão para se pensar que a conclusão é verdadeira. Desse modo, há duas maneiras em que um argumento pode falhar, ou ser um mau argumento:

Se as premissas forem falsas.
Se as premissas não apoiam a conclusão.
Em geral as pessoas erram mais na parte 2: parece mais difícil decidir se as premissas apoiam ou suportam a conclusão do que verificar se elas são verdadeiras ou falsas.

Como desmontar um mau argumento de forma respeitosa e produtiva?

WALTER CARNIELLI Existe um princípio metodológico importante na argumentação que é o Princípio da Acomodação Racional, também conhecido como Princípio da Caridade, e que foi tratado por filósofos de peso como Willard Van Orman Quine e Donald Davidson.

O princípio exige que devemos tentar entender o ponto de vista do oponente em sua forma mais forte e persuasiva antes de submeter sua visão à nossa avaliação. Dessa forma, devemos primeiro fazer todos os esforços para esclarecer as premissas e a conclusão do oponente, inclusive ajudando-o a reparar os pontos fracos. Só então, após essa atitude respeitosa, é que devemos gentilmente apontar a ela ou a ele onde suas premissas são falhas ou duvidosas, e/ou porque tais premissas não apoiam a conclusão.

Em outras palavras, o Princípio da Acomodação Racional impõe que interpretemos as afirmações dos outros de forma a maximizar a verdade ou racionalidade do adversário, tanto quanto isso seja possível. É a maneira mais respeitosa e produtiva de manter uma discussão honesta.

Quais são as falácias mais recorrentes?

WALTER CARNIELLI Nós, brasileiros, temos uma péssima educação argumentativa: confundimos discussão com briga, e vemos as críticas como inveja, falta de amizade, falta de amor etc. Pior ainda: quando começa uma discussão, muitas vezes vem o seguinte: ‘tenho o direito de ter minha opinião’, seja sobre o criacionismo, o governo, a política ou a pena de morte.

Claro que todos têm o direito de manter sua opinião, mas opinião não é argumento. A democracia também é feita de opiniões – ninguém precisa argumentar para votar no candidato que preferir, basta manifestar sua opinião nas urnas. Mas quando o candidato quer nos convencer, ou quando queremos convencer os outros sobre nossa posição política, nossa crenças não bastam.

Fora esta falácia estrutural tremenda, que revela que a pessoa sequer sabe o que é um argumento, algumas das falácias mais comuns são:

Ad Hominem: quando se ataca a pessoa, não o argumento. Por exemplo: “o médico me recomendou parar de fumar. Mas ele fuma!”
Falso dilema: quando se exageram os dois lados de uma questão, não deixando lugar para nuances ou meio-termo. Por exemplo: “você é a favor do aborto? Então você apoia o assassinato de crianças”.
Post hoc ergo propter hoc: ou seja, “depois disso, portanto por causa disso”. Por exemplo: “Hitler era vegetariano, e veja no que deu’”.
Inverter o ônus da prova: Por exemplo: “claro que OVNIs existem. Prove o contrário’.’
Falsa analogia: por exemplo, tentar comparar casamento homossexual com legalização da pedofilia.
Por que tanta gente recorre às falácias?

WALTER CARNIELLI Há centenas de falácias conhecidas e estudadas, mas a lista é potencialmente infinita. Há falácias lógicas, falácias estruturais, falácias de analogia, falácias emocionais, etc. Uma falácia é um mau argumento que não pode ser reparado. As pessoas gostam das falácias com rótulos em latim, que soam poderosas, e supostamente são usadas por advogados, ou podem ser usadas para impressionar o oponente.

Quão relevante você acredita que é a lógica formal, dado o fato de pesquisas sugerirem que os mecanismos utilizados para formar opiniões não são racionais?

WALTER CARNIELLI Primeiramente, crenças não são argumentos, embora possam influir neles. Os mecanismos para formar opiniões podem não ser racionais, mas até nesse ponto a investigação lógica é essencial.

Por exemplo, existe uma racionalidade de como revisar suas próprias crenças – a teoria de revisão de crenças – que são essenciais para computação teórica, por exemplo. Como podemos ‘explicar’ a um computador como ele deve rearranjar seus dados frente a novas informações? Ainda mais, as pessoas podem manter crenças verdadeiras por razões irracionais, ou manter crenças falsas por decisões racionais.

Some-se a tudo isso o fato de que o conhecimento é tradicionalmente visto como um tipo especial de crença, e que o problema das contradições na razão é também um importante tema da lógica.

