A LIÇÃO DE UM JUIZ PARA UM EX-JUIZ

A LIÇÃO DE UM JUIZ PARA UM EX-JUIZ
Trecho do voto do ministro Nefi Cordeiro, hoje no STJ, quando o tribunal determinou a libertação de Temer. É para recortar e guardar como lição do que é um verdadeiro juiz:
“Manter solto durante o processo não é impunidade, como socialmente pode parecer. É sim garantia somente afastada por comprovados riscos legais. Aliás, é bom que se esclareça, ante eventuais desejos sociais de um juiz herói contra o crime, que essa não é, não pode ser a função do juiz. Juiz não enfrenta crimes. Juiz não é agente de segurança pública, não é controlador da moralidade social ou dos destinos políticos da nação. O juiz criminal deve conduzir o processo pela lei e pela Constituição, com imparcialidade. E somente ao final do processo, sopesando adequadamente as provas, reconhecer a culpa ou declarar a absolvição. Juiz não é símbolo de combate à criminalidade. É definidor da culpa provada, sem receio de criminosos e sem admitir pressões por punições imediatas”.
Para acrescentar. Nefi Cordeiro foi promotor de Justiça e juiz federal e integra o STJ desde 2014. Algumas curiosidades. Integrou o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, o mesmo que reafirmou a condenação de Lula em tempo recorde no ano passado. Nasceu em Curitiba, onde Sergio Moro brilhou como caçador seletivo de corruptos e herói da moralidade da direita.
O detalhe mais forte do seu voto é o que adverte: um juiz não pode se submeter a pressões para atender aos que desejam punições imediatas.
Seus ex-colegas no TRF4 devem estar sabendo o que disse hoje em Brasília esse juiz que também foi capitão da Polícia Militar do Paraná.” Texto do Moisés Mendes

Não tem nada na cabeça

“É natural, é natural. Agora… a maioria ali é militante. É militante. Não tem nada na cabeça. Se perguntar 7 x 8 não sabe. Se perguntar a fórmula da água, não sabe. Não sabe nada. São uns idiotas úteis, uns imbecis que estão sendo utilizados como massa de manobra de uma minoria espertalhona que compõe o núcleo de muitas universidades federais do Brasil”. Jair Bolsonaro.

Esta é parte de uma entrevista de uma pessoa que carrega mal, porque lhe pesa uma tonelada, a faixa de presidente da República.

Qualquer um que ofendesse os manifestantes universitários como Bolsonaro ofendeu mereceria recriminação. Vindo de um presidente da República é mais grave ainda.

Há muitos anos participei de um seminário interno de Gestão Empresarial patrocinado pela empresa empregadora e destinado a todo quadro gerencial da companhia. O consultor responsável pelo treinamento era experiente e competente. Uma de suas primeiras observações era sobre o cuidado que um gerente deveria ter com as palavras e gestos ao dirigir-se à sua equipe. Sobre este assunto gravei uma interessante imagem passada pelo consultor. Segundo ele, os membros da equipe ouvem o gerente como se este estivesse falando com um megafone, especialmente quando o gerente é mal-educado, injusto ou ofende seus funcionários. Bolsonaro ofendeu os universitários manifestantes – finalmente manifestantes – em entrevista coletiva. Tinha um megafone, caixas de som e amplificadores nas mãos. E usou da pior forma possível. Talvez a única que ele aprendeu em seus 60 anos de falta de educação e grosseria.

Se um presidente da República, responsável pela administração de um país com 208 milhões de pessoas como é o caso do Brasil, não tem capacidade de avaliação, inteligência e equilíbrio emocional para lidar com este tipo de situação apresentada neste dia 15 de maio pelos manifestantes favoráveis à educação pública, teria capacidade para resolver os graves assuntos da vida política e econômica do país?

Deixo aqui a pergunta. A resposta parece óbvia. É um sonoro NÃO.

Paulo Martins

Desmonte, por Marco Luchese

Texto de Marco Luchese, com introdução de Rosa Freire D’Aguiar. Eu não preciso acrescentar mais nada.

Paulo Martins

Provavelmente alguns recalcitrantes assinantes do Globo já leram. Quem não leu vale a pena ler. Marco Lucchesi, presidente da ABL, escreve aqui, como diz, em nome próprio, com “as cordas vocais que me constituem”. Mas não convém esquecer que a ABL tem entre seus membros nomes de destaque da intelectualidade brasileira, professores aposentados de grandes universidades, concorde-se ou não com suas posições ideológicas. Não seria de mau alvitre se colegas de fardão “votassem com o relator” nessa bela defesa que ele faz da vida acadêmica e, mais amplamente, da Constituição, da nossa democracia.
Parabéns, Marco.