A lógica formal, e a informal [presente na linguagem comum, que não utiliza nenhum tipo de técnica para ser apresentada], são importantíssimas para se investigar a razão humana.

Administrador, gestor e outras máscaras

Compartilho mais um daqueles textos claros, precisos, que acertam no centro do alvo, do Ulysses Ferraz.

Paulo Martins

”Não sou político, sou um administrador, sou empresário, sou gestor”.

Esse tipo de afirmação, muito comum nos tempos de Paulo Maluf, e agora novamente em voga na boca de políticos como João Dória, Geraldo Alckmin e Carlos Osorio, mascara um detalhe importante: administração ou gestão são atividades-meio. Em razão de seu caráter instrumental, jamais poderiam ser consideradas um critério confiável para se escolher chefes do Poder Executivo.

Quando o lema de um político é a gestão, significa que está de mãos vazias. Além de ser uma afirmação interessada e parcial a respeito da própria capacidade de gerir, o que já configura um conflito de interesses, dada a proximidade máxima de alguém consigo mesmo, uma boa gestão, por si só, não garante o devido atendimento ao interesse público.

Campos de concentração eram conhecidos pela sua excelência administrativa, precisão logística, eficácia em exterminar pessoas inocentes e eficiência em cometer atrocidades das mais variadas ao menor custo possível. Auschwitz, para os nazistas, era considerado um caso de sucesso gerencial. Organizações criminosas podem ser bem geridas. Indústrias que se utilizam de mão de obra análoga à escrava ostentam significativas reduções de custos. São produtivas. Fazem mais com menos. O uso de drones em cruéis bombardeios injustificados também pode ser eficiente.

Portanto, o que deve ser levado em conta na hora de escolher um chefe do Executivo, seja nas prefeituras municipais, nos governos dos Estados ou na presidência da República, são os conteúdos programáticos de cada candidato. A pergunta central a ser respondida não é “como fazer” mas sim “o que será feito”. Em outras palavras, a questão que se coloca é: quais as políticas públicas que um candidato pretende implantar uma vez eleito, no interesse da população. Antes de se fazer certo a coisa, é preciso fazer a coisa certa.

A boa gestão é sempre bem-vinda. É condição necessária, mas não suficiente para o exercício de um mandato eletivo. Diferentemente de uma empresa privada, no setor público a eficiência econômica deve estar sempre subordinada à eficácia social. Se em qualquer momento algum “trade-off” tiver de ser feito, é muito melhor que se sacrifique uma parcela da eficiência, em benefício de um atendimento à população mais igualitário e universalizado. Cortar programas sociais não é um indicador de gestão eficiente. É sinônimo de covardia do administrador e revela falta de compromisso com seus administrados. Sobretudo em um país com tantas carências materiais e injustiças distributivas como o Brasil.

Assim, precisamos estar vacinados contra argumentos falaciosos dos autointitulados “especialistas” em gestão. Já passamos do prazo de sermos tão ingênuos. Negar a política e concentrar os discursos nas ações acessórias para acobertar a falta de propostas sólidas é um expediente ardiloso. Não passa de um jeito sórdido de fazer má política. A embalagem pode até ser nova. Mas a tática é velha. E, ao que parece, ainda tem iludido milhões de eleitores incautos. Massas seduzidas pelas promessas vazias de uma vida dominada pelo admirável mundo da técnica, onde ambicionar o consumo de roupas de grife seria a expressão máxima do valor da cidadania.

(Texto Ulysses Ferraz)

Os economistas de vitrine e suas fantásticas previsões, por André Araújo

Estes  “economistas de prateleira” já têm pronta a única, amarga e definitiva poção mágica, sempre uma ideia rasa e simplista, pronta para consumo. Eles não têm qualquer garantia, mas precisam fazer  com que todos acreditem que  sabem qual a doença e qual o caminho para a sua cura. Como são médicos de uma droga só, precisam que todos acreditem que o diagnóstico (a doença) se encaixa no remédio.

Se a realidade mostra que o remédio está piorando a saúde do paciente, estes “economistas de prateleira” recomendam a dobra da aposta. Mais do mesmo amargo veneno. Mais austeridade, mais eliminação de demanda e de investimento, mais bloqueio dos fatores  que dinamizam a economia e criam empregos. No fundo do poço da recessão tem outro poço, da depressão. E, no longo prazo, muitos morrerão pelo caminho, vidas serão  arruinadas pelos experimentos de médicos de um remédio só. Elixir tosco … experimentos de curandeiros … voodoo economics.

Paulo Martins

Publicado em jornalggn.com.br

Os economistas de vitrine e suas fantásticas previsões

por André Araújo

Velho hábito de gente antiga, guardo jornais por seis meses e começo a reler em dias de ócio no interior quanto o tempo não passa e o silencio é só quebrado pelos bandos de maritacas.

Os chamados “economistas de vitrine” ou “de mercado”, sempre disponíveis para entrevistas de jornal, rádio e tv fazem afirmações peremptórias. Logo após a queda de Dilma começaram profecias audaciosas: com a nova equipe econômica e as medidas de austeridade voltará a confiança e a economia já mostrará crescimento no 2º semestre. Todas centravam suas certezas exclusivamente em uma política de austeridade, algo de uma pobreza intelectual franciscana. Onde estudaram? Com que mestres? Não é possível alguém se vender como economista e ser tão limitado, tão raso. É evidente que em um País com profunda recessão, resultante de várias causas, um só remédio não tem o dom de curar um quadro clínico de múltiplas complicações.

Nenhuma política econômica se constrói só com uma medida. Política econômica é um CONJUNTO de medidas, uma combinação de ideias e de escolas, de provideências articuladas, nos tempos de Delfim se denominavam como “pacotes”. Há muito tempo o melhor pensamento econômico opera com “fusion economics”, não há única receita pronta para todas as doenças. O grande Albert Hirschman, um dos melhores economistas especializados em países emergentes, cujo autobiografia em português tem o titulo de AUTO SUBVERSÃO, tem a frase para isso “sempre o mesmo remédio para doenças diferentes, sempre o mesmo diagnóstico tosco e errado para moléstias complexas, será que economistas não evoluem?”

Visitei Hirschman alguns anos antes de sua morte, em 2012, no Instituto de Estudos Avançados de Princeton e suas ideias anti-convencionais impressionavam. Ele era iconoclasta em relação a pensamentos categóricos do tipo “teto de gastos”, não acreditava em crescimento equilibrado, todo crescimento é desequilibrado mas é desse desequilíbrio que se sustentam os ciclos virtuosos, um crescimento sustentável é uma quimera atrás da qual correm economistas teóricos e nada práticos porque não é da natureza das coisas esse equilíbrio etéreo.

O remédio exclusivo de austeridade foi criticado no ano passado por ninguém menos que o Fundo Monetário Internacional na sua revisão da economia grega. O FMI em seu relatório de avaliação da Grécia disse textualmente que mais austeridade não iria tirar a Grécia da crise.

Grandes economistas como Dani Rodrick, Joseph Stiglitz e Paul Krugman tem dezenas de trabalhos sobre a inadequação da receita de austeridade para economias em recessão.

Não obstante tantas lições, os “economistas de vitrine” continuam apostando suas fichas em receitas de impostura, como as da dupla Meirelles-Goldfajn, que não levarão a lugar algum porque são remédios errados para doenças erradamente diagnosticadas.

E joga-se o destino de grandes nações na mão desses médicos de alicate e martelo, a quem falta refinamento e sofisticação intelectual à altura de uma crise muito maior que eles.

Colocar o destino de 200 milhões de pessoas na cabeça de um executivo de banco médio sem nenhum currículo de formulador econômico que terceiriza a política para um banco central de dinossauros fanáticos pela estabilidade de cemitério quando a questão do desemprego é um vulcão a explodir, é algo de uma inconsequência impressionante pela falta de percepção elementar da realidade política decorrente de medidas econômicas equivocadas.

E todo esse espetáculo de erros acolitado pelos “economistas de vitrine”, que acham que uma lei de congelamento de gastos resolve por si só um conjunto de complexos problemas econômicos que exige muito mais que um teórico programa de 20 anos, além de tudo algo de difícil operacionalidade, mais nuvem que chão, em vinte anos o mundo não terá a mais remota semelhança com o mundo de hoje.

Entrevista de 1º de outubro de 2016, no ESTADÃO, pag.B6 da economista Zeina Latif , uma das mais constantes na mídia, com o título “O ajuste fiscal é o caminho para sair da crise”, o título já define o pensamento e nessa linha há dezenas de entrevistas de “economistas de vitrine”, 10 a 2 no circuito na mídia impressa e eletrônica, um carrossel que gira em falso sobre ideias simplórias, rasas, destituídas de conteúdo doutrinário e histórico.