DESMONTE
Jornal O Globo, 12.05.2019

Marco Lucchesi, Professor Titular da UFRJ.

“Escrevo, hoje, em primeira pessoa, apenas e tão somente, na qualidade de professor titular da UFRJ. Não falo senão por mim mesmo, com as cordas vocais que me constituem.

Pergunto até quando Catilina irá abusar da nossa paciência, e qual o tamanho do abismo a que nos leva? Procuro modular minha indignação diante dos ataques desferidos à Constituição de 1988. Fruto soberbo de uma transição inacabada para a democracia, nossa Carta Magna vive sob estado de sítio. Espero que o Supremo desperte do sono dogmático e compreenda, de modo frontal, a gravidade do momento.

Só o tempo dirá como chegamos ao presente estado de coisas e quem sequestrou nossa frágil democracia. Só o tempo dirá quais foram os arquitetos desse frágil castelo de cartas, e quem feriu o coração da República.

Tenho mais de 50 anos e nunca me senti tão vilipendiado como professor. Os reitores das universidades são tratados como agentes da desordem e do “marxismo cultural”. O ministério ameaçou corte de verba por motivos impensáveis a três universidades. Ao perceber que era inconstitucional, abriu fogo contra todos.

Houve quem defendesse o fim do ensino da Filosofia e da Sociologia. Um argumento interessante para documentar a que ponto chegamos.

Nosso original chanceler, na mesma linha ortodoxa, disse que a autoridade máxima do país era o novo Messias, a pedra angular que todos rejeitaram.

Sugiro que façamos um estudo do campo semântico da política atual, seguindo o “Linguagem do Terceiro Império”, de Viktor Klemperer.

De onde tiraram a loucura de acabar com os cursos de Filosofia e Sociologia? Em que país do mundo, em que regime totalitário se ousaria tamanho dislate? Um misto de soberba e despreparo de hooligans, ungidos por um deus odioso.

Mas é também um plano, para adestrar a universidade pública. Poderão ensinar, em casa, que a Terra é plana, ou quadrada, que a evolução não existe, que só a Bíblia interessa, e que a ciência sem religião é de satanás.

Sou um péssimo exemplo: cursei História na UFF. Sou professor de literatura. E bem mais grave: com pós-doutorado de Filosofia na Alemanha. Deveria ressarcir os cofres públicos.

Fico espantado que não tenham lido Max Weber, Karl Mannheim e, nem tampouco, o “deletério” Karl Marx, homem de vasta cultura. Esse filósofo, de barba selvagem, trazia no DNA o escândalo da desigualdade entre os homens. Ele e Francisco, o de Assis e o do Vaticano. Todos a serviço do “Fórum de São Paulo”.

Não há problema se você é de direita ou de esquerda. O que espanta é a surda arrogância, o ódio à cultura e as paixões violentas.

Certo ministro segue a cartilha do “filósofo” do turpilóquio, o das palavras grosseiras. É chocante a baixa qualidade do debate. Querem uma posição mais moderada? Pois muito bem, leiam Norberto Bobbio, leiam Karl Popper e Bertrand Russell. E compreendam a dignidade republicana dos cargos que ocupam.

Não agridam a liberdade de cátedra, assegurada na Constituição. Os professores são tratados como espiões da KGB, dispostos a favorecer a entrada dos tanques soviéticos através de nossas fronteiras. É um caso psiquiátrico. Leiam o Manual de Diagnósticos (DSM-5).

Eis a luta da “pedra angular” contra o dragão da maldade. Somos filhos do demônio, os professores, hereges que não obedecem à cartilha do pensamento único, se ainda houver conjunto de neurônios capazes de pensar.

A Universidade pública é a maior conquista da sociedade civil. Compõe um capítulo formidável na História do Brasil e do Ocidente. Possui altos níveis de excelência, jamais deixou de rasgar novos horizontes científicos, apesar da verba irrisória.

Peço aos que cuidam da educação maior cuidado. Que não se torne a dizer que o corte no ensino superior vai abrir mais creches. Esse dilema não existe. Trata-se de uma falácia que se aprende num simples manual de lógica.

Porque não é matéria de Veterinária, mas de Filosofia.

A diversidade do pensamento é o que interessa: de Kafka (com K) a Agostinho, de Adam Smith a James Joyce (com Y). O diálogo construtivo sem ódio e sem anátema.