Aos que apontam esse caminho errado vem a mesma, a mesmíssima resposta: “Ah, mas a Dilma quis fazer diferente e olhe o que aconteceu”. A política econômica do governo Dilma era também uma OUTRA combinação errada, sem articulação de fatores, sem metas claras, era uma soma de quebra galhos improvisados que visavam a ganhar o mês sem saber como acabaria o ano. O fato da gestão Dilma errar não significa que fazer o contrário do que ela fez vai dar certo, as duas políticas econômicas podem estar erradas, dois erros não fazem um acerto, aliás é até difícil definir qual era a economia de Dilma e qual é a economia de Temer porque ambas são inconsistentes, incompletas, de elaboração pobre e simplista.

Dilma fez uma combinação errada de políticas e Meirelles está fazendo política de uma nota só e, pior que isso, sua austeridade é fajuta e não tem boas bases doutrinárias, é apenas voluntariosa mas, ao mesmo tempo, mais retórica que operacional.

ANUNCIAR austeridade não é praticar austeridade. A política de Meirelles anuncia cortes e ao mesmo tempo dá aumentos absurdos a oito categorias no último dia do ano, categorias das mais bem pagas do funcionalismo federal. Esses aumentos para categorias burocráticas são incompatíveis com 12 milhões de desempregados na economia produtiva. Ao mesmo tempo, nada se faz, nada se fez e nada se pensa em fazer em relação a 14.000 supersalários, alguns de 190 mil por mês. Como pedir austeridade a quem não tem nenhum salário? Basta consultar o site de transparência do governo federal para ver os supersalários, não só da ativa mas também de aposentados. Pedir austeridade como, com base em que linha moral?

Foi muito engraçado com uma pitada de trágico ver os “economistas de vitrine” e seus entrevistadores sem saber o que falar em novembro e dezembro quando seus prognósticos de “com a restauração da confiança virão os investimentos e depois o crescimento” afundaram na realidade das estatísticas de aumento do desemprego, fechamento de lojas e empresas, queda contínua do PIB e da produção industrial. Não sabiam o que falar nem eles e nem seus jornalistas de apoio na mídia fiel ao “economismo de mercado”, cuja fonte de saber são os departamentos de economia de bancos, os mesmos que informam o Boletim FOCUS.

O mais impressionante é a secura de nomes: vinte no máximo, SEMPRE OS MESMOS, da PUC Rio, do INSPER, FGV, alguns fósseis da FEA da USP, muitos com títulos no exterior.

Ninguém da Federal Fluminense (Ricardo Carneiro,Theotonio dos Santos, Niemeyer de Almeida), da Unicamp (Frederico Mazzuchelli), da ala mais pensante da USP (Laura Carvalho, Lenina Pomeranz, Sergio Buarque de Holanda Filho)), Ufpe (Tania de Araujo), PUC-SP (Rosa Maria Magalhães), da Universidade Greenwich de Londres (Tomas Rotta) salva-se Antonio Correa de Lacerda, professor e com vivência industrial, assíduo no Jornal da Cultura.

Porque os correspondentes internacionais da GLOBONEWS não fazem entrevistas com economistas sólidos e inovadores, nomes como Dani Rodrick, Paul Krugman e Joseph Stiglitz, que tem visões globais e atualizadas de economia sem serem porta vozes do mercado financeiro como são os “economistas de vitrine”, viciados em bordões ?

O Brasil é um dos países onde menos discussões sobre política econômica acontece, tanto na mídia como nos organismos de formulação de políticas, como o Poder Legislativo.

Na presidência de Aldo Rebelo, na Câmara dos Deputados, coube-me organizar um Seminário sobre Política Econômica. Convidamos grandes nomes de várias escolas, houve um vivo debate de diferentes visões de economia, porque isso não se repetiu ?

A Senadora Gleisi Hoffmann preside a Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, poderia convidar grandes economistas estrangeiros para conferências, penso que viriam só pela passagem e hotel tratando-se de um órgão de interesse público, o debate poderia ser entre esses nomes e economistas brasileiros de escolas diversas.

Isso está faltando no Brasil e é urgente. Está em jogo o futuro de um grande País, hoje manobrado por alguns cérebros de um prato só, uma pobreza intelectual chocante.

Austeridade se pratica sem precisar de emenda constitucional, precisa de gestão “mão na massa” tipo Amador Aguiar no Bradesco, controlando lápis e papel. Quando Janio Quadros foi Governador de SP, pegando um Estado quebrado, fez esse tipo de administração e criou um enorme superávit, o Estado passou a comprar muito mais barato porque com o pedido já vinha a Nota de Empenho que equivalia a um cheque, não havendo atraso no pagamento, todos queriam vender para o Estado e vendiam a bons preços. Janio não precisou de nenhuma lei, bastou agir.

No lado do crescimento empenhar um trilhão de Reais em 40 meses, R$25 bilhões por mês nem faria cócegas na inflação e criaria eficiência econômica a mais de 1.000 obras paradas e outras novas que o Brasil precisa, gerando milhões de empregos e tirando a economia do abismo em que se encontra.

Está faltando massa cerebral na política econômica brasileira, rasa como um pires de café, afinal o que está em jogo é o destino de um dos maiores países do mundo. Nessa política econômica há carência de grandeza à altura do País-continente.

Sobre o massacre no Amazonas …

 

Por Flávio Antonio da Cruz

“O governador do Amazonas diz que não havia santos entre os mortos. Nas entrelinhas do seu discurso, afirma-se que quem morreu merecia mesmo ter morrido. A expressão é para lá de infeliz, sobremodo quando proferida por uma autoridade pública. No final das contas, ela faz coro com o fascismo cotidiano que imagina que todo suspeito/preso/condenado deva ser morto ou que massacres como esse não deveriam causar comoção a ninguém. São esses os autoproclamados homens bons – bonus pater familiae… Quando ele diz que não havia santos em tal ou qual lugar, parece acreditar que haja santos em suas hostes. O que resta é medo da noção de justiça que esses ‘homens santos’ disseminam por aí…”

Desigualdade: Tony Atkinson

Compartilho texto de Cláudio Guedes sobre o economista Anthony Atkinson, falecido em 01/01/2017. Após o texto tem um vídeo, em inglês, com a palestra de lançamento do livro Inequality mencionado no texto.

Paulo Martins

“Uma lágrima …

Sir Tony Atkinson, que morreu aos 72 anos no primeiro dia de 2017, foi um brilhante economista. Talvez o que melhor e mais consistentemente trabalhou a questão da desigualdade social nas sociedades contemporâneas. Dirigiu seus estudos a partir de sua cátedra no Nuffield College, da Universidade de Oxford, e como professor emérito da London School of Economics. Era também um ativista ligado ao Partido Trabalhista do Reino Unido.

Três aspectos do trabalho do economista britânico merecem destaque. Primeiro, a sua preocupação sobre a compreensão das causas e consequências da pobreza, tratando o assunto em utama perspectiva ampla e sem preconceitos.

Uma segunda vertente de sua contribuição acadêmica foi mais teórica. Como editor do Journal of Public Economics durante 25 anos, e muitas vezes em parceria com Joseph Stiglitz, economista vencedor do Prêmio Nobel, ele desafiou a ortodoxia da economia de livre mercado, fornecendo respostas para como reformar economias onde os mercados não estão funcionando bem, o “bem ” na visão de quem pensa o conjunto da sociedade, não apenas parte dela, é claro.

O terceiro ponto central no seu trabalho, dominante nos últimos anos, foi a abordagem sobre a desigualdade – onde Atkinson brilhou, demonstrando, de acordo com Thomas Piketty, para quem ele era um mentor, que a economia é “acima de tudo uma ciência social e moral”. Ele elaborou uma longa série de medidas de desigualdade de riqueza no Reino Unido a partir de registros de sucessões, preocupado com o fato de que medidas tradicionais de desigualdade, como o coeficiente de GINI, não conseguirem distinguir diferenças entre os que estão no topo da renda, as distribuições de riqueza e os que estão no nível mais baixo, criando uma medida específica, o índice Atkinson, para resolver o problema. O índice permite que os pesquisadores destaquem sociedades com desigualdade geral semelhante, mas que possuem níveis mais altos de pobreza.

Em seu mais recente livro, “Inequality: what can be done?”, Atkinson produziu uma lista de 15 propostas, incluindo uma maior tributação dos ricos, maior redistribuição da renda por extratos sociais definidos, manutenção de empregos pelo setor público (nas áreas de saúde, educação e segurança pública) e mais poder aos sindicatos.

Na contra-mão da obsessão pelo mercados livres e pela busca implacável e insensível pela “eficiência”, era um intelectual que continuava, com grandeza, a pensar e tentar mitigar o grande desafio da humanidade: como melhorar a vida nas sociedades, como tornar o mundo um lugar mais igual e fraterno.”