Não busco a imprecação e o pugilato. Trabalho no campo das ideias, de modo contundente e ao mesmo tempo respeitoso.

Mas não vou assistir, de braços cruzados, ao desmonte da Universidade pública.”

Barraco de olavistas e generais é parte de estratégia de poder de Bolsonaro?

Os últimos ataques do polemista Olavo de Carvalho aos generais que fazem parte do governo Bolsonaro e as respostas a ele, principalmente as do general Villas Bôas, são ruins para a agenda nacional, mas úteis à agenda do presidente. Um governo que opera em modo de destruição, inclusive autodestruição, não teria o risco de dar certo se o critério de avaliação fosse a execução de um projeto de país. Mas do ponto de vista de um projeto de poder, não. A família Bolsonaro subverteu a ideia de dividir para conquistar, aplicando-a não apenas aos inimigos, mas também aos próprios aliados. Evita, dessa forma, que surja qualquer pessoa capaz de ter força para lhe toma… – Veja mais em https://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br/2019/05/07/barraco-de-olavistas-e-generais-e-parte-de-estrategia-de-poder-de-bolsonaro/?cmpid=copiaecola

Para continuar brigando, por Rogério Godinho

Em desespero, as pessoas perguntam: o que fazer?
Talvez tomar as ruas. Talvez estimular seu candidato. Talvez reunir o centro político em uma frente única. Talvez iluminar, com argumentos mágicos, a própria família.
Mas nada acontece, o desalento é enorme e você se pergunta se está sendo indiferente demais. Se os líderes estão apáticos demais.
Se todos estão desinteressados demais.
E, em cada semana, um novo absurdo preenche o noticiário.
Todos esperam que um deles finalmente desperte o vizinho alienado, o militante cego, o familiar inculto.
Sinto dizer, seja o que for, nada vai funcionar.
Não agora.
Salvo a metafórica arma fumegante na mão, prova indiscutível do crime, nada vai mudar essa situação hoje. Quiçá, nem a arma fumegante.
Nem amanhã, nem em junho, nem em julho.
Você vai explicar, postar, apontar e alguém sempre vai dizer: “antes era pior”. “Para que criticar, vamos esperar”. “Não é tão ruim assim”.
O Brasil estava cego ontem, continua cego hoje. Uns transtornados pela raiva, outros míopes por não possuir discernimento para compreender o que é tão ruim nesse governo, tão ruim que consegue ser pior do que aquilo que era tão ruim ontem.
Se é assim, o que nos resta? O desespero? Aceitar o desastre? Fazer parte do gado?
Ficar imóvel diante da destruição da educação, do meio ambiente, do futuro?
A boa notícia é que nada dura para sempre.
Nem a fama do herói, nem a popularidade do vigarista.
Todo líder se desgasta.
Líderes estúpidos se desgastam mais rápido.
Este que está aí também vai cair.
Já começou.
Por ora, o que se pode é acelerar a queda.
Com calma, se é que é possível, contrapor mentira com argumento, bravata com números, palavrão com pesquisa. É rejeitar a mentira do seu lado, é trocar o argumento que lhe convence por aquele que vai convencer o outro.
Porque você precisa entender o que comove esse eleitor, encontrar a brecha que vai produzir uma nesga que seja de luz.
É seguir com o meme, com a piada, o jornalismo que mostra a sujeira, a análise que destrincha o erro, a pergunta diária sobre onde está o Queiroz, o passageiro que convence o motorista do Uber.
Não precisa hierarquizar, patrulhar a revolta alheia. Cada protesto tem seu papel nessa briga, nenhuma ação é pequena demais. Nenhuma publicação, nenhuma piada, nenhuma bandeira, nenhuma crítica é irrelevante. Todas têm seu espaço e sua função. Todas acabam encontrando seu alvo nessa morte de mil cortes.
Assim se acelera a queda.
E, aí sim, virá o momento da rua. Não está tão longe.
Depois, o momento de dizer “eu avisei”.
Depois, ainda, a queda.
Mas não será este mês ou no outro.
Hoje, de nada adianta dez mil pessoas na rua, de nada serve jogar os problemas na cara do vizinho.
Isso só faz o eleitor se retrair ainda mais na sua teimosia delirante.
Nenhuma razão, nenhum post, nenhuma publicação vai iluminar essas almas.
Só o tempo desgasta a paciência da população.
Só o tempo.
Enquanto isso, é preciso acalmar o coração.
Para não desesperar.
Para continuar brigando